Autoetnografia colaborativa em tempos de pandemia: uma experiência de ensinoaprendizagem terapêutica e decolonial

Autoetnografía colaborativa en tiempos de pandemia: una experiencia de enseñanza-aprendizaje terapéutica y decolonial

Bárbara Taciana Furtado Ana Cimbleris-Alkmim Felipe Augusto dos Santos Oliveira Lima Djenane Ramalho-de-Oliveira Sobre os autores

Resumos

Esta Autoetnografia colaborativa teve como objetivo compreender a experiência de três estudantes em disciplina de Autoetnografia no programa de pós-graduação na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais durante o período inicial da pandemia de Covid-19. Para tal, os diários de campo e as produções autoetnográficas dos estudantes – textos, poemas, fotografias, arquivos em áudio e arquivos em vídeo com performances ou dança – foram analisados. Destacaram-se os diversos aspectos terapêuticos e decoloniais que a Autoetnografia oportuniza pelo exercício metacognitivo. A disciplina humanizou o ambiente acadêmico proporcionando interconexão das ciências convencionais com as artes e a cultura. Este trabalho aponta os benefícios da Autoetnografia para a formação de profissionais de saúde críticos e reflexivos, especialmente os farmacêuticos, por promover competências apropriadas ao cuidado centrado na pessoa.

Palavras-chave
Autoetnografia; Covid-19; Formação de profissionais de saúde; Pedagogia decolonial; Pesquisa qualitativa


Esta autoetnografía tuvo el objetivo de comprender la experiencia de tres estudiantes de la asignatura de Autoetnografía en el programa de postgrado en la Facultad de Farmacia de la Universidad Federal de Minas Gerais durante el período inicial de la pandemia de Covid-19. Para ello, se analizaron los diarios de campo y las producciones autoetnográficas de los estudiantes: textos, poemas, fotografías, archivos de audio y archivos de video con performances o danza. Se destacaron los diversos aspectos terapéuticos y decoloniales a los que la Autoetnografía da oportunidad a partir del ejercicio metacognitivo. La asignatura humanizó el ambiente académico, proporcionando interconexión de las ciencias convencionales con las artes y la cultura. Este trabajo señala los beneficios de la Autoetnografía para la formación de profesionales de salud críticos y reflexivos, especialmente los farmacéuticos, por promover competencias apropiadas al cuidado centrado en la persona.

Palabras clave
Autoetnografía; Covid-19; Formación de profesionales de salud; Pedagogía decolonial; Investigación cualitativa


Introdução

O início de 2020 coincide com a chegada da pandemia do Covid-19 no Brasil. A expectativa de um novo ano habitual foi repentinamente retirada dos planos de milhões de pessoas ao redor do globo. Subitamente a população foi forçada a modificar seus hábitos de vida e a se isolar socialmente como medida de prevenção. Sentimentos como medo e preocupação se tornaram mais frequentes, enquanto os cenários político e econômico deflagraram diversas crises.

Em meio a esse contexto se iniciava a disciplina de Autoetnografia, em que foi proposto aos estudantes que produzissem e compartilhassem produções sobre suas próprias vivências na pandemia.

A Autoetnografia mescla uma narrativa que explora como as experiências de vida de um indivíduo se relacionam com as instituições sociais e culturais11 Ellis C, Bochner AP. Autoethnography, personal narrative, reflexivity. In: Denzin NK, Lincoln YS, editores. Handbook of qualitative research. 2a ed. Thousand Oaks: Sage; 2000. p. 733-68.,22 Ellis C, Adams TE, Bochner AP. Autoethnography: an overview. Hist Soc Res. 2011; 36:273-90.. Pode ser entendida como o ponto de encontro do “impulso autobiográfico” e o “momento etnográfico” em que a autoetnógrafa dá visibilidade aos mecanismos de opressão e poder presentes em uma dada cultura11 Ellis C, Bochner AP. Autoethnography, personal narrative, reflexivity. In: Denzin NK, Lincoln YS, editores. Handbook of qualitative research. 2a ed. Thousand Oaks: Sage; 2000. p. 733-68.,33 Spry T. Performing autoethnography: an embodied methodological praxis. Qual Inq. 2001; 7(6):706-32.,44 Raimondi GA, Moreira C, Brilhante AV, Barros NF. Autoetnografía performativa e investigación cualitativa en la Salud Colectiva: (des)encuentros método+lógicos. Cad Saude Publica. 2020; 36(12):e00095320.. Esse método qualitativo não é apenas uma forma de conhecer o mundo, mas também uma forma de estar no mundo, que exige viver de forma consciente, emocional, reflexiva e crítica, evidenciando o conhecimento embebido na experiência e revelando aspectos da vida cultural inacessíveis à pesquisa convencional44 Raimondi GA, Moreira C, Brilhante AV, Barros NF. Autoetnografía performativa e investigación cualitativa en la Salud Colectiva: (des)encuentros método+lógicos. Cad Saude Publica. 2020; 36(12):e00095320.

5 Motta PMR, Barros NF. Handbook of autoethnography. Cad Saude Publica. 2015; 31(6):1339-40.

6 Jones SH, Adams TE, Ellis C. Handbook of autoethnography. Walnut Creek: Left Coast Press Inc; 2013.
-77 Custer D. Autoethnography as a transformative research method. Qual Rep. 2014; 19(37):1-13..

Pode-se entender Autoetnografia como uma possibilidade de re-existência do eu (auto) diante do coletivo (etno) por meio da escrita (grafia)44 Raimondi GA, Moreira C, Brilhante AV, Barros NF. Autoetnografía performativa e investigación cualitativa en la Salud Colectiva: (des)encuentros método+lógicos. Cad Saude Publica. 2020; 36(12):e00095320.. Ela busca ampliar as possibilidades de existência, rompendo com os dualismos44 Raimondi GA, Moreira C, Brilhante AV, Barros NF. Autoetnografía performativa e investigación cualitativa en la Salud Colectiva: (des)encuentros método+lógicos. Cad Saude Publica. 2020; 36(12):e00095320. como pesquisador-sujeito, sujeito-objeto, eles e eu, colocando o pesquisador-sujeito em condições de explorar todas as nuances de sua existência, sem compartimentalizações entre estudo-trabalho-pessoa, sem mutilações. É a humanidade sem reducionismos, com todas as controvérsias e suas múltiplas facetas.

