Violência íntima: experiências de mulheres na Atenção Primária à Saúde no Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Intimate partner violence: women’s experience in Primary Health Care in Rio de Janeiro, RJ, Brazil

Violencia íntima: experiencias de mujeres en la atención primaria de la salud en Río de Janeiro, RJ, Brasil

Evelin Gomes Esperandio Anna Tereza Miranda Soares de Moura Cesar Augusto Orazem Favoreto Sobre os autores

Resumos

A abordagem da violência íntima (VI) é um desafio na Atenção Primária à Saúde (APS). Estudos trazem discussões na perspectiva de profissionais, sendo que poucos avançam em dar voz às mulheres. O objetivo deste trabalho foi compreender a experiência dessas mulheres no contexto do cuidado ofertado na APS na cidade do Rio de Janeiro, de estado homônimo, Brasil. Utilizou-se metodologia qualitativa, entrevistando mulheres nas Unidades de Saúde da Família, com questionário semiestruturado e análise hermenêutico-dialética. Entrevistas com 21 mulheres mostraram dificuldades de revelação da VI e possibilidades de atuação da APS, identificando a precarização da rede. Sugestões para abordagem: criação de grupos, escuta empática e vínculo. Foram destacados a atuação de profissionais como tutores de resiliência; a necessidade de qualificação da rede; e o reforço do papel de agentes comunitários e dos atributos da APS para o cuidado dessas situações.

Atenção Primária à Saúde; Estratégia Saúde da Família; Violência contra a mulher; Violência íntima


The intimate partner violence (IPV) approach is a challenge in Primary Health Care. Studies discuss the professionals’ perspective, but few of them advance as to give women a voice. The objective of this study was to understand these women’s experience with the Primary Health Care provided in the Brazilian city of Rio de Janeiro, state of Rio de Janeiro. A qualitative methodology was used, interviewing women in Family Health units with a semistructured survey and a hermeneutic dialectic analysis. Interviews with 21 women showed difficulties to open up about IPV and possibilities of Primary Health Care intervention, identifying the network’s precariousness. Suggestions for approach: creation of groups, empathetic listening, and bonding. The following were highlighted: the work of professionals, such as resilience tutors; the need for network qualification; reinforcement of the role of Community Agents and of the Primary Health Care attributes in these situations.

Primary health care; Family Health Strategy; Violence against women; Intimate Partner Violence


El abordaje de la violencia íntima (VI) es un desafío en la Atención Primaria de la Salud (APS). Estudios presentan discusiones bajo la perspectiva de profesionales, siendo que pocos avanzan en darles voz a las mujeres. El objetivo de este trabajo fue comprender la experiencia de estas mujeres en el contexto del cuidado ofrecido en la APS en la ciudad de Río de Janeiro, del estado del mismo nombre, Brasil. Se utilizó metodología cualitativa, entrevistando a mujeres en las unidades de Salud de la Familia, con un cuestionario semiestructurado y análisis hermenéutico-dialéctica. Entrevistas con 21 mujeres mostraron dificultades de revelación de la VI y posibilidades de actuación de la APS, identificando la precarización de la red. Sugerencias para abordaje: creación de grupos, escucha empática y vínculo. Se destacó la actuación de profesionales como tutores de resiliencia, la necesidad de calificación de la red, el refuerzo del papel de Agentes Comunitarios y de los atributos de la APS para el cuidado de esas situaciones.

Atención Primaria de la Salud; Estrategia Salud de la Familia; Violencia contra la mujer; Violencia íntima


Introdução

A violência tem repercussões intersetoriais e frequência considerável, sendo reconhecida internacionalmente como problema de saúde pública de alta relevância pela Organização Mundial da Saúde (OMS)11. García-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts C. WHO multi-country study on women’s health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women’s responses. Geneva: World Health Organization; 2005.. Considerando as relações de intimidade, a VI atinge especialmente as mulheres. Em torno de 30% das mulheres no mundo relatam já terem sofrido algum tipo de violência na vida11. García-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts C. WHO multi-country study on women’s health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women’s responses. Geneva: World Health Organization; 2005.. A reflexão sobre a temática, no âmbito nacional, é crescente, com o desenvolvimento de manuais e políticas públicas que discutem formas de erradicação e punição, com avanços significativos na legislação, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio22. Brasil. Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Política nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres [Internet]. Brasília: Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres; 2011 [citado 13 Abr 2019]. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/politica-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres
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3. Brasil. Presidência da República. Lei nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. 8 Ago 2006 [citado 10 Dez 2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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-44. Brasil. Presidência da República. Lei nº 13.104, de 9 de Março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília: Presidência da República; 2015..

A APS já está bem estabelecida no Sistema Único de Saúde (SUS) como local de acesso de primeiro contato, longitudinal e de atendimento integral às pessoas55. Giovanella L. Políticas e sistema de saúde no Brasil. 2a ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012.,66. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002.. Executada no Brasil no âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF), a APS pode ser considerada como cenário oportuno para o cuidado das mulheres que enfrentam situações de VI77. Brasil. Ministério da Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para a prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. (Cadernos de atenção básica; n. 8).. As equipes de Saúde da Família (SF) podem ser vistas como as executoras desse cuidado na prática, sendo que os princípios da APS deveriam nortear seu trabalho. Nesse nível de atenção, a ocorrência de VI já foi observada em até 59% das mulheres, tendo consequências consideráveis na sua saúde e no uso dos serviços88. Schraiber LB, Barros CRS, Castilho EA. Violência contra as mulheres por parceiros íntimos: usos de serviços de saúde. Rev Bras Epidemiol. 2010; 13(2):237-45.,99. Heise L. Violence against women: the hidden health burden. World Health Stat Q. 1993; 46(1):78-85..

