Aplicativos móveis desenvolvidos para crianças e adolescentes que vivem com doenças crônicas: uma revisão integrativa

Aplicaciones móviles desarrolladas para niños y adolescentes en condición crónica de salud: una revisión integradora

Danielle Portella Ferreira Saint Clair dos Santos Gomes JuniorSobre os autores

Resumos

Este artigo apresenta os resultados de uma revisão integrativa de literatura sobre os métodos de desenvolvimento de aplicativos móveis para crianças e adolescentes que vivem com doenças crônicas. Foi analisada a literatura disponível no Medline/PubMed, Web of Science, SciELO, Lilacs e Embase, no período de 2010 a 2020. De 87 artigos identificados nas bases de dados, oito atenderam aos critérios de inclusão e qualidade. Observou-se que o uso do humor, da gamificação e da linguagem simples e visual atraente despertou o interesse e facilita a utilização do aplicativo. A análise da literatura evidenciou que o desenvolvimento de aplicativos para crianças e adolescentes deve reconhecer as necessidades do usuário e incluí-lo em sua criação. Os aplicativos móveis de saúde favoreceram a adesão e o autocuidado e foram importantes aliados no cuidado de crianças e adolescentes adoecidos cronicamente.

Palavras-chave
Aplicativos móveis; Doenças crônicas; Tratamento


Este artículo presenta los resultados de una revisión integradora de literatura sobre los métodos de desarrollo de aplicaciones móviles para niños y adolescentes en condiciones crónicas de salud. Se analizó la literatura disponible en MEDLINE/PubMed, Web of Science, SciELO, LILACS y EMBASE, en el período de 2010 a 2020. De 87 artículos identificados en las bases de datos, 8 cumplieron los criterios de inclusión y calidad. Se observó que el uso del humor, de la gamificación, lenguaje simple y visual atractivo despiertan el interés y facilitan la utilización de la aplicación. El análisis de la literatura puso en evidencia que el desarrollo de aplicaciones para niños y adolescentes debe reconocer las necesidades del usuario e incluirlo en su creación. Las aplicaciones móviles de salud favorecieron la adhesión y el autocuidado y fueron aliados importantes en el cuidado de niños y adolescentes con enfermedades crónicas.

Palabras clave
Aplicaciones móviles; Enfermedades crónicas; Tratamiento


Introdução

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) vêm se tornando uma importante ferramenta para os cuidados em saúde por contribuírem para a divulgação e atualização de conhecimento; e para o auxílio na tomada de decisão clínica dos profissionais. Essas tecnologias se utilizam de dispositivos móveis (celulares, tablets, etc.) e estão contribuindo de forma decisiva na transformação do enfrentamento dos pacientes de suas condições, no relacionamento com os profissionais de saúde e no autocuidado11 Burbank AJ, Lewis SD, Hewes M, Schellhase DE, Rettiganti M, Hall-Barrow J, et al. Mobile-based asthma action plans for adolescents. J Asthma. 2015; 52(6):583-586.,22 Barra DCC, Paim SMS, Sasso GTMD, Colla GW. Métodos para desenvolvimento de aplicativos móveis em saúde: revisão integrativa da literatura. Texto Contexto Enferm. 2017; 26(4):e 2260017.. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o tema tão urgente que criou um Observatório Mundial de Saúde Eletrônica para auxiliar na implementação da saúde eletrônica nos países33 World Health Organization. Global Observatory for eHealth. MHealth: new horizons for health through mobile technologies [Internet]. Geneva: WHO; 2011 [citado 7 Maio 2020]. Disponível em: http://www.who.int/goe/publications/goe_mhealth_web.pdf
http://www.who.int/goe/publications/goe_...
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Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada no Brasil em 2017, verificou que cerca de 93% dos domicílios possuíam dispositivos móveis44 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Estatísticas sociais. PNAD Contínua TIC 2017: internet chega a três em cada quatro domicílios do país [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2017 [citado 28 Ago 2020]. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23445-pnad-continua-tic-2017-internet-chega-a-tres-em-cada-quatro-domicilios-do-pais
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
. Em uma pesquisa realizada no Brasil, verificou-se que 86% dos entrevistados buscam na internet informações sobre a sua saúde, percentual maior do que o da opinião médica ou de especialistas, que era de 74%55 Braz M, Barros Filho AA, Barros MBA. Saúde dos adolescentes: um estudo de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2013; 29(9):1877-1888..

Observa-se um aumento expressivo e progressivo do uso da internet por pessoas que vivem com doenças crônicas, e estas são as que mais utilizam a internet para informações de saúde quando comparadas a outros pacientes66 Stellefson M, Chaney B, Barry AE, Chavarria E, Tennant B, Walsh-Childers K, et al. Web 2.0 chronic disease self-management for older adults: a systematic review. J Med Internet Res. 2013; 15(2):e35.. As condições crônicas se iniciam gradualmente; possuem prognóstico indeterminado e longo; e sua duração e condições clínicas variam ao longo do tempo e requerem cuidados contínuos, com intervenções frequentes que podem ser articulados por meio do uso de tecnologias55 Braz M, Barros Filho AA, Barros MBA. Saúde dos adolescentes: um estudo de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2013; 29(9):1877-1888.,77 Brasil. Ministério da saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes para o cuidado das pessoas com doenças crônicas nas redes de atenção à saúde e nas linhas de cuidado prioritárias. Brasília: Ministério da saúde; 2013..

