Resumo
Sob a ótica do absenteísmo, este artigo descreve e analisa o processo de agendamento e atendimento de consultas médicas para o município de Ribeirão Preto, SP, Brasil. A partir dos mapas dos processos de agendamento e atendimento na Atenção Primária à Saúde (APS), foram realizadas entrevistas com coordenações da Secretaria Municipal de Saúde e gerentes de Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Saúde da Família (USF). Em uma abordagem qualitativa, foram identificadas as características, peculiaridades e possibilidades de estruturação no agendamento e atendimento à população. Os resultados são apresentados de modo analítico nos seguintes tópicos temáticos: gestão da agenda, acolhimento, tecnologias de informação e comunicação, modelo de unidade, pronto atendimento, infraestrutura e recursos humanos. Os resultados deste trabalho poderão auxiliar gestores municipais em processos de avaliação e melhoria contínua na rede de APS.
Gestão em saúde; Acesso aos serviços de saúde; Atenção Primária; Consultas médicas; Absenteísmo
Abstract
Through the lens of absenteeism, this article describes and analyzes the consultation scheduling and appointment process in Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil. Based on primary health care scheduling and appointment process maps, we conducted interviews with coordinators of the Municipal Health Department and managers of primary care clinics and family health clinics. Adopting a qualitative approach, we identified the characteristics, peculiarities, and possibilities related to the organization of scheduling and appointments. The results are presented under the following thematic categories: schedule management, welcoming, information and communication technologies, unit model, urgent care, and infrastructure and human resources. The results of this work can help local health managers in implementing evaluation processes and the continuous improvement in primary care services.
Health management; Access to health services; Primary care; Medical consultations; Absenteeism
Resumen
Bajo la óptica del ausentismo, este artículo describe y analiza el proceso de solicitud y realización de consultas médicas para el municipio de Ribeirão Preto Estado de São Paulo Brasil. A partir de los mapas de los procesos de solicitud y realización de consultas en la Atención Primaria de la Salud (APS), se realizaron entrevistas con coordinaciones de la Secretaría Municipal de Salud y gerentes de unidades básicas de salud (UBS) y unidades de salud de la familia (USF). En un abordaje cualitativo, se identificaron las características, peculiaridades y posibilidades de estructuración en la solicitud de consultas y atención a la población. Los resultados se presentan de modo analítico en los tópicos temáticos siguientes: gestión de la agenda, acogida, tecnologías de información y comunicación, modelo de unidad, urgencias, infraestructura y recursos humanos. Los resultados de ese trabajo podrán ayudar a gestores municipales en procesos de evaluación y mejora continua en la red de APS.
Gestión en salud; Acceso a los servicios de salud; Atención primaria; Consultas médicas; Ausentismo
Introdução
No Sistema Único de Saúde (SUS), a Atenção Primária (APS) é porta de entrada principal, possibilitando o acesso universal e contínuo aos serviços de saúde e é responsável por resolver a maior parte dos problemas de saúde da população utilizando baixa densidade tecnológica. Cabe às gestões municipais criar e articular as condições para o adequado provimento de serviços especializados, ordenar o fluxo de pessoas e gerir a referência e contrarreferência com outros pontos de atenção11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de Setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 3 Out 2017; Sec. 1, p. 61. .
Apesar do potencial de resolutividade da APS, alguns problemas dificultam suas operações, como o absenteísmo em consultas e exames agendados no SUS, que apresentam taxas próximas ou superiores a 25%22. Oleskovicz M, Oliva FL, Grisi CCH, Lima AC, Custódio I. Técnica de overbooking no atendimento público ambulatorial em uma unidade do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2014; 30(5):1009-17. , enquanto a taxa média em nível mundial é de 23%33. Dantas LF, Fleck JL, Oliveira FLC, Hamacher S. No-shows in appointment scheduling: a systematic literature review. Health Policy. 2018; 122(4):412-21. .
O absenteísmo deve-se a causas multifatoriais, associadas tanto ao usuário quanto à gestão do sistema de saúde, como esquecimento, tempo de espera, falha na comunicação, agendamento inadequado e outros fatores de difícil controle, desde os sistemas de transporte que os pacientes utilizam para deslocamento aos serviços de saúde até a melhoria nos sintomas44. Beltrame SM, Oliveira AE, Santos MAB, Santos Neto ET. Absenteísmo de usuários como fator de desperdício: desafio para sustentabilidade em sistema universal de saúde. Saude Debate. 2019; 43(123):1015-30. , 55. Jabalera Mesa ML, Morales Asencio JM, Rivas Ruiz F. Factores determinantes y coste económico del absentismo de pacientes en consultas externas de la Agencia Sanitaria Costa del Sol Health Agency. An Sist Sanit Navar. 2015; 38(2):235-45. .
