Residência de Medicina de Família e Comunidade: percepções de egressos sobre sua formação e processo de trabalho

Residencia de medicina de familia y comunidad: percepciones de egresados sobre su formación y proceso de trabajo

Gecilda Régia Ramalho Vale Cavalcante Rafael Ramalho Vale Cavalcante Thiago Gomes da Trindade Felipe Proenço de Oliveira Talitha Rodrigues Ribeiro Fernandes Pessoa Sobre os autores

Resumos

Analisou-se como as residências de Medicina de Família e Comunidade (RMFC) de uma capital da região norte do Brasil contribuíram para a formação e o desenvolvimento do atual processo de trabalho de seus egressos. Estudo exploratório, descritivo e transversal, com abordagem qualitativa focada em 31 egressos por meio de aplicação de questionário eletrônico com perguntas abertas. As respostas foram interpretadas por Análise de Conteúdo Temática, constituídas por quatro categorias empíricas: a formação em Medicina de Família e Comunidade (MFC) no processo de trabalho do egresso; reconhecimento e aplicação dos atributos da Atenção Primária à Saúde (APS); potências da formação em RMFC; e os desafios da especialidade. Os programas de RMFC estudados contribuem para a formação da prática profissional e do perfil dos seus egressos por meio do fortalecimento e da efetivação dos atributos da Atenção Primária à Saúde (APS), inclusive estendendo-se para além da especialidade.

Palavras-chave
Educação médica; Residência médica; Atenção Primária à Saúde; Estratégia Saúde da Família


Se analizó cómo las residencias de Medicina de Familia y Comunidad (RMFC) de una capital de la región Norte de Brasil contribuyeron en la formación y el desarrollo del actual proceso de trabajo de sus egresados. Estudio exploratorio, descriptivo y transversal, con abordaje cualitativo enfocado en 31 egresados por medio de la aplicación de cuestionario electrónico con preguntas abiertas. Las respuestas se interpretaron por Análisis de Contenido Temático, constituyéndose cuatro categorías empíricas: la formación en Medicina de Familia y Comunidad (MFC) en el proceso de trabajo del egresado; reconocimiento y aplicación de los tributos de la Atención Primaria de la Salud (APS); potencias de la formación en RMFC y los desafíos de la especialidad. Los programas de RMFC estudiados contribuyen con la formación de la práctica profesional y con el perfil de sus egresados por medio del fortalecimiento y puesta en práctica de los atributos de la APS, incluso ampliándose más allá de la especialidad.

Palabras clave
Educación médica; Residencia médica; Atención Primaria de la Salud; Estrategia Salud de la Familia


Introdução

A formação médica no Brasil foi influenciada pelo modelo flexneriano, baseado na mecanização do cuidado voltado ao individualismo; à especialização; e ao enfoque técnico, curativo e hospitalocêntrico11 Filisbino MA, Moraes VA. A graduação médica e a prática profissional na perspectiva de discentes. Rev Bras Educ Med. 2013; 37(4):540-8., sendo caracterizada pela fragmentação do conhecimento e pelo distanciamento de uma perspectiva humanista e de integralidade22 Cavalli LO, Rizzotto MLF. Formação dos médicos que atuam como líderes das equipes de Atenção Primária em Saúde no Paraná. Rev Bras Educ Med. 2018; 42(1):29-37..

Contrapondo-se ao Modelo Flexineriano, em 1920, o Relatório Dawson foi considerado o marco inicial de uma concepção moderna de Atenção Primária à Saúde (APS) ao propor a organização dos sistemas de saúde em níveis de atenção, incluindo o nível primário33 Hone T, Macinko J, Millett C. Revisiting Alma-Ata: what is the role of primary health care in achieving the Sustainable Development Goals? Lancet. 2018; 392(10156):1461-72..

A APS brasileira é o ponto da Rede de Atenção à Saúde (RAS) dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), que se orienta por atributos essenciais e derivados reconhecidos internacionalmente para a sua estruturação: primeiro contato ou porta de entrada; longitudinalidade; integralidade e coordenação do cuidado; orientação familiar e comunitária; e competência cultural, respectivamente44 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO Brasil, Ministério da Saúde; 2004..

A Estratégia Saúde da Família (ESF) surge no Brasil como política privilegiada para reorientar o modelo assistencial e estruturar a APS, em substituição ao modelo tradicional de organização do cuidado22 Cavalli LO, Rizzotto MLF. Formação dos médicos que atuam como líderes das equipes de Atenção Primária em Saúde no Paraná. Rev Bras Educ Med. 2018; 42(1):29-37.. A ESF propõe ações coordenadas no âmbito individual e coletivo na perspectiva da integralidade55 Soratto J, Pires DEP, Dornelles S, Lorenzetti J. Estratégia saúde da família: uma inovação tecnológica em saúde. Texto Contexto Enferm. 2015; 24(2):584-92.. Formar médicos preparados para atuação na ESF tornou-se então prerrogativa para o fortalecimento e a expansão da APS e para a efetivação do SUS enquanto novo modelo de atenção66 Oliveira FP, Araújo CA, Torres OM, Figueiredo AM, Souza PA, Oliveira FA, et al. The More Doctors Program and the rearrangement of medical residency education focused on Family and Community Medicine. Interface (Botucatu). 2019; 23 Supl 1:e180008. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180008.
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,77 Leite APT, Correia IB, Chueiri PS, Sarti TD, Jantsch AG, Waquil AP, et al. Residência em Medicina de Família e Comunidade para a formação de recursos humanos: o que pensam gestores municipais? Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2119-30..