A Autoetnografia ganha crescente reconhecimento na saúde por auxiliar no desenvolvimento de valores e competências cruciais para profissionais, professores e estudantes88 Ramalho-de-Oliveira D. Overview and prospect of autoethnography in pharmacy education and practice. Am J Pharm Educ. 2020; 84(1):156-65.

9 Chang H. Autoethnography in health research: growing pains? Qual Health Res. 2016; 26(4):443-51. Doi: https://doi.org/10.1177/1049732315627432.
https://doi.org/10.1177/1049732315627432...
-1010 Mendonça SAM, Freitas EL, Ramalho-de-Oliveira D. Competencies for the provision of comprehensive medication management services in an experiential learning project. PLoS One. 2017; 12(9):e0185415. Doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0185415.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.018...
, promovendo um engajamento empático que move as pessoas à ação1111 Alexander BK. Performance ethnography: the reenacting and inciting of culture. In: Denzin NK, Lincoln Y, editors. The SAGE handbook of qualitative research. Thousand Oaks: SAGE; 2005. p. 411-42. apud Raimondi GA, Moreira C, Brilhante AV, Barros NF. Autoetnografía performativa e investigación cualitativa en la Salud Colectiva: (des)encuentros método+lógicos. Cad Saude Publica. 2020; 36(12):e00095320. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00095320.. Ela possibilita a compreensão mais profunda dos determinantes sociais e culturais da saúde, revelando aspectos sobre o adoecimento, estimulando a empatia e melhorando a resolutividade dos cuidados aos pacientes44 Raimondi GA, Moreira C, Brilhante AV, Barros NF. Autoetnografía performativa e investigación cualitativa en la Salud Colectiva: (des)encuentros método+lógicos. Cad Saude Publica. 2020; 36(12):e00095320.,88 Ramalho-de-Oliveira D. Overview and prospect of autoethnography in pharmacy education and practice. Am J Pharm Educ. 2020; 84(1):156-65.,1212 Vieira IM, Ramalho-de-Oliveira D, Mendonça SAM, Ribeiro MA. Experiência subjetiva com medicamentos de pacientes convivendo com o câncer de mama: um fotovoz. Rev Bras Cancerol. 2018; 64(2):167-75.

13 Silva DAM, Mendonça SAM, O’Dougherty M, Ramalho-de-Oliveira D, Chemello C. Autoethnography as an instrument for professional (trans)formation in pharmaceutical care practice. Qual Rep. 2017; 22(11):2926-42.

14 Fleming-Castaldy RP. A macro perspective for client-centred practice in curricula: Critique and teaching methods. Scand J Occup Ther. 2015; 22(4):267-76. Doi: https://doi.org/10.3109/11038128.2015.1013984.
https://doi.org/10.3109/11038128.2015.10...

15 Gallé J, Lingard L. A medical student’s perspective of participation in an interprofessional education placement: an autoethnography. J Interprof Care. 2010; 24(6):722-33.
-1616 Gama F. A autoetnografia como método criativo: experimentações com a esclerose múltipla. An Antropol. 2020; 45(2):188-208..

Dentro desse contexto, o presente artigo teve como objetivo compreender a experiência de três estudantes da disciplina durante o período inicial da pandemia de Covid-19 por meio da investigação de suas produções autoetnográficas.

Metodologia

Foi utilizada como metodologia a Autoetnografia colaborativa analítico-interpretativa11 Ellis C, Bochner AP. Autoethnography, personal narrative, reflexivity. In: Denzin NK, Lincoln YS, editores. Handbook of qualitative research. 2a ed. Thousand Oaks: Sage; 2000. p. 733-68.-22 Ellis C, Adams TE, Bochner AP. Autoethnography: an overview. Hist Soc Res. 2011; 36:273-90.,1717 Ellis C. The ethnographic I: a methodological novel about autoethnography. Walnut Creek: AltaMira; 2004., tendo como base as produções autoetnográficas criadas por três estudantes que cursaram a disciplina de Autoetnografia, ministrada entre março e maio de 2020. As produções constavam de narrativas pessoais evocativas, poesias, diálogos, textos descritivos ou analíticos, bem como fotografias, arquivos de áudio, performances e dança.

Na escrita, masculino e feminino foram alternados, a fim de preservar a identidade dos participantes e promover a igualdade de gênero na língua portuguesa.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob registro CAAE-25780314.4.0000.5149.

Resultados e discussão

Na análise de produção de significado de se viver a pandemia destacam-se na figura 1 três categorias: prática terapêutica, prática decolonial e prática de ensino.

Figura 1
Categorias que se destacaram nas produções autoetnográficas dos estudantes.

Autoetnografia como prática terapêutica

(Sobre)Vivendo na pandemia

Agora é assim, precisamos ter atenção obsessiva com tudo que chega da rua.

(Rotina matinal)

Paralisada no caos, olhos sempre marejados, e a saúde mental em declínio.

(O capitalismo do meu dia a dia, agravado pela pandemia)

Pensando na finitude, na morte que nos ronda e em como tudo pode mudar de uma hora para outra.

(Público X Privado)

Esses fragmentos revelam sentimentos que emergiram das escritas, como as tensões constantes provocadas pelo medo do contágio, o encontro com a finitude e o sofrimento mental associados. As incertezas sobre o futuro, acompanhadas de sentimentos de revolta e impotência, são igualmente frequentes nos relatos. É importante relembrar que a pandemia ressalta os conflitos nos âmbitos governamental, cultural, social e econômico, aspectos caros à busca por justiça social propiciados pela Autoetnografia1818 Ramos CEPL, Pinto ISR, Guimarães JG, Costa LS, Souza LM, Branco LMC, et al. O bem-estar subjetivo da comunidade estudantil do IFB em tempos de pandemia. Brasília: Ministério da Educação; 2020..

Eu destaco [...] três pontos de experiências que vivemos e que poderiam ser extrapoladas com o exterior: o cuidado das pessoas próximas e das relações; o cuidado de si próprio e; por fim, a revolta e raiva que nutrimos com nossos governos, com as oligarquias de poder e com as injustiças sociais. Temos vivido um mundo doente por muitos anos, e a crise global vai muito além da pandemia viral.

