Análise estrutural e funcional da rede social de usuários do Centro de Atenção Psicossocial: caminhos para a Atenção Psicossocial

Análisis estructural y funcional de la red social de usuarios del Centro de Atención Psicosocial: caminos hacia la Rehabilitación Psicosocial

Giovanna Natal Amadei Guilherme Correa Barbosa Paula Hayasi Pinho Márcia Aparecida Ferreira de Oliveira Thiago da Silva Domingos Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se analisar as características estruturais, as funções e os atributos dos vínculos, nas redes sociais, de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Para isso, desenvolveu-se um estudo qualitativo em que participaram 16 usuários de um Caps. Foram realizadas entrevistas em profundidade e semiestruturadas com base no diagrama do Mapa de Redes. Identificaram-se redes sociais extensas e com concentração de relações íntimas, circunscritas aos familiares e aos serviços de saúde. Após o adoecimento, os participantes relataram relações familiares fragilizadas. A apropriação dos espaços na comunidade e nas relações de amizade favoreceu a estruturação das redes. A análise do Mapa de Redes compreende uma ferramenta analisadora indicando, à produção do cuidado em Saúde Mental, os rumos para a Atenção Psicossocial.

Atenção psicossocial; Saúde mental; Serviços comunitários de saúde mental; Rede social; Análise de rede social

Resumen

El objetivo fue analizar las características estructurales, las funciones y los atributos de los vínculos en las redes sociales de usuarios de un Centro de Atención Psicosocial. Para ello, se desarrolló un estudio cualitativo en el que participaron 16 usuarios de un Centro de Atención Psicosocial. Se realizaron entrevistas en profundidad y semiestructuradas con base en el diagrama del mapa de Red. Se identificaron redes sociales extensas y con concentración de relaciones íntimas, circunscritas a los familiares y a los servicios de salud. Después de la enfermedad, los participantes relataron relaciones familiares fragilizadas. La apropiación de los espacios en la comunidad y en las redes incluye una herramienta de análisis, indicando a la producción del cuidado de salud mental los rumbos para la atención psicosocial.

Atención psicosocial; Salud mental; Servicios comunitarios de salud; Red social; Análisis de red social

Introdução

A partir da década de 1970, tem-se desenvolvido no Brasil uma intensa mobilização de profissionais de Saúde Mental, usuários e familiares de pessoas com transtornos mentais levando à produção de uma série de movimentos antimanicomiais. Conformando-se como um processo social complexo e contemporâneo, a Reforma Psiquiátrica (RP) tem produzido o rompimento do modelo asilar no cuidado em Saúde Mental e pode ser analisada sob quatro dimensões – teórico-conceitual, técnico-assistencial, jurídico-política e sociocultural –, que evidentemente são imbricadas, guardando uma relação de interdependência entre si11. Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. 3a ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007. .

A assistência à Saúde Mental está amparada na Lei n. 10.216/2001, que defende a desconstrução dos hospitais psiquiátricos, a criação de serviços comunitários em Saúde Mental e a garantia de direitos às pessoas com problemas mentais. Sua operacionalização está articulada à Portaria n. 3.088/2011 que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), propondo um arranjo organizativo horizontal e articulado entre os equipamentos e as ações de saúde para que, em seu conjunto, a produção coordenada de cuidado atenda à integralidade, ao acesso e à vinculação22. Brasil. Ministério da Saúde. Legislação em saúde mental: 1990-2004. 5a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. , 33. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3088, de 23 de Dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2011. .

Ao objetivar a reversão do modelo asilar e manicomial, o cuidado em Saúde Mental no Brasil vem se alicerçando sobre os pressupostos teórico-metodológicos da Reabilitação Psicossocial italiana44. Morato GG. Reabilitação psicossocial e atenção psicossocial: identificando concepções teóricas e práticas no contexto da assistência em saúde mental [tese]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 2019. , compreendida como um conjunto de estratégias fundamentais para que as pessoas tenham garantia de espaços de negociação e de trocas na comunidade em que vive. Desse modo, consiste no exercício pleno de cidadania por meio da ampliação do poder contratualidade organizado em três grandes eixos: habitar, rede social e trabalho com valor social, que se incorporam à Raps desde uma dimensão micro até a macro, respectivamente, e entendidas do nível da afetividade à organização dos serviços55. Saraceno B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. 2a ed. Rio de Janeiro: Te Corá; 2001. , 66. Saraceno B. Reabilitação psicossocial: uma estratégia para a passagem do milênio. In: Pitta AMF, organizadora. Reabilitação psicossocial no Brasil. 4a ed. São Paulo: Hucitec Editora; 1996. p. 13-8. .

Argumenta-se que, em consideração à Reabilitação Psicossocial, a produção de cuidado em Saúde Mental passe a operar uma clínica que integre de forma ampliada e articulada os três eixos, possibilitando tomar a complexidade e a singularidade da experiência do sofrimento psíquico como processos em mudança inseridos coletivamente44. Morato GG. Reabilitação psicossocial e atenção psicossocial: identificando concepções teóricas e práticas no contexto da assistência em saúde mental [tese]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 2019. .

No Brasil, dadas as experiências de transformação e de conformação de um campo assistencial consequente ao processo de Reforma Psiquiátrica, as contribuições teórico-metodológicas na Reabilitação Psicossocial passam a ser incorporadas e metabolizadas, resultando um novo paradigma: Atenção Psicossocial (AP) que pode ser caracterizada por meio de ações teórico-práticas, político-ideológicas e éticas, as quais buscam substituir o modelo asilar e o paradigma psiquiátrico77. Costa-Rosa A. Atenção psicossocial além da reforma psiquiátrica: contribuição a uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva. São Paulo: Unesp; 2013. , 88. Costa-Rosa A, Luzio CA, Yasui S. Atenção psicossocial: rumo a um novo paradigma na saúde mental coletiva. In: Amarante P, coordenador. Archivos de saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Nau; 2003. p. 13-44. .