Entretanto, um dos persistentes desafios para a consolidação na APS no país é a escassez de formação especializada de médicos para o cuidado integral, bem como as deficiências no provimento e na fixação desses profissionais em suas regiões, sobretudo na região norte do Brasil. Mesmo frente à inciativa recente, fundamentada nos preceitos constitucionais para a ordenação de recursos humanos em saúde pelo e para o SUS, tais como o Programa Mais Médicos (PMM), o número de especialistas em Medicina da Família e Comunidade (MFC) é insuficiente66 Oliveira FP, Araújo CA, Torres OM, Figueiredo AM, Souza PA, Oliveira FA, et al. The More Doctors Program and the rearrangement of medical residency education focused on Family and Community Medicine. Interface (Botucatu). 2019; 23 Supl 1:e180008. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180008.
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A residência de Medicina de Família e Comunidade (RMFC) é considerada como o mais alto padrão de formação de competências para atuação médica na complexidade da APS ao desenvolver competências que mobilizam conhecimentos, habilidades e atitudes sob o paradigma biopsicosocial88 Anderson MIP, Rodrigues RD. Formação de especialistas em Medicina de Família e Comunidade no Brasil: dilemas e perspectivas. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2011; 6(18):19-20.,99 Berger CB, Dallegrave D, Castro Filho ED, Pekelman R. A formação na modalidade Residência Médica: contribuições para a qualificação e provimento médico no Brasil. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2017; 12(39):1-10.. É também a formação com maior potencial para ampliar o escopo de práticas do médico na APS1010 Maranhão RR, Barreto ICHC, Andrade LOM, Vieira-Meyer APGF, Lima AL Jr. Como se relacionam o escopo de práticas profissionais, a formação e a titulação de médicos de Família e Comunidade? Interface (Botucatu). 2020; 24 Supl 1:e190640. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.190640.
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É nesse contexto que se inserem os Programas de Residências de Medicina de Família e Comunidade (PRMFC) de Palmas, TO. A RMFC da Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas (FESP) foi criada em 2014, possui atualmente vinte vagas por ano e, desde seu início, firmou parceria com o PRMFC da Universidade Federal do Tocantins (UFT), criado em 2012 e que oferece cinco vagas por ano. Desde então, os dois programas, da FESP e UFT possuem uma coordenação única1111 Prefeitura Municipal de Palmas. Secretaria da Saúde. Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas. Sistema Integrado Saúde-Escola do SUS. Plano Integrado de Residência em Saúde (PIRS). Palmas: FESP; 2019..

Ademais, por meio do Programa Integrado de Residências da FESP-Palmas, o PRMFC é integrado ao Programa de Residências Multiprofissional em Saúde (PRMPS). A FESP oferta bolsas de pesquisa que complementa a renda dos residentes de maneira estimuladora1111 Prefeitura Municipal de Palmas. Secretaria da Saúde. Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas. Sistema Integrado Saúde-Escola do SUS. Plano Integrado de Residência em Saúde (PIRS). Palmas: FESP; 2019..

Os programas de residências de Palmas têm seus projetos pedagógicos efetivados por currículo baseado em competências, com a intencionalidade de homogeneizar a formação em MFC no Brasil, e pela utilização de metodologias ativas de ensino-aprendizagem1212 Prefeitura Municipal de Palmas. Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas. Programa da residência em medicina de família e comunidade. Palmas: FESP; 2019.,1313 Trindade TG, Batista SR. Medicina de Família e Comunidade: agora mais do que nunca! Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2667-9..

Poucos estudos evidenciam o perfil de egressos de RMFC e sua trajetória profissional. Estudo com 129 egressos de PRMFC do estado de São Paulo demonstrou que a maioria dos egressos (74%) atuavam na área, sendo essa permanência mais favorável entre os que já desejavam ser médicos de família desde a graduação1414 Rodrigues EF, Forster AC, Santos LL, Ferreira JBB, Falk JW, Fabbro AL. Perfil e trajetória profissional dos egressos da residência em medicina de família e comunidade do estado de São Paulo. Rev Bras Educ Med. 2017; 41(4):604-14.. Já estudo com residentes e egressos do estado de Pernambuco destacou que o compromisso social, a aptidão pela área e as características da especialidade foram fatores que influenciaram a escolha pela RMFC1515 Rodrigues LGH, Duque TB, Silva RM. Factors associated with the choice of specializing in family medicine. Rev Bras Educ Med. 2020; 44(3):e078..

Até o ano de 2018, as RMFC da UFT e da FESP em Palmas formaram 31 especialistas. Esta investigação ancora-se na indagação sobre como a formação dos PRMFC influenciou a prática profissional de seus egressos e o seu desempenho em relação aos atributos da APS. Frente à ampliação de vagas nas RMFC em detrimento das lacunas na literatura sobre os efeitos desta formação77 Leite APT, Correia IB, Chueiri PS, Sarti TD, Jantsch AG, Waquil AP, et al. Residência em Medicina de Família e Comunidade para a formação de recursos humanos: o que pensam gestores municipais? Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2119-30., objetivou-se investigar a percepção de egressos sobre a contribuição das RMFC da FESP e da UFT de Palmas-TO para a formação e o desenvolvimento do seu atual processo de trabalho na APS ou em outra área.

Método

Trata-se de um estudo exploratório e analítico que utilizou a abordagem qualitativa com foco na percepção dos egressos dos PRMFC de Palmas-TO.

Foi aplicado um questionário virtual contendo perguntas abertas divididas em dois blocos: o primeiro foi dirigido aos egressos que continuaram atuando na MFC após a formação e o segundo, aos que estavam atuando em outra área (trabalhando em outra especialidade ou cursando outra residência).