(Diário de campo)

Viver a pandemia no contexto brasileiro é um desafio sem precedentes. Por um lado, temos baixas taxas de adesão às medidas de distanciamento social, negligência, ignorância e compartilhamento de notícias falsas1919 Kind L, Cordeiro R. Narrativas sobre a morte: a gripe espanhola e a Covid-19 no Brasil. Psicol Soc. 2020; 32:e020004. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240740.
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. Por outro lado, temos um governo negligente, o negacionismo científico, e a razão neoliberal. Um (des)governo que até os dias atuais não traçou qualquer plano de contenção suficientemente eficiente para recuperar a economia ou frear o ainda crescente número de óbitos1919 Kind L, Cordeiro R. Narrativas sobre a morte: a gripe espanhola e a Covid-19 no Brasil. Psicol Soc. 2020; 32:e020004. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240740.
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,2020 Caponi S. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estud Av. 2020; 34(99):209-24. Doi: https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.013.
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. Já são mais de 21 milhões de casos registrados de indivíduos infectados e mais de 607 mil mortes. E os números continuam subindo2121 Brasil. Ministério da Saúde. Painel de casos de doença pelo coronavírus 2019 (Covid-19) no Brasil pelo Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. (dado atualizado em 02.11.2021).

A batalha anterior que se estabeleceu contra a Ciência, contra as universidades públicas, contra a Saúde Coletiva e contra o SUS enfraqueceram nossas defesas, estamos mais vulneráveis. Por outro lado, a desigualdade social, a fome, um abismo de iniquidades que separam brasileiros de brasileiros já são, por si só, forças que se abatem sobre as pessoas.

(Público X Privado)

Aliado ao ambiente externo e coletivo que institui cada vez mais desordem e retrocesso, existe também um ambiente interno e individual que se desorganiza mediante a interrupção de atividades profissionais e pessoais, assim como dos planos e das possibilidades futuras.

Figura 2
Produção autoetnográfica: Possibilidades interrompidas.

Nessa fotografia, um espaço aberto, com um mar de morros tingido em diversas cores que se repetem no céu. Toda a beleza da figura é confrontada com a presença dominante do arame farpado no plano frontal. A possibilidade da liberdade traz um risco, que na fotografia são os possíveis cortes da carne e na vida real se traduz como a possibilidade do contágio virótico.

Figura 3
Produção autoetnográfica: Performance Areia Umbra.

A Figura 3 apresenta trechos de uma performance elaborada por meio do poema autoetnográfico que segue abaixo, Areia Umbra, que evoca sentimentos que tomam proporções inimagináveis, conectando-nos à atual destruição desenfreada e irreparável. São evidenciados o grande número de óbitos decorrentes do descaso do governo e da própria população com a Saúde Pública e as recomendações de segurança. A utilização de vela, fumaça e tinta remete à carbonização da carne. O signo da morte resplandece encapuzado, e as palavras proferidas remetem a uma vivência exacerbadamente sombria, como exemplificado pelo trecho abaixo.

[...]Explosão e implosãoPiche nas paredes de todos os órgãosMatéria escura que exala suor, repressão[...]A mãe sente por todos, sente por umA dor do outro dói minha almaA ignorância do outro cega minha calma[...]Cegos, surdos, mudosAtados, confusos, profusosUm mar de genteProfundo e profano[...](Areia Umbra)

Essas produções exibem o turbilhão de sentimentos vividos durante a pandemia e que contribuíram para o agravamento de problemas de Saúde Mental e emocional, potencializando desgastes já existentes. É possível perceber que, embora a subjetividade possa estar isolada, também se relaciona irrevogavelmente com o comunitário, ora no sentimento de compartilhamento da dor, ora no processo de ser afetado por suas ações (e omissões). Na próxima sessão, focada na Autoetnografia como prática decolonial, será discutido como essa dor, apesar de coletiva, acaba impactando diferentemente os distintos grupos sociais, agravando ainda mais as vulnerabilidades.

A experiência de confinamento em células isoladas, com a construção de muros entre os indivíduos, dissolve a noção do todo, transformando potências humanas em verdadeiras impotências perante o medo e o estresse gerados pela necessidade por conexão não atendida2222 Anta Félez J-L, Grana R. Instantáneas de una pandemia. Mirar en un régimen de confinamiento. RCyS. 2020; 10(2):287-300. Doi: https://doi.org/10.35669/rcys.2020.10(2).287-300.
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.

Figura 4
Produção autoetnográfica: Isolamento.

Na Figura 4, observa-se a alusão a um aprisionamento. Um homem atrás das barras em paradoxo com um campo aberto às suas costas, representando a possibilidade de estar em liberdade ao mesmo tempo que nos remete contraditoriamente à sua impossibilidade. A imagem faz referência à solidão e à segregação, sentimentos recorrentes na pandemia. Os tons acinzentados encontram expressão corporal apática de olhos quase inexpressivos.

Conexões que transpõem o isolamento

Chorei o que eu estava querendo chorar durante toda essa quarentena. Percebi: engavetar sentimentos havia se tornado sintomático [...]. Volto para a turma... Relembrei como escrever pode ser terapêutico, principalmente se [...] houver a pequena possibilidade de alguém ler. Parece que a escrita chega a ser uma forma de autoanálise.

(Diário de Campo)

Durante a disciplina, foi crescente a intimidade entre discentes e docentes, com exposição de situações delicadas e até íntimas, tendo suas subjetividades reconhecidas e interconectadas77 Custer D. Autoethnography as a transformative research method. Qual Rep. 2014; 19(37):1-13..

Ariel começou a leitura de seu texto. Chorou em diversos momentos, e eu segurei o meu choro... até que desabei junto. Meu Deus, quanta ressonância com o que tenho vivido! E eu me achando uma ilha isolada, perdida. E então acho uma outra ilha, banhada pelo mesmo oceano. [...] Não estou sozinho. Somos várias ilhas que dão um sinal amigo, um abraço a distância.

(Diário de Campo)

Sentir-se “ilha” significa aqui se sentir isolado do coletivo. É um sentimento de não pertencimento e de não compreensão pelo outro, como a experiência de se viver em células isoladas2222 Anta Félez J-L, Grana R. Instantáneas de una pandemia. Mirar en un régimen de confinamiento. RCyS. 2020; 10(2):287-300. Doi: https://doi.org/10.35669/rcys.2020.10(2).287-300.
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. Tais crenças se transformam quando encontramos espaços de acolhimento e de escuta, onde é possível se sentir amado e legitimado.

