Diferenças que desafiam, potencializam o debate e a com(posição) de mundos outros

Differences that challenge, enhance the debate and the composition of other worlds

Diferencias que interpelan, potencian el debate y la composición de otros mundos

Emerson Elias Merhy Helvo Slomp Junior Débora Cristina Bertussi Nathalia Silva Fontana Rosa Clarissa Terenzi Seixas Mara Lisiane de Moraes dos Santos Sobre os autores

Quando colocamos o retorno ao que se vivia nos tempos pré-pandêmicos, Pasche1Pasche DF. Saúde Coletiva: (re)afirmações e (re)combinações para seguir na defesa da vida. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210671. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210671.
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faz bem em defender uma “produção-desejo de acolhida e aconchego de regresso” (p. 2), uma vez que acolhida e aconchego são tanto direitos quanto valores desejáveis em uma perspectiva emancipatória de defensora da vida. E se em algum momento, em nosso texto, possamos ter dado a entender que associávamos esse desejo com algum “apreço pela distopia do mundo em crise” (p. 2), foi falha de nossa escrita. Para nós, no entanto, valores como acolhida e aconchego podem muito bem prescindir de nostalgias, a não ser que se trate de nostalgia de um futuro-outro.

Concordamos com o autor quanto ao “cuidado para não se promover a ocultação da natureza classista de nossa sociedade” (p. 2), bem como com a importância dada por ele ao papel do “exercício do poder do Estado e das elites brasileiras” (p. 3) no engendramento da dominação e das desigualdades em nosso país. Apenas entendemos que, em análises deste plano macropolítico de produção do estado das coisas, é potente acrescentarmos esforços para conhecermos os agenciamentos micropolíticos que ele gera e que ao mesmo tempo o geram. Importante anotar: isto não significa, para nós, “autonomização” no sentido de clausura local, e também não tratamos de “governabilidade microgestionária”, dado que, em ambos os casos, teríamos mudado somente de escala, e não de plano de produção da realidade.

Martins2Martins A. Pensar para a frente: o bem comum e projetos de coletividade, para além das polarizações. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210665. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210665.
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nos ajuda a compreender o que ele chama de “bem comum” ao associá-lo a “um projeto de coletividade” (p. 3) e, nesse aspecto, sentimos proximidade com sua análise, já que a noção de “mal”, também utilizada pelo autor, quando contraposta em binômio ao “bem” enquanto categoria, talvez mobilize sentidos diferentes daqueles que pensamos circularem em nosso artigo. Porém, vemos essa tensão como uma riqueza não somente entre diferentes pontos de vista, mas também entre diferentes vistas dos pontos, e entendemos que dá força para nosso debate.

Em outra passagem, o mesmo autor percebeu algum tipo de “lamento ou preocupação” (p. 3) de nossa parte quando problematizamos a noção de nação e a existência (ou não) de um Estado nacional, o que o levou a nos alinhar a referenciais bastante distantes de nós, embora muito pouco saibamos sobre eles. Nenhum lamento, respondemos; preocupações sim, porém, não com a perda de tais instâncias em si, mas sim com os efeitos que tal bailar político-institucional vem produzindo na vida individual, coletiva e planetária. Quanto ao porquê de termos sido reconhecidos ao lado de tais referenciais, eis um retorno que precisamos considerar para produções futuras.

Para Pasche1Pasche DF. Saúde Coletiva: (re)afirmações e (re)combinações para seguir na defesa da vida. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210671. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210671.
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e Carvalho3Carvalho SR. Sobre pandemias, ciência(s) e cuidado: desafios da Saúde Coletiva e do Sistema Único de Saúde (SUS) para a invenção de uma vida outra. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210680. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210680.
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, o modo como tomamos a Saúde Coletiva causou algum incômodo. Teria sido “inespecífico”, “simplificamos uma realidade que é plural”, e nosso texto poderia abrir “caminhos para generalizações que tendem a obscurecer germinações”. Carvalho acrescenta que os “pensamentos minoritários […] sempre foram – e seguem sendo – constituintes da Saúde Coletiva”3Carvalho SR. Sobre pandemias, ciência(s) e cuidado: desafios da Saúde Coletiva e do Sistema Único de Saúde (SUS) para a invenção de uma vida outra. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210680. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210680.
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(p. 3). Nesse sentido, não negamos Pasche, que afirma que há permeabilidades na Saúde Coletiva, por exemplo, para outros “interlocutores”, como “povos originários e movimentos sociais consolidados emergentes”. Também não negamos a profusa inventividade que pulula constantemente o Sistema Único de Saúde (SUS) afora, o tempo todo, talvez a maior força deste grande projeto brasileiro desde sempre.

Talvez, ao escrever, estivemos movides a demandar que o aproveitamento que fazemos de tais interlocuções e experiências pudesse nos permitir passos ainda mais arrojados, talvez, com Iriart4Iriart C. Entre-saberes: apostando a nuevas complicidades creativas de más vida. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210655. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210655.
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, como “intercambios maravillosos entre-saberes”; ou ainda, agora com Nicoli5Nicoli MA. Em tempos de pandemias faz se necessário afirmar convergências e produzir redes de solidariedade que produzam mais vidas, nas vidas. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210670. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210670.
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, como esforços no sentido de darmos “força e apoio a formas de rebelião positiva para contrariar a experiência de impotência desenfreada alimentada nas pessoas pelas escolhas governamentais” (p. 4), deixando-nos “guiar pelo ‘campo’ em que nascem os ‘flashes’ criativos” (p. 4). Entendemos que ainda precisamos aprender a compor com movimentos assim de modo a liberar outros quantuns pragmáticos, epistemológicos e políticos que eles ainda podem oferecer para a Saúde Coletiva, no sentido da construção, de modo compartilhado, de pontes que representem autonomizações não passivas e de alcance não somente local.