As questões do primeiro bloco versaram sobre a decisão em seguir a MFC no momento da matrícula na residência, a influência da complementação de bolsa por parte do município na decisão de optar pela RMFC, a interferência da residência na decisão de persistir ou não na especialidade, a avaliação que o egresso faz do PRMFC que cursou e a existência ou não na RMFC de alguma questão que deixa o participante da pesquisa insatisfeito com a especialidade. Esses egressos foram codificados e numerados aleatoriamente como “EMF”.

O segundo bloco de questões referiu-se a respostas sobre o motivo pelo qual o egresso está atuando em outra área, a decisão de cursar primeiro a RMFC, a influência da complementação de bolsa por parte do município na decisão de optar em fazer RMFC antes de seguir a outra especialidade, a avaliação que o egresso faz do PRMFC que cursou e a percepção de que cursar inicialmente o PRMFC interferiu ou não em sua atuação na especialidade atual. Aqui, os egressos foram codificados e numerados aleatoriamente como “EOA”.

O questionário foi inicialmente submetido a um estudo-piloto que consistiu na aplicação do instrumento a três egressos de um PRMFC não contemplado neste estudo. Após essa etapa, o questionário eletrônico sofreu mínimas alterações na sua estrutura.

Participaram do estudo todos os egressos do PRMFC da Fundação de Escola de Saúde Pública do município de Palmas e da UFT que concluíram a residência até fevereiro de 2018, perfazendo um total de 31 egressos. Os participantes foram convidados via correio eletrônico, contato telefônico ou por meio do aplicativo WhatsApp.

O questionário foi disponibilizado via aplicativo Google Forms, operado pelo serviço gratuito de armazenamento e sincronização Google Drive. O link para acesso ao questionário e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para aceite e posterior resposta, foram enviados aos participantes via correio eletrônico. Foi estabelecido prazo de um mês para o retorno das respostas, coletadas entre janeiro e fevereiro de 2019.

As respostas foram reunidas em um banco de dados, analisadas e interpretadas por meio da Análise de Conteúdo Temática, adotando-se uma pré-análise, na qual se organizou o material por meio de leitura flutuante; exploração do material; e codificação e definição de categorias. Por fim, houve o tratamento dos resultados, no qual se fez uma interpretação profunda dos significados dos registros apresentados1616 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2013..

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em pesquisa do Centro Universitário de Palmas da Universidade Luterana do Brasil (Ceulp-Ulbra) sob n. CAAE 98818718.6.0000.5516, seguindo orientações da Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado sob o parecer de n. 2.928.816.

Resultados e discussão

A partir da interpretação dos dados, foram estruturadas empiricamente quatro categorias de análise: Formação em MFC no Processo de Trabalho do Egresso; Reconhecimento e Aplicação dos atributos da APS; Potências da Formação em RMFC; e Desafios da Especialidade.

A maioria dos participantes foi do sexo feminino (77,4%), tinha idade de até 30 anos (51,6%), exercia suas atividades no mesmo município de formação na residência (58,1%) e permanecia na área de Medicina de Família e Comunidade (61,3%) após a conclusão da residência (tabela 1).

Tabela 1
Perfil pessoal e profissional dos egressos dos PRMFC de Palmas, TO, 2019

A formação em MFC no processo de trabalho do egresso

Os egressos foram unânimes em afirmar que cursar a residência contribuiu favoravelmente para sua formação e para seu processo de trabalho. Ressaltaram que a metodologia empregada possibilitou uma visão mais ampla e fundamentada dos serviços de assistência e que foram capacitados para oferecer uma atenção integral e eficiente aos usuários do sistema de saúde.

A RMFC me proporcionou melhor qualificação para atuação na atenção primária, além de possibilitar aprimorar os cuidados da saúde do paciente, de forma integral e bem fundamentada.

(EMF4)

Por meio da residência, pude ter um maior conhecimento da prática médica.

(EOA3)

Após a RMFC me sinto muito mais preparada para atuar na atenção primária, para trabalhar em equipe.

(EMF6)

A residência de MFC me trouxe um aprimoramento e uma visão mais ampla do ser humano, que me ajuda muito na Pediatria.

(AOE12)

Assim, uma perspectiva positiva foi exposta em relação ao preparo e à formação proporcionados ao egresso por meio da RMFC. Os conceitos de “preparação profissional”, “prática médica” e “qualificação para atuação na atenção primária” são citados por respondentes distintos, porém, em uma repetida ótica otimista que sugere satisfação.

Achados de Castro et al.1717 Castro VS, Nóbrega-Therrien SM. Residência de Medicina de Família e Comunidade: uma estratégia de qualificação. Rev Bras Educ Med. 2009; 33(2):211-20. corroboram a percepção dos egressos ao salientar o significativo e positivo impacto do processo de formação da residência e de suas estratégias de ensino-aprendizagem necessários aos médicos que atuam na ESF.

Além disso, percebe-se que o jovem médico reconhece o PRMFC como uma etapa indispensável de formação após a graduação, uma vez que os cursos de Medicina no Brasil ainda são insipientes na preparação de profissionais para a APS22 Cavalli LO, Rizzotto MLF. Formação dos médicos que atuam como líderes das equipes de Atenção Primária em Saúde no Paraná. Rev Bras Educ Med. 2018; 42(1):29-37.,1313 Trindade TG, Batista SR. Medicina de Família e Comunidade: agora mais do que nunca! Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2667-9.,1818 Rezende VLM, Rocha BS, Naghettini AV, Pereira ERS. Análise documental do projeto pedagógico de um curso de Medicina e o ensino na Atenção Primária à Saúde. Interface (Botucatu). 2019; 23 Supl 1:e170896. doi: https://doi.org/10.1590/interface.170896.
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, com currículos que pouco têm contribuído ou direcionado para a escolha da MFC como especialidade1515 Rodrigues LGH, Duque TB, Silva RM. Factors associated with the choice of specializing in family medicine. Rev Bras Educ Med. 2020; 44(3):e078..