Sentir-se compreendido, seguro, livre para se expressar, competente e pertencente a um coletivo são necessidades sociais básicas do ser humano2323 Young JE, Klosko JS. Reinvente sua vida. Pazzin RB, tradutor. 2a ed. Novo Hamburgo: Synopsys; 2020.. O contexto pandêmico brasileiro cria uma distorção desse direito. Paralelamente, a formação tecnicista do farmacêutico cria apagamento da subjetividade dos estudantes e também dos pacientes, quando o profissional formado ingressa no mercado de trabalho. Um currículo que não permite a expressão e a conexão nesse período delicado pode favorecer agravamentos na Saúde Mental, além de contribuir para um alienamento do profissional em relação às questões sociais e culturais. São necessários espaços como esse que tivemos na disciplina para que não nos tornássemos profissionais ensimesmados, alheios às experiências distintas.

A cultura da farmácia, como colocado certa vez pela professora [...], é árida. Concordo demais. Questões dessa natureza poucas vezes [...] emergem de uma conversa entre farmacêuticos. [...] Somos profissionais tecnicistas e questões que envolvem política em geral passam ilesas. [...] Me parece que os farmacêuticos não se enxergam como seres políticos.

(Encontros com a Autoetnografia)

O meio acadêmico é um espaço em que podem coabitar preconceitos e assédios2424 Raimondi GA, Moreira C, Barros NF. O corpo negado pela sua “extrema subjetividade”: expressões da colonialidade do saber na ética em pesquisa. Interface (Botucatu). 2019; 23:e180434. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.180434.
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,2525 Pheko MM. Autoethnography and cognitive adaptation: two powerful buffers against the negative consequences of workplace bullying and academic mobbing. Int J Qual Stud Health Well-being. 2018; 13(1):1459134. Doi: https://doi.org/10.1080/17482631.2018.1459134.
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, favorecendo o isolamento do indivíduo que se pronuncia no ensino remoto. A experiência didática não hierárquica contrapõe a experiência convencionalmente panóptica dos ambientes de ensino farmacêutico em que as relações de poder e controle afastam os estudantes da autêntica relação humana. Em contraste, experienciou-se liberdade, pertencimento e aumento do potencial criativo que a Autoetnografia proporciona, resultando em uma experiência terapêutica88 Ramalho-de-Oliveira D. Overview and prospect of autoethnography in pharmacy education and practice. Am J Pharm Educ. 2020; 84(1):156-65.,1212 Vieira IM, Ramalho-de-Oliveira D, Mendonça SAM, Ribeiro MA. Experiência subjetiva com medicamentos de pacientes convivendo com o câncer de mama: um fotovoz. Rev Bras Cancerol. 2018; 64(2):167-75.,2626 Smith C. Epistemological Intimacy: a move to autoethnography. Int J Qual Methods. 2005; 4(2):68-76. Doi: https://doi.org/10.1177/160940690500400206.
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.

Um remédio milagroso

Para mim, foi uma experiência, sobretudo terapêutica. Não sei como eu levaria essa quarentena sem estar matriculado nesta disciplina. [...] Foram muitos os acontecimentos dentro de mim. [...] Houve muito desequilíbrio. Mas toda segunda-feira, às 14h, eu sabia que ali, pelo menos, eu estaria entre pessoas incríveis, discutindo questões incríveis.

(Fractos Constructos)

A investigação reflexiva autoetnográfica consiste em transformar as experiências em investigação, utilizando a vivência pessoal para expressar um corpo psicológico maior, composto de um mundo sociopolítico-cultural entrelaçado por relações de poder que moldam a todos1717 Ellis C. The ethnographic I: a methodological novel about autoethnography. Walnut Creek: AltaMira; 2004.. O processo de se analisar a experiência por meio da Autoetnografia pode alterar as percepções dessa mesma experiência durante o processo de escrita, o que pode se relacionar com o processo terapêutico2727 Richardson L. Autoethnography, personal narrative, reflexivity. In: Denzin NK, Lincoln YS, editores. Handbook of qualitative research. 2nd ed. Thousand Oaks: SAGE Publications; 2000., além de ampliar nosso entendimento sobre um fenômeno estudado e possibilitar novas perspectivas2828 Wall S. An autoethnography on learning about autoethnography. Int J Qual Methods. 2006; 5(2):146-60. Doi: https://doi.org/10.1177/160940690600500205.
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, ressignificando sentimentos e o sofrimento de forma regeneradora.

A atitude de se observar percebendo a própria realidade é entendida como metacognição, e está intimamente ligada à inteligência. A prática reflexiva exercita e expande a metacognição, preparando melhor estudantes, profissionais e pesquisadores2929 Livingston JA. Metacognition: an overview [Internet]. 2003 [citado 13 Dez 2020]. Disponível em: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED474273.pdf
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para enxergar criticamente sua própria realidade, estimulando o convite à sua transformação.

O olhar logoterápico3030 Esping A. Autoethnography as logotherapy: an existential analysis of meaningful social science inquiry. Int J Educ Res. 2013; 9(1):59-67.,3131 Frankl VE. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 44a ed. Petrópolis: Vozes; 2018. focado na consciência da própria vida contribui para explicar o impacto terapêutico da Autoetnografia, uma vez que essa conscientização auxilia a higidez da Saúde Mental por aumentar a compreensão de si mesmo e a apreciação do autovalor.

As produções autoetnográficas por vezes apareciam como forma de buscar sentido e acolhimento durante a pandemia2626 Smith C. Epistemological Intimacy: a move to autoethnography. Int J Qual Methods. 2005; 4(2):68-76. Doi: https://doi.org/10.1177/160940690500400206.
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,3232 Hodgins M, Boydell KM. Interrogating ourselves: reflections on arts-based health research. Forum Qual Soc Res. 2014; 15(1):e-10. Doi: https://doi.org/10.17169/fqs-15.1.2018.
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33 Malhotra P. An autoethnographic journey of intercountry adoption. Qual Rep. 2013; 18(63):1-13.
-3434 Raab D. Transpersonal approaches to autoethnographic research and writing. Qual Rep. 2013; 18(42):1-19.. Diferentes formas artísticas emergiram, funcionando tanto como dados quanto como a própria análise de dados, aprofundando a pesquisa.