Apesar da elevada prevalência, o tema ainda é pouco explorado na formação em Saúde1010. Anderson MIP, Romero XA, Arias-Castillo L, Moreno CB, Sinisterra JSG, Martín TM, et al. Medicina de família e comunidade, atenção primaria e violência: formação e ação em Iberoamerica. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2018; 13(1):9-28., havendo despreparo para lidar com o problema, além da existência de preconceitos que colocam as mulheres em lugar de culpabilizaçã11. García-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts C. WHO multi-country study on women’s health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women’s responses. Geneva: World Health Organization; 2005.. Ainda que existam avanços nas discussões sobre a implicação do machismo e do patriarcado sobre a violência de gênero, com importantes marcos conceituais trazidos por Scott1111. Scott J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educ Real. 1995; 20(2):71-99. e Saffioti1212. Saffioti HIB. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cad Pagu. 2001; (16):115-36., é possível observar na academia a falta de legitimação de pesquisas feministas, predominando olhares masculinos nas publicações1313. Bonneti A, Souza AMFL. Gênero, mulheres e feminismos. Salvador: EDUFBA; 2011..

Mesmo que a correlação entre violência e saúde seja consenso na literatura, muitas situações ainda permanecem invisíveis ou são interpretadas como não pertencentes ao setor11. García-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts C. WHO multi-country study on women’s health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women’s responses. Geneva: World Health Organization; 2005.,1414. Sugg NK, Inui T. Primary care physicians’ response to domestic violence: opening pandora’s box. JAMA. 1992; 267(23):3157-60.. Observa-se que a maioria dos instrutivos enfoca principalmente questões biológicas, como o aconselhamento para prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e a atenção aos casos agudos1515. Subsecretaria de Promoção da Saúde Atenção Primária e Vigilancia de Saúde. Fluxo de Atendimento à violência sexual [Internet]. Rio de Janeiro: SUBPAV; 2016 [citado 10 Jan 2018]. Disponível em: http://subpav.org/download/prot/CLCPE/S.mulher/Smulher_Violencia.pdf
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,1616. Brasil. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.. Poucos são aqueles que se debruçam sobre o acompanhamento longitudinal, compreendendo as situações de VI como recorrentes e não episódicas, sendo tanto a detecção quanto sua abordagem desafios ainda atuais77. Brasil. Ministério da Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para a prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. (Cadernos de atenção básica; n. 8).,1717. Petersen R, Moracco KE, Goldstein KM, Clark KA. Moving beyond disclosure: women’s perspectives on barriers and motivators to seeking assistance for intimate partner violence. Women Health. 2004; 40(3):63-76..

Também são poucas as produções que apresentam narrativas do ponto de vista das mulheres. Suas itinerações e a relação com a APS ainda aparecem de forma incipiente na literatura brasileira, sendo difícil identificar se existe busca por cuidado neste nível de atenção. O presente trabalho tem como objetivo compreender a experiência das mulheres em situação de VI e suas expectativas no contexto do cuidado ofertado pelos serviços de saúde de APS do município do Rio de Janeiro (RJ).

Percurso metodológico

Tipo de pesquisa

Trata-se de estudo qualitativo realizado com mulheres usuárias da ESF em quatro Unidades de Saúde da Família selecionadas na área programática (AP) 1.0 do município do Rio de Janeiro.

Cenário

As unidades de saúde escolhidas tinham as seguintes características: áreas de favelas e regiões de classe média/média-baixa, com dois a oito anos de funcionamento, trabalhando na lógica da ESF, com Residência em Medicina de Família e Comunidade (RMFC). A escolha da AP 1.0 também considerou o montante reduzido de relatos científicos quando comparado às outras regiões do município.

Participantes

As mulheres que aguardavam por atendimento na sala de espera das Unidades de Saúde foram convidadas para participar de entrevistas realizadas em sala reservada. O critério de inclusão foi estar cadastrada na clínica da família e ter 18 anos ou mais.

Instrumentos de coleta de dados

As mulheres foram informadas sobre o objetivo da pesquisa e que poderiam interromper a entrevista a qualquer momento. Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi aplicada a versão para o português do questionário Revised Conflict Tactics Scale (CTS2)1818. Moraes CL, Hasselmann MH, Reichenheim ME. Adaptação transcultural para o português do instrumento “Revised Conflict Tactics Scales (CTS2)” utilizado para identificar violência entre casais. Cad Saude Publica. 2002; 18(1):163-76., validado para uso no Brasil1919. Rafael RMR, Moura ATMS. Violência contra a mulher ou mulheres em situação de violência? Uma análise sobre a prevalência do fenômeno. J Bras Psiquiatr. 2014; 63(2):149-53., composto por perguntas sobre violência física, psicológica e sexual apresentadas de maneira bidirecional, questionando se a entrevistada já sofreu e perpetrou cada ação. Nesse instrumento, conforme as respostas fornecidas pelas mulheres, há a classificação entre violência física menor ou grave, violência psicológica menor ou grave, coerção sexual ou violência sexual grave ou a concomitância de mais de um tipo de violência. Em caso de resposta positiva para qualquer item, foi dado prosseguimento à entrevista com roteiro semiestruturado, envolvendo questões sobre a busca por serviços de saúde nas situações de VI; os desafios enfrentados; o que a entrevistada gostaria que sua equipe de SF soubesse sobre as situações vivenciadas, o acolhimento recebido e os conselhos que daria. Também foi questionado o padrão de uso da unidade e o perfil sócio-demográfico.