A rede social significativa99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. , objeto de estudo desta investigação, relaciona-se concomitantemente com a AP e com os três eixos da Reabilitação Psicossocial, com destaque para o segundo eixo que também se denomina rede social e discute o pressuposto do estreitamento quantitativo e do qualitativo das relações na rede social, impactando negativamente a inserção comunitária e as trocas afetivas e materiais55. Saraceno B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. 2a ed. Rio de Janeiro: Te Corá; 2001. , 66. Saraceno B. Reabilitação psicossocial: uma estratégia para a passagem do milênio. In: Pitta AMF, organizadora. Reabilitação psicossocial no Brasil. 4a ed. São Paulo: Hucitec Editora; 1996. p. 13-8. .

Nessa direcionalidade, a rede social significativa dos usuários em sofrimento psíquico tem importância central na produção de cuidados dos serviços de base territorial e comunitária que constituem a Raps. O Centro de Atenção Psicossocial (Caps) surge como um dos equipamentos estratégicos para o usuário em sofrimento psíquico e para sua família, tendo como horizonte normativo a AP11. Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. 3a ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007. , 66. Saraceno B. Reabilitação psicossocial: uma estratégia para a passagem do milênio. In: Pitta AMF, organizadora. Reabilitação psicossocial no Brasil. 4a ed. São Paulo: Hucitec Editora; 1996. p. 13-8.

7. Costa-Rosa A. Atenção psicossocial além da reforma psiquiátrica: contribuição a uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva. São Paulo: Unesp; 2013.
- 88. Costa-Rosa A, Luzio CA, Yasui S. Atenção psicossocial: rumo a um novo paradigma na saúde mental coletiva. In: Amarante P, coordenador. Archivos de saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Nau; 2003. p. 13-44. .

A ampliação da rede social significativa envolve “profissionais e todos os atores do processo de saúde-doença, ou seja, todos os usuários e a comunidade inteira”55. Saraceno B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. 2a ed. Rio de Janeiro: Te Corá; 2001. . Assim, entende-se que o alinhamento do cuidado em Saúde Mental com a AP requer a parceria entre a equipe profissional, a família e a comunidade na assistência às pessoas em sofrimento psíquico, visto que o sujeito passa a maior parte do seu tempo fora dos serviços, no convívio das pessoas que fazem parte da sua rede social. Tem-se discutido, contudo, que serviços alinhados ao modelo asilar, como hospital psiquiátrico e suas atualizações, a exemplo das comunidades terapêuticas, ainda ocupam o centro da rede assistencial1111. Querino RA, Borges RS, Almeida JCP, Pauli AJC, Oliveira JL, Souza J. Qual o elemento central na Rede de Atenção Psicossocial de um município de Minas Gerais? Rev Eletronica Enferm [Internet]. 2020 [citado 12 Jan 2022]; 22:59352. Disponível em: https://revistas.ufg.br/fen/article/view/59352 doi: 10.5216/ree.v22.59352.
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No contexto do cuidado em saúde, identificamos diferentes instrumentos que possibilitam a análise das relações entre indivíduos e famílias com o meio social. O genograma e o ecomapa compreendem dois instrumentos que auxiliam na identificação do funcionamento, da interação e dos padrões organizacionais do sistema familiar1212. Cattani AN, Ronsani APV, Welter LS, Mello AL, Siqueira DF, Terra MG. Família que convive com pessoa com transtorno mental: genograma e ecomapa. Rev Enferm UFSM. 2020; 10(6):e1-19. . A análise da rede social compreende uma abordagem diferencial ao centralizar o enfoque no sujeito e no estabelecimento de suas relações sociais com outros sujeitos e instituições, retornando como um referencial prático e teórico-metodológico para intervenções terapêuticas99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. , 1313. Sabot K, Wickremasinghe D, Blanchet K, Avan B, Schellenberg J. Use of social network analysis method to study professional advice and performance among healthcare providers: a systematic review. Syst Rev [Internet]. 2017 [citado 4 Abr 2022]; 6:208. Disponível em: https://systematicreviewsjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13643-017-0597-1 doi: 10.1186/s13643-017-0597-1.
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A rede social significativa trata-se de um sistema aberto que congrega todas as relações: individuais, familiares, comunitárias e institucionais, que influenciam o reconhecimento de uma pessoa como sujeito. Funcionam como amortecedor social ao subsidiar ajuda e apoio reais e duradouros no nível intermediário da estrutura social no que se refere à integração social e ao desenvolvimento identitário em processos dinâmicos. Quando inserida em um diagrama, configura-se Mapa de Redes e serve como instrumento de intervenção, evidenciando o grau de intimidade e compromissos disponíveis ao sujeito em determinado contexto e situação99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. , 1414. Lavall E, Olschowsky A, Kantorski LP. Avaliação de família: rede de apoio social na atenção em saúde mental. Rev Gauch Enferm. 2009; 30(2):198-205. .