Stahlke Wall2828 Wall S. An autoethnography on learning about autoethnography. Int J Qual Methods. 2006; 5(2):146-60. Doi: https://doi.org/10.1177/160940690600500205.
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descreve seu desconforto com relação a diversos materiais autoetnográficos e questiona “como a Terapia dá uma contribuição sociológica?” Segundo a autora, a resolução de questões pessoais deve ocorrer em um contexto totalmente diferente de uma tentativa acadêmica de adicionar conhecimento social. Alguns autores, ao utilizar a Autoetnografia de forma terapêutica, poderiam empregar artifícios evocativos para intensificar as vivências pessoais, o que limitaria a possibilidade de crítica a esse tipo específico de produção acadêmica por uma questão quase ética. Como criticar uma experiência tão importante e excruciante de forma a não menosprezar a experiência pessoal de um autor?

O benefício terapêutico pode ser tanto uma finalidade quanto uma consequência decorrente do processo autoetnográfico, como percebido por meio da análise das produções da disciplina. No entanto, esse questionamento trazido por Wall é válido e importante, uma vez que tal estilo de pesquisa pode ser utilizado de forma erroneamente narcisista3535 Anderson L. Analytic autoethnography. J Contemp Ethnogr. 2006; 35(4):373-95. Doi: https://doi.org/10.1177/0891241605280449.
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.

Autoetnografia como prática decolonial

A Autoetnografia revelou aspectos culturais que estavam encobertos, analisando discursos, questionando relações de poder no âmbito familiar, acadêmico e também coletivo. Questionar a ordem social estabelecida provoca movimentos subjetivos de mantos culturais oprimidos, trazendo ao debate discursos silenciados, desvelando os moldes de opressão que nos formam, desconstruindo práticas hegemônicas, colonialistas, racistas e patriarcais, subvertendo a ordem do poder, enxergando o outro, não como outro, mas como parte da sua própria humanidade, decolonizando pensamentos e práticas11 Ellis C, Bochner AP. Autoethnography, personal narrative, reflexivity. In: Denzin NK, Lincoln YS, editores. Handbook of qualitative research. 2a ed. Thousand Oaks: Sage; 2000. p. 733-68.

2 Ellis C, Adams TE, Bochner AP. Autoethnography: an overview. Hist Soc Res. 2011; 36:273-90.
-33 Spry T. Performing autoethnography: an embodied methodological praxis. Qual Inq. 2001; 7(6):706-32.,3636 Mbembe A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Rev PPGAV/EBA/UFRJ. 2016; 32:122-51.,3737 Kilomba G. Memórias da plantação episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó; 2019..

Ah [...] lá vem você com esse discurso vitimista! Saia da posição de vítima! Gente! Mas aqui eu fui vítima, estou sendo vítima. Então a vítima não pode discutir o seu papel de vítima porque senão é julgada como culpada? Que loucura!

(Encontros com a Autoetnografia)

As vozes das margens

Não fale em nada que questione a ordem política, eles estão no poder!

(Encontros com a Autoetnografia)

Quero ler outros trabalhos autoetnográficos que representam esse universo do Brasil. Afinal de contas, nós negros representamos 50% da população brasileira. Mas, apesar disso, minha sala de graduação tinha somente 4 negros. Apesar disso, eu era uma das 3 professoras universitárias negras num campus com 300 professores, apesar disso sou quase uma das únicas técnicas de nível superior negras, apesar disso, quando vou a restaurantes, vejo que a maioria das pessoas negras estão servindo, e não sendo servidas. Por ser uma raridade encontrar pessoas como eu em espaços onde as vozes podem ser ouvidas, é que não posso me calar.

(Encontros com a Autoetnografia)

A Autoetnografia é uma metodologia alinhada aos princípios decoloniais pois revela as vozes marginais que há muito clamam por uma epistemologia que transgrida o discurso colonialista e coloque em xeque relações de poder33 Spry T. Performing autoethnography: an embodied methodological praxis. Qual Inq. 2001; 7(6):706-32.. A perspectiva apresentada pela Autoetnografia encontra ecos nas epistemologias do sul, pois busca ampliar as concepções de existência no mundo e expandir as capacidades investigativa e compreensiva das ciências3737 Kilomba G. Memórias da plantação episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó; 2019. com base em conhecimentos subalternos. As epistemologias do sul têm como objetivo a desconstrução do epistemicídio provocado pela ciência setentrional baseada em estereótipos, uma vez que eles limitam a realidade, contam a história da perspectiva do colonizador e assim permitem a manutenção do neocolonialismo3838 Miglievich-Ribeiro A. Intelectuais e epistemologia crítica latino-americana do anti-colonial ao decolonial. Rassegna Iberistica. 2016; 39(105):117-28..

Vou para o hospital e quem eu vejo na linha de frente são as técnicas de enfermagem. A maioria como eu, mulheres negras que trabalham em 2 ou 3 empregos para garantir uma vida mais digna para a família. Mas a homenagem quando algum profissional de saúde morre é feita pra quem? Para os médicos, me recordo de 3. Dois homens e uma mulher, todos brancos. Por que será que não enxergamos essas vidas com a mesma dignidade?

(Diário de campo).

A Autoetnografia traz ao centro do debate atores que não pertencem aos grupos privilegiados dos ambientes acadêmicos, com seu legado da hegemonia branca, cis-heterossexual, burguesa e patriarcal2424 Raimondi GA, Moreira C, Barros NF. O corpo negado pela sua “extrema subjetividade”: expressões da colonialidade do saber na ética em pesquisa. Interface (Botucatu). 2019; 23:e180434. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.180434.
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,3838 Miglievich-Ribeiro A. Intelectuais e epistemologia crítica latino-americana do anti-colonial ao decolonial. Rassegna Iberistica. 2016; 39(105):117-28.. Esse estudo ecoou as vozes subalternas que puderam expressar sua indignação contra o racismo e o sexismo. Discursos de ódio que já estavam presentes no cenário sociopolítico, mas que em meio à pandemia e ao confinamento encontram manifestações mais contundentes e opressivas.