Análise dos dados

As entrevistas foram gravadas e transcritas e a análise do material foi realizada com a escuta dos áudios e leitura das transcrições. A análise do material ocorreu por meio do método hermenêutico-dialético, considerando a conjuntura socioeconômica, histórica e cultural na interpretação dos achados2020. Minayo MCS. O desafio do conhecimento. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 1992. (Saúde em debate).. A escolha desse método se deu pela possibilidade de analisar as falas em seus contextos, ponderando sobre a realidade e a historicidade envolvidas. A partir do encontro dos fatos empíricos com reflexões e circunstâncias prévias, emergiram as categorias analisadas. Foram utilizados como marcos teóricos para a discussão o conceito de itineração na busca de cuidados, o modelo ecológico para compreensão da violência, os atributos da APS e sua aplicação no cuidado às situações de VI66. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002.,2121. Bonet O. Itinerações e malhas para pensar os itinerários de cuidado. A propósito de Tim Ingold. Sociol Antropol. 2014; 4(2):327-50.

22. García-Moreno C, Zimmerman C, Morris-Gehring A, Heise L, Amin A, Abrahams N, et al. Addressing violence against women: a call to action. Lancet. 2015; 385(9978):1685-95.
-2323. Miller E, McCaw B. Intimate partner violence. New Engl J Med. 2019; 380(9):850-7..

O projeto foi aprovado pelos comitês de ética em pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro sob os protocolos CAEE 91968618.0.0000.5259 e 9168618.0.3001.5279, respectivamente.

Resultados e discussão

Durante outubro e novembro de 2018 foi realizada a coleta de dados, sendo convidadas para a entrevista 25 mulheres. Três não preenchiam os critérios de inclusão e houve apenas uma perda, pois a paciente foi chamada para atendimento durante a entrevista, com amostra final de 21 entrevistadas. Os encontros ricos e densos fluíram com facilidade e as participantes expressavam vontade de contar sobre suas experiências de vida. Muitas entrevistas duraram mais de uma hora devido à profundidade e aos detalhamentos das histórias que algumas mulheres nunca haviam contado para profissionais de saúde, sendo essa escuta um exercício produtivo. Quando foi identificada alguma vivência de VI nas relações atuais, orientou-se a busca por apoio na equipe de SF. Quando autorizado, os casos foram informados às equipes. Não houve identificação de nenhuma situação de alto risco.

Perfil

O quadro 1 apresenta o perfil das entrevistadas, com codinomes baseados em mulheres que lutaram por direitos2424. Pinsky CB, Pedro JM. Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto; 2018.,2525. Galeano E. Mujeres. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores; 2015.. Os nomes das Unidades de Saúde foram substituídos por letras. A maioria das participantes referiu ter religião, especialmente de matriz cristã, destacando ora o apoio ao enfrentamento de suas dificuldades, ora a presença de conflitos espirituais. Mais da metade das participantes eram negras e pardas. Correlacionando-se o perfil das mulheres ao modelo ecológico, vale considerar as interseccionalidades e a sobreposição das violências no âmbito individual e coletivo. Heise e Michau chamam atenção para aspectos desse modelo na explicação da violência compreendendo-a desde o nível individual; passando pelo relacional e comunitário; e chegando à sociedade como um todo2626. Heise LL. Violence against women: an integrated, ecological framework. Violence Against Women. 1998; 4(3):262-90.

27. Moraes CL, Tavares da Silva TS, Reichenheim ME, Azevedo GL, Dias Oliveira AS, Braga JU. Physical violence between intimate partners during pregnancy and postpartum: a prediction model for use in primary health care facilities. Paediatr Perinat Epidemiol. 2011; 25(5):478-86.
-2828. Michau L, Horn J, Bank A, Dutt M, Zimmerman C. Prevention of violence against women and girls: lessons from practice. Lancet. 2015; 385(9978):1672-84..

Quadro 1
Perfil das entrevistadas e descrição da violência vivenciada, Rio de Janeiro, 2018

Levando em conta a itineração das mulheres na busca por ajuda, emergiram três categorias de análise:

  • “Ninguém sabe o que eu já passei.” – Sentimentos das mulheres – abarca a ideia de contar ou não o que aconteceu para as equipes.

  • “Nunca contei porque nunca perguntaram também.” – Dinâmica da ESF – uma análise dos desafios para a revelação e o acompanhamento das situações no âmbito da ESF.

  • “Eu ia amar” - Possibilidades de encontro sugestões trazidas para abordagens criativas pela ESF para o enfrentamento da VI.

As categorias parecem se originar do percurso trilhado desde o silêncio até a sugestão de diferentes espaços de escuta, trazendo à tona a importância de qualificar os atributos da APS para o enfrentamento da violência.

“Ninguém sabe o que que eu já passei” – Sentimentos das mulheres

A literatura aponta para a dificuldade de relatar sobre a vivência de VI, observando que as mulheres costumam enfrentar sozinhas as dificuldades no relacionamento abusivo, por medo de críticas e juízos sociais1717. Petersen R, Moracco KE, Goldstein KM, Clark KA. Moving beyond disclosure: women’s perspectives on barriers and motivators to seeking assistance for intimate partner violence. Women Health. 2004; 40(3):63-76.,2929. Lo Fo Wong S, Wester F, Mol S, Römkens R, Hezemans D, Lagro-Janssen T. Talking matters: abused women’s views on disclosure of partner abuse to the family doctor and its role in handling the abuse situation. Patient Educ Couns. 2008; 70(3):386-94.,3030. Levy AG, Scherer AM, Zikmund-Fisher BJ, Larkin K, Barnes GD, Fagerlin A. Assessment of patient nondisclosures to clinicians of experiencing imminent threats. JAMA Netw Open. 2019; 2(8):e199277.. O sentimento de isolamento é constante, o apoio familiar é raro e o silêncio sobre o ocorrido parece estar relacionado ao receio de trazer ainda mais problemas para pessoas próximas3131. Muñoz Cobos F, Burgos Varo ML, Carrasco Rodríguez A, Martín Carretero ML, Río Ruiz J, Ortega Fraile I, et al. El torbellino de la violencia. Relatos biográficos de mujeres que sufren maltrato. Aten Primaria. 2009; 41(9):493-500.,3232. Leitão MNC. Mulheres sobreviventes de violência exercida por parceiros íntimos – a difícil transição para a autonomia. Rev Esc Enferm USP. 2014; 48:7-15..