Grande parte dos egressos reconheceram a RMFC como uma potencialidade na preparação dos médicos para uma visão holística e focada em demandas globais do usuário, de sua família e da comunidade em que este está inserido1919 Soares RS, Oliveira FP, Melo Neto AJ, Barreto DS, Carvalho ALB, Sampaio J, et al. Residência em medicina de família e comunidade: construindo redes de aprendizagens no SUS. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2018; 13(40):1-8..

Consigo aplicar a visão holística em demandas globais em saúde que aprendi a ter sobre o paciente, seus familiares e comunidade.

(EOA2)

Ajudou a entender a Medicina centrada na pessoa e a ser uma médica melhor tecnicamente.

(EMF9)

O Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP) é entendido como elementar para alcançar uma abordagem integral dos problemas de saúde das populações2020 Lopes JMC, Ribeiro JAR. A pessoa como centro do cuidado na prática do médico de família. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2015; 10(34):1-13. e sua aplicação é considerada imperiosa na prática do médico de Família e Comunidade2121 Stewart M, Brown JB, Weston WW, McWhinney IR, McWilliam CL, Freeman TR. Patiente-centered medicine: transforming the clinical method. 2nd ed. Abingdon: Redcliffe Medical Press; 2003.. A percepção de segurança por parte dos egressos na aplicação do MCCP após a realização do PRMFC sinaliza, portanto, uma das grandes vitórias desta estratégia de ensino e do programa avaliado em específico.

Por meio da RMFC, os egressos conheceram o papel da MFC, revelada por alguns como apaixonante, contribuindo para a construção de uma identidade e identificação profissional, que marcam o processo de formação por residência1414 Rodrigues EF, Forster AC, Santos LL, Ferreira JBB, Falk JW, Fabbro AL. Perfil e trajetória profissional dos egressos da residência em medicina de família e comunidade do estado de São Paulo. Rev Bras Educ Med. 2017; 41(4):604-14.. Uma vez que boa parte dos formandos em Medicina sentem-se desestimulados a trabalhar na área2222 Cavalcante Neto PG, Lira GV, Miranda AS. Interesse dos estudantes pela medicina de família: estado da questão e agenda de pesquisa. Rev Bras Educ Med. 2009; 33(2):198-204., essas noções de engajamento exprimem um contraponto positivo nos programas estudados.

[...] brindou a base de conhecimentos a qual necessitava para atuar na área apaixonante que é a MFC.

(EMF12)

Melhorou minha atuação e sei da importância do papel da MFC.

(EMF14)

Já fui elogiado várias vezes pelo meu modo de trabalhar e tratar as pessoas para além da área que estou atuando, e isso creio que aprendi durante a residência em MFC.

(EOA5)

Constatou-se que a formação vivenciada nos dois anos de residência proporcionou aos egressos empoderamento técnico, com consequente melhoria da capacidade resolutiva da assistência e posterior diminuição de encaminhamentos à média complexidade, aprimorando a prática assistencial como um todo.

Diminui o número de encaminhamentos, maior resolução dos casos clínicos e melhoria na realização de atividades junto à equipe de Saúde da Família.

(EMF19)

[...] a obtenção de conhecimento e aplicação na prática me fez entender a importância na resolutividade clínica.

(EOA6)

Rebolho et al.2323 Rebolho RC, Poli Neto P, Padebôs LA, Garcia LP, Vidor AC. Médicos de família encaminham menos? Impacto da formação em MFC no percentual de encaminhamentos da Atenção Primária. Cienc Saude Colet. 2021; 26(4):1265-74. demostraram que a formação em MFC por meio da residência promoveu redução percentual significativa de encaminhamentos a partir da APS, corroborando a resolutividade pela qualificação médica profissional na Atenção Básica.

Os egressos que atualmente realizam preceptoria no PRMFC destacaram que a residência também os preparou para docência por meio do curso de Especialização em Preceptores de MFC, ofertado por intermédio do Ministério da Saúde com base no Plano Nacional de Formação de Preceptores, específico para os residentes que cursavam RMFC2424 Brasil. Portaria Interministerial nº 1.618, de 30 de Setembro de 2015. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), como um dos eixos do Programa Mais Médicos - Residência, o Plano Nacional de Formação de Preceptores para os Programas de Residência na modalidade Medicina Geral de Família e Comunidade, com o fim de subsidiar e assegurar instrumentos para o processo de expansão de vagas de residência em Medicina Geral de Família e Comunidade, nos termos da Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Diário Oficial da União. 01 Out 2015..

A capacitação em preceptoria de residência médica por meio do programa de residência me deu empoderamento para hoje ser preceptora do programa.

(EMF18)

O curso de especialização em preceptoria realizado durante a residência me capacitou e me fez descobrir a vontade pelo ensino.

(EMF9)

O estímulo ao exercício da preceptoria, tanto na graduação quanto na pós-graduação, tem se mostrado bastante efetivo na criação de engajamento dos residentes de MFC com a própria especialidade, uma vez que surge como perspectiva de futuro para crescimento e atuação profissional; e favorece a multiplicação de boas práticas, cujo resultado é um maior equilíbrio entre as responsabilidades de cuidado e de ensino2525 Izecksohn MMV, Teixeira JE Jr, Stelet BP, Jantsch AG. Preceptoria em Medicina de Família e Comunidade: desafios e realizações em uma Atenção Primária à Saúde em construção. Cienc Saude Colet. 2017; 22(3):737-46.. A formação de preceptores à RMFC tem sido privilegiada nas políticas de saúde, tendo o residente a possibilidade de aderir à especialização em preceptoria para sua qualificação pedagógica66 Oliveira FP, Araújo CA, Torres OM, Figueiredo AM, Souza PA, Oliveira FA, et al. The More Doctors Program and the rearrangement of medical residency education focused on Family and Community Medicine. Interface (Botucatu). 2019; 23 Supl 1:e180008. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180008.
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Reconhecimento e aplicação dos atributos da APS

Cursar o PRMFC proporcionou aos egressos a oportunidade de conhecer todos os atributos da APS com foco na acessibilidade, integralidade, longitudinalidade e coordenação do cuidado. Dessa forma, a aplicação dos princípios foi apontada como fundamental circunstância para atuação do médico no SUS, pelo entendimento sobre sua importância e necessidade de incorporação na prática assistencial no sistema de saúde.