A ideia de que os jovens raramente ficam doentes têm limitado a atenção à saúde das crianças e adolescentes e consequentemente os avanços de pesquisas nessa área. Além da hereditariedade, o ambiente em que se vive, condição socioeconômica, os hábitos e o estilo de vida são fatores determinantes e condicionantes da saúde dos indivíduos. Observa-se que os hábitos alimentares e de atividade física entre crianças e adolescentes têm provocado precocemente problemas de saúde, gerando um aumento de doenças crônicas e transtornos mentais55 Braz M, Barros Filho AA, Barros MBA. Saúde dos adolescentes: um estudo de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2013; 29(9):1877-1888.,88 Gabbay M, Cesarini PR, Dib SA. Diabetes melito do tipo 2 na infância e adolescência: revisão da literatura. J Pediatr. 2003; 79(3):201-208.,99 Organização Pan-Americana da Saúde. Doenças crônico-degenerativas e obesidade: estratégia mundial sobre alimentação saudável, atividade física e saúde [Internet]. Washington: OPAS; 2003 [citado 26 Ago 2020]. Disponível em: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=359059&indexSearch=ID
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O número de crianças e adolescentes com pelo menos uma doença crônica tem crescido. No Brasil, a PNAD/2008 revelou que o índice de doenças crônicas em crianças de 0 a 5 anos era de 9,1%, em crianças de 6 a 13 anos era de 9,7% e em adolescentes de 14 a 19 anos o índice era de 11%. Em um estudo populacional realizado em São Paulo em 2013, a prevalência de doença crônica entre os adolescentes foi de 19,17%. A asma é a doença crônica mais prevalente e a diabetes mellitus é a mais incidente55 Braz M, Barros Filho AA, Barros MBA. Saúde dos adolescentes: um estudo de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2013; 29(9):1877-1888.,1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Um panorama da saúde no Brasil: acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde: 2008. Rio de Janeiro: IBGE; 2010..

A multifuncionalidade e o apoio domiciliar remoto via aplicativos móveis permitem o aprimoramento do conhecimento e habilidades para o gerenciamento da doença crônica por meio de lembretes para o uso de medicamentos e diários terapêuticos1111 Le Marne FA, Butler S, Beavis E, Gill D, Bye AME. EpApp: development and evaluation of a smartphone/tablet app for adolescents with epilepsy. J Clin Neurosci. 2018; 50:214-220.. Nos últimos anos, foi possível observar um aumento de aplicativos móveis direcionados para este fim, os quais estão colaborando para a criação de um novo tipo de assistência em saúde – principalmente em locais com pouco financiamento, dificuldade de acesso aos serviços de saúde e escassez de profissionais – no qual as informações de saúde dos usuários se fazem oportunas e onipresentes, reduzindo riscos e incrementando resultados em saúde22 Barra DCC, Paim SMS, Sasso GTMD, Colla GW. Métodos para desenvolvimento de aplicativos móveis em saúde: revisão integrativa da literatura. Texto Contexto Enferm. 2017; 26(4):e 2260017..

No entanto, mesmo com a grande disponibilidade de aplicativos, observa-se uma escassez de dados relativos à metodologia para o desenvolvimento dessas ferramentas, sobretudo para aqueles direcionados a crianças e adolescentes com doenças crônicas. Essa população apresenta características próprias relativas à sua condição de saúde que muitas vezes impõe uma rotina de tratamentos, uso de tecnologias em saúde, reinternações sucessivas, etc.

Diante dessas considerações, o objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão integrativa dos métodos e modelos de desenvolvimento e implementação de aplicativos para crianças e adolescentes com doenças crônicas.

Método

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura de trabalhos publicados em periódicos indexados nas seguintes bases de dados: Medline/PubMed, Web of Science, SciELO, Lilacs e Embase, no período de 2010 a 2020. A estratégia de busca aplicada à pergunta de pesquisa está descrita no Quadro 1.

Quadro 1
Estratégia de busca aplicada à pergunta de pesquisa*

A revisão integrativa tem por objetivo reunir estudos sobre um determinado tema integrando opiniões, conceitos ou ideias, permitindo dessa forma sintetizar o conhecimento científico até então produzido. Esse método de revisão é mais amplo quando comparado à revisão sistemática ou narrativa da literatura, uma vez que permite a inclusão de estudos com abordagem tanto quantitativa quanto qualitativa, de modo a fornecer uma visão mais ampla do constructo analisado. Para este trabalho, foram adotadas as etapas recomendadas para construção de uma revisão integrativa que consideram: 1) elaboração da pergunta norteadora da pesquisa; 2) definição dos critérios de inclusão de estudos e seleção nos bancos de dados; 3) aplicação de um instrumento de pesquisa produzido previamente para coleta de dados; 4) análise crítica dos estudos incluídos; 5) interpretação e discussão dos resultados; e 6) apresentação da conclusão da revisão integrativa1212 Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein (São Paulo). 2010; 8(1):102-106.,1313 Ganong LH. Integrative reviews of nursing research. Res Nurs Health. 1987; 10(1):1-11..

Elaboração da pergunta norteadora da pesquisa

Embora exista um crescente desenvolvimento de aplicativos móveis de saúde, há uma escassez de informações sobre as metodologias utilizadas para o desenvolvimento e implementação desses aplicativos. Diante desse cenário, surgiu a seguinte pergunta norteadora da pesquisa: Quais as metodologias utilizadas para o desenvolvimento e implementação de aplicativos móveis direcionados especificamente a crianças e adolescente em condição crônica de saúde?

