A alimentação coletiva como espaço de saúde pública: os riscos sanitários e os desafios trazidos pela pandemia de Covid-19

La alimentación colectiva como espacio de salud pública: los riesgos sanitarios y los desafíos presentados por la pandemia de Covid-19

Monise Viana Abranches Tatiana Coura Oliveira Jackline Freitas Brilhante de São José Sobre os autores

Resumos

O manuscrito discute a qualidade higiênica de espaços de comercialização, manipulação e consumo de alimentos à luz dos cuidados necessários à prevenção da contaminação por Sars-CoV-2. O texto chama a atenção para a dimensão sanitária da segurança alimentar, pouco discutida no âmbito da saúde pública, apesar de presente na Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN). A relevância desse trabalho é assegurada pelo paralelo traçado entre as condições higienicossanitárias de feiras, supermercados e restaurantes, percebendo-os como espaços de risco de disseminação do novo vírus, as orientações publicadas para a mitigação da Covid-19 e o papel desempenhado pela Vigilância Sanitária (Visa). Por fim, aponta a necessidade de regulamentações que considerem o arcabouço sociocultural dos agentes inseridos no processo e reforça a necessidade da instituição de espaços de diálogos que contribuam para a recodificação do conceito de higiene.

Palavras-chave
Alimentação coletiva; Pandemias; Infecções por coronavírus; Higiene dos alimentos; Vigilância sanitária


El artículo discute la calidad higiénica de espacios de comercialización, manipulación y consumo de alimentos, a la luz de los cuidados necesarios para la prevención de la contaminación por SARS-CoV-2. El texto llama la atención para la dimensión sanitaria de la seguridad alimentaria, poco discutida en el ámbito de la salud pública, a pesar de presente en la Política Nacional de Alimentación y Nutrición. La relevancia de este trabajo tiene como base el paralelo trazado entre las condiciones higiénico-sanitarias de las ferias, supermercados y restaurantes, percibiéndolos como espacios de riesgo de diseminación del nuevo virus; las orientaciones publicadas para la mitigación de la Covid-19 y el papel desempeñado por la Vigilancia Sanitaria. Por fin, señala la necesidad de reglamentaciones que consideren la estructura sociocultural de los agentes inseridos en el espacio y refuerza la necesidad de la institución de espacios de diálogos que contribuyan para la recodificación del concepto de higiene.

Palabras clave
Alimentación colectiva; Pandemias; Infecciones por coronavirus; Higiene de los alimentos; Vigilancia sanitaria


Introdução

A crise global causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) destacou a importância da segurança alimentar, especialmente quanto à garantia da produção e do acesso permanente aos alimentos pela população, bem como seu monitoramento. No entanto, um problema oculto e, por vezes, esquecido é a qualidade do que se consome: além de nutritivo, o alimento deve ser seguro, sendo esses dois aspectos indissociáveis11 Chan M. Food safety must accompany food and nutrition security. Lancet. 2014; 29; 384(9958):1910-1. Doi: 10.1016/S0140-6736(14)62037-7.
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. Todavia, em países como o Brasil, onde a escassez de alimentos é um grave reflexo da desigualdade social, o aspecto sanitário tende a ser desconsiderado, embora se constitua um problema de saúde pública, agravado de forma emergencial pela pandemia.