Quanto a essas nossas proposições referentes à Saúde Coletiva, poderíamos estar em vias de, como escreveu Sérgio Resende Carvalho3Carvalho SR. Sobre pandemias, ciência(s) e cuidado: desafios da Saúde Coletiva e do Sistema Único de Saúde (SUS) para a invenção de uma vida outra. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210680. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210680.
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, cutucar “onças com a vara curta”? (p. 3). Não tínhamos essa intenção, é bom que se diga! Até porque somos também, como o autor, “corpos onças”, também pautamos nossas “vidas pela militância no SUS” (p. 3) e também nos vemos “como devedores e admiradores de uma construção teórico-prática sui generis na curta história dos direitos em nosso país” (p. 3). Portanto, se há tom de crítica em nossas palavras, esperamos que elas carreguem também o sentido da autocrítica e do convite a movimentos outros. Diríamos o mesmo para o debate em torno de outra assertiva que gerou debates, em nosso texto, e que, reparem, trouxemos na primeira pessoa do plural: “não temos conseguido sair dos duros referenciais de Ciência de Estado e de suas concepções de teorias políticas já inaplicáveis” (p. 3).

O modo como apresentamos certos questionamentos referentes à rede básica também produziu debate. Se ela nos foi roubada ou não, conversando com Pasche1Pasche DF. Saúde Coletiva: (re)afirmações e (re)combinações para seguir na defesa da vida. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210671. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210671.
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, entendemos que é inegável que hoje a estamos perdendo, ou ao menos escorrem entre nossos dedos certos projetos ousados que viemos construindo para ela, em nosso país. E sim, reafirmamos, respondendo a Carvalho3Carvalho SR. Sobre pandemias, ciência(s) e cuidado: desafios da Saúde Coletiva e do Sistema Único de Saúde (SUS) para a invenção de uma vida outra. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210680. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210680.
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, que não podemos, todos nós, corpos-onça da Saúde Coletiva, eximir-nos de certa participação aqui ou ali da conformação de certos arranjos para a rede básica que vêm sendo, ao nosso ver, muito facilmente desconstruídos, o que nos levou a assistir ao seu apagamento em plena pandemia, sem os devidos protestos de parte da sociedade.

Para finalizar, chamemos novamente, entre colegues debatedore(a)s, as mulheres:

Não percamos tempo, construamos a partir de agora “quadrados” e contextos de confronto como centros organizadores de redes “vivas”, de formas flutuantes em que “aquela massa crítica” é criada e se torna pensamento coletivo5Nicoli MA. Em tempos de pandemias faz se necessário afirmar convergências e produzir redes de solidariedade que produzam mais vidas, nas vidas. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210670. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210670.
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. (p. 4)

Estamos en un período de intensa destrucción y luchas por la subsistencia de Gaia y la vida que la habita. La propuesta es reconocer las sabidurías ancestrales y prácticas de pueblos oprimidos que nos pueden ayudar a frenar la devastación y crear un mundo que valore la vida, la amorosidad entre los seres todes y con Gaia4Iriart C. Entre-saberes: apostando a nuevas complicidades creativas de más vida. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210655. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210655.
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. (p. 3)

Reiteramos o movimento desejante que perpassou a construção do texto comentado no sentido tanto de com(posições) quanto de aberturas. Quisemos que este texto fosse recebido como convite à conversa, e ótima conversa foi o que retornou para nós. Um privilégio que autore(a)s como essas pessoas terem lido nosso texto com tanta atenção e produzido essas escrituras tão generosas. Agradecemos muito e ficamos instigades a seguir debatendo, como, aliás, houve quem propusesse em seus comentários.

  • Merhy EE, Junior HS, Bertussi DC, Rosa NSF, Seixas CT, Santos MLM. Diferenças que desafiam, potencializam o debate e a com(posição) de mundos outros. Interface (Botucatu). 2022; 26: e220208 https://doi.org/10.1590/interface.220208

Referências

  • Pasche DF. Saúde Coletiva: (re)afirmações e (re)combinações para seguir na defesa da vida. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210671. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210671.
    » https://doi.org/10.1590/interface.210671
  • Martins A. Pensar para a frente: o bem comum e projetos de coletividade, para além das polarizações. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210665. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210665.
    » https://doi.org/10.1590/interface.210665
  • Carvalho SR. Sobre pandemias, ciência(s) e cuidado: desafios da Saúde Coletiva e do Sistema Único de Saúde (SUS) para a invenção de uma vida outra. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210680. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210680.
    » https://doi.org/10.1590/interface.210680
  • Iriart C. Entre-saberes: apostando a nuevas complicidades creativas de más vida. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210655. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210655.
    » https://doi.org/10.1590/interface.210655
  • Nicoli MA. Em tempos de pandemias faz se necessário afirmar convergências e produzir redes de solidariedade que produzam mais vidas, nas vidas. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210670. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.210670.
    » https://doi.org/10.1590/interface.210670

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2022
  • Aceito
    18 Maio 2022
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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