Definição dos critérios de inclusão/exclusão e de seleção

A inclusão dos trabalhos foi realizada considerando os seguintes critérios: pesquisas originais, revisões de literatura (sistemática, integrativa ou narrativa) e relatos de experiência, publicados em língua inglesa, portuguesa ou espanhola disponíveis na íntegra e que apresentassem etapas do desenvolvimento ou implementação/avaliação do aplicativo móvel direcionado ao tratamento de doenças crônicas de crianças e adolescentes. Também foram incluídos aqueles que, ao longo da etapa de leitura do material, estavam relacionados ao tema e que não foram identificados nas bases de dados consideradas. Do conjunto inicialmente identificado, foram excluídos aqueles trabalhos em duplicidade, editoriais, anais de congresso, estudos de casos e de reflexão.

A busca dos artigos nos bancos de dados e a verificação se estes atendiam aos critérios de inclusão e exclusão foi realizada por dois pesquisadores independentes, obedecendo a seguinte ordem de leitura: 1. títulos de todos os estudos identificados, 2. resumos dos estudos selecionados na fase anterior e 3. leitura completa dos textos selecionados. As divergências foram avaliadas em uma reunião de consenso.

A seleção dos estudos (figura 1) foi conduzida conforme a metodologia Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Prisma)1414 Moher D, Shamseer L, Clarke M, Ghersi D, Liberati A, Petticrew M, et al. Preferred reporting items for systematic review and meta-analysis protocols (PRISMA-P) 2015 statement. Syst Rev. 2015; 4(1):1..

Figura 1
Fluxograma de estratégia de seleção dos artigos de acordo com a metodologia Prisma.

Aplicação de um instrumento de pesquisa produzido previamente para coleta de dados

Após a seleção dos artigos foram registrados os seguintes dados: ano e local de publicação, título, nome do periódico, idioma, autores, tipo de estudo, objetivo, população-alvo, metodologia de criação do desenvolvimento e/ou implementação do aplicativo, orientação sobre o uso de medicamento, resultados, conclusões e limitações. A discussão e a apresentação dos principais achados da pesquisa foram realizadas por dois pesquisadores independentes. As divergências foram discutidas em reunião de consenso.

Análise crítica dos estudos incluídos

Após a identificação do conjunto de artigos e coleta de dados, foi aplicado o método RATS proposto por Taquette e Minayo1515 Taquette SR, Minayo MC. Análise de estudos qualitativos conduzidos por médicos publicados em periódicos científicos brasileiros entre 2004 e 2013. Physis. 2016; 26(2):417-434. para avaliação da consistência desses trabalhos (quadro 2). A escala do método é composta de 15 itens distribuídos pelos seguintes domínios: relevância justificada da questão do estudo (três itens), adequação da metodologia qualitativa (três itens), transparência dos procedimentos (quatro itens) e solidez da abordagem interpretativa (cinco itens). A escala fornece um escore que varia de zero a 15 pontos e que classifica os artigos em: A – consistentes, quando atendem suficientemente de 12 a 15 itens; B – pouco consistentes, quando são apenas descritivos ou sem transparência metodológica ou com interpretações insuficientes, atendendo de oito a 11 itens; e C – inconsistentes, quando atendem sete ou menos itens.

Quadro 2
Referencial RATS para análise de consistência de artigos

Resultados

As bases de dados consultadas retornaram um total de 87 artigos que atendiam aos critérios de inclusão e exclusão. Após leitura dos conteúdos, foram identificados mais quatro estudos não localizados na busca inicial, mas que foram incluídos devido a sua importância e relevância para o tema e de seus resultados contribuírem para elucidação da pergunta norteadora. A partir da leitura dos resumos e do conteúdo e da aplicação dos critérios de qualidade, foram selecionados oito artigos para compor a revisão integrativa, os quais encontram-se descritos no quadro 3.

Quadro 3
Distribuição dos artigos selecionados

Os artigos analisados foram publicados entre 2014 a 2020 e tinham origem nos EUA (3), Austrália (2), Canadá (1) Reino Unido (1) e África do Sul (1). O foco de desenvolvimento desses aplicativos consideravam questões relacionadas ao autocuidado das crianças e adolescentes com: dor crônica, asma, epilepsia, doença renal crônica, anemia falciforme, ß-talassemia maior e tuberculose. A metodologia qualitativa foi identificada em seis artigos e os dados que contribuíram para o desenvolvimento dos aplicativos foram coletados por meio de grupos focais, workshops, rodas de conversa, entrevistas individuais e aplicação de questionários.