A Organização Mundial da Saúde (OMS)22 World Health Organization. COVID-19 and food safety: guidance for food businesses [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [citado 20 Abr 2020]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331705/WHO-2019-nCoV-Food_Safety-2020.1-eng.pdf
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destaca que a Corona Vírus Disease 2019 (Covid-19) é uma doença respiratória, cuja forma de contaminação ocorre pelo contato pessoa-pessoa e por meio de gotículas geradas pela tosse ou espirro de um indivíduo infectado. Apesar de não haver evidências de que a contaminação ocorra por meio dos alimentos e de suas embalagens22 World Health Organization. COVID-19 and food safety: guidance for food businesses [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [citado 20 Abr 2020]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331705/WHO-2019-nCoV-Food_Safety-2020.1-eng.pdf
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, os ambientes de manipulação, comercialização e consumo configuram-se como potenciais espaços de disseminação do vírus. Isso porque, comumente, se tratam de locais fechados, onde o fluxo de circulação do ar facilita o carreamento de micropartículas contaminadas33 Lu J, Gu J, Li K, Xu C, Su W, Lai Z, et al. COVID-19 outbreak associated with air conditioning in restaurant, Guangzhou, China, 2020. Emerg Infect Dis. 2020; 26(7):1628-31. Doi: https://dx.doi.org/10.3201/eid2607.200764.
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,44 Furuse Y, Sando E, Tsuchiya N, Miyahara R, Yasuda I, Ko YK, et al. Clusters of coronavirus disease in communities, Japan, January–April 2020. Emerg Infect Dis. 2020; 26(9):2176-9. Doi: https://doi.org/10.3201/eid2609.202272.
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O conhecimento sobre a dinâmica ambiental e infectividade55 Heller L, Mota CR, Greco DB. COVID-19 faecal-oral transmission: are we asking the right questions? Sci Total Environ. 2020; 729:138919. Doi: https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.138919.
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do novo vírus ainda está sendo elucidado, entretanto estudos laboratoriais controlados evidenciaram sua sobrevivência em superfícies inanimadas por dias66 Kampf G, Todt D, Pfaender S, Steinmann E. Persistence of coronaviruses on inanimate surfaces and their inactivation with biocidal agents. J Hosp Infect. 2020; 104(3):246-51. Doi: https://doi.org/10.1016/j.jhin.2020.01.022.
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,77 Van Doremalen N, Bushmaker T, Morris DH, Holbrook MG, Gamble A, Williamson BN, et al. Aerosol and surface stability of SARS-CoV-2 as compared with SARS-CoV-1. N Engl J Med. 2020; 382(16):1564-7. Doi: https://doi.org/10.1056/NEJMc2004973.
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, as mesmas que compõem estruturas de cozinhas e embalagens de alimentos. Ainda, a hipótese de contágio fecal-oral foi levantada55 Heller L, Mota CR, Greco DB. COVID-19 faecal-oral transmission: are we asking the right questions? Sci Total Environ. 2020; 729:138919. Doi: https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.138919.
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. Se confirmadas, as potenciais rotas de contaminação ambiental via ar, superfícies, esgoto e águas residuais88 Nghiem LD, Morgan B, Donner E, Short MD. The COVID-19 pandemic: Considerations for the waste and wastewater services sector. Case Stud Chem Environ Eng. 2020; 1:100006. Doi: https://doi.org/10.1016/j.cscee.2020.100006.
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tornam-se extremamente preocupantes, uma vez que no Brasil o saneamento básico está aquém da demanda. Os resultados referentes ao ano de 2018 mostraram que o abastecimento de água atingiu 83,6% da população, enquanto a rede de esgotos, somente 53,2%99 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Regional. Secretaria Nacional de Saneamento. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: 24º Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2018. Brasília: SNS/MDR; 2019..

A cadeia produtiva de alimentos atravessa fronteiras geográficas e se estabelece em muitos ambientes para que a comida seja levada à mesa11 Chan M. Food safety must accompany food and nutrition security. Lancet. 2014; 29; 384(9958):1910-1. Doi: 10.1016/S0140-6736(14)62037-7.
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. O reconhecimento dessa trajetória consagra seus vários espaços e faz emergir, pela perspectiva da saúde pública, os riscos sanitários a ela associados. Discutir as dimensões que conectam o cenário observado anteriormente à crise, diante da emergência de cuidados associados à prevenção da contaminação por Sars-CoV-2, é essencial para compreender o contexto dos agentes envolvidos, garantir sua segurança, bem como dos milhões de pessoas que precisam se alimentar fora do lar.

No início da pandemia, medidas para evitar a disseminação da doença, por meio da diminuição de situações que contribuíssem para a ocorrência de aglomerações, fizeram com que centrais de abastecimento, supermercados, restaurantes e similares, por serem espaços onde diariamente circulam grande número de pessoas, tivessem o acesso restringido, a capacidade de atendimento diminuída ou mesmo interrompida, tendo de se adaptar de alguma forma1010 Rio de Janeiro (Estado). Decreto nº 46.973, de 16 de Março de 2020. Reconhece a situação de emergência na saúde pública do Estado do Rio de Janeiro em razão do contágio e adota medidas de enfrentamento da propagação decorrente do novo coronavírus (COVID-19); e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. 17 Mar 2020.