Ninguém sabe o que que eu já passei, o que que eu passo. (Maria Bonita)

Minha mãe não tem muita estrutura, porque minha mãe já tá com idade, tem problema de pressão, diabete. [...] Eu não desabafo com ninguém. (Mariana)

Algumas entrevistadas mostram-se exemplos de mulheres que nunca contaram para suas equipes sobre situações de VI presentes ou passadas e que não enxergam a Unidade de Saúde como um cenário no qual pode-se procurar apoio. A ideia de que estariam em um ambiente seguro poderia ser o primeiro passo para que se sentissem apoiadas e confortáveis para se expressar3333. Velzeboer M, Ellsberg M, Clavel-Arcas C. La violencia contra las mujeres: responde el sector de la salud. Washington: Organización Panamericana de la Salud, Organización Mundial de la Salud; 2003.. A longitudinalidade pode resultar em relação de confiança que viabilize espaços de acolhimento, possibilitando à mulher reconhecer sua vulnerabilidade e identificar alternativas. Mudanças de atitudes não são tarefas fáceis ou pontuais e, muitas vezes, envolvem aspectos financeiros e consequências para outros membros da família, com a desconstrução do ideal familiar. Profissionais têm dificuldade de identificar fatores de proteção para a ocorrência de VI e ampliar a rede de suporte, mas podem acabar sendo demasiadamente prescritivos3434. García-Moreno C, Hegarty K, d’Oliveira AFL, Koziol-McLain J, Colombini M, Feder G. The health-systems response to violence against women. Lancet. 2015; 385(9977):1567-79..

O médico falou assim: [...] “Caiu da mesma maneira que eu tô entendendo que você caiu?”. [...] porque eu tinha duas pessoas abaixo de mim, eu não era um corpo sozinho, entendeu? A não ser que eu também fosse embora, mas eu achava que eu ia sacrificar os meus filhos. (Jovita)

Ah, porque eu precisava dele. Eu não trabalhava [...] E eu me sentia melhor tendo meu marido, pai dos meus filhos, em casa. [...] Eu queria a nossa família, queria comprar coisas, ajeitar nossa casa, e ele não queria nada daquilo. Não me respeitava como mulher, como pessoa, me xingava muito. (Chiquinha)

Por vezes a saída do relacionamento abusivo se reveste de implicações para o bem estar das filhas e dos filhos2727. Moraes CL, Tavares da Silva TS, Reichenheim ME, Azevedo GL, Dias Oliveira AS, Braga JU. Physical violence between intimate partners during pregnancy and postpartum: a prediction model for use in primary health care facilities. Paediatr Perinat Epidemiol. 2011; 25(5):478-86.. Ausência de imóvel próprio aumenta a vulnerabilidade de sofrer abuso e, considerando o modelo ecológico, estudos mostram que mulheres negras e com pior renda sofrem um acúmulo de consequências decorrente tanto da VI quanto da violência estrutural2727. Moraes CL, Tavares da Silva TS, Reichenheim ME, Azevedo GL, Dias Oliveira AS, Braga JU. Physical violence between intimate partners during pregnancy and postpartum: a prediction model for use in primary health care facilities. Paediatr Perinat Epidemiol. 2011; 25(5):478-86.. A interseccionalidade3535. Silveira RS, Nardi HC. Interseccionalidade gênero, raça e etnia e a lei Maria da Penha. Psicol Soc. 2014; 26 Spe:14-24. vem sendo discutida desde a década de 19903636. Crenshaw K. Demarginalizing the intersection of race and sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. Univ Chicago Legal Forum. 1989; 140:139-67. e a literatura aponta marcadores sociais da diferença, com sobreposição de violências, questões raciais e renda em estudos de prevalência e fatores associados2727. Moraes CL, Tavares da Silva TS, Reichenheim ME, Azevedo GL, Dias Oliveira AS, Braga JU. Physical violence between intimate partners during pregnancy and postpartum: a prediction model for use in primary health care facilities. Paediatr Perinat Epidemiol. 2011; 25(5):478-86.. O aprofundamento sobre o entrelaçamento dessas opressões ainda se faz necessário.

É inevitável aqui o debate sobre o patriarcado3737. Rivera MM. Una aproximación a la metodología de la historia de las mujeres. In: Ozieblo B, editor. Conceptos y metodología en los estudios sobre la mujer. Málaga: Universidad de Málaga; 1993. p. 19-42., compreendido como uma maneira de nomear o sistema de opressão social de homens sobre as mulheres, principalmente em relação às atividades econômicas e políticas1313. Bonneti A, Souza AMFL. Gênero, mulheres e feminismos. Salvador: EDUFBA; 2011.. Sua estrutura machista produz um lugar de inferioridade à mulher e favorece sua manutenção por meio de processos de vulnerabilização. As teóricas do feminismo esclarecem que o patriarcado traz em si a manutenção de uma visão de mundo em que o gênero masculino tem poder sobre o feminino, que a ele deveria ser subordinado e, portanto, a violência acaba sendo naturalizada3838. Saffioti HIB. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2004.. Reflexões sobre a importância da família como forma de controle dos corpos femininos e sobre o papel masculino como provedor do sustento estão presentes na literatura e precisam ser analisadas levando em consideração o sistema capitalista, engrenagem fundamental para a compreensão dessas opressões3939. Narvaz MG, Koller SH. Famílias e patriarcado: da prescrição normativa à subversão criativa. Psicol Soc. 2006; 18(1):49-55.. Os relatos mostram que as mulheres internalizam concepções sociais desta diferença de gênero, temendo a opinião de familiares e profissionais. Muitas não buscam ajuda, pois percebem que ao verbalizar o ocorrido seria esperado que tomassem alguma atitude sobre o relacionamento, para a qual nem sempre estão preparadas4040. Rosa DOA, Ramos RCS, Gomes TMV, Melo EM, Melo VH. Violência provocada pelo parceiro íntimo entre usuárias da Atenção Primária à Saúde: prevalência e fatores associados. Saude Debate. 2018; 42 Spe 4:67-80..