Avaliação da qualidade dos estudos

O escore fornecido pelo método RATS classificou cinco artigos como consistentes (Stinson et al.1616 Stinson JN, Lalloo C, Harris L, Isaac L, Campbell F, Brown S, et al. iCanCope with PainTM: user-centred design of a web- and mobile-based self-management program for youth with chronic pain based on identified health care needs. Pain Res Manag. 2014; 19(5):257-265., Le Marne et al.1111 Le Marne FA, Butler S, Beavis E, Gill D, Bye AME. EpApp: development and evaluation of a smartphone/tablet app for adolescents with epilepsy. J Clin Neurosci. 2018; 50:214-220., Nightingale et al.1818 Nightingale R, Hall A, Gelder C, Friedl S, Brennan E, Swallow V. Desirable components for a customized, home-based, digital care-management app for children and young people with long-term, chronic conditions: a qualitative exploration. J Med Internet Res. 2017; 19(7):e235., Peters et al.1919 Peters D, Davis S, Calvo RA, Sawyer SM, Smith L, Foster JM. Young people’s preferences for an asthma self-management app highlight psychological needs: a participatory study. J Med Internet Res. 2017; 19(4):e113. e Burbank et al.11 Burbank AJ, Lewis SD, Hewes M, Schellhase DE, Rettiganti M, Hall-Barrow J, et al. Mobile-based asthma action plans for adolescents. J Asthma. 2015; 52(6):583-586.) e três (Leonard et al.2020 Leonard S, Anderson LM, Jonassaint J, Jonassaint C, Shah N. Utilizing a novel mobile health “selfie” application to improve compliance to iron chelation in pediatric patients receiving chronic transfusions. J Pediatr Hematol Oncol. 2017; 39(3):223-229., Farooqui et al.1717 Farooqui N, Phillips G, Barrett C, Stukus D. Acceptability of an interactive asthma management mobile health application for children and adolescents. Ann Allergy Asthma Immunol. 2015; 114(6):527-529. e Morse et al.2121 Morse RM, Myburgh H, Reubi D, Archey AE, Busakwe L, Garcia-Prats AJ, et al. Opportunities for mobile app–based adherence support for children with tuberculosis in South Africa. JMIR MHealth UHealth. 2020; 8(11):e19154.) como pouco consistentes. Somente o artigo de Stinson et al.1616 Stinson JN, Lalloo C, Harris L, Isaac L, Campbell F, Brown S, et al. iCanCope with PainTM: user-centred design of a web- and mobile-based self-management program for youth with chronic pain based on identified health care needs. Pain Res Manag. 2014; 19(5):257-265. recebeu a pontuação máxima. Em geral, a falta de justificativa do método escolhido, contextualização histórica, espacial e social e aspectos éticos, principalmente no que tange ao papel do pesquisador, contribuíram para que os outros artigos classificados como consistentes não alcançassem os 15 pontos. Os artigos classificados como pouco consistentes apresentaram fragilidades por não explicitar claramente os critérios de inclusão e por não dialogar com a literatura atualizada, além dos itens citados anteriormente.

Métodos utilizados para o desenvolvimento e implementação/avaliação do aplicativo

Dos oito artigos selecionados, apenas Nightingale et al.1818 Nightingale R, Hall A, Gelder C, Friedl S, Brennan E, Swallow V. Desirable components for a customized, home-based, digital care-management app for children and young people with long-term, chronic conditions: a qualitative exploration. J Med Internet Res. 2017; 19(7):e235. e Stinson et al.1616 Stinson JN, Lalloo C, Harris L, Isaac L, Campbell F, Brown S, et al. iCanCope with PainTM: user-centred design of a web- and mobile-based self-management program for youth with chronic pain based on identified health care needs. Pain Res Manag. 2014; 19(5):257-265. incluíram a criança ou o adolescente com doença crônica na criação do aplicativo, os demais autores relataram que os aplicativos foram desenvolvidos diretamente por profissionais de saúde especializados na doença crônica que desejavam estudar ou por um profissional de tecnologia especializado em desenvolvimento de aplicativos. Le Marne et al.1111 Le Marne FA, Butler S, Beavis E, Gill D, Bye AME. EpApp: development and evaluation of a smartphone/tablet app for adolescents with epilepsy. J Clin Neurosci. 2018; 50:214-220., Peters et al.1919 Peters D, Davis S, Calvo RA, Sawyer SM, Smith L, Foster JM. Young people’s preferences for an asthma self-management app highlight psychological needs: a participatory study. J Med Internet Res. 2017; 19(4):e113., Burbank et al.11 Burbank AJ, Lewis SD, Hewes M, Schellhase DE, Rettiganti M, Hall-Barrow J, et al. Mobile-based asthma action plans for adolescents. J Asthma. 2015; 52(6):583-586., Leonard et al.2020 Leonard S, Anderson LM, Jonassaint J, Jonassaint C, Shah N. Utilizing a novel mobile health “selfie” application to improve compliance to iron chelation in pediatric patients receiving chronic transfusions. J Pediatr Hematol Oncol. 2017; 39(3):223-229., Farooqui et al.1717 Farooqui N, Phillips G, Barrett C, Stukus D. Acceptability of an interactive asthma management mobile health application for children and adolescents. Ann Allergy Asthma Immunol. 2015; 114(6):527-529. e Stinson et al.1616 Stinson JN, Lalloo C, Harris L, Isaac L, Campbell F, Brown S, et al. iCanCope with PainTM: user-centred design of a web- and mobile-based self-management program for youth with chronic pain based on identified health care needs. Pain Res Manag. 2014; 19(5):257-265. fizeram estudos de avaliação com as crianças e adolescentes dos protótipos dos aplicativos desenvolvidos a fim de verificar a usabilidade destes e realizar os ajustes necessários.