11 São Paulo (Estado). Decretos do Governo de SP com medidas de prevenção e combate ao novo coronavírus [Internet]. São Paulo; 2020 [citado 22 Maio 2020]. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/decretos-do-governo-de-sp-com-medidas-de-prevencao-e-combate-ao-novo-coronavirus
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-1212 São Paulo (Estado). Centro de Vigilância e Saúde. Notícias [Internet]. São Paulo; 2020 [citado 11 Maio 2020]. Disponível em: http://www.cvs.saude.sp.gov.br/ler.asp?nt_codigo=3961&nt_tipo=0&te_codigo=6
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. A comercialização de alimentos em ambientes abertos, como em feiras livres, apresentou vários desfechos: não foi contemplada por alguns decretos, foi suspensa ou mantida, cabendo ao órgão local responsável emitir orientações sobre seu funcionamento1313 São Paulo (Estado). Centro de Vigilância Sanitária. Notícias [Internet]. São Paulo; 2020 [citado 22 Maio 2020]. Disponível em: http://www.cvs.saude.sp.gov.br/ler.asp?nt_codigo=4026&nt_tipo=0&te_codigo=1
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,1414 Freitas R. Prefeitura de Vitória. Coronavírus: feiras livres têm novas orientações para funcionamento. Todas as Notícias [Internet]. Vitória; 2020 [citado 22 Maio 2020]. Disponível em: https://m.vitoria.es.gov.br/noticia/coronavirus-feiras-livres-tem-novas-orientacoes-para-funcionamento-40190
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. Por outro lado, os espaços fechados, onde se inserem os supermercados, tiveram alta demanda de clientes, e os restaurantes iniciaram modalidades alternativas de serviços como delivery e take out.

As feiras livres podem ser consideradas promotoras de saúde devido à ampla oferta de alimentos in natura1515 Campos ICS, Figueiredo PC, Ribeiro NR, Martins BX, Marques NPA, Binoti ML. Perfil e percepções dos feirantes em relação ao trabalho e segurança alimentar e nutricional nas feiras livres. HU Rev. 2018; 43(3):247-54.. São catalisadoras de relações sociais, uma vez que transcendem a perspectiva mercadológica por meio do diálogo e do reconhecimento da origem do que se consome1616 Gerhard F, Peñaloza V. Resilience in trade fairs: a study in Brazilian context. Interações (Campo Grande) [Internet]. 2018; 19(4):855. Doi: https://doi.org/10.20435/inter.v19i4.1699.
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. Já os supermercados se configuram contemporaneamente como importantes espaços de compra por sua flexibilidade de horário e diversidade na oferta de produtos, sem a necessidade de intermediação do vendedor. Do ponto de vista sanitário, ambos devem atender às normas vigentes para garantir a segurança e a qualidade dos gêneros que disponibilizam1717 Pedroso KRPQ, Bernadino PDLS. Aspectos higiênico-sanitários de estabelecimento comercial do tipo supermercado de grande porte. Rev Eletronica Cient Inovação Tecnol. 2016; 1(13):88-102.,1818 Valente D, Passos ADC. Avaliação higiênico-sanitária e físico-estrutural dos supermercados de uma cidade do Sudeste do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2004; 7(1):80-7. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2004000100010.
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Em geral, a realização das feiras e as orientações quanto aos seus aspectos higienicossanitários são de competência dos municípios. Ao funcionar em locais públicos, suas estruturas desafiam a segurança microbiológica uma vez que, por exemplo, a ausência de fonte de água potável dificulta a higienização das mãos e das superfícies pelos feirantes, os quais na tentativa de reduzir as sujidades aparentes de bancadas e utensílios utilizam, por vezes, água de fonte desconhecida. A precariedade das condições de trabalho é palpável quando se observa a ausência de sanitários e de pontos de coleta de resíduos. Essas questões se coadunam com o descuido da limpeza do ambiente por parte dos feirantes e dos consumidores; a manipulação simultânea de alimentos e dinheiro pelos atendentes e o comprometimento da sua higiene pessoal1919 Matos JC, Souza LR, Silva TO, Carvalho LMF. Condições higiênico-sanitárias de feiras livres: uma revisão integrativa. Rev Eletronica Gest Saude. 2015; 6(3):2884-93.

20 Golin A, Coden MAS, Rolim RI, Bertagnolli SMM, Margutti KMM, Basso C. Qualidade higiênico-sanitária e o perfil de feirantes e usuários das feiras-livres de Santa Maria - RS. Discip Sci. 2016; 17(3):423-34.
-2121 Silva Júnior ACS, Ferreira LR, Frazão AS. Condições higienicossanitárias da comercialização de pescado em feiras livres da cidade de Santana, AP. Hig Aliment. 2017; 31(274/275):81-6.. O armazenamento dos alimentos em temperatura inapropriada é também um reflexo conjuntural.