Com a formação na RMFC, tive a oportunidade de conhecer todos os atributos da APS com foco na acessibilidade, integralidade, longitudinalidade e coordenação. Após concluir a residência, iniciei atividades em outro município, onde sou a única médica com esta visão.

(EMF16)

Conhecer os atributos da atenção primária é fundamental para atuar no Sistema Único de Saúde.

(EMF8)

A APS fortalece os sistemas de saúde nos quais é desenvolvida ao facilitar o acesso da população a um conjunto de ações sanitárias que favorecem a qualidade de vida, promovendo e protegendo a saúde de maneira global2626 Starfield B. Is primary care essential? Lancet. 1994; 344(8930):1129-33.,2727 Starfield B. Primary care: an increasingly important contributor to effectiveness, equity, and efficiency of health services. SESPAS report 2012. Gac Sanit. 2012; 26 Supl 1:20-6.. Uma das maneiras de medir o fortalecimento da APS é avaliando seus atributos e a forma como eles são aplicados e entendidos pelos profissionais de saúde2828 Harzheim E, Oliveira MMC, Agostinho MR, Hauser L, Stein AT, Gonçalves MR, et al. Validação do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: PCATool-Brasil adultos. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):274-84..

Os pesquisados apontaram que realizar um trabalho que valorize os atributos da APS na assistência os sensibilizou a prestar mais atenção aos seus pacientes e a serem mais resolutos em suas decisões, contribuindo para melhoria da qualidade de vida da população. Essa familiarização permitiu ainda a realização de atividades de promoção à saúde coletiva e individual, assim como a identificação dos determinantes sociais que influenciam diretamente no processo saúde-adoecimento nas comunidades.

[...] onde adquiri conhecimentos-chaves para lidar com as intercorrências diárias na APS e todos os seus atributos.

(EMF18)

[...] nos atendimentos, trabalho vários atributos como acesso, longitudinalidade e coordenação do cuidado. As reuniões para discussão de casos permitem aplicar tanto a integralidade quanto a longitudinalidade.

(EMF3)

Os atributos da APS norteiam todas as minhas condutas como médica de Família... além de melhorar a qualidade de vida da população.

(EMF2)

Haja vista que o contexto de saúde brasileiro abrange cenários heterogêneos, o grau de adequação dos serviços de ESF e, por conseguinte, de seus profissionais aos princípios da APS permitem mensurar a real efetividade da Atenção Básica2727 Starfield B. Primary care: an increasingly important contributor to effectiveness, equity, and efficiency of health services. SESPAS report 2012. Gac Sanit. 2012; 26 Supl 1:20-6.. Fortalecer, identificar e avaliar esses atributos é, portanto, trabalho importante e alvo de grandes esforços exercidos pelos programas de RFMC2929 Leão CDA, Caldeira AP. Avaliação da associação entre qualificação de médicos e enfermeiros em atenção primária em saúde e qualidade da atenção. Cienc Saude Colet. 2011; 16(11):4415-23..

Relatos significativos versaram sobre a gestão da clínica ao ser referenciada a construção da agenda de acordo com a demanda do território, a organização, o preenchimento adequado do prontuário, o monitoramento do cuidado continuado, a estratificação de riscos e a execução das linhas de cuidado.

[...] por meio da estratificação de risco dos pacientes e organização da linha do cuidado, da conscientização do levantamento do diagnóstico situacional do território, da organização das agendas garantindo melhor acesso, do acolhimento e da integralidade do sujeito.

(EMF9)

A construção do cronograma e agenda de trabalho com a participação do residente torna o processo de trabalho mais organizado e resolutivo.

(EMF14)

A gestão da clínica é norteada por princípios que conectam atenção à saúde, educação e gestão em sistemas integrados, demandando uma consciência crítica no exercício da prática em saúde3030 Padilha RQ, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LMC, et al. Princípios para a gestão da clínica: conectando gestão, atenção à saúde e educação na saúde. Cienc Saude Colet. 2018; 23(12):4249-57.. Eles extrapolam o universo tradicional do exercício médico, cuja dinâmica em geral envolve um cuidado individualista, centrado em problemas pontuais e desconexos, mascarando as reais necessidades dos pacientes e impondo-se como barreira para a conquista da integralidade da atenção3131 Carnut L. Cuidado, integralidade e atenção primária: articulação essencial para refletir sobre o setor saúde no Brasil. Saude Debate. 2017; 41(115):1177-86..

Destaca-se a percepção de que os atributos da APS deveriam servir de guia para todas as especialidades médicas:

Os atributos de MFC deveriam ser norteadores para todas as áreas da Medicina, só assim os médicos conseguiriam dar mais atenção aos seus pacientes e seriam mais resolutos em suas decisões.

(EOA12)

Os atributos da APS são essenciais para formação de todo médico e trabalhar pensando neles me torna um profissional diferenciado.