Contribuições dos aplicativos

O aplicativo desenvolvido por Stinson et al.1616 Stinson JN, Lalloo C, Harris L, Isaac L, Campbell F, Brown S, et al. iCanCope with PainTM: user-centred design of a web- and mobile-based self-management program for youth with chronic pain based on identified health care needs. Pain Res Manag. 2014; 19(5):257-265. foi bem avaliado pelos usuários e atendeu à necessidade de educação sobre dor crônica e controle dos sintomas, por meio de recursos como fóruns, lembretes e uso de animações e vídeos. Nightingale et al.1818 Nightingale R, Hall A, Gelder C, Friedl S, Brennan E, Swallow V. Desirable components for a customized, home-based, digital care-management app for children and young people with long-term, chronic conditions: a qualitative exploration. J Med Internet Res. 2017; 19(7):e235. verificaram que as questões-chave para o desenvolvimento de um aplicativo envolvem fácil manuseio, uso do humor, linguagem simples, conteúdos relevantes, visual atrativo e uso de gamificação. Também verificaram que a participação de crianças no desenvolvimento do aplicativo tende a maximizar a sua utilização. Peters et al.1919 Peters D, Davis S, Calvo RA, Sawyer SM, Smith L, Foster JM. Young people’s preferences for an asthma self-management app highlight psychological needs: a participatory study. J Med Internet Res. 2017; 19(4):e113. apontaram as necessidades e obstáculos de como é viver com asma e observaram o interesse por apoio psicológico por parte dos usuários e que o protótipo foi bem avaliado pelos jovens.

O aplicativo desenvolvido por Burbank et al.11 Burbank AJ, Lewis SD, Hewes M, Schellhase DE, Rettiganti M, Hall-Barrow J, et al. Mobile-based asthma action plans for adolescents. J Asthma. 2015; 52(6):583-586. conseguiu aumentar a eficácia de prevenção da asma e foi bem avaliado pelos usuários e aprovado para auxiliar em um plano de ação para asma em adolescentes. Farooqui et al.1717 Farooqui N, Phillips G, Barrett C, Stukus D. Acceptability of an interactive asthma management mobile health application for children and adolescents. Ann Allergy Asthma Immunol. 2015; 114(6):527-529. tiveram o aplicativo aprovado e a utilização do mesmo melhorou o conhecimento, a prevenção da asma e a adesão ao tratamento. Leonard et al.2020 Leonard S, Anderson LM, Jonassaint J, Jonassaint C, Shah N. Utilizing a novel mobile health “selfie” application to improve compliance to iron chelation in pediatric patients receiving chronic transfusions. J Pediatr Hematol Oncol. 2017; 39(3):223-229. criaram um aplicativo que auxiliou na tomada dos medicamentos, na adesão ao tratamento, na retenção de conhecimento sobre a doença e seu tratamento, e após 6 meses de uso do aplicativo observou-se diminuição da ferritina sérica. Le Marne et al.1111 Le Marne FA, Butler S, Beavis E, Gill D, Bye AME. EpApp: development and evaluation of a smartphone/tablet app for adolescents with epilepsy. J Clin Neurosci. 2018; 50:214-220. observaram maior conhecimento sobre a doença e melhor gerenciamento sobre o tratamento da epilepsia. Morse et al.2121 Morse RM, Myburgh H, Reubi D, Archey AE, Busakwe L, Garcia-Prats AJ, et al. Opportunities for mobile app–based adherence support for children with tuberculosis in South Africa. JMIR MHealth UHealth. 2020; 8(11):e19154. relatam que a utilização de recursos tecnológicos como a produção de avatar (pessoa ou personagem digital) e programa de metas e recompensas podem incentivar a adesão ao tratamento da tuberculose.

Todos os aplicativos encontrados na pesquisa possuíam a educação em saúde como um dos focos principais e os que fizeram avaliação de usabilidade encontraram maior conhecimento sobre a doença e seu tratamento.

Discussão

Esta revisão integrativa teve por motivação verificar quais metodologias são utilizadas para a criação de aplicativos móveis para crianças e adolescentes que vivem com doenças crônicas, em função de se observar um uso cada vez maior de aplicativos sem que haja uma correspondência na mesma velocidade de trabalhos que relatem a experiência de criação e validação dessas ferramentas. O foco em crianças e adolescentes vivendo com doenças crônicas se deu pelo fato de essa população apresentar características e demandas próprias de suas condições de saúde. Portanto, o desenvolvimento de aplicativos para este público específico deve considerar estes aspectos.

De um modo geral, pode-se dizer que os aplicativos analisados apresentavam objetivos voltados para a promoção e vigilância em saúde, principalmente no que tange ao estímulo ao autocuidado, à motivação para comportamentos saudáveis e ao suporte psicológico. Como estratégia para o autocuidado, acompanhamento da adesão ao tratamento e o monitoramento da condição de saúde, os estudos selecionados utilizaram o envio de mensagens para celular como lembrete de medicação e consultas; o registro de informações de saúde (sinais e sintomas) por parte dos usuários; a gravação de vídeos e autorretrato para verificar se as condutas dos usuários estavam de acordo com as recomendações prestadas pelos profissionais de saúde; e a criação de avatar que tem o seu crescimento relacionado à adesão ao tratamento.

Os aplicativos móveis se estabeleceram como tecnologias digitais inovadoras, por oferecer comodidade e benefícios para os usuários e gestores por meio do acesso ao conhecimento em saúde, que pode ser por meio de estímulos visuais, táteis e auditivos2222 Galindo Neto NM, Sá GG M, Barbosa LU, Pereira JCN, Henriques AHB, Barros LM, et al. COVID-19 e tecnologia digital: aplicativos móveis disponíveis para download em smartphones. Texto Contexto Enferm. 2020; 29:e20200150.. O uso de smartphones têm facilitado as pessoas em diversas atividades diárias, seja na segurança, educação e na saúde, áreas nas quais possui potencial para minimizar inclusive problemas decorrentes da falta de profissionais e de barreiras geográficas que dificultam o aceso aos serviços de saúde.