Embora os supermercados tenham seus itens dispostos com maior organização, as condições de atendimento à legislação variam, de modo geral, de regulares a insatisfatórias1818 Valente D, Passos ADC. Avaliação higiênico-sanitária e físico-estrutural dos supermercados de uma cidade do Sudeste do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2004; 7(1):80-7. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2004000100010.
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,2222 Vieira FJA, Pereira MS, Santos EN, Sousa CP, Diniz KM. A importância da implantação das boas práticas de manipulação em um supermercado no Município de Patos-PB. Rev Bras Gest Ambient. 2020; 14(1):49-53.. A literatura aponta, nesses espaços, deficiências relacionadas às edificações1818 Valente D, Passos ADC. Avaliação higiênico-sanitária e físico-estrutural dos supermercados de uma cidade do Sudeste do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2004; 7(1):80-7. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2004000100010.
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,2323 Brasil CCB, Gressler CC, Pelegrini SB, Moura DS, Medeiros LB, Hecktheuer LHR. Profile of establishments in the supermarket sector with respect to good practices in the city of Santa Maria (RS), Brazil. Food Sci Technol. 2013; 33(4):646-51.; ausência do controle integrado de pragas; e inexistência de documentação exigida para o funcionamento do estabelecimento1919 Matos JC, Souza LR, Silva TO, Carvalho LMF. Condições higiênico-sanitárias de feiras livres: uma revisão integrativa. Rev Eletronica Gest Saude. 2015; 6(3):2884-93.,2020 Golin A, Coden MAS, Rolim RI, Bertagnolli SMM, Margutti KMM, Basso C. Qualidade higiênico-sanitária e o perfil de feirantes e usuários das feiras-livres de Santa Maria - RS. Discip Sci. 2016; 17(3):423-34.,2323 Brasil CCB, Gressler CC, Pelegrini SB, Moura DS, Medeiros LB, Hecktheuer LHR. Profile of establishments in the supermarket sector with respect to good practices in the city of Santa Maria (RS), Brazil. Food Sci Technol. 2013; 33(4):646-51.. Além disso, são relatadas falhas relacionadas à gestão de pessoas, como ausência do atestado de saúde ocupacional; precariedade da higiene pessoal; bem como deficiência nas boas práticas de produção de alimentos, como falta de controle de temperatura na cadeia fria, condições inadequadas de armazenamento dos gêneros e risco de contaminação cruzada2424 Santos DM, Lopes MO, Constantino C, Hildebrando LCL, Queiroz JF. Diagnóstico situacional da adesão às boas práticas higiênicas em supermercados de um município da região metropolitana de Curitiba- PR, Brasil. Arch Vet Sci. 2018; 23(3):23-4. Doi: http://dx.doi.org/10.5380/avs.v23i3.58103.
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A discussão amplia-se e ganha novas camadas de complexidade quando passamos a considerar os espaços de produção de refeições, compreendendo-os não somente como estrutura física, cujo layout, por vezes, não foi planejado e favorece o contato entre seus colaboradores, mas como local onde “[...] agentes, insumos e estruturas objetivas e mentais interagem na produção da refeição possível”2525 Costa-Souza J, Araújo MPN. Redefinindo para melhor refletir: um ensaio sobre as limitações das estratégias de padronização das práticas de higiene em serviços de alimentação para coletividades no Brasil. Rev Aliment Cult Am. 2019; 1(1):107-19. (p. 112). As inadequações da temperatura ao longo da cadeia de produção e dos cuidados relacionados à manipulação dos alimentos são apontadas como principais fatores causadores de surtos alimentares2626 Lyra GR, Motta MCM, São José JFB. Avaliação das condições higiênico-sanitárias em restaurantes comerciais de Vitória-ES. Rev Inst Adolfo Lutz. 2017; 76:1-7.