Há uma forte relação entre rede social e saúde, seus aspectos positivos afirmam a potencialidade de redes sociais significativas amplas e sólidas. Investigações apontam a falta de suporte como um dos fatores que contribuem para o desenvolvimento ou o agravamento do sofrimento psíquico1313. Sabot K, Wickremasinghe D, Blanchet K, Avan B, Schellenberg J. Use of social network analysis method to study professional advice and performance among healthcare providers: a systematic review. Syst Rev [Internet]. 2017 [citado 4 Abr 2022]; 6:208. Disponível em: https://systematicreviewsjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13643-017-0597-1 doi: 10.1186/s13643-017-0597-1.
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14. Lavall E, Olschowsky A, Kantorski LP. Avaliação de família: rede de apoio social na atenção em saúde mental. Rev Gauch Enferm. 2009; 30(2):198-205.
- 1515. Cardoso HF, Baptista MN. Escala de Percepção do Suporte Social (versão adulta) - EPSUS-A: estudo das qualidades psicométricas. Psico USF. 2014; 19(3):499-510. . Diversos estudos têm utilizado o Mapa de Redes para avaliar a rede social dos sujeitos em diversos contextos assistenciais, especialmente entre aqueles que versam sobre o sofrimento psíquico1616. Leônidas C, Santos MA. Redes sociais significativas de mulheres com transtornos alimentares. Psicol Reflex Crit. 2013; 26(3):561-71.

17. Machado MS, Pereira CRR. Redes pessoais significativas de mulheres responsáveis por famílias monoparentais em vulnerabilidade social. Estud Psicol (Natal). 2020; 25(4):399-411.

18. Silva MA, Azevêdo AVS. Mulheres em projetos comunitários: redes sociais significativas e a promoção da saúde. Estud Psicol (Natal). 2020; 25(4):436-48.

19. Reis TCM, Azevêdo AVS. Redes sociais significativas de homens em situação de rua no sul do Brasil. Estud Psicol (Natal). 2020; 25(3):324-34.

20. Wyngaerden F, Nicaise P, Dubois V, Lorant V. Social support network and continuity of care: an ego-network study of psychiatric service users. Soc Psychiatr Psychiatr Epidemiol [Internet]. 2019 [citado 5 Abr 2022]; 54:725-35. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00127-019-01660-7
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- 2121. Park NS, Jang Y, Lee BS, Chiriboga DA, Chang S, Kim SY. Associations of a social network typology with physical and mental health risks among older adults in South Korea. Aging Ment Health [Internet]. 2017 [citado 5 Abr 2022]; 22(5):631-8. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13607863.2017.1286456 doi: 10.1080/13607863.2017.
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Pelo exposto, a análise das redes sociais significativas possibilita compreender as relações estabelecidas pelos sujeitos e suas condições, informando os trabalhadores dos serviços de saúde sobre os processos de integração psicossocial1313. Sabot K, Wickremasinghe D, Blanchet K, Avan B, Schellenberg J. Use of social network analysis method to study professional advice and performance among healthcare providers: a systematic review. Syst Rev [Internet]. 2017 [citado 4 Abr 2022]; 6:208. Disponível em: https://systematicreviewsjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13643-017-0597-1 doi: 10.1186/s13643-017-0597-1.
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e subsidiando elementos para conformação de intervenções psicoterapêuticas1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. . Além disso, potencialmente atua como um analisador dos processos de trabalho em relação à proposta da AP. Nesse sentido, objetivou-se analisar as características estruturais, as funções e os atributos dos vínculos de usuários de um Caps nas redes sociais.

Método

Estudo descritivo e exploratório de natureza qualitativa. Pesquisa qualitativa que considera o objetivo e o objeto de estudo; por se referir à vida das pessoas e às suas experiências vividas, favorece a descrição, a compreensão e a interpretação dos fenômenos sociais percebidos pelos sujeitos2222. Creswell JW, Creswell JD. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 5a ed. São Paulo: Editora Penso; 2021. . Respeitaram-se os itens do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research como critério para organização dos dados2323. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Critérios consolidados para relatar pesquisa qualitativa (COREQ): uma lista de verificação de 32 itens para entrevistas e grupos focais. Int J Qual Health Care. 2007; 19(6):349-57. .

A pesquisa foi desenvolvida em um Centro de Atenção Psicossocial, tipo III, localizado em um município do interior do estado de São Paulo e que pertence a um complexo assistencial administrado pelo estado. Essa particularidade confere ao referido serviço um caráter regional, atuando como referência de atenção especializada para municípios localizados no centro-oeste paulista, circunscritos ao Departamento Regional de Saúde de Bauru (DRS VI).

Adotou-se a amostragem por conveniência2424. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesqui Qualitativa. 2017; 5(7):1-12. para seleção dos participantes, considerando como critérios de inclusão: maioridade, estar em acompanhamento há mais de seis meses e residir no mesmo município do serviço. Apresentar déficit cognitivo que impactasse a coleta de dados foi o critério único de exclusão. Desse modo, 24 usuários foram convidados para participar da pesquisa, dos quais oito se recusaram devido à incompatibilidade de horários para coleta de dados ou à indisponibilidade de relatar sua experiência e suas redes. Assim, a amostra de participantes foi constituída de 16 usuários.

A coleta de dados foi realizada entre os meses de novembro e dezembro de 2019. Utilizou-se como técnica a entrevista em profundidade e semiestruturada individual guiada por um roteiro dividido em duas partes: a primeira com perguntas fechadas a fim de levantar informações sociodemográficas dos participantes; e a segunda com perguntas abertas, elaboradas pelos autores e fundamentadas no referencial teórico, guiando o preenchimento do diagrama do Mapa de Redes1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

As entrevistas foram agendadas priorizando horários e datas em que os usuários estariam no serviço para suas atividades terapêuticas. Foram realizadas em uma sala privativa no próprio serviço, audiogravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. A duração das entrevistas variou entre 40 e 50 minutos. Em caso de haver alguma lacuna na composição da rede dos usuários, os prontuários institucionais foram consultados como instrumentos de coleta complementar.