Estudo no contexto da APS concluiu que ausência de alinhamento entre estrutura e fluxos de funcionamento influenciam o acesso aos serviços de saúde e dificultam a relação entre profissionais e usuários. Além disso, no ponto de vista operacional, há lacunas relacionadas à marcação de consultas e acolhimento66. Viegas APB, Carmo RF, Luz ZMP. Fatores que influenciam o acesso aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários de uma unidade básica de referência. Saude Soc. 2015; 24(1):100-12. .
Na percepção de usuários de serviços públicos de saúde, a demora no agendamento, o tempo de espera no atendimento e o horário do profissional associam-se à falta de resolutividade77. Lima AMC, Garbin CAS, Corrente JE, Saliba NA, Moimaz SAS. Case-resolving capacity of dental care of the Unified Health System: the perception of users in a city in the state of São Paulo, Brazil. Cienc Saude Colet. 2018; 23(5):1657-66. . A dificuldade de acesso aos serviços na APS induz à busca por serviços de urgência e emergência88. Barbosa DVS, Barbosa NB, Najberg E. Regulação em saúde: desafios à governança do SUS. Cad Saude Colet. 2016; 24(1):49-54. e podem gerar custos adicionais para o sistema99. Baptista SCPD, Juliani CMCM, Lima SGS, Martin LB, Silva KAB, Cirne MR. Patient absenteeism in outpatient consultations: an integrative literature review. Rev Esc Enferm USP. 2021; 55:e20200380. . Estudos também apontam a necessidade de se incorporar instrumentos de monitoramento e avaliação para políticas públicas em saúde99. Baptista SCPD, Juliani CMCM, Lima SGS, Martin LB, Silva KAB, Cirne MR. Patient absenteeism in outpatient consultations: an integrative literature review. Rev Esc Enferm USP. 2021; 55:e20200380. , 1010. Dias MSA, Oliveira IP, Silva LMS, Vasconcelos MIO, Machado MFAS, Forte FDS, et al. Política Nacional de Promoção da Saúde: um estudo de avaliabilidade em uma região de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet. 2018; 23(1):103-14. .
Nas organizações, os processos podem ser mais eficientes e reduzir custos por meio da promoção de gestão por processos. Essa abordagem permite que os atores nas organizações conheçam e analisem seus fluxos de trabalho em busca de melhoria1111. Cannavacciuolo L, Illario M, Ippolito A, Ponsiglione C. An activity-based costing approach for detecting inefficiencies of healthcare processes. Bus Proc Manag J. 2015; 21(1):55-79. . Em organizações de saúde, sua aplicação busca minimizar o desperdício sem comprometer a qualidade no atendimento1212. Buttigieg SC, Dey PK, Gauci D. Business process management in health care: current challenges and future prospects. Innov Entrep Health. 2016; 3:1-13. doi: 10.2147/IEH.S68183.
https://doi.org/10.2147/IEH.S68183... .
A partir da modelagem do processo de agendamento e atendimento de consultas médicas na APS, este trabalho teve como objetivo analisar e discutir possibilidades de melhoria nesse processo para o município de Ribeirão Preto, SP, Brasil, cidade de porte médio que possui uma estrutura assistencial complexa nos três níveis de atenção. O município apresenta absenteísmo em consultas agendadas próximas a 30% e a redução nesse indicador está incluída no Plano Municipal de Saúde para o quadriênio1313. Ribeirão Preto. Plano Municipal de Saúde de Ribeirão Preto 2018-2021 [Internet]. Ribeirão Preto: Secretaria Municipal da Saúde; 2017 [citado 29 Set 2021]. Disponível em: https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/files/ssaude/pdf/pms-rp-2018-2021.pdf.
https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/file... .
A literatura sobre esse tema é escassa99. Baptista SCPD, Juliani CMCM, Lima SGS, Martin LB, Silva KAB, Cirne MR. Patient absenteeism in outpatient consultations: an integrative literature review. Rev Esc Enferm USP. 2021; 55:e20200380. e, ao descrever e analisar o processo de agendamento e atendimento de consultas médicas na APS para o município-alvo, espera-se que esta pesquisa possa auxiliar gestores municipais em ações para acompanhamento e redução do absenteísmo e consequente oferta de serviços com melhor eficiência e qualidade.