(EMF8)

O reconhecimento dos atributos da atenção primária melhorou a organização do meu processo de trabalho, assim como execução dos programas de cuidado continuado, criando um maior vínculo com o paciente e melhor controle das doenças crônicas.

(EMF10)

Tal percepção enaltece a interferência da formação em MFC e sua sensibilização para os atributos da APS, de modo a transformar a prática médica também em outra especialidade. Seria então a formação em MFC uma forma de resistência frente à lógica de mercado, reforçada por uma atual agenda de restrições e persistência de uma Medicina com enfoque curativo, médico centrada e, portanto, não ancorada sob o paradigma da promoção de saúde3232 Teixeira JE Jr, Romano VF, Izecksohn MMV, Faria Neto E, Paiva MBP. Interlocuções entre a Declaração de Astana, o Direito à Saúde e a formação em Medicina de Família e Comunidade no Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2020; 25(4):1261-8..

Potências da formação em Medicina da Família e Comunidade

Grande parte dos egressos afirmaram que a RMFC contribuiu favoravelmente para o desenvolvimento da sua formação pessoal, tornando-os mais maduros, seguros, confiantes, autônomos e responsáveis. Observa-se aqui o papel da RMFC em favorecer um aprendizado que envolve o desenvolvimento de atitudes e amadurecimento pessoal e profissional, para além de habilidades técnicas e dimensões culturais que mesclam e superpõem conhecimentos e percepções3333 Bonet O. Sentindo o saber. Educação da atenção e medicina de família. Horiz Antropol. 2015; 21(44):253-77..

[...] me possibilitou adquirir mais autonomia, empoderamento e segurança para minha atuação como médico de Família.

(EMF7)

Acredito que minha performance como médica adquiriu maturidade, humanidade e consistência após a residência.

(EOA5)

A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade reconhece a importância da implementação de práticas interativas, tanto na graduação quanto na pós-graduação em Medicina, para a formação adequada de profissionais capacitados para atuar na APS3434 Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC). Desafios do ensino e da aprendizagem da Atenção Primária à Saúde e da medicina de família e comunidade na graduação e pós-graduação em medicina. In: Anais do 45o Congresso Brasileiro de Educação Médica (COBEM); 2007; Uberlândia (MG). Uberlândia: COBEM; 2007. p. 19., que necessita de indivíduos com espírito crítico, agilidade de pensamento, adaptabilidade e reconhecimento de território, atitudes favorecidas no ambiente de ensino que aplica as metodologias ativas, fator claramente expresso pelos egressos3535 Oliveira AMF, Moreira MRC, Xavier SPL, Machado MFAS. Análise da integração ensino-serviço para a formação de residentes em medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med. 2021; 45(1):e003..

O residente inserido no campo de práticas é capaz de promover reestruturações nos serviços, desde a implantação de novas ações até a mobilização da educação permanente, estímulo à preceptoria e outros movimentos recíprocos capazes de aperfeiçoar a formação médica e impactar positivamente a gestão do cuidado de outros profissionais atuantes no mesmo contexto3535 Oliveira AMF, Moreira MRC, Xavier SPL, Machado MFAS. Análise da integração ensino-serviço para a formação de residentes em medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med. 2021; 45(1):e003..

Foi apontada de forma consistente a relevância da relação médico-paciente com o estabelecimento de vínculo e confiança entre o profissional e a comunidade, proporcionando maior propriedade e resolutividade nos atendimentos. Por conseguinte, foi defendido pelos egressos que a relação médico-paciente se desenvolve em todos os momentos do cuidado, desde o acolhimento até a tomada de condutas que priorizem a saúde e o bem-estar do paciente.

Me fez ser uma médica mais próxima dos meus pacientes.

(EOA9)

[...] ter o entendimento de que hoje a relação médico-paciente precisa ser aprimorada.

(EMF13)

[...] e melhorou a minha relação médico-paciente.

(EMF8)

A transversalidade da relação médico-paciente é fundamento para a avaliação e progressão das habilidades de comunicação na prática médica3636 Padilla EM, Sarmiento-Medina P, Ramirez-Jaramillo A. Percepciones de pacientes y familiares sobre la comunicación con los profesionales de la salud. Rev Salud Publica. 2014; 16(4):585-96.. Ao assimilar e assumir a compreensão do outro, o médico se aproxima do paciente, recorrendo às várias fontes de explicação e compreensão das problemáticas; e lançando mão de estratégias individualizadas e adaptadas aos mais diversos contextos de cuidado em saúde3737 Caprara A, Franco ALS. A relação paciente-médico: para uma humanização da prática médica. Cad Saude Publica. 1999; 15(3):647-54..

Os egressos referiram ainda que as metodologias ativas e as técnicas de comunicação empregadas no currículo da RMFC subsidiaram de forma positiva o empoderamento para sua prática assistencial, fazendo-os se sentir capacitados para os enfrentamentos da APS, próximos aos pacientes e buscando constantemente conhecimento para responder às expectativas dos usuários:

[...] as metodologias ativas e as técnicas de comunicação auxiliam bastante na minha formação pessoal.

(EMF1)

[...] as metodologias ativas me fizeram refletir e ter um olhar mais crítico da realidade.

(EMF9)

Essa percepção ilustra como as metodologias ativas adquirem contornos próprios da formação ao trabalho em saúde, tendo em vista a interdependência entre teoria e prática, aliada ao desenvolvimento de uma percepção integral das pessoas e à dilatação do conceito de cuidado, todos necessários para a adequação das atitudes dos profissionais de saúde ao contexto das necessidades de saúde das pessoas3838 Paiva MRF, Parente JRF, Brandão IR, Queiroz AHB. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem: revisão integrativa. Sanare (Sobral). 2016; 15(2):145-53.,3939 Mitre SM, Siqueira-Batista R, Girardi-de-Mendonça JM, Morais-Pinto NM, Meirelles CAB, Pinto-Porto C, et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Cienc Saude Colet. 2008; 13 Supl 2:2133-44..