O Mapa de Redes é organizado por um diagrama com três círculos concêntricos (interno, intermediário, externo) divididos em quatro quadrantes: o primeiro é voltado às relações familiares; o segundo, às relações nos serviços de saúde; o terceiro, para as relações comunitárias; e o quarto, para as relações de amizade. No que diz respeito à organização dos círculos, o interno simboliza as relações com que o indivíduo possui melhor vínculo (relações íntimas); o círculo intermediário indica as relações com um grau de compromisso relacional menor, como as relações sociais e/ou profissionais e até mesmo as familiares (relações com contato); já o círculo externo representa as relações eventuais, como com conhecidos da comunidade em geral (relações ocasionais)99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

Analisamos as características estruturais das redes tendo em vista seu tamanho, sua densidade, sua composição e sua homogeneidade/heterogeneidade. Observamos as funções dos vínculos da rede, levando em conta a companhia social e o apoio emocional99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

Para avaliar a rede em suas características estruturais, notamos seu tamanho, que está ligado à quantidade de pessoas incluídas na rede do participante. As redes que têm mais efetividade são as de médio porte, uma vez que as caracterizadas como pequenas são menos efetivas em momentos de sobrecarga ou períodos de longa tensão, e as maiores trazem a ideia de que o “outro” familiar está cuidando do problema99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

A densidade indica a qualidade da relação, demonstrando a influência que aquela pessoa pode exercer sobre o indivíduo; e em relação à composição, apontando o local que cada membro ocupa nos quadrantes. Analisar a dispersão refere-se à distância geográfica entre os membros da rede e, por fim, precisamos pensar na homogeneidade ou na heterogeneidade que dizem respeito ao sexo, à idade, à cultura e ao nível socioeconômico99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

Para saber das funções dos vínculos exercidos pela rede, analisamos alguns itens como: a companhia social, que indicará a realização de atividades no meio social, e o apoio emocional, que envolve o indivíduo99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

A análise do Mapa de Redes utilizou o método de Sluzki99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , que propõe ser possível identificar estrutura, funções e atributos dos vínculos das redes sociais significativas pela disposição e pelas características da rede. Essa construção do Mapa de Redes representa uma radiografia da rede social significativa, pela qual se pode compreender sua estrutura, sua composição, as funções que os membros da rede exercem e os atributos dos vínculos existentes1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

A análise dos dados qualitativos, oriundos das entrevistas semiestruturadas que guiaram a construção dos mapas de rede, tomou como referencial metodológico a análise de conteúdo em sua vertente representacional temática2525. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016. . Esta investigação aplicou o Mapa de Redes como o instrumento principal para alcançar os objetivos propostos; desse modo, o processo de nomeação de categorias e subcategorias de análise respeitou, respectivamente, os quadrantes do Mapa de Redes e as características, funções e os atributos de cada quadrante99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, sob o Parecer n. 057382/2019, atendendo a Resolução n. 466/122626. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de Dezembro de 2012 [Internet]. Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [citado 23 Ago 2020]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
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. Para garantia do anonimato dos participantes, as falas foram identificadas com a letra ‘E’ de Entrevistado, seguidas de algarismos numéricos conforme a ordem crescente das entrevistas.

Resultados e discussão

Dos participantes, dez pessoas eram do sexo masculino e seis pessoas do sexo feminino. A idade variou entre 25 e 59 anos, com a média etária de 44 anos. Quanto ao estado civil, a maioria declarou-se sem parcerias e, dos três restantes, dois casados e um em união estável. A maior parte autodeclarou-se branca, dois se autodeclararam pardos e um, negro. Dez residiam com familiar, cinco residiam sozinhos e um residia em uma casa de repouso. Todos os participantes afirmaram professar alguma religião, o Cristianismo foi a que mais se destacou e um participante declarou a religião Testemunha de Jeová. A totalidade está em tratamento no serviço há mais de dois anos e 15 participantes relataram fazer uso de psicotrópicos diariamente.

Em geral, no Mapa de Redes dos participantes, os quadrantes com maior número de pessoas e instituições foram relativos às relações familiares e de trabalho/serviços de saúde. Consequentemente, os quadrantes referentes às relações com a comunidade e à amizade obtiveram menor inserção de pessoas e instituições. Independentemente do quadrante, a maioria das relações consideradas nos 16 mapas de redes foi considerada íntima, ou seja, localizada no círculo interno. Comparado com redes construídas por usuários da Caps Álcool e outras Drogas2727. Borges CD, Scheneider DR. Rede social significativa de usuários de um CAPSad: perspectivas para o cuidado. Pensando Fam. 2017; 21(2):167-81. , 2828. Siniak DS, Pinho LB, Maidana JN Jr, Avila MB, Silva VAM. Análise da rede social de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas. Rev Enferm UFSM. 2021; 10(e32):1-20. , nota-se um Mapa de Redes mais estruturalmente diverso.

A extensão das redes pode ser visualizada por meio da Figura 1 – Mapa coletivo de redes, que ilustra a composição que cada participante construiu. Neste mapa estão inseridas as pessoas e as instituições que foram consideradas elementos das redes dos participantes, sejam relações familiares, comunitárias, de amizade ou com serviço de saúde.

Figura 1
Mapa coletivo de redes. Botucatu, SP, 2019.

Iniciamos a análise das características estruturais dos mapas considerando o tamanho das redes e sua homogeneidade. O primeiro está relacionado à quantidade de pessoas que conforma o Mapa de Redes e o último, às similaridades entre as características socioeconômicas, demográficas e culturais das pessoas inseridas no mapa99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. .