Tive medo até de denunciar, porque ele já tinha até passagem na polícia. (Maria Bonita)

No contexto da favela, aparecem outros motivos para o medo da revelação, relacionados às consequências ao companheiro, que pode ser punido criminalmente ou pelo “poder paralelo” nas comunidades4141. Athié K, Dowrick C, Menezes ALA, Cruz L, Lima AC, Delgado PGG, et al. Anxious and depressed women’s experiences of emotional suffering and help seeking in a Rio de Janeiro favela. Cienc Saude Colet. 2017; 22(1):75-86.. Foi possível identificar que regras locais estão presentes nos discursos com eufemismos e retóricas pouco claros, evitando-se nomear o que pode acontecer: o silenciamento que acontece nas favelas parece se estender para dentro dos consultórios. Chama atenção a omissão ao longo dos atendimentos de questões relacionadas à violência relacional e estrutural, com a formação de pactos silenciosos de mão dupla entre profissionais e usuárias4141. Athié K, Dowrick C, Menezes ALA, Cruz L, Lima AC, Delgado PGG, et al. Anxious and depressed women’s experiences of emotional suffering and help seeking in a Rio de Janeiro favela. Cienc Saude Colet. 2017; 22(1):75-86.. A equipe evita abordar situações difíceis, entendendo que precisaria tomar atitudes para as quais muitas vezes não tem experiência ou segurança suficientes, a despeito do papel da ESF de considerar o território na sua dinâmica de trabalho. Esse enfrentamento passa pelo desenvolvimento de atributos como a competência cultural e a abordagem familiar e comunitária, entendendo também o papel fundamental de agentes comunitárias e comunitários de saúde2323. Miller E, McCaw B. Intimate partner violence. New Engl J Med. 2019; 380(9):850-7.,4242. Signorelli MC, Taft A, Pereira PPG. Domestic violence against women, public policies and community health workers in Brazilian Primary Health Care. Cienc Saude Colet. 2018; 23(1):93-102.,4343. Sagot M, Carcedo A. Ruta crítica de las mujeres afectadas por la violencia intrafamiliar en América Latina: estudios de caso de diez países. Washington: Organización Panamericana de la Salud; 2000.. A menor rotatividade de profissionais aumentaria a vinculação das mulheres às equipes, favorecendo a sensação de conforto para o compartilhamento de suas vivências. A ausência de vínculo com profissionais surgiu em relatos que apontam para uma descrença na potencialidade da equipe, por não considerar que exista aptidão necessária para abordar questões psicossociais, como se houvesse uma crise de confiança na ESF.

Pra minha equipe? Ah, eu não sei, porque eu acho que a vida particular, não vai ter uma coisa que vai ajudar muito. [...] Quem tem que mudar sou eu [...] Ia me ajudar em quê? Ah, o psicólogo, conversar? [...] Eu bebia, fumava quando começou... Eu emagreci muito. (Helenira)

Os relatos também envolvem questões de privacidade. Este pode ser um grande desafio a ser enfrentado pelas equipes devido à presença de ACS no território, assim como de vizinhos, familiares e até do companheiro nas unidades, já que a lógica do trabalho pressupõe o cadastramento de toda a comunidade4444. Soares JSF, Lopes MJM. Experiências de mulheres em situação de violência em busca de atenção no setor saúde e na rede intersetorial. Interface (Botucatu). 2018; 22(66):789-800.. Essa proximidade pode colaborar com a sensação de julgamento e culpa, além de desrespeito ao sigilo, tornando necessária a capacitação de toda equipe para implementar políticas públicas para enfrentamento da violência com identificação e acompanhamento dos casos, preservando aspectos éticos fundamentais4242. Signorelli MC, Taft A, Pereira PPG. Domestic violence against women, public policies and community health workers in Brazilian Primary Health Care. Cienc Saude Colet. 2018; 23(1):93-102..

[...] pessoas que moram aqui, que trabalham aqui e mora lá no morro, [...] quer saber da sua vida pra depois ficar falando [...] Não é a privacidade que a gente queria [...]. (Maria Bonita)

Alguns estudos com mulheres que romperam o ciclo de violência têm explorado facilitadores ou complicadores para tal atitude que se traduzem em autonomia na tomada de decisões1717. Petersen R, Moracco KE, Goldstein KM, Clark KA. Moving beyond disclosure: women’s perspectives on barriers and motivators to seeking assistance for intimate partner violence. Women Health. 2004; 40(3):63-76.. Algumas não consideram os serviços de saúde como cenário colaborador, compreendendo que a iniciativa de mudança deve ser fruto de processos internos ou ocorrer após um acúmulo de consequências em suas próprias vidas3232. Leitão MNC. Mulheres sobreviventes de violência exercida por parceiros íntimos – a difícil transição para a autonomia. Rev Esc Enferm USP. 2014; 48:7-15.,3333. Velzeboer M, Ellsberg M, Clavel-Arcas C. La violencia contra las mujeres: responde el sector de la salud. Washington: Organización Panamericana de la Salud, Organización Mundial de la Salud; 2003..