Por meio da utilização dos aplicativos móveis, é possível, entre outras ações, auxiliar no aprimoramento da prestação dos serviços de saúde; conscientizar e capacitar os pacientes para se envolverem mais em seus tratamentos e assim ampliarem a autonomia; auxiliar na promoção de hábitos saudáveis; fornecer lembretes para o uso de medicamentos; facilitar o envio de dados médicos a distância; e intermediar a comunicação entre paciente e profissionais de saúde, de forma personalizada e para um grande número de usuários1111 Le Marne FA, Butler S, Beavis E, Gill D, Bye AME. EpApp: development and evaluation of a smartphone/tablet app for adolescents with epilepsy. J Clin Neurosci. 2018; 50:214-220.,2323 Abaza H, Marschollek M. mHealth application areas and technology combinations. Methods Inf Med. 2017; 56(7):e105-122..

Observou-se um aumento do autocuidado em vários estudos selecionados para a revisão integrativa com pacientes asmáticos. Burbank et al.11 Burbank AJ, Lewis SD, Hewes M, Schellhase DE, Rettiganti M, Hall-Barrow J, et al. Mobile-based asthma action plans for adolescents. J Asthma. 2015; 52(6):583-586. observaram uma queda nos ataques de asma; Farooqui et al.1717 Farooqui N, Phillips G, Barrett C, Stukus D. Acceptability of an interactive asthma management mobile health application for children and adolescents. Ann Allergy Asthma Immunol. 2015; 114(6):527-529. obtiveram melhor adesão ao tratamento e observaram um aumento do conhecimento sobre a doença; e Peters et al.1919 Peters D, Davis S, Calvo RA, Sawyer SM, Smith L, Foster JM. Young people’s preferences for an asthma self-management app highlight psychological needs: a participatory study. J Med Internet Res. 2017; 19(4):e113. verificaram que, para estimular o autocuidado, é necessário suporte à saúde mental dos usuários para o gerenciamento da ansiedade, que pode levar inclusive a dificuldades respiratórias. No Brasil, a asma é a doença crônica mais prevalente entre os adolescentes55 Braz M, Barros Filho AA, Barros MBA. Saúde dos adolescentes: um estudo de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2013; 29(9):1877-1888. e aplicativos podem auxiliar na diminuição de casos de agudização da doença.

Uma doença crônica impõe modificações na vida da criança e do adolescente, exigindo adaptações e estratégias para o enfrentamento da sua condição de saúde. Esse processo depende da complexidade e gravidade da doença e das estruturas disponíveis para satisfazer suas necessidades e readquirir o equilíbrio2424 Vieira MA, Lima RAG. Crianças e adolescentes com doença crônica: convivendo com mudanças. Rev Lat Am Enfermagem. 2002; 10(4):552-560.. Pensando em estruturas disponíveis para oferecer apoio social, o aplicativo desenvolvido por Stinson et al.1616 Stinson JN, Lalloo C, Harris L, Isaac L, Campbell F, Brown S, et al. iCanCope with PainTM: user-centred design of a web- and mobile-based self-management program for youth with chronic pain based on identified health care needs. Pain Res Manag. 2014; 19(5):257-265. inclui a realização de fóruns que proporciona uma oportunidade para os adolescentes interagirem e compartilharem estratégias de enfrentamento com outros jovens. Peters et al.1919 Peters D, Davis S, Calvo RA, Sawyer SM, Smith L, Foster JM. Young people’s preferences for an asthma self-management app highlight psychological needs: a participatory study. J Med Internet Res. 2017; 19(4):e113. propõem que um aplicativo voltado para jovens com asma deve incluir suporte psicológico para auxiliar no enfrentamento da ansiedade, na falta de autonomia e na desconexão social.

Deve-se destacar que a boa aceitação de um aplicativo por parte dos usuários não é garantia de que haja uma melhora no autocuidado ou uma mudança de atitude frente à própria condição de saúde. O aplicativo desenvolvido por Le Marne et al.1111 Le Marne FA, Butler S, Beavis E, Gill D, Bye AME. EpApp: development and evaluation of a smartphone/tablet app for adolescents with epilepsy. J Clin Neurosci. 2018; 50:214-220. para informar e auxiliar no manejo da epilepsia em crianças e adolescentes apresentou boa aceitação e melhor gerenciamento de medicamentos, porém, não melhorou os resultados psicossociais (autocuidado ou pró-atividade em relação à doença). Somente realizar intervenções educacionais para estimular a adesão ao tratamento pode ser insuficiente para aprimorar o autocuidado. A inserção de elementos comportamentais – como monitoramento, estabelecimento de metas, recompensas e vinculação de tratamento a rotinas – pode melhorar os resultados2525 Santer M, Ring N, Yardley L, Geraghty AWA, Wyke S. Treatment non-adherence in pediatric long-term medical conditions: systematic review and synthesis of qualitative studies of caregivers’ views. BMC Pediatr. 2014; 14:63..

A adesão analisada por Leonard et al.2020 Leonard S, Anderson LM, Jonassaint J, Jonassaint C, Shah N. Utilizing a novel mobile health “selfie” application to improve compliance to iron chelation in pediatric patients receiving chronic transfusions. J Pediatr Hematol Oncol. 2017; 39(3):223-229. – ao acompanharem a administração de um agente quelante de ferro pelo envio de vídeos diários e de orientações sobre anemia falciforme e ß-talassemia maior – permitiu uma maior retenção de conhecimento e adesão ao tratamento, além de diminuição da ferritina sérica aos seis meses de acompanhamento.