Quanto ao tamanho, notamos mais frequentemente redes sociais extensas (E3, E7, E8, E9, E10, E11, E12 e E15), seguidas de redes intermediárias (E1, E2, E4, E5, E6, E14) e redes pequenas (E13 e E16). Já em relação à homogeneidade dos mapas de redes, de modo geral, a maioria é de adultos. As crianças foram exceções entre mapas e, ao destacar os sentimentos suscitados nos participantes quando citados, verificamos que produzem afetos positivos:

meus sobrinhos, eles moram no meu coração, minha alegria. Se estou triste, vou lá recuperar minha alegria. (E6)

Identificamos que as funções dos vínculos foi o critério mais utilizado para a inserção de indivíduos no Mapa de Redes. Dentre as funções, o apoio emocional foi o mais citado e os participantes lhe atribuíram reciprocidade e grau de compromisso. Em geral, as relações que oferecem apoio emocional foram expressas por meio de palavras-chave e vivências relacionadas a cuidado, ajuda, apoio, disponibilidade e compromisso estabelecidos nessas relações, sendo essas pessoas aquelas que os participantes buscam quando necessitam.

No quadrante que se refere às relações familiares, excertos permitem-nos afirmar a presença de pessoas com quem a densidade das relações foi considerada forte e significativa, e a função desses vínculos exercitou a companhia social, o apoio emocional e a ajuda material:

minha mãe, ela é o centro de tudo, ela nunca chegou para diminuir, ela sempre chegou para somar, porque ela é o grande pilar, minha vida. (E2)

minha tia Cida, ela conversa comigo, pergunta o que está acontecendo comigo, eu vou na casa dela, ela faz almoço para mim, uma pessoa muito boa, com um coração muito bom, ela já chegou a me dar dinheiro quando estava sem dinheiro. (E8)

As relações familiares exercem, positiva ou negativamente, forte influência na Saúde Mental de indivíduos. O convívio, a satisfação e a conexão de relações efetivas diminuem a expressão de sofrimento psíquico, enquanto estilos de relacionamentos distantes ou abusivos levam a piores desfechos psíquicos2929. Alegría M, NeMoyer A, Bagué IF, Wang Y, Alvarez K. Social determinants of mental health: where we are and where we need to go. Curr Psychiatry Rep [Internet]. 2018 [citado 5 Abr 2022]; 20:95. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11920-018-0969-9. doi: 10.1007/s11920-018-0969-9.
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. A fragilidade nos vínculos familiares revela um outro extremo da densidade e da função dessas relações no Mapa de Redes dos participantes. Notamos que o território geográfico, proposto no referencial como dispersão, foi considerado coadjuvante na densidade e o acompanhamento no serviço influenciou a qualidade da relação99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

minha família é daqui, mas não preciso nem contar com a minha família, eles não estão nem aí para mim não, eu tenho vínculo com alguns, mas se for para contar com eles, nem precisa. (E12)

que considero como família, meus filhos, meu marido, família próxima que tá direto comigo e dois irmãos. De resto, a gente quase não se vê, então, já não considera. (E11)

Considero pessoas de fora minha família, depois que eu comecei a ir para o Cantídio [Centro de Atenção Integral à Saúde] e vim para cá se afastaram todos de mim, ninguém quer saber de mim mais, eu vivo sozinho nesse mundo. (E1)

A densidade foi caracterizada por maior quantidade de pessoas e instituições no círculo interno, evidenciando uma fragilidade nas redes dos participantes ( Figura 1 )99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. . As relações familiares representam um dos primeiros contextos que são interferidos quando do adoecimento psíquico e passam por dinâmicas intensas e diversas, reconfigurando o convívio dos membros no contexto familiar. Do luto simbólico às sobrecargas, a convivência entre os familiares experimenta situações conflituosas que podem levar à atrofia desse quadrante, como foi caracterizado na composição do Mapa de Redes dos participantes3030. Ramos AC, Calais SL, Zotesso MC. Convivência do familiar cuidador junto a pessoa com transtorno mental. Contextos Clin [Internet]. 2019 [citado 9 Abr 2022]; 12(1):282-302. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/contextosclinicos/article/view/ctc.2019.121.12/60746848 doi: 10.4013/ctc.2019.121.12.
https://revistas.unisinos.br/index.php/c...
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https://doi.org/10.9789/2175-5361.2017.v...
.

Sobre a frequência dos contatos, percebemos que a distância geográfica levou a maior necessidade de manutenção do contato, a fim de sustentar a intensidade da relação. Em outro caso, a percepção foi de uma relação ocasional, de pouco comprometimento99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. .

... a mais velha chama L., ela não mora aqui, só que ela liga todo dia para mim, ela é uma filha amorosa e quando ela pode sempre vem me ver. (E11)

meu pai, porque eu não moro com ele, a gente não se fala muito. (E4)

Afirma-se que os apoios, emocional e material, oferecidos pelas relações familiares apresentaram repercussões positivas para a promoção da saúde, especificamente na solidariedade e na corresponsabilidade1717. Machado MS, Pereira CRR. Redes pessoais significativas de mulheres responsáveis por famílias monoparentais em vulnerabilidade social. Estud Psicol (Natal). 2020; 25(4):399-411. , 1818. Silva MA, Azevêdo AVS. Mulheres em projetos comunitários: redes sociais significativas e a promoção da saúde. Estud Psicol (Natal). 2020; 25(4):436-48. . Nesse sentido, a ajuda material foi atribuída apenas ao quadrante familiar no Mapa de Redes dos participantes, caracterizada pelo auxílio financeiro e independeu da caraterística afetiva da relação. Devido à ausência ou à insuficiência dos benefícios previdenciários para a manutenção dos gastos e sobrevivência, em diversos momentos a ajuda material foi a justificativa para inclusão de algum familiar no Mapa de Redes:

minha irmã, ela que depositou durante quatro anos. Só que assim, ela ajudou com esse dinheiro, mas para conviver com ela é muito difícil, porque ela é muito explosiva. [...] não é todo problema que eu tenho que eu posso levar para a minha irmã se não vai dar discussão. (E15)

meu irmão, porque ele paga metade da minha casa de repouso, ele que se comprometeu a pagar, me levou em Pardinho para comer coxinha. Uma pessoa que eu considero, eu sei que ele me ama, ele conversa comigo sobre tudo, ele nunca me condenou por ser assim. (E8)