Egressos atuando em outra especialidade apontaram diversas contribuições da RMFC no seu processo de trabalho, mesmo que em outro campo de atuação. Uma delas está ligada à possibilidade de entrarem em contato com outras especialidades no momento de sua passagem pelos rodízios nos ambulatórios de especialidades. Essa socialização com outras áreas os ajudou a perceberem melhor suas afinidades profissionais.

A residência nos possibilita experimentar o convívio com outras especialidades.

(EOA3)

[...] e, ainda, durante a prática na APS podemos identificar nossas afinidades melhor.

(EOA7)

[...] ajudou inclusive a decidir e optar por cursar Psiquiatria.

(EOA11)

Esse contexto pode sugerir que, nos rodízios nas especialidades focais, o jovem médico tem oportunidade de verificar vários aspectos destas, o que pode interferir em sua opção no final da residência de MFC. Fazer opção por outra área perpassa aspectos relacionados à percepção dos pacientes de que os especialistas focais são mais qualificados, à atrativa possibilidade financeira do mercado privado, ao suposto status e até mesmo à identificação por parte do profissional de um perfil para outra especialidade4040 Martins JB, Rodriguez FP, Coelho ICMM, Silva EM. Fatores que influenciam a escolha da especialização médica pelos estudantes de medicina em uma instituição de ensino de Curitiba (PR). Rev Bras Educ Med. 2019; 43(2):152-8..

No entanto, os egressos acreditam que ter cursado a residência foi importante até mesmo para seu trabalho fora da APS. Também perceberam que os próprios pacientes referem que têm um atendimento diferenciado dos demais especialistas.

Já fui elogiado por mais de um paciente sobre meu processo de trabalho que se preocupa com o paciente além da área que estou atuando, e isso acredito que aprendi durante a residência.

(EOA11)

Acredito que hoje na patologia, os vejo de mais perto, mas através das lentes do microscópio. Mesmo assim, por tudo que aprendi com a proximidade do paciente, com o viés da integralidade, nunca enxergarei apenas fragmentos.

(EOA10)

Proporcionou uma visão mais ampla que vai além do indivíduo, inclui pessoas, família, comunidade, social, dentre outros.

(EOA7)

Essa diferença aponta a RMFC como especialidade prioritária para formar profissionais para cuidar de pessoas em diferentes momentos e ciclos da vida ao desenvolver competências centradas em uma perspectiva da racionalidade biopsicossocial. Assim, a formação em MFC tem contribuído para formar profissionais mais acolhedores e humanizados para e além da APS88 Anderson MIP, Rodrigues RD. Formação de especialistas em Medicina de Família e Comunidade no Brasil: dilemas e perspectivas. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2011; 6(18):19-20..

Desafios da especialidade

A dificuldade mais perceptível nas explicações dos respondentes diz respeito à falta de valorização profissional na MFC, seja por parte dos colegas de outras áreas, seja pelo não reconhecimento da importância da especialidade pela gestão dos serviços públicos de saúde, demonstrada, inclusive, pelos pacientes/usuários do sistema de saúde.

Falta de valorização por parte dos pacientes, colegas médicos e administração municipal.

(EMF10)

A baixa remuneração e pouco reconhecimento profissional.

(EMF15)

Preconceito dos colegas de outras especialidades.

(EMF7)

Falta de valorização da gestão para o especialista em MFC.

(EMF15)

Variáveis complexas podem influenciar a escolha da carreira médica e parecem estar mais implicadas a fatores pessoais e profissionais relacionados à especialidade e ao programa de residência escolhidos do que a questões acadêmicas, perpassando ainda aspectos ideológicos1515 Rodrigues LGH, Duque TB, Silva RM. Factors associated with the choice of specializing in family medicine. Rev Bras Educ Med. 2020; 44(3):e078.,4141 Raghavendran S, Inbaraj LR. Do family physicians suffer an identity crisis? A perspective of family physicians in Bangalore city. J Family Med Prim Care. 2018; 7(6):1274-8.. Na perspectiva do jovem profissional, as especialidades focais representam a oportunidade de ascensão social e, no meio médico, tanto em termos financeiros quanto em prestígio4040 Martins JB, Rodriguez FP, Coelho ICMM, Silva EM. Fatores que influenciam a escolha da especialização médica pelos estudantes de medicina em uma instituição de ensino de Curitiba (PR). Rev Bras Educ Med. 2019; 43(2):152-8.. Isso justifica um sentimento de insatisfação, também apresentado pelos egressos no momento de entrada no mercado de trabalho, ao se depararem com a baixa remuneração decorrente da falta de incentivo salarial por parte da gestão local ao contratar um profissional para atuar na APS com a especialidade em MFC.

Os esforços em tornar a MFC um meio atraente para futuros profissionais englobam diversas variáveis, porém, a busca por melhores salários e status salientam-se no processo de decisão de atuação na pós-graduação, o que representa um entrave para que mais profissionais sejam atraídos e fixados na área4242 Mello GA, Mattos ATR, Souto BGA, Fontanella BJB, Demarzo MMP. Médico de família: ser ou não ser? Dilemas envolvidos na escolha desta carreira. Rev Bras Educ Med. 2009; 33(3):464-71.,4343 Kost A, Bentley A, Phillips J, Kelly C, Prunuske J, Morley CP. Graduating medical student perspectives on factors influencing specialty choice an AAFP national survey. Fam Med. 2019; 51(2):129-36.. No entanto, essa realidade vem mudando nas últimas décadas, com políticas indutoras para universalização e priorização da MFC, realização de vários concursos para RMFC com remuneração satisfatória e estímulo de pontuação para ingresso em outros programas de residência para egressos dos PRMFC66 Oliveira FP, Araújo CA, Torres OM, Figueiredo AM, Souza PA, Oliveira FA, et al. The More Doctors Program and the rearrangement of medical residency education focused on Family and Community Medicine. Interface (Botucatu). 2019; 23 Supl 1:e180008. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180008.
https://doi.org/10.1590/Interface.180008...
.