Acho que quem me ajudou mesmo foi eu mesma. Botei na minha cabeça que eu não queria aquilo, não. (Florisbela)

Ao retomar o perfil das entrevistadas, percebe-se que algumas mulheres tinham apenas episódios pontuais de violência, porém, a maioria das entrevistadas relataram situações recorrentes de VI, incluindo desde as classificadas como “violência psicológica menor” até quadros que envolviam os três tipos abordados na CTS2. A coocorrência de diferentes tipos de violência é relatada na literatura, observando-se a continuidade da violência e seu agravamento até que se consiga romper o ciclo. Foram relatadas diversas histórias, desde as que permanecem no lugar de desconfiança ou solidão até aquelas que traduzem superação de relacionamentos violentos. Essas últimas contradizem as crenças que trazem uma visão de imobilismo em relação ao comportamento feminino. Muitas vezes o relacionamento violento perdura enquanto existe dependência – afetiva ou financeira –, modificando-se a partir da acentuação dos conflitos, desgaste da relação ou empoderamento decorrente de outros ganhos alcançados pelas mulheres3232. Leitão MNC. Mulheres sobreviventes de violência exercida por parceiros íntimos – a difícil transição para a autonomia. Rev Esc Enferm USP. 2014; 48:7-15..

“Nunca contei porque nunca perguntaram também.” – Dinâmica da ESF

A ESF no Rio de Janeiro apresentou aumento de cobertura na última década4545. Harzheim E, Pinto LF, Hauser L, Soranz D. Avaliação dos usuários crianças e adultos quanto ao grau de orientação para Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2016; 21(5):1399-408., porém, durante o período de coleta de dados, estava em curso importante processo de desestruturação e cortes financeiros, que devem ser considerados na análise4646. O’Dwyer G, Graever L, Britto FA, Menezes T, Konder MT, O’Dwyer G, et al. A crise financeira e a saúde: o caso do município do Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2019; 24(12):4555-68.. A restrição ao acesso decorrente dessa situação foi uma das dificuldades apontadas, atrapalhando a dinâmica de trabalho, refletindo na dificuldade em abordar temas sensíveis que necessitam de tempo, vínculo e confiança4747. Rodrigues EAS, Tavares R, Melo VH, Silva JM, Melo EM. Violência e atenção primária à saúde: percepções e vivências de profissionais e usuários. Saude Debate. 2018; 42 Spe 4:55-66.. Parece haver uma combinação de questões institucionais – como a falta de condições laborais adequadas – com aspectos individuais de cada profissional que dificultariam a identificação da VI4242. Signorelli MC, Taft A, Pereira PPG. Domestic violence against women, public policies and community health workers in Brazilian Primary Health Care. Cienc Saude Colet. 2018; 23(1):93-102..

[...] aquela barreira de baixo [guichê de acolhimento de ACS] às vezes é intransponível. (Zeferina)

Se eles tiverem tempo, porque os médicos hoje em dia não têm tempo [...] Porque tem trocentos ali fora esperando. (Jovita)

Fatores como o número reduzido de profissionais, grande quantidade de atendimentos e infraestrutura inadequada são elementos a serem superados4747. Rodrigues EAS, Tavares R, Melo VH, Silva JM, Melo EM. Violência e atenção primária à saúde: percepções e vivências de profissionais e usuários. Saude Debate. 2018; 42 Spe 4:55-66.. A falta de acesso como descumprimento de um dos atributos da APS muitas vezes torna-se mais um desafio. À sobrecarga das equipes, somam-se a falta de interesse dos profissionais, a omissão ou a restrição do atendimento às questões biológicas, além da estrutura física das unidades, por vezes, sem acústica adequada, comprometendo o sigilo profissional4848. d’Oliveira AFPL, Schraiber LB, Hanada H, Durand J. Atenção integral à saúde de mulheres em situação de violência de gênero: uma alternativa para a atenção primária em saúde. Cienc Saude Colet. 2009; 14(4):1037-50..

Por mais que tem mil cabeças pra atender, mas, tipo, a gente quer que a gente seja bem tratado, entendeu? Porque, bem ou mal, a gente tá aqui não é porque a gente quer, é porque a gente precisa. (Maria Bonita)

Mal... Ninguém trata pobre bem, ninguém. Raríssimo os médicos que têm a paciência de receber uma pessoa e tratar bem, entender que tá chorando... [...] “Vem cá, minha senhora, quem é a sua equipe? [...] Cadê a cadernetinha?”. (Aqualtune)

O sofrimento das usuárias reflete o peso e a sensação de que sua situação socioeconômica determina o tipo de tratamento recebido. Episódios recorrentes de desatenção, aliados à busca por acolhimento e a peregrinação nos serviços de saúde, podem trazer revitimizações. O conceito de itineração em busca de cuidados traduz bem a situação vivenciada pelas mulheres2121. Bonet O. Itinerações e malhas para pensar os itinerários de cuidado. A propósito de Tim Ingold. Sociol Antropol. 2014; 4(2):327-50.. A itineração das mulheres coloca em questão quais caminhos têm sido possíveis para a revelação de situações de violência. Bonet discute essa itineração como um mover-se ao longo de linhas entrelaçadas como uma malha da vida, compreendendo que profissionais e usuárias podem se entrelaçar em um encontro terapêutico4949. Ayres JRCM. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saude Soc. 2004; 13(3):16-29.. O espaço da APS pode tornar-se, então, um encontro de dois “Eus” que trazem caminhadas e repertórios distintos, oportunizando que o cuidado aconteça. Aprofundando o olhar sobre a expressão cunhada por Bonet, percebe-se que não é suficiente que haja um manual orientando que profissionais da APS acolham as situações de violência, se faz imperativo que estejam sensíveis a escutá-las em suas camadas mais íntimas, com todo o compromisso que advém desse encontro de cuidado, responsabilizando-se por ele mesmo que a mulher tenha atendimentos em outros pontos da rede de atenção à saúde.