Pacientes com anemia falciforme e ß-talassemia maior precisam de transfusões frequentes de hemácias e com isso geralmente ocorre uma sobrecarga de ferro. O excesso dessa substância no organismo é maléfico, pois o ferro se deposita em órgãos como fígado, baço e miocárdio, ocasionando lesões celulares e insuficiência funcional, sendo esta a maior causa de morte (2/3 dos casos) de pacientes com ß-talassemia maior2626 Cançado RD. Sobrecarga e quelação de ferro na anemia falciforme. Rev Bras Hematol Hemoter. 2007; 29(3):316-326., sendo que essa sobrecarga pode ser verificada por meio da quantificação da ferritina sérica. Após seis meses de uso do aplicativo desenvolvido por Leonard et al.2020 Leonard S, Anderson LM, Jonassaint J, Jonassaint C, Shah N. Utilizing a novel mobile health “selfie” application to improve compliance to iron chelation in pediatric patients receiving chronic transfusions. J Pediatr Hematol Oncol. 2017; 39(3):223-229., observou-se uma queda da ferritina sérica, o que é um indicativo de que o uso do medicamento quelante (que auxilia a excreção de ferro) foi mais eficiente após o uso do aplicativo.

Foi possível observar que grande parte dos autores realizaram etapas como: concepção, desenvolvimento, implementação e avaliação para criar um aplicativo funcional. Além disso, todos consideraram a participação do usuário no processo de desenvolvimento do aplicativo muito importante.

Os aplicativos desenvolvidos com a participação prioritária de crianças e adolescentes tendiam a privilegiar questões como design atrativo, uso de uma linguagem mais simples e com humor e gamificação, que facilitam e estimulam sua utilização. O uso de um sistema dinâmico – com desafios, pontos, recompensas e rankings – e uma mecânica semelhante aos jogos (gamificação) incrementa a participação e pode gerar engajamento e comprometimento por parte dos usuários2727 King D, Greaves F, Exeter C, Darzi A. ‘Gamification’: Influencing health behaviours with games. J R Soc Med. 2013; 106(3):76-78..

A gamificação deixa atividades mais agradáveis, proporcionando ao mesmo tempo o envolvimento das pessoas com tarefas que parecem desmotivadoras, e é comumente utilizada em aplicativos para o condicionamento físico e para incentivar comportamentos de saúde para o tratamento de doenças crônicas2828 Cheng VWS, Davenport T, Johnson D, Vella K, Hickie IB. Gamification in apps and technologies for improving mental health and well-being: systematic review. JMIR Ment Health. 2019; 6(6):e13717.,2929 Sardi L, Idri A, Fernández-Alemán JL. A systematic review of gamification in e-Health. J Biomed Inform. 2017; 71:31-48.. O uso da gamificação em aplicativos pode implicar em relações sociais positivas, pois pode desenvolver o senso de competição para chegar ao status mais alto da tabela de classificação, resultando em várias habilidades emocionais, como autossatisfação, autoestima e orgulho. Além disso, a gamificação pode ajudar no desenvolvimento cognitivo, pois estimula o cérebro e promove a aquisição de conhecimento2929 Sardi L, Idri A, Fernández-Alemán JL. A systematic review of gamification in e-Health. J Biomed Inform. 2017; 71:31-48..

Os aplicativos que possuíam o profissional de saúde como foco tendiam a privilegiar questões relacionadas a segurança e privacidade, muito em função da preocupação dos profissionais com o possível compartilhamento de celulares e a exposição de questões relacionadas à doença e consequentemente a possíveis constrangimentos.

De qualquer forma, independentemente do público-alvo, os trabalhos analisados sinalizam que devem ser evitados termos técnicos e complexos e considerados aspectos como: facilidade de uso, familiaridade com a tecnologia, design, segurança, privacidade e interação. Além disso, deve-se estimular a participação de equipes multiprofissionais para o desenvolvimento de aplicativos de modo que os saberes se complementem; inclusive as informações que serão geradas a partir do uso dos aplicativos poderão auxiliar na tomada de decisão clínica, possibilitando diagnósticos mais precisos e condutas terapêuticas mais qualificadas.

Um ponto forte do estudo de Nightingale et al.1818 Nightingale R, Hall A, Gelder C, Friedl S, Brennan E, Swallow V. Desirable components for a customized, home-based, digital care-management app for children and young people with long-term, chronic conditions: a qualitative exploration. J Med Internet Res. 2017; 19(7):e235. foi a abordagem participativa e a utilização de desenhos e de aplicativos já existentes para proporcionar uma experiência visual e interativa durante as entrevistas sempre orientadas verbalmente por algum pesquisador. Peters et al.1919 Peters D, Davis S, Calvo RA, Sawyer SM, Smith L, Foster JM. Young people’s preferences for an asthma self-management app highlight psychological needs: a participatory study. J Med Internet Res. 2017; 19(4):e113. também ouviram a opinião dos usuários sobre o que mais gostaram e o que não aprovaram em outros aplicativos de saúde. Ao sinalizar os pontos fortes e fracos de outros aplicativos, os usuários podem nortear o desenvolvimento de um novo.

A abordagem qualitativa permitiu uma exploração mais detalhada de questões subjetivas, como o tipo de informação relacionada a sua doença que os usuários gostariam de encontrar e o que os faria passar mais tempo ou menos tempo utilizando o aplicativo. A partir dos conjuntos de respostas, verificou-se que, ao mesmo tempo que os usuários preferiam uma linguagem mais simples, eles gostariam também de encontrar informações relacionadas aos vários aspectos da sua própria condição de saúde que fossem além das informações básicas, pois estas são localizadas facilmente em qualquer site. A existência desse tipo de informação tornaria para eles o aplicativo mais atrativo.