27 Ricci A, Martelli F, Razzano R, Cassi D, Lazzi C, Neviani E, et al. Service temperature preservation approach for food safety: microbiological evaluation of ready meals. Food Control. 2020; 115:107297. Doi: https://doi.org/10.1016/j.foodcont.2020.107297.
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-2828 Brasil. Ministério da Saúde. Surtos de doenças transmitidas por alimentos no Brasil. Informe 2018 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [citado 18 Jun 2020]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2019/fevereiro/15/Apresenta----o-Surtos-DTA---Fevereiro-2019.pdf
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. Somam-se a essas questões os equipamentos e utensílios em más condições de conservação e higiene; o uso de saneantes sem registro no Ministério da Saúde (MS) e a ausência de controle da potabilidade da água. Os comportamentos e as atitudes dos manipuladores repetem-se nos locais avaliados: falar e comer durante a manipulação; resistência/desatenção ao protocolo para lavagem das mãos, apresentação pessoal precária, entre outros2626 Lyra GR, Motta MCM, São José JFB. Avaliação das condições higiênico-sanitárias em restaurantes comerciais de Vitória-ES. Rev Inst Adolfo Lutz. 2017; 76:1-7.. Os usuários dos serviços de alimentação também colaboram para a contaminação, uma vez que comumente não higienizam as mãos antes de acessar o balcão de distribuição, conversam enquanto se servem e utilizam os utensílios das preparações para organizar os alimentos no prato2929 Henriques P, Barbosa RMS, Freitas FCPW, Lanzillotii HS. Atitudes de usuários de restaurante “self-service”: um risco a mais para a contaminação alimentar. Cad Saude Colet. 2014; 22(3):266-74. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400030008.
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. Salvaguardadas as devidas proporções de comparação, situações de mesma natureza foram encontradas nas feiras, nos supermercados e nos restaurantes tanto do ponto de vista das instalações e do fluxo de produção quanto dos colaboradores e dos clientes2626 Lyra GR, Motta MCM, São José JFB. Avaliação das condições higiênico-sanitárias em restaurantes comerciais de Vitória-ES. Rev Inst Adolfo Lutz. 2017; 76:1-7..

A legislação normatiza, orienta e dispõe sobre a necessidade de capacitação quanto às questões higienicossanitárias, mas não garante a realização do processo. Se por um lado, os trabalhadores devem ser orientados quanto às boas práticas e receber o instrumental necessário para a realização de suas atividades; por outro lado, as empresas do segmento devem se responsabilizar pelos encaminhamentos legais, providenciar exames médicos, prover equipamentos de proteção individual, uniformes, treinamentos e gerir os processos, dimensões nem sempre contempladas nos instrumentos avaliativos3030 Freitas RSG, Stedefeldt E. Hygiene and humanization: breaking the traditional view of food safety. Food Res Int. 2020; 131:e108944. Doi: https://doi.org/10.1016/j.foodres.2019.108944.
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. Ainda, cabe à Vigilância Sanitária (Visa) local atuar de maneira sistêmica, garantindo a execução do que dispõem as regulamentações.

Na prática, os diagnósticos realizados revelam a criticidade da situação sanitária dos espaços que manipulam e comercializam alimentos. No entanto, os resultados não mobilizam transformações para os sujeitos que integram o setor, e os fenômenos observados, apesar de complexos, são reduzidos à culpabilização dos manipuladores. Qual é, verdadeiramente, o problema?

Ao avaliar os estabelecimentos, a ferramenta de coleta de dados, como uma fotografia, enfatiza apenas uma dimensão do cenário – estrutura física e o que é feito pelo manipulador, ou seja, a superfície do observado –, mas não mensura as condições de vida e a história de origem daqueles que efetivamente se debruçam sobre o processo produtivo. Desconsidera as iniquidades sociais e trabalhistas enfrentadas por essas pessoas. A baixa escolaridade as sujeitam a exaustivas jornadas de trabalho, em ambientes insalubres, com ritmo intenso e recomendações ergonômicas negligenciadas. A pouca valorização das atividades que realizam e a reduzida perspectiva de progressão na carreira repercutem em uma alta rotatividade e absenteísmo2525 Costa-Souza J, Araújo MPN. Redefinindo para melhor refletir: um ensaio sobre as limitações das estratégias de padronização das práticas de higiene em serviços de alimentação para coletividades no Brasil. Rev Aliment Cult Am. 2019; 1(1):107-19.. Ainda, muitos desses trabalhadores residem em aglomerados humanos, com saneamento básico precário, o que aumenta sua vulnerabilidade à Covid-19. Como não interligar esses aspectos à realidade sanitária do setor de alimentação coletiva no Brasil?

Minnaert e Freitas3131 Minnaert ACST, Freitas MCS. Práticas de higiene em uma feira livre da cidade de Salvador (BA). Cienc Saude Colet. 2010; 15 Supl 1:1607-14. Doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700072.
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avançam no debate expondo uma face desconsiderada nos âmbitos academicista e normatizador das boas práticas de manipulação de alimentos: as concepções de higiene podem ser diferentes entre atores que compartilham o mesmo espaço. Segundo as autoras, no ambiente das feiras, as normas coercitivas, punitivas e de controle não consideram as redes de significados dos grupos sociais envolvidos. Exemplo disso é que, para os feirantes, os cuidados com os alimentos são pautados nos conhecimentos passados entre gerações, sendo ameaça palpável aquela vivida na sua rotina diária; associam doenças transmitidas por alimentos à gripe, enquanto fiscais e agentes de limpeza compreendem a organização do ambiente como higiene3131 Minnaert ACST, Freitas MCS. Práticas de higiene em uma feira livre da cidade de Salvador (BA). Cienc Saude Colet. 2010; 15 Supl 1:1607-14. Doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700072.
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. Negligenciar que o universo simbólico alicerça a compreensão sobre tais práticas é manter um círculo vicioso que não transforma socialmente, mas que estigmatiza e culpabiliza.