Assim, sabe-se que existem diretrizes que orientam quanto à escuta empática, à validação da experiência e atitude de suporte3434. García-Moreno C, Hegarty K, d’Oliveira AFL, Koziol-McLain J, Colombini M, Feder G. The health-systems response to violence against women. Lancet. 2015; 385(9977):1567-79., porém torná-las realidade ainda pode parecer distante. A postura profissional com atitudes que facilitem o diálogo sobre assuntos delicados e a correlação entre queixas orgânicas e psicossociais ainda são desafios para qualificar a APS1717. Petersen R, Moracco KE, Goldstein KM, Clark KA. Moving beyond disclosure: women’s perspectives on barriers and motivators to seeking assistance for intimate partner violence. Women Health. 2004; 40(3):63-76.,2929. Lo Fo Wong S, Wester F, Mol S, Römkens R, Hezemans D, Lagro-Janssen T. Talking matters: abused women’s views on disclosure of partner abuse to the family doctor and its role in handling the abuse situation. Patient Educ Couns. 2008; 70(3):386-94.,4444. Soares JSF, Lopes MJM. Experiências de mulheres em situação de violência em busca de atenção no setor saúde e na rede intersetorial. Interface (Botucatu). 2018; 22(66):789-800.. Profissionais admitem que raramente perguntam às mulheres sobre violência, mesmo diante de lesões físicas4848. d’Oliveira AFPL, Schraiber LB, Hanada H, Durand J. Atenção integral à saúde de mulheres em situação de violência de gênero: uma alternativa para a atenção primária em saúde. Cienc Saude Colet. 2009; 14(4):1037-50.. Dores crônicas, ansiedade, depressão, abuso de substâncias e problemas gastrointestinais são consequências comuns da VI, e as falas analisadas mostram dificuldade na identificação dessas correlações5050. Sugg N. Intimate partner violence: prevalence, health consequences, and intervention. Med Clin North Am. 2015; 99(3):629-49..

É aquilo, eu tô falando pra você, porque você me perguntou. (Jovita)

Olha, eles nunca comentou nada, não perguntou nada... Eu chegava aqui, já ia ser consultada, só isso. (Florisbela)

Não, só falava porque eu sentia muita falta de ar, tava fazendo uns exames de arritmia, coração. [...] Não, nada de… da vida particular, não, só do médico mesmo e da área de Saúde. (Quitéria)

Diante de tantas possibilidades de somatização, o atributo da integralidade convida profissionais de saúde a um olhar direcionado à mulher como um todo, compreendendo não apenas a experiência da doença, mas também seu contexto familiar e comunitário; os sentimentos e ideias sobre seus sintomas; e o quanto isso impacta suas atividades corriqueiras3131. Muñoz Cobos F, Burgos Varo ML, Carrasco Rodríguez A, Martín Carretero ML, Río Ruiz J, Ortega Fraile I, et al. El torbellino de la violencia. Relatos biográficos de mujeres que sufren maltrato. Aten Primaria. 2009; 41(9):493-500..

Eu fiz tudo quanto era exame pra ver se era um tumor, se era tireoide. E até hoje ninguém sabe o que que houve comigo. [...] Meu corpo tava falando por mim, a verdade é essa. (Jovita)

“Eu ia amar” – Possibilidades de encontro

O estudo trouxe a ideia de dar voz às usuárias, ouvindo sugestões sobre a abordagem da VI. Os relatos variaram entre elogios ao trabalho realizado e dificuldades encontradas. O vínculo que se estabelece na ESF foi expresso pelas mulheres que se sentem bem tratadas e acompanhadas nas diversas dimensões de suas vidas, incluindo a VI. Percebiam a diferença do cuidado ofertado a partir da implantação da equipe de SF nas unidades estudadas, com presença de programas de residência4545. Harzheim E, Pinto LF, Hauser L, Soranz D. Avaliação dos usuários crianças e adultos quanto ao grau de orientação para Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2016; 21(5):1399-408., sendo possível distinguir entre a dinâmica dos antigos Centros Municipais de Saúde (CMS) e das atuais Clínicas da Família. Alguns relatos mostraram novas possibilidades de conversar a respeito de episódios de VI vivenciados sobre os quais ninguém havia perguntando antes.

Meus três pré-natal foi lá [em outro CMS]. [...] Perguntar, perguntavam, mas não se aprofundavam no assunto. [...] Porque, antigamente, o pré-natal era assim, você entra, examina a barriga [...], tá liberado. [...] Não dava nem chance de falar o que tava acontecendo. (Sila)

Já sabem tudo [...]. Eu acho o atendimento aqui ótimo. Reforçar, só a manutenção, porque é difícil, mas independe da gente e independe até deles. (Ana Nery)

[...] a minha equipe é só elogios. Quando eu chegar aqui, a hora que eu tiver precisando, ela me atende. [...] O meu ACS mora perto da minha casa: “Tá tudo bem? Qualquer coisa vai lá, tô lá.”. (Sila).

Entre as especificidades da ESF está a oferta de atividades em grupo e a literatura recente mostra como a participação coletiva pode ser protetora5151. Oliveira CL, Rodrigues EAS, Souza GA, Silva JS, Dias JAS, Goncalves L, et al. Uma experiência de empoderamento de mulheres na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2011; 6(21):283-7.. A orientação comunitária assume lugar de destaque, pois somente com a compreensão das mulheres sobre sua inserção na comunidade é possível o desenvolvimento de redes de apoio. Estudos com atividades coletivas utilizaram conceitos de autocompaixão e humanidade comum com bons resultados5252. Ribeiro MMR, Tavares R, Melo EM, Bonolo PF, Melo VH, Ribeiro MMR, et al. Health promotion, participation in collective actions and situation of violence among users of Primary Health Care. Saude Debate. 2018; 42 Spe 4:43-54.. A valorização da formação de grupos se contrapõe a medidas gerenciais que restringem as atividades comunitárias e deixam o trabalho de profissionais cada vez mais limitado aos consultórios.