A pandemia, a biopolítica e a necropolítica

Percebe-se que os discursos de ódio e intolerância que se aplacaram sobre a sociedade repercutem nas reflexões dos estudantes. A Ciência é trazida ao debate com a promessa de facilitar a solução dos problemas. No entanto, as vivências levantadas em sala de aula ressoaram na observação geral do descaso com a Saúde Coletiva, com o estado de bem-estar social e com a própria Ciência, a qual é deturpada pelos interesses neoliberais que se valem da biopolítica3939 Beiguelman G. A pandemia das imagens: retóricas visuais e biopolíticas do mundo covídico. Rev Latinoam Psicopatol Fundam. 2020; 23(3):549-63. Doi: https://doi.org/10.1590/1415-4714.2020v23n3p549.7.
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,4040 Ferreira MM, Rodrigues RAF. A biopolítica da pandemia e seu impacto no cotidiano. Rev CEAM. 2020; 6(1):20-9. Doi: https://doi.org/10.5281/zenodo.3953117.
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, estimulando o uso da hidroxicloroquina mesmo diante das evidências científicas que reprovam sua indicação para tratamento da infecção pelo novo coronavírus3939 Beiguelman G. A pandemia das imagens: retóricas visuais e biopolíticas do mundo covídico. Rev Latinoam Psicopatol Fundam. 2020; 23(3):549-63. Doi: https://doi.org/10.1590/1415-4714.2020v23n3p549.7.
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.

O discurso bolsonarista prioriza o discurso em defesa da economia em detrimento das recomendações sanitárias quando ecoa “o Brasil não pode parar”3939 Beiguelman G. A pandemia das imagens: retóricas visuais e biopolíticas do mundo covídico. Rev Latinoam Psicopatol Fundam. 2020; 23(3):549-63. Doi: https://doi.org/10.1590/1415-4714.2020v23n3p549.7.
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40 Ferreira MM, Rodrigues RAF. A biopolítica da pandemia e seu impacto no cotidiano. Rev CEAM. 2020; 6(1):20-9. Doi: https://doi.org/10.5281/zenodo.3953117.
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-4141 Abrucio FL, Grin EJ, Franzese C, Segatto CI, Couto CG. Combate à Covid-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Rev Adm Publica. 2020; 54(4):663-77. Doi: https://doi.org/10.1590/0034-761220200354.
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. Logo se movimenta o rebanho do eleitorado bolsonarista que não respeita o isolamento social, e que adere à falsa promessa de medicamentos milagrosos, evidenciando o movimento instrumentalizado do biopoder3636 Mbembe A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Rev PPGAV/EBA/UFRJ. 2016; 32:122-51.,4242 Foucault M. Em defesa da sociedade: curso no College de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes; 1999. e um Estado suicida e homicida ao mesmo tempo, no qual corpos pretos e pobres são os mais vulneráveis. Além da elevação do risco direto de contaminação, engendra mortes devido ao subinvestimento em políticas públicas, forjando assim a necropolítica3636 Mbembe A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Rev PPGAV/EBA/UFRJ. 2016; 32:122-51.. O Estado determina quem morre, na medida em que acaba delimitando quem não é digno de receber intervenções para ser salvo4343 Rago M. “Estar na hora do mundo”: subjetividade e política em Foucault e nos feminismos. Interface (Botucatu). 2019; 23:e180515. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.180515.
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,4444 Silva Junior JR, Fargoni EHE. Bolsonarismo: a necropolítica brasileira como pacto entre fascistas e neoliberais. Rev Eletronica Educ. 2020; 14:1-26. Doi: https://doi.org/10.14244/198271994533.
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, com o objetivo de assegurar o bem daqueles que já são plenos de direitos.

Pandemia e relações familiares

“Não pense sobre isso! Não fale em nada que questione a ordem política, eles estão no poder! [...] Não mexa com essa gente! Seja inteligente, pare com esses assuntos” é o que eu tenho escutado bastante. Queria mais espaços onde posso ser eu, inteira. Há muitos espaços em que só me encaixo se mutilada, amordaçada ou asfixiada.

(Diário de campo)

Tanto a biopolítica quanto a necropolítica provocam repercussões que são percebidas no ambiente familiar. Relações complexas e sentimentos antagônicos compõem o cenário doméstico, ora evidenciando a valorização dos vínculos ora evidenciando os conflitos. A família está dividida pelo contexto sociopolítico-sanitário. Famílias que historicamente nunca tiveram acesso ao ensino superior, nas quais apenas recentemente um ou outro membro familiar teve acesso a um curso de graduação. A formação crítica adquirida na universidade é percebida pelos estudantes como re-existência ao discurso do atual governo que tomou conta do cenário cultural do país. De um lado temos farmacêuticos em uma Pós-Graduação aparelhados com evidências científicas de alta qualidade. Do outro lado, temos familiares amorosos, mas (des)informados por fake news nas redes sociais.

A decisão por se manter em distanciamento social não é mais apenas uma atitude perante a Saúde Coletiva, mas também uma bandeira de posicionamento político e, consequentemente, motivo de desavenças familiares4141 Abrucio FL, Grin EJ, Franzese C, Segatto CI, Couto CG. Combate à Covid-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Rev Adm Publica. 2020; 54(4):663-77. Doi: https://doi.org/10.1590/0034-761220200354.
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. Sentimentos ambíguos de amor, frustração e incompreensão permeiam a vida doméstica.

Como superar essas diferenças? Como fazer para caminhar juntos novamente? Será que podemos não concordar com suas atitudes, mas entender suas razões? Será que podemos viver juntos sem querer que eles aceitem nossas verdades? Essa ruptura entre nós e eles pode caminhar para a cura quando percebermos que somos na verdade uma grande com-unidade e conseguirmos entender que existem outras histórias que também precisam ser compreendidas4545 Diversi M, Moreira C. Performing betweener autoethnographies against persistent us/them essentializing: leaning on a Freirean pedagogy of hope. Qual Inq. 2016; 22(7):581-7. Doi: https://doi.org/10.1177/1077800415617208.
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,4646 Adichie CN. The danger of a single story (Filmed at TEDGlobal) [Internet]. 2021 [citado 05 Jul 2021]. Disponível em: http://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=en#t-291968
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.

(Diário de campo)

Entre os estudantes, há aqueles que trabalham na linha de frente de combate ao Covid-19 e ainda têm de se desdobrar para cuidar dos afazeres domésticos, o cuidado da família e a educação formal das crianças. Essa realidade, que já não era livre de conflitos, se encontra intensificada pela pandemia, aumentando a ocorrência dos episódios de violência domiciliar.