A pandemia agravou problemas crônicos associados à segurança dos alimentos sob responsabilidade da Visa. Apesar do seu amplo escopo que inclui “um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos e de intervir nos problemas sanitários (...)”3232 Brasil. Lei 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. 19 Set 1990., sua demora em responder à Covid-19 evidenciou a assimetria de suas ações em relação às do Sistema Único de Saúde (SUS). Embora tenha sido declarada emergência em saúde pública em 3 de fevereiro3333 Brasil. Portaria nº 188, de 3 de Fevereiro de 2020. Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV). Diário Oficial da União. 3 Fev 2020., somente em 6 de abril foram publicadas duas notas técnicas3434 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Regulamentos [Internet]. Brasília: Anvisa; 2020 [citado 14 Mai 2020]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/coronavirus/regulamentos
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voltadas para o setor de alimentos. Isso fez que estados e municípios antecipassem as recomendações dentro das regras gerais de enfrentamento que incluíram cuidados na cadeia de produção de refeições, com destaque para São Paulo1111 São Paulo (Estado). Decretos do Governo de SP com medidas de prevenção e combate ao novo coronavírus [Internet]. São Paulo; 2020 [citado 22 Maio 2020]. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/decretos-do-governo-de-sp-com-medidas-de-prevencao-e-combate-ao-novo-coronavirus
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12 São Paulo (Estado). Centro de Vigilância e Saúde. Notícias [Internet]. São Paulo; 2020 [citado 11 Maio 2020]. Disponível em: http://www.cvs.saude.sp.gov.br/ler.asp?nt_codigo=3961&nt_tipo=0&te_codigo=6
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-1313 São Paulo (Estado). Centro de Vigilância Sanitária. Notícias [Internet]. São Paulo; 2020 [citado 22 Maio 2020]. Disponível em: http://www.cvs.saude.sp.gov.br/ler.asp?nt_codigo=4026&nt_tipo=0&te_codigo=1
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As experiências vivenciadas por outros países3535 COVID-19: learning from experience [editorial]. Lancet. 2020; 395(10229):1011. Doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30686-3.
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não foram utilizadas para nos prepararmos como coletividade. O atual contexto neoliberal e a forte pressão econômica impactaram a tomada de decisões, fazendo estados e municípios, que vivenciavam situação de calamidade pública, flexibilizarem regras propostas em março de 2020 para a contenção da doença1111 São Paulo (Estado). Decretos do Governo de SP com medidas de prevenção e combate ao novo coronavírus [Internet]. São Paulo; 2020 [citado 22 Maio 2020]. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/decretos-do-governo-de-sp-com-medidas-de-prevencao-e-combate-ao-novo-coronavirus
https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticia...
,3636 Oliveira TC, Abranches MV, Lana RM. (In)segurança alimentar no contexto da pandemia por SARS-CoV-2. Cad Saude Publica. 2020; 36(4):e00055220. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00055220.
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e resistirem às ações mais rigorosas. Passados seis meses da pandemia, o Brasil atingiu em 9 de setembro a marca de 128.653 mortes por Covid-19, sendo 1.136 em um período de 24 horas3737 Consórcio de veículos de imprensa (O Globo, Extra, G1, Estadão, Folha e UOL). Brasil tem maior queda em média de casos de Covid registrados desde o início da pandemia [Internet]. 2020 [citado 15 Set 2020]. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/09/10/casos-e-mortes-por-coronavirus-no-brasil-em-10-de-setembro-segundo-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml
https://g1.globo.com/bemestar/coronaviru...
.