Foram relatadas pelos egressos interferências políticas por parte da gestão, as quais refletem diretamente nas atividades do programa de residência, já que os principais campos de atuação do médico residente e do especialista em MFC são as unidades de Estratégia Saúde da Família (ESF) do município.

Dependência dos recursos e dos gestores dos municípios.

(EOA2)

Interferência política da gestão nos centros de saúde que influenciam nas questões da residência.

(EMF15)

Implicações da gestão que interferem diretamente na formação dos residentes como escolha das unidades para atuação do programa.

(EOA12)

A necessidade de que a gestão priorize a APS com investimento responsável na estrutura e organização dos serviços é apontada como fonte de insatisfação por parte dos profissionais da APS, interpondo-se ao acesso universal e equânime à RAS4444 Lima SAV, Silva MRF, Carvalho EMF, Pessoa EAC, Brito ESV, Braga JPR. Elementos que influenciam o acesso à atenção primária na perspectiva dos profissionais e dos usuários de uma rede de serviços de saúde do Recife. Physis. 2015; 25(2):635-56.. Apenas parte dos gestores identificam o potencial da RMFC para a qualificação do serviço e ainda assim não significa que usarão esse potencial em práticas políticas, deixando de utilizar a residência médica como fator propulsor da APS77 Leite APT, Correia IB, Chueiri PS, Sarti TD, Jantsch AG, Waquil AP, et al. Residência em Medicina de Família e Comunidade para a formação de recursos humanos: o que pensam gestores municipais? Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2119-30..

Entretanto, as RMFC em Palmas têm sido priorizadas pela gestão municipal local, que reconhece a formação como o diferencial capaz de mobilizar os profissionais e transformá-los, como eles próprios relatam. Os residentes ocupam assim papel importante para o desenvolvimento da APS municipal, cuja gestão compreendeu o programa de RMFC como uma possibilidade de intervenção que leva a um círculo virtuoso e significativo77 Leite APT, Correia IB, Chueiri PS, Sarti TD, Jantsch AG, Waquil AP, et al. Residência em Medicina de Família e Comunidade para a formação de recursos humanos: o que pensam gestores municipais? Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2119-30..

A sobrecarga de trabalho durante a formação emergiu nas respostas de poucos egressos. Percebeu-se que o amplo espectro de atuação da especialidade e as frequentes demandas das áreas técnicas da gestão tornam, por vezes, a residência cansativa, fazendo com que os residentes sintam-se sobrecarregados.

Sobrecarga de trabalho.

(EMF14)

Especialidade com demandas em várias frentes de atuação.

(EOA15)

Essa sobrecarga pode estar relacionada às características próprias dessa residência, particularmente o seu amplo escopo de atuação; a frequente incerteza diagnóstica; a exigência emocional da relação com usuários e comunidade; e a rápida necessidade de se adquirir autonomia4545 Santos SCR, Viegas AIF, Morgado CIMO, Ramos CSV, Soares CND, Roxo HMCJ, et al. Prevalência de burnout em médicos residentes de Medicina Geral e familiar em Portugal. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2017; 12(39):1-9..

Reflexões sobre as atividades pedagógicas desses programas e o possível impacto dessa formação para a prática médica e para saúde da população foram evidenciadas, podendo ainda encaminhar a tomada de decisão de gestores no âmbito das políticas públicas de saúde, com ênfase na integração ensino-serviço de PRMFC.

Considerações finais

Limitações do estudo podem estar vinculadas às possíveis perdas de comunicação e interação para a detecção de emoções e aprofundamentos próprios às entrevistas em profundidade. Ainda assim, pela adesão de todos os egressos, os resultados demostraram a relevância da RMFC na formação de profissionais aptos a efetivar os atributos da APS brasileira e a necessidade de valorização crescente de políticas públicas que apoiem e ampliem esta formação.

A permanência da maioria dos concluintes dos PRMFC de Palmas, TO, em atuação na especialidade corroborou a percepção destes e dos egressos atuantes em outras áreas de que esta formação traz contribuições significativas na e para além da APS, devido à sua influência no atual processo de trabalho desses profissionais, orientado pelos atributos essenciais.

A RMFC mostrou-se com potencial estratégico de fomento e fixação profissional, especialmente na região do estudo, contribuindo para qualificação e resolutividade da APS local. Por meio de metodologias ativas integradas aos serviços, egressos percebem que a formação em MFC proporciona avanços na prática profissional humanizada, tensionando reestruturações nos serviços, na gestão e nas relações interpessoais do cuidado em saúde, transformação que extrapola a dimensão profissional, direcionando-se para a pessoal.

Em detrimento dos desafios que foram relacionados à desvalorização da MFC, à baixa remuneração, à influência política na gestão e às dificuldades de fixação profissional na especialidade, os achados ratificam que as RMFC têm proporcionado um crescente reconhecimento e identificação com a especialidade; melhoria da prática médica; e ampliação do cuidado integral para reestruturação do modelo de atenção da APS, quando devidamente priorizadas e estruturadas pela gestão e instituições formadoras.

Agradecimentos

À Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas, TO.

Ao Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba.

À Rede Nordeste de Formação em Saúde da Família (Renasf).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2021
  • Aceito
    19 Set 2022
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br