Que fizesse um grupo pra ajudar essas pessoas que tão passando por essa fase aí de agressão [...]. Toda semana aqui na clínica. Eu ia participar. [...] Eu ia amar. [...] uma coisa, assim, pra abrir a mente da pessoa, a conversar com o companheiro... [...]. As mulheres vir participar, quando chegar em casa, saber se defender, saber falar, entendeu? (Florisbela)

[...] abrir um espaço pras mulheres casadas, pra homens casados. Tipo um psicólogo mesmo, uma reunião de família pra ver o que que passa [...]. Porque cada um passou por coisas diferentes [...] Uma troca de ideia. (Maria Bonita).

Estudos apontam para a importância de fortalecer a resiliência, chamando atenção para que as mulheres não sejam vistas como vítimas, mas sim como capazes de grandes transformações5353. Alonso, MCF. Guia clínica de actuacion sanitaria ante la violencia de genero. Castilla y Leon: Gerencia Regional de Salud; 2017.. Profissionais poderiam atuar na facilitação desta qualidade, como “tutores de resiliência”5454. Sánchez LS. Resiliencia en violencia de género. Un nuevo enfoque para los/las profesionales sanitarios/as. J Fem Gend Women Stud. 2015; (1):103-13.. Os grupos são considerados espaços promotores de resiliência individual e coletiva, com busca por soluções compartilhadas e sustentadas.

Considerações finais

Ao longo da escuta de tantas histórias de vida, evidenciou-se a necessidade de articulações que qualifiquem as equipes de SF de maneira profunda e efetiva, por meio da Educação Permanente, transformando os avanços teóricos induzidos por políticas públicas em realidade prática. Ênfase deve ser dada à valorização de ACS – profissionais-chave no desenvolvimento da competência cultural e da relação com o território –, com espaços que reforcem o diálogo sobre ética nos serviços, enfatizando vínculos saudáveis e atividades transformadoras; e potencializando visitas domiciliares e atividades em grupo4242. Signorelli MC, Taft A, Pereira PPG. Domestic violence against women, public policies and community health workers in Brazilian Primary Health Care. Cienc Saude Colet. 2018; 23(1):93-102.. A sensibilização de profissionais para identificar os casos precisa envolver atitudes empáticas, potencializando a abordagem integral dos aspectos relacionais trazidos pelas mulheres, colaborando para tomada de decisões, respeitando seu tempo e considerando sua segurança.

Dentre as limitações do estudo, destaca-se que não foi possível aprofundar a discussão sobre interseccionalidade, compreendendo a necessidade de desenvolver ações mais equitativas, considerando questões relacionadas a raça e classe social3434. García-Moreno C, Hegarty K, d’Oliveira AFL, Koziol-McLain J, Colombini M, Feder G. The health-systems response to violence against women. Lancet. 2015; 385(9977):1567-79.,5555. Minayo MCS, Assis SG. Novas e velhas faces da violência no século XXI: visão da literatura brasileira do campo da saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2017.. Tampouco foi possível detalhar a relação entre a vivência de VI e a violência estrutural, principalmente no caso dos expressivos indicadores relacionados à violência policial nas comunidades.

Talvez a maior contribuição dos achados tenha sido o ato desafiador da escuta, entendendo quais são os desejos e expectativas para os atendimentos no âmbito da ESF, dando voz à criatividade e a reiterações das boas práticas trazidas pelas entrevistadas. Estudos sobre atitudes desejáveis e indesejáveis por parte de profissionais têm mostrado que as mulheres tendem a valorizar a escuta ativa, a não culpabilização e o oferecimento das possibilidades de atendimento na rede de serviços5656. Hamberger L, Ambuel B, Marbella A, Donze J. Physician interaction with battered women: the women’s perspective. Arch Fam Med. 1998; 7(6):575-82.. As sugestões envolvendo atividades coletivas como rodas de conversa e grupos de apoio parecem revelar a necessidade de coletivizar o sofrimento individual, mostrando que seu compartilhamento favorece a busca por mudanças5151. Oliveira CL, Rodrigues EAS, Souza GA, Silva JS, Dias JAS, Goncalves L, et al. Uma experiência de empoderamento de mulheres na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2011; 6(21):283-7.. Parece existir um clamor quase silencioso por espaços de troca e criação de laços, que possibilitem reconhecer umas nas outras as mesmas vivências, construindo redes de solidariedade nos territórios. Entre os aspectos levantados, recomendações incluem a importância da orientação comunitária como atributo importante da APS a ser reforçado.

Ao considerar o modelo ecológico, parecem existir necessidades de ações concretas em todos os âmbitos. O cotidiano de consultas, visitas domiciliares e grupos, além das mudanças na formação em saúde, desde os cursos básicos até a Educação Permanente, precisariam ser revisitados. O desafio para abordagem da VI ainda permanece, sendo necessário muito trabalho para aproximar profissionais e a academia, dispostos a realizá-lo com criatividade. Nesse sentido, fortalecer a APS, desenvolvendo intensamente seus atributos e qualificando profissionais e estudantes, parece tarefa atual imprescindível. Trazer para dentro dos serviços e da academia as reflexões sobre o quanto o olhar masculino e o patriarcado seguem interferindo na abordagem da VI se faz também urgente.

Agradecimentos

À Corina Helena Figueira Mendes, pela cuidadosa e generosa contribuição na leitura e revisão deste manuscrito, nossa gratidão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2019
  • Aceito
    27 Jun 2020
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