Apesar dessa triste realidade, tem sido consolidada a tendência de reabertura do setor de comércio e serviços, sendo o retorno das pessoas observado principalmente no segmento de bares e similares, quando comparado aos espaços de comensalidade tais como restaurantes e lanchonetes. Mesmo com o número de contaminação e mortes ainda elevado, chama a atenção a baixa percepção de risco da população, evidenciando que a divulgação dos apontamentos científicos sobre os impactos do Sars-CoV-2 na saúde não é suficiente para sensibilizar as pessoas. As interpretações das informações recebidas, perpassadas pelas experiências socioculturais, moldam a percepção dos riscos individuais e/ou coletivos e justificam as formas próprias de agir3838 Lin SY, Lin CY, Hsin MC. Comparison of social and culture based risk perception of personal hygiene behaviours. Heliyon. 2018; 4(10):e00839. Doi: 10.1016/j.heliyon.2018.e00839.
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39 Costa MF. Modelo de crença em saúde para determinantes de risco para contaminação por coronavírus. Rev Saude Publica. 2020; 54:47. Doi: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054002494.
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-4040 Abrantes AA, Martins LM. A produção do conhecimento científico: relação sujeito-objeto e desenvolvimento do pensamento. Interface (Botucatu). 2007; 11(22):313-25. Doi: 10.1590/S1414-32832007000200010.
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.

Nesse sentido, em relação à Covid-19, ações restritas à publicação de decretos e normas técnicas podem ser insuficientes para instituir mudanças comportamentais de empresários, seus colaboradores e da comunidade. Governos, indústrias, produtores, operadores comerciais e consumidores devem compartilhar a responsabilidade4141 World Health Organization. World Food Safety Day 2020: UN experts in Facebook live event on 5 June 2020 [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [citado 9 Jun 2020]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/detail/03-06-2020-world-food-safety-day-2020-un-experts-in-facebook-live-event-on-5-june-2020
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, garantindo que a tomada de decisões seja efetivamente implementada.

As estratégias de enfrentamento da pandemia se apresentaram principalmente no campo da mitigação dos danos, com vistas à disponibilização de leitos em hospitais e à aquisição de equipamentos e medicamentos, inclusive daqueles sem eficácia comprovada4242 Geleris J, Sun Y, Platt J, Zucker J, Baldwin M, Hripcsak G, et al. Observational study of hydroxychloroquine in hospitalized patients with Covid-19. N Engl J Med. 2020; 382:2411-8. Doi: 10.1056/NEJMoa2012410.
https://doi.org/10.1056/NEJMoa2012410...
,4343 COVID-19 in Brazil: “So what? ” [editorial]. Lancet. 2020; 395(10235):1461. Doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31095-3.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31...
. Tal estratégia vem sendo desmobilizada paralelamente às forças que se instituem para a retomada das atividades econômicas. A transposição do problema é complexa e necessita de várias frentes de atuação. Atentar para as consequências sem refletir sobre suas causas é se dedicar apenas a medidas paliativas. Os desdobramentos dessa forma de agir culminaram na escalada do número de contaminações e de óbitos4444 Brasil. Ministério da Saúde. Painel coronavírus [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [citado 21 Maio 2020]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
https://covid.saude.gov.br/...
e não há perspectiva de sua resolutividade em um curto espaço de tempo, especialmente no que se refere à proteção imunológica da população4545 Burki TK. The Russian vaccine for COVID-19. Lancet Respir Med. 2020; 8(11):e85-6. Doi: https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30402-1.
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,4646 Race for a COVID-19 vaccine. EBioMedicine. 2020; 55(2020):102817. Doi: https://doi.org/10.1016/j.ebiom.2020.102817.
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e à eliminação dos riscos em locais que propiciam aglomerações (escolas, universidades, igrejas, casas de espetáculos, academias, restaurantes, etc.).

O setor de alimentos margeia a crise da saúde e sofre com a desorganização das esferas gestoras. A nova situação exige a efetividade da implementação e a manutenção das boas práticas de higiene já regulamentadas. Somam-se a essas condutas novas demandas3636 Oliveira TC, Abranches MV, Lana RM. (In)segurança alimentar no contexto da pandemia por SARS-CoV-2. Cad Saude Publica. 2020; 36(4):e00055220. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00055220.
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, tais como: disponibilização de álcool 70% e de local para lavagem das mãos, garantia de distanciamento entre as pessoas, higienização de pontos de contato como botões de equipamentos eletrônicos, corrimãos, carrinhos e cestas de compras, limpeza do ar-condicionado e dos utensílios que entram em contato com mãos e boca, garantia da segurança e da saúde dos colaboradores e das condições de entrega dos alimentos. Soma-se a isso, a necessidade de desinfecção de ambientes externos aos estabelecimentos.