Percebi que com o entardecer eu me sentia tensa, me sentia mal. Era a hora do meu marido chegar e eu sabia que dali viria o elogio ou a cara feia, conforme a cozinha estivesse arrumada ou desarrumada. Mas aí eu pensei: porque o elogio também me incomoda? [...] E foi então que percebi que não era o elogio ou cara feia que me incomodavam, mas sim o direito que o meu marido outorgou a si mesmo de poder fazer aquele julgamento. Pois o julgamento não era para a cozinha e sim para mim. [...] Na cabeça dele aquela era uma atividade minha, não importava o que mais eu tivesse que fazer naquele dia. Percebi nesse momento quantas inúmeras vezes a minha faxineira, ao realizar o seu serviço, me livrou daquela sensação. Uma mulher negra que fica com esse serviço retira do embate essa distribuição desigual das tarefas domésticas. Mas agora na quarentena essa discussão veio à tona e revelou que minha realidade é ainda muito machista.

(Conclusão da disciplina)

A abordagem autoetnográfica envolve a pesquisa daquilo que ocorre no ambiente cultural do pesquisador, uma epistemologia centrada no sujeito e por meio do olhar desse sujeito3737 Kilomba G. Memórias da plantação episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó; 2019.. Os textos seguem repletos dos problemas daqueles que povoam as margens, que experienciam o conflito com o poder dominante, agora agravados pelo Covid-19.

Um dos textos trabalhados em sala de aula que trazia a temática das relações abusivas4747 Olson LN. The role of voice in the (re)construction of a battered woman’s identity: an autoethnography of one woman’s experiences of abuse. Womens Stud Commun. 2020; 22(1):1-33. Doi: https://doi.org/10.1080/07491409.2004.10162464.
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trouxe repercussões na comunidade estudantil. Duas estudantes que viviam relações abusivas, agora acentuadas pelo distanciamento social, se aperceberam de suas próprias realidades domésticas. As reflexões em sala de aula foram decisivas para que essas pessoas pudessem se desvencilhar de tais relacionamentos.

Estou bem no meio do caosEu fito o caosEle me fita de voltaE nós nos abraçamosTudo é caos!Mas estou serena, sei aonde quero chegarVislumbro o caminho por onde terei de passarMe demorei muito onde não podia amarNo meio do caos, as ideias se clareiam na minha menteRespiro fundo finalmenteAgora é só trabalhar eCuidarConhecer e cuidar.(Abraçando o caos)

A compreensão da cultura em que estamos imersos é fundamental para entender como somos influenciados e influenciamos essa teia social4242 Foucault M. Em defesa da sociedade: curso no College de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes; 1999.. A produção de saberes foi uma força viva que ampliou a compreensão das complexidades e das controvérsias que viver a pandemia representa. Nesse sentido, a Autoetnografia tencionou a cadeia de produção de conhecimentos trazendo à tona a experiência vivida de pessoas marginais que ressoaram em outras que também compartilhavam dessa vivência.

Enfim, vejo que engatei um processo extremamente rico. Um processo que preciso continuar está inacabado e faminto por trilhar caminhos que chamam por mim. Quase posso ouvir o chamado dos gritos que precisam ser escutados por mais pessoas.

(Conclusão da disciplina)

Autoetnografia como prática de ensino

[Um] aspecto muito positivo para mim foi a possibilidade de integrar neste tipo de pesquisa diversas facetas que compõem a minha pessoa. Poder integrar meu lado artístico, [sendo que] dificilmente consigo aplicar [...] linguagens artísticas em meu cotidiano profissional e acadêmico. Poder integrar meu lado amante das palavras, [sendo que] adoro línguas, poesias, brincar com palavras, me comunicar e me curar através delas. [...] Nem sempre posso usar as palavras de modo mais criativo em meu cotidiano [...] Poder integrar meu lado sociopolítico, fazendo através da pesquisa uma contribuição à sociedade. [...] E, por fim, poder integrar meu lado científico, desenvolvendo investigação profunda e sistemática sem precisar abrir mão de mim mesma!

(Como foi participar desta disciplina)

A disciplina de Autoetnografia promoveu a expressão pessoal por produções textuais e não textuais elaboradas, aplicando os conceitos e técnicas estudados. Esse cenário pedagógico alimentou a autorreflexividade, a liberdade e a criatividade. Todos eram convidados a apresentar seus trabalhos para a turma e receber feedback da plateia, formada por médicos, farmacêuticos e pedagogos.

Bochner4848 Bochner AP. It’s about time: narrative and the divided self. Qual Inq. 1997; 3(4):418-38. Doi: https://doi.org/10.1177/107780049700300404.
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descreve como a existência de um abismo entre o “eu acadêmico” e o “eu pessoal” promove o isolamento e inibe a assunção de riscos e as mudanças no ambiente institucional das universidades. A manifestação do “eu pessoal” dos estudantes no ambiente acadêmico promoveu uma ruptura com esse padrão por meio da abertura para escutas e diálogos, muitas vezes inexistentes em outros contextos na vida dos estudantes.

Foi muito fácil me abrir para este grupo, mesmo havendo pessoas que eu não conhecia. A sensação era de segurança para me expor, às vezes trazendo elementos que acho complexos para compartilhar até mesmo com amigos e familiares.

(Diário de campo)

Essa vivência de proximidade comunitária foi particularmente relevante no período de realização da disciplina, coincidente com o início da pandemia de Covid-19 e do distanciamento social. A vivência de contato, conexão e aprendizado, descrita pelos alunos como superior a grande parte das disciplinas cursadas presencialmente, mostra que se trata de uma metodologia apropriada ao ensino a distância podendo promover a formação de uma comunidade profícua para o ensino-aprendizagem.

Conseguimos transpor a barreira do virtual, da falta do contato físico, de quedas de conexão da internet, os problemas com vídeo e microfone. Nada disso nem chegou perto de nos atrapalhar.