Observa-se que o uso de dispositivos móveis compõe um recurso adicional às ações de assistência em saúde, especialmente, os direcionados ao público infantil, no qual a interação com recursos virtuais e multimídia, incluindo jogos interativos, pode motivar e encorajar o envolvimento proativo na aprendizagem de conteúdo específico da sua própria doença3030 Matsunaga RM, Moraes RLO, Borges MAF, Matta MAP, Ozelo MC. Development of a serious game for children with hemophilia. J Health Inform. 2014; 6(esp):114-119.,3131 Santana CCAP, Naghettini AV, Barreto GO, Mazaro-Costa R, Freitas ATVS. Aplicativos como estratégia de ensino na doença renal crônica infantil: uma revisão da literatura. In: Anais do 15o Congresso Brasileiro de Informática em Saúde; 2016; Goiânia, GO. Goiânia: UFG; 2016. p. 287-297..

A fase da adolescência é um período de grande exposição a fatores como ingestão de álcool, tabagismo, sedentarismo, estresse e obesidade, sendo que muitos dos hábitos adquiridos nessa fase da vida são levados para a vida adulta, assim como suas consequências para a saúde55 Braz M, Barros Filho AA, Barros MBA. Saúde dos adolescentes: um estudo de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2013; 29(9):1877-1888.. Se os aplicativos direcionados para auxiliar nos cuidados com a saúde forem introduzidos no período da adolescência de um determinado usuário, possivelmente será mais fácil para que ele desenvolva hábitos saudáveis e aprimore os cuidados relacionados a sua condição crônica de saúde quando chegar à fase adulta.

Dificuldades relatadas pelos autores no desenvolvimento de aplicativos

Os trabalhos avaliados apontaram diferentes dificuldades, como o curto período para a realização do estudo e o tamanho pequeno da amostra, sendo que este último pode ser considerado uma característica da pesquisa qualitativa, na qual o que mais importa é uma análise em profundidade da questão estudada, e não uma produção quantitativa. A preocupação de generalização dos resultados, por exemplo, não é alvo das pesquisas qualitativas.

Peters et al.1919 Peters D, Davis S, Calvo RA, Sawyer SM, Smith L, Foster JM. Young people’s preferences for an asthma self-management app highlight psychological needs: a participatory study. J Med Internet Res. 2017; 19(4):e113. e Morse et al.2121 Morse RM, Myburgh H, Reubi D, Archey AE, Busakwe L, Garcia-Prats AJ, et al. Opportunities for mobile app–based adherence support for children with tuberculosis in South Africa. JMIR MHealth UHealth. 2020; 8(11):e19154. também relataram a desvantagem social como uma dificuldade, uma vez que esta, segundo os autores, limita o acesso a tecnologias digitais que demandem equipamentos móveis compatíveis aos aplicativos desenvolvidos e internet de alta velocidade.

Conclusão

Observou-se que a maioria dos aplicativos influenciaram positivamente nos tratamentos das doenças crônicas estudadas; e houve aumento da adesão e do aprimoramento do conhecimento acerca da doença e favorecimento do autocuidado, o que levou à prevenção de quadros agudos e de piora dos sintomas, mostrando assim que os aplicativos móveis voltados para saúde são importantes aliados no cuidado de crianças e adolescentes com doenças crônicas.

O desenvolvimento de um aplicativo para crianças e adolescentes com doenças crônicas deve considerar os usuários em seu processo de criação e equipes multiprofissionais. Outro ponto relevante nesse processo é fornecer informações que vão além daquelas disponíveis em sites de busca, apresentar assuntos relevantes, com linguagem simples e que sejam atrativos visualmente e de fácil manuseio. Além disso, é indicado o uso da gamificação e de humor no conteúdo.

Obstáculos entre a população e os serviços de saúde podem ser ultrapassados com o uso de dispositivos móveis, por meio do compartilhamento de informações voltadas para a educação em saúde, prevenção e tratamento de doenças. A maioria das doenças crônicas quando detectadas e tratadas precocemente apresentam melhor prognóstico. Além disso, os hábitos alimentares e de estilo de vida são em sua maioria adquiridos no período da adolescência, por isso é importante incluir precocemente tecnologias que promovam habilidades e conhecimentos necessários para que os pacientes exerçam um papel mais ativo na gestão da sua saúde e condições de vida.

A revisão integrativa da literatura permitiu verificar que ainda existe uma escassez de relatos sobre o desenvolvimento de aplicativos voltados exclusivamente para crianças e adolescentes com doença crônica que produzam evidências fortes relativas a esse tema. Estratégias para a inclusão da tecnologia digital devem considerar não somente o desenvolvimento de aplicativos, mas também o acesso a dispositivos móveis compatíveis, treinamento e internet de alta velocidade, de modo a se garantir acesso equânime entre os diferentes perfis populacionais que podem se beneficiar desse recurso. É importante reconhecer as necessidades das crianças e adolescentes com doenças crônicas para planejar e implementar novas tecnologias de forma coerente e adequada à realidade e às necessidades de cada um deles para contribuir para um tratamento seguro e eficaz, além de melhorar a qualidade de vida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2020
  • Aceito
    21 Jan 2021
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br