Embora a OMS4141 World Health Organization. World Food Safety Day 2020: UN experts in Facebook live event on 5 June 2020 [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [citado 9 Jun 2020]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/detail/03-06-2020-world-food-safety-day-2020-un-experts-in-facebook-live-event-on-5-june-2020
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reconheça o risco sanitário como um componente da segurança alimentar, o que se observa na realidade brasileira é a ineficiência das ações de controle desse risco, apesar da “Promoção da Alimentação Adequada e Saudável” estar prevista na Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN)4747 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.. Como política pública, ela também dispõe sobre o fortalecimento dos mecanismos de gestão, bem como a capacitação dos profissionais por meio das diretrizes: 1) Controle e Regulação dos Alimentos; e 2) Qualificação da Força de Trabalho. Apesar de normativas, como a RDC n. 275/2002, terem sido elaboradas pela PNAN4848 Marins BR, Tancredi RCP, Gemal AL. Segurança alimentar no contexto da vigilância sanitária: reflexões e práticas. Rio de Janeiro: EPSJV; 2014., considerando o aperfeiçoamento do sistema de vigilância e controle sanitário dos alimentos, é inexplorada a interlocução entre essa política e as legislações sanitárias que embasam as ações da Visa. Vale ressaltar que tais regulamentações não passaram por atualizações e é pequeno o número de estados e municípios que possuem normas complementares à legislação federal4949 Saccol ALF, Giacomelli SC, Mesquita MO, Castro AKF, Silva EA Jr, Hecktheuer LHR. Sanitary legislation governing food services in Brazil. Food Control. 2015; 52:27-33..

Os desdobramentos da pandemia afloraram fragilidades do sistema de gestão da Visa que, embora descentralizado, não conseguiu alinhar Ciência e Comunicação Social com as demais esferas de governo. A Visa precisa assumir seu protagonismo diante das dificuldades rotineiramente vivenciadas e orquestrar ações de prevenção de doenças e promoção da saúde. Uma atuação que coordene ações cooperativas entre estados e municípios, de maneira a engajá-los na construção de um arcabouço higienicossanitário, pode ser a resposta às demandas que perpassam a alimentação coletiva perante as diferentes realidades brasileiras. A desarticulação entre a Visa e as realidades locais dificulta a consolidação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) como um instrumento de apoio do SUS4949 Saccol ALF, Giacomelli SC, Mesquita MO, Castro AKF, Silva EA Jr, Hecktheuer LHR. Sanitary legislation governing food services in Brazil. Food Control. 2015; 52:27-33.,5050 Silva JAA, Costa EA, Lucchese G. SUS 30 anos: vigilância sanitária. Cienc Saude Colet. 2018; 23(6):1953-61. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018236.04972018.
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.

Entre os desafios desse órgão, encontram-se a ampliação da qualificação de seus profissionais; o uso de novas tecnologias; os investimentos econômicos e o seu emprego eficiente; a reavaliação de processos; bem como a melhoria da capacidade de comunicação, constituindo-se como um espaço de troca de saberes para a formação de uma consciência sanitária e, principalmente, a regulamentação equitativa dos setores que compõem a cadeia produtiva de refeições. Cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) rever sua natureza e solucionar problemas estruturais. O repasse de recursos financeiros para os órgãos de base que compõem a hierarquia do sistema e o reconhecimento das competências dos recursos humanos das subunidades da federação podem favorecer a capilaridade das ações11 Chan M. Food safety must accompany food and nutrition security. Lancet. 2014; 29; 384(9958):1910-1. Doi: 10.1016/S0140-6736(14)62037-7.
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,5050 Silva JAA, Costa EA, Lucchese G. SUS 30 anos: vigilância sanitária. Cienc Saude Colet. 2018; 23(6):1953-61. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018236.04972018.
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. É preciso avançar na elaboração de uma agenda articulada de programas e projetos que fortaleçam as boas práticas ao longo da cadeia produtiva.

Apesar de o aspecto sanitário da segurança alimentar e nutricional estar inserido em uma política nacional, a discussão sobre ele é incipiente. Verifica-se a necessidade de viabilizar propostas mais coerentes e menos alienadas de garantia da inocuidade dos alimentos. Para além da publicação de legislações mais diretivas, que permitam traçar diagnósticos próximos da realidade, tais propostas devem considerar o emaranhado simbólico e cultural dos atores inseridos no processo. E, ainda, ações estruturadas e cooperativas devem se estabelecer nos diferentes espaços de trabalho, possibilitando a dialogicidade e a formação profissional; com isso, contribuir para a recodificação do conceito de higiene no modus operandi dos grupos envolvidos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2020
  • Aceito
    23 Out 2020
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