Construir o Mapa de Redes juntamente com os participantes possibilitou compreender as condições de determinado contexto vivido que as influenciou. A ajuda material, representada nos discursos, ilustra tal resultado. Alerta-se que as dificuldades econômicas geradas por rendas insuficientes, atualmente consideradas fatores na determinação social em Saúde Mental, estão associadas a piores desfechos sobre saúde de jovens e adultos2929. Alegría M, NeMoyer A, Bagué IF, Wang Y, Alvarez K. Social determinants of mental health: where we are and where we need to go. Curr Psychiatry Rep [Internet]. 2018 [citado 5 Abr 2022]; 20:95. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11920-018-0969-9. doi: 10.1007/s11920-018-0969-9.
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, 3232. Affleck W, Carmichael V, Whitley R. Men’s mental health: social determinants and implications for services. Can J Psychiatr [Internet]. 2018 [citado 5 Abr 2022]; 63(9):581-9. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/epub/10.1177/0706743718762388 doi: 10.1177/0706743718762388.
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, 3333. Pevalin DJ, Reeves A, Baker E, Bentley R. The impact of persistent poor housing conditions on mental health: a longitudinal population-based study. Prev Med. 2017; 105:304-10. .

A composição do segundo quadrante do Mapa de Redes, serviços de saúde, concentrou-se entre Unidade Básica de Saúde (UBS) e Caps que se distribuíram entre os três círculos dos mapas dos participantes ( Figura 1 ). Observamos que o quadrante intermediário contou com maior número de relações quando comparado ao familiar. Os excertos a seguir caracterizam essas qualidades:

[...] a M. do Caps, eu gosto. A V. sempre que eu preciso me ajuda, me atende. Todos eles são bons, têm empatia pelos pacientes, eles tratam a gente com amor. (E10)

A dra. M., do posto de saúde, porque lá ela faz as coisas funcionar, com ela, bateu, levou. (E9)

O fato de dois serviços da Raps, Caps e UBS, evidencia um quadrante pequeno, considerando a característica estrutural das redes sociais99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98. , 2727. Borges CD, Scheneider DR. Rede social significativa de usuários de um CAPSad: perspectivas para o cuidado. Pensando Fam. 2017; 21(2):167-81. , 2828. Siniak DS, Pinho LB, Maidana JN Jr, Avila MB, Silva VAM. Análise da rede social de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas. Rev Enferm UFSM. 2021; 10(e32):1-20. . Enfatizamos o aspecto positivo por se tratar de serviços comunitários de Saúde Mental que, além de possuírem estratégias para lidar com o adoecimento psíquico, incluem em suas ações a colaboração e a participação ativa dos familiares e de outros membros da rede social do usuário, com o objetivo de instrumentalizar o manejo no acolhimento e no cuidado das diversas dificuldades que possam ocorrer. Esses serviços têm o compromisso ético, técnico e político de produção de emancipação e autonomia dos usuários, construindo espaços de diálogos para desconstrução de estigmas e preconceitos2828. Siniak DS, Pinho LB, Maidana JN Jr, Avila MB, Silva VAM. Análise da rede social de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas. Rev Enferm UFSM. 2021; 10(e32):1-20. , 3434. Silva AP, Soares PFC, Costa ES, Silva LGS, Silva RG, Braga LS. O cuidado a pessoa em sofrimento mental: sob a ótica dos familiares. Nursing (São Paulo). 2021; 24(281):6280-9. .

Para os participantes do estudo, as funções exercidas pelos serviços de saúde são similares àquelas exercidas pelas famílias, sendo pontos de comparação para os participantes. Nesse exercício, podem-se observar diferentes densidades, bem como se identificar a multidimensionalidade como um atributo desses vínculos99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. , 1010. Moré CLOO, Crepaldi MA. O mapa de rede social significativa como instrumento de investigação no contexto da pesquisa qualitativa. Nova Perspect Sist. 2012; 21(43):84-98.:

O Caps, mas não tão próximos porque eu acho que a família ajuda mais. Família é família, é onde que nos ajuda. (E4)

A A. e a S. são mais próximas, me ajudam bastante, elas procuram fazer o de melhor, então elas estão próximas. Não é família, mas dá uma boa ajuda. (E13)

Quando os serviços de saúde e seus profissionais foram abordados, percebemos a concentração de falas relacionadas ao apoio emocional devido à qualidade dos vínculos estabelecidos com os participantes. Visualizamos esses resultados quando os participantes referiram buscar os serviços quando não se sentem bem, enfatizando que o serviço é o lugar onde encontram apoio e cuidado, característica que concretiza as variáveis da microdimensão que determinam resultados reabilitatórios66. Saraceno B. Reabilitação psicossocial: uma estratégia para a passagem do milênio. In: Pitta AMF, organizadora. Reabilitação psicossocial no Brasil. 4a ed. São Paulo: Hucitec Editora; 1996. p. 13-8.:

a M., do Caps, porque quando eu estava na pior sem... eu estava na pior ela me ajudou. (E3)

a Dr.ª V., eu a acho uma pessoa muito inteligente, ela eu posso contar toda a minha vida sem medo, posso até chorar... (E8)

a A.L., a R., a R. e o M., porque eles me ajudam a sair do fundo do poço. Quando eu estava que nem mendigo, vim com a sacola nas costas aqui e fiquei... (E12)

No quadrante que discute a inserção da comunidade no Mapa de Redes, observamos a circulação dos participantes por diversos espaços do território. A maioria das pessoas e das instituições foi inserida nas relações mais próximas e que estavam ligadas a questões religiosas e a cidadania:

Eu sou Testemunha de Jeová, minhas amigas estão todas lá, lá eu aprendo, sou uma pessoa que vai, que é religiosa, eu vou por mim, porque eu gosto. (E10)

No MTC [movimento religioso], eu fui bem recebido e assim eles dão embasamento para mostrar que a reforma da previdência, por exemplo, não foi uma coisa tão boa, a reforma trabalhista vai acarretar perda de direitos e... das pessoas, do trabalhador então por isso coloquei o MTC [movimento religioso]. (E15)

Na comunidade, o apoio emocional foi caracterizado pelos participantes de forma pontual ao se referirem à forma como são acolhidos, como percebem o afeto e a consideração recebidos nas instituições religiosas:

A igreja, porque eu vou sempre nas missas de domingo e sou bem acolhida. (E5)

A igreja, o povo gostam de mim, passei a ser obreiro, lá eu trago a palavra, oro para as pessoas. (E7)

Identificamos a apropriação do território pelos participantes quando relataram os locais que frequentam como opções de lazer, como a praça, a lanchonete e o shopping:

A praça, nas relações ocasionais, é onde eu sou eu, não tenho medo de ninguém, liberdade de expressão acima de tudo, resistência, alegria. O Chefe na praça com seu violão, você começa a filosofar, tem essa energia boa... Para quem foi louco no passado, hoje ser o I., o cantor alegre. (E2)

No shopping, me sinto bem à vontade. Sinto que lá tem bastante pessoas entendidas, [...] conheci muitos lá, eles conversam comigo sem preconceito. [...] shopping, adoro shopping, eu e minha sobrinha vamos sábado e domingo. Vou lá para fazer amizade. (E8)

Notamos, na rede comunitária, uma instituição que exerce diversas funções na vida dos sujeitos, a mais citada foi uma associação de usuários de Saúde Mental com foco no trabalho, conforme relatos abaixo:

a Arte e Convívio [Organização Não Governamental], não sei explicar, eles me ajudam a procurar um emprego, eu gosto deles. (E4)

a Arte e Convívio [Organização Não Governamental], lá você tem contato com a loucura do outro. (E12)

a Arte e Convívio [Organização Não Governamental], no primeiro [quadrante], porque eu trabalho, ganho renda. Eu gosto de trabalhar, me faz bem. (E8)

As associações de usuários de serviços de Saúde Mental apresentam papel fundamental na defesa de direitos e estão focadas no trabalho, na sociabilidade e no empoderamento dos usuários e de seus familiares. Elas podem ter cinco perfis, sendo eles: de ajuda mútua; de suporte mútuo; de defesa de direitos; de transformação do estigma e dependência na relação com a loucura e o louco na sociedade; e de participação no sistema de saúde/Saúde Mental e militância social mais ampla3535. Cunha CN, Goulart MSB. A participação política de pessoas com sofrimento mental: a Associação dos Usuários de Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG). Psicol Rev. 2015; 21(3):513-33. , 3636. Luiz CCA, Leal EM, Galletti MC. Desafios enfrentados por usuários da saúde mental: reflexões sobre narrativas acerca do trabalho dentro e fora de oficinas de geração de trabalho e renda. Rev Ter Ocup. 2018; 29(1):63-9. .

O adoecimento psíquico repercutiu negativamente no quadrante comunidade da rede de alguns participantes:

não posso com barulheira, eu não gosto de sair, antes de tudo acontecer, eu frequentava... (E9)

agora eu não saio muito de casa não, não gosto de tumulto, falação na minha cabeça, eu gosto de ficar mais em casa. (E10)

Observamos, ao analisar o terceiro quadrante, sua potência na produção de cuidado em espaços além dos serviços de saúde, agenciando princípios e diretrizes que fazem interlocuções com o eixo rede social da reabilitação psicossocial e com a dimensão sociocultural da Reforma Psiquiátrica. A circulação pelos distintos espaços do território favorece a ampliação da contratualidade pari passu com a desconstrução do imaginário social que sustenta o estigma da loucura3737. Yasui S, Luzio CA, Amarante P. Atenção psicossocial e atenção básica: a vida como ela é no território. Rev Polis Psique [Internet]. 2018 [citado 13 Ago 2018]; 8(1):173-90. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/PolisePsique/article/view/80426 doi: 10.22456/2238-152X.80426.
https://seer.ufrgs.br/index.php/PolisePs...
.

No último quadrante, relações de amizade, houve novamente a inserção de profissionais e outros usuários do convívio no Caps que estiveram relacionados à vivência de experiências e ao acolhimento realizado pelos profissionais. Esse achado corrobora dados de pesquisa realizada com usuários de Caps-AD2727. Borges CD, Scheneider DR. Rede social significativa de usuários de um CAPSad: perspectivas para o cuidado. Pensando Fam. 2017; 21(2):167-81.:

Os pacientes do Caps, o D., o G., que eu considero aqui uma família né? Porque a gente passa pelas mesmas coisas, então, um entende o outro. A R. [profissional] que eu gosto muito dela aqui [Caps]. (E10)

A V., ela me ajudou muito, as amizades que eu tenho forte é aqui. (E1)

Similarmente à comunidade, no quadrante que se refere a amizade, os participantes incluíram pessoas vinculadas a religião que estiveram relacionados a episódios críticos do adoecimento:

Os freis E. e J., porque quando eu estava muito ruim do pensamento obsessivo, eu ia procurá-los e eles me ajudavam, me escutavam, davam conselho, [...] eu tenho amizade com eles. (E15)

A relação entre intensidade e dispersão das pessoas inseridas no Mapa de Redes dos participantes apareceu ilustrada também no quadrante referente a amizade. Caracteriza-se que há uma relação entre distância geográfica e intensidade da relação:

A M., mora em Itaberá, essa é amiga de muitos anos, eu a considero uma verdadeira amiga porque nós duas é assim: uma ajuda a outra. Quando ela não está bem, eu ajudava ela e quando eu não estava, ela me ajudava. Até hoje somos assim, uma fica mandando mensagem para a outra, conversando se precisa desabafar. (E11)

Ainda que o círculo interno no quadrante amizade ( Figura 1 ) tenha maior adensamento de relações, nota-se que em comparação aos quadrantes comunidade e serviços de saúde houve maior distribuição entre os círculos mais externos do Mapa de Redes. Os participantes, contudo, apresentaram certa dificuldade para expressar o motivo da inserção ou declararam não possuir amigos, estando essas relações ligadas ao adoecimento e ao tratamento:

Gostaria de ter amigos, sentar, conversar. Já tive no passado, depois eles foram sumindo. (E1)

Eu não tenho amigos. (E6)

... apesar que as amizades que eu tinha antes, eu abandonei. (E7)

Amizade é Deus, não passa ninguém em casa para tomar um café, para ir em lugar nenhum, então, meus amigos morreram tudo” (E14)

O isolamento de relações de amizade em uma população de idosos foi associado a piores desfechos para sintomas de estresse e depressão3838. Taylor HO, Taylor RJ, Nguyen AW, Chatters L. Social isolation, depression, and psychological distress among older adults. J Aging Health. 2018; 30(2):229-46. , funcionando também como fatores protetivos para a população com transtornos mentais graves e persistentes2929. Alegría M, NeMoyer A, Bagué IF, Wang Y, Alvarez K. Social determinants of mental health: where we are and where we need to go. Curr Psychiatry Rep [Internet]. 2018 [citado 5 Abr 2022]; 20:95. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11920-018-0969-9. doi: 10.1007/s11920-018-0969-9.
https://link.springer.com/article/10.100...
. Por essa característica, dialoga-se com a percepção de solidão como fator da rede social que mais influenciou negativamente a saúde da população de três países europeus3939. Rico-Uribe LA, Caballero FF, Olaya B, Tobiasz-Adamczyk B, Koskinen S, Leonardi M, et al. Loneliness, social networks, and health: a cross-sectional study in three countries. PLoS One. 2016; 11(1):e0145264. .

Nas funções do vínculo no quarto quadrante, evidencia-se a companhia social:

a A., tem a V., a T., a T., elas vão também no salão, são as que eu considero, que está junto, sempre conversa, sempre tira fotos juntas, por isso que eu falo que elas são mais próximas, tem a P. (E10)

M., porque ele é uma pessoa assim quando a gente combina alguma coisa de eu ir na casa dele ou ele ir na minha casa, a gente combina e ele vai..., a gente gosta de tomar uma tubaína, de ficar conversando um pouco, então por isso que coloquei ele. (E15)

No decorrer da composição do Mapa de Redes dos participantes, identificou-se que o adoecimento psíquico desencadeou um processo de redução da rede social, fenômeno denominado círculo vicioso99. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997. . Esse dado agencia, operando sob a égide da AP44. Morato GG. Reabilitação psicossocial e atenção psicossocial: identificando concepções teóricas e práticas no contexto da assistência em saúde mental [tese]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 2019. , 77. Costa-Rosa A. Atenção psicossocial além da reforma psiquiátrica: contribuição a uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva. São Paulo: Unesp; 2013. , 88. Costa-Rosa A, Luzio CA, Yasui S. Atenção psicossocial: rumo a um novo paradigma na saúde mental coletiva. In: Amarante P, coordenador. Archivos de saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Nau; 2003. p. 13-44. , distintas oportunidades de intervenção para os equipamentos e os profissionais que atuam na Raps. Interpretada de forma complexa, a rede convoca um conjunto de ações da promoção à produção de cuidado para apoiar o usuário na tecitura de redes baseadas em círculos que se ampliem e estejam, em seus territórios, à sua disposição55. Saraceno B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. 2a ed. Rio de Janeiro: Te Corá; 2001. .

Considerações finais

Foi possível compreender a estrutura da rede social dos usuários do Caps III, como se dão as relações nela estabelecidas e suas funções. De modo geral, afirmamos que as redes se caracterizaram como grandes, possuindo densidades distintas e prevalecendo uma melhor qualidade nas relações familiares e entre os serviços de saúde, especificamente no Caps. Quanto à composição, em todas as áreas prevaleceram as relações íntimas, destacando o quadrante familiar. Sobre a dispersão da rede, majoritariamente foi constituída por pessoas próximas geograficamente, influenciando a frequência do contato. Não houve alta heterogeneidade na composição das redes. As funções dos vínculos mais evidentes foram companhia social, apoio emocional e ajuda material, e não foram observadas funções de guia cognitivo, regulação social e estímulo a novos contatos.

Percebemos que os usuários têm se apropriado dos espaços na comunidade e buscam amizades para além dos serviços de saúde, estando a sua maioria relacionada a religião. Algumas relações familiares, sobretudo após o adoecimento do sujeito, tornaram-se fragilizadas, indicando a necessidade de atuação dos profissionais de saúde, especialmente do Caps, ao apoiar e trabalhar com os familiares durante o processo de reabilitação psicossocial dos usuários.

Por meio desses dados, os serviços de saúde podem refletir em qual sentido estão rumando quando se toma por referência o horizonte da Atenção Psicossocial, uma vez que a expansão das redes sociais significativas movimenta a tríade reabilitatória e avança no projeto da construção de uma sociedade antimanicomial e democrática.

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  • Financiamento: Processo Fapesp n. 2020/10784-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2022
  • Aceito
    16 Dez 2022
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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