(Diário de campo)

Por encorajar a prática reflexiva, criativa e investigativa autônoma, a Autoetnografia situou os estudantes no centro do discurso, considerando sua realidade vivida e corporificada, rompendo com limites acadêmicos usuais de repetição automática de conceitos impostos por um “olhar científico supostamente neutro e a-histórico”4949 Almeida DERG, Müller RP, Francia PNR, Osielski TPO, Diniz T. Autoetnografia como estratégia decolonizadora de ensino sobre o cotidiano em Terpia Ocupacional. Interface (Botucatu). 2020; 24:e190122. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.190122.
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.

Durante as leituras sobre teoria eu fui me encontrando cada vez mais [...]. A Autoetnografia não é só um falar de si, de se colocar como centro do debate, mas usar da sua vivência para explicitar sentimentos, contradições, vulnerabilidades, a cultura do mundo onde estamos imersos.

(Diário de campo)

A prática reflexiva na educação é um meio de desenvolver uma consciência crítica, de fazer o estudante perceber as teias de opressão que cercam os outros e a si próprio. A partir daí fica mais fácil romper com os sistemas de poder, transgredir os limites impostos pelo status quo, decolonizando a educação, mas também a própria existência. Dessa forma, a Autoetnografia pode ajudar na formação de profissionais de saúde mais comprometidos com a integralidade do cuidado, com a ruptura de estruturas de dominação e com a inclusão33 Spry T. Performing autoethnography: an embodied methodological praxis. Qual Inq. 2001; 7(6):706-32.,1111 Alexander BK. Performance ethnography: the reenacting and inciting of culture. In: Denzin NK, Lincoln Y, editors. The SAGE handbook of qualitative research. Thousand Oaks: SAGE; 2005. p. 411-42. apud Raimondi GA, Moreira C, Brilhante AV, Barros NF. Autoetnografía performativa e investigación cualitativa en la Salud Colectiva: (des)encuentros método+lógicos. Cad Saude Publica. 2020; 36(12):e00095320. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00095320.,4545 Diversi M, Moreira C. Performing betweener autoethnographies against persistent us/them essentializing: leaning on a Freirean pedagogy of hope. Qual Inq. 2016; 22(7):581-7. Doi: https://doi.org/10.1177/1077800415617208.
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.

A concepção de educação adotada também foi relevante para o processo de ensino-aprendizagem. Foi constituído um ambiente dialógico e de respeito entre discentes e docentes. A amorosidade e a alegria foram parte do processo de aprendizado, como preconizado por Paulo Freire5050 Freire P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 1996. (Coleção Leitura)..

Nesse contexto, ao final da disciplina, em vez de comemorar a finalização do período letivo, os estudantes ficaram chateados, e muitos solicitaram às professoras a continuidade dos encontros, o que não é usual em disciplinas acadêmicas.

Estou apaixonado por nosso grupo. Com pesar é nosso último dia juntos.

(Diário de campo)

A escrita dos estudantes e das professoras estabelecia naturalmente conexões com outras pessoas da turma, de fora da turma, o contexto da profissão farmacêutica e o contexto mais amplo do país e do mundo. Essa construção, que permitiu criar entendimento sem passar pelo reducionismo, nos remete à teoria de Morin sobre a impossibilidade da reflexão “dos saberes despedaçados”, trabalhando o conhecimento complexo e que alterna em escrutínio, compartimentalização e sínteses, sem reduzir a parte ao todo nem o todo à parte5151 Almeida-da-Silva E. O modelo de ensino em saúde e o estudo de caso integrativo como possibilidade interdisciplinar. Cienc Saude Colet. 2006; 3(9).. O eu e a coletividade eram o tempo todo colocados em diálogo, como exemplificado pelo trecho a seguir.

Uma frase [de uma colega] que me marca é: “A pandemia é sobre nós, e o ‘nós’ vai além do grupo dessa disciplina.” [...] Nosso grupo conversa com toda uma sociedade. As angústias, medos, dores, alegrias, relações, prazeres, desabafos, reflexões, partilhas... são todos os mesmos que acontecem do lado de fora.

(Experienciando a Autoetnografia)

(In)Conclusões

A investigação das produções autoetnográficas dos três estudantes na disciplina revelou ressonâncias nítidas entre suas experiências particulares e a experiência humana de se viver a pandemia de Covid-19 no Brasil, destacando os aspectos culturais, terapêuticos e decoloniais que essa metodologia proporcionou.

Sendo a Autoetnografia uma metodologia que propõe o diálogo entre o individual e o coletivo, mediados por um contexto temporal e cultural, o atual artigo pretende fomentar outras reflexões e discussões, não tendo o propósito de se encerrar em si mesmo. Com base nos resultados apresentados, serão destacados alguns apontamentos significativos que representam as principais colaborações deste estudo na construção do conhecimento.

A vivência dos estudantes com a Autoetnografia humanizou o ambiente acadêmico, promovendo uma experiência regeneradora, didática, não hierárquica e descentralizadora, que viabilizou a livre expressão dos estudantes e a interconexão das ciências convencionais com as artes e a cultura. Assim, correspondeu à prática da educação autêntica preconizada por Paulo Freire, que não se limita à repetição exaustiva de conhecimentos tidos como neutros, e ainda traz as vozes marginalizadas ao centro do debate.

Este trabalho indica que a inclusão de disciplinas de Autoetnografia, ou até mesmo a incorporação da metodologia autoetnográfica em disciplinas já existentes no currículo, pode beneficiar os programas da Graduação e Pós-Graduação da Saúde, especialmente na área da Farmácia, historicamente tecnocêntrica. Essa inovação auxilia a formação de profissionais mais reflexivos e críticos, promovendo competências culturais e humanísticas para um cuidado mais centrado na pessoa e tendo como meta a inclusão e o rompimento com os sistemas de opressão. Reitera-se o potencial dessa metodologia como uma prática de investigação científica disruptiva na área da Saúde e com grande potencial para desvelar a realidade sob perspectivas não hegemônicas, tais como da raça, do gênero, da classe, bem como de perspectivas que vão além da cis-heteronormatividade inclusive sob o olhar de profissionais, aprendizes ou pacientes.

  • Furtado BT, Cimbleris-Alkmim A, Lima FASO, Ramalho-de-Oliveira D. Autoetnografia colaborativa em tempos de pandemia: uma experiência de ensino-aprendizagem terapêutica e decolonial. Interface (Botucatu). 2022; 26: e210140 https://doi.org/10.1590/interface.210140

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2021
  • Aceito
    23 Out 2021
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br