Método
Trata-se de um estudo com metodologia qualitativa, de natureza exploratória e descritiva, realizado em quatro etapas: (a) definição do território e dos sujeitos; (b) estudo do processo de agendamento e atendimento e seu desenho; (c) entrevistas com gestores; e (d) análise dos conteúdos das entrevistas e possibilidades de melhoria no processo.
A seleção do município de ocorreu por conveniência, devido à facilidade de acesso aos profissionais que participaram das entrevistas e obtenção das informações planejadas na pesquisa. Os participantes pertenciam ao quadro permanente da Secretaria de Saúde do município.
Foram entrevistadas as coordenações da Divisão de Informática, de Planejamento em Saúde, da Atenção Primária e da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e oito gestoras de unidades de APS. As análises das entrevistas foram realizadas a partir dos áudios das gravações.
A coleta de informações e compreensão do processo foi realizada em parceria com a Coordenação da Divisão de Informática, responsável por conduzir a implantação, manutenção e gestão dos sistemas de informações de saúde no município. Houve duas entrevistas de prospecção e uma de validação, entre março e abril de 2020.
Essa etapa permitiu o desenvolvimento dos mapas dos processos envolvidos nas atividades atuais (AS-IS). Foi utilizada a notação Business Process Modelling Notation (BPMN) para confecção desses mapas, que foram apresentados às gestoras de unidades e coordenadores entre maio de 2020 e março de 2021, em oito entrevistas realizadas por videoconferência. Houve outras três entrevistas presenciais, devido às dificuldades de comunicação virtual, com observação dos protocolos de prevenção à Covid-19. Nessas entrevistas, buscou-se identificar os principais problemas, dificuldades e ações da gestão relacionadas aos índices de absenteísmo e prospecção de experiências e possibilidades de melhoria e organização no agendamento e atendimento de consultas na APS.
A análise dos conteúdos das entrevistas possibilitou a descrição e discussão de aspectos do processo nos seguintes tópicos temáticos: gestão da agenda; acolhimento; tecnologias de informação e comunicação; modelo de unidade, pronto atendimento; e infraestrutura/recursos humanos.
Aprovação CEP/Plataforma Brasil: CAAE-04647018.0.0000.5407.
Resultados
O processo de agendamento e atendimento
O gerenciamento da saúde no município é apoiado pelo sistema de informações Hygia, com funcionalidades para agendamento, registro de consultas, exames, vacinação, dispensação de medicamentos, relatórios gerenciais e interface para troca de dados com sistemas do Ministério da Saúde.
Em cada unidade, periodicamente, o gestor abre a agenda dos profissionais, conforme suas cargas horárias, e estabelece vagas para consultas disponíveis aos pacientes. Também são reservados os horários destinados ao acolhimento da demanda espontânea.
Uma quota de horários é disponibilizada à população para agendamento pelo aplicativo Hora Marcada, uma parceria com a Secretaria Estadual de Saúde que provê agendamento de consultas, cancelamento e reagendamento pelo celular, funcionalidades similares ao módulo de agendamento do Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC) eSUS APS1414. Postal L, Celuppi IC, Lima GS, Felisberto M, Lacerda TC, Wazlawick RS, et al. Sistema de agendamento online: uma ferramenta do PEC e-SUS APS para facilitar o acesso à Atenção Primária no Brasil. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2023-34. .
Na estrutura da APS, os pacientes agendam consultas em Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria, Clínica Médica e Saúde da Família. Para as demais especialidades, o fluxo de atendimento ocorre por meio de encaminhamentos realizados pelo médico, após avaliação inicial e diagnóstico. O controle dos encaminhamentos, da referência e da contrarreferência ocorre por meio do sistema de regulação, com exceção dos encaminhamentos em Psiquiatria, direcionados aos Centros de Atenção Psicossocial do município.
Além do agendamento presencial e pelo aplicativo, há agendamento telefônico disponibilizado pela Secretaria por uma central de atendimento, que foi suspenso durante a pandemia de Covid-19.
As consultas podem ser reagendadas de modo prévio pela gestão, quando alguma contingência acarreta ausência do médico. O paciente também reagenda consultas, dirigindo-se à unidade ou via aplicativo.
Quando ocorre absenteísmo do paciente sem notificação, o horário da consulta poderá ser dedicado para acolhimento da demanda espontânea ou atendimento de urgência.
Ao ser atendido na unidade, o paciente passa por pré-consulta, consulta médica e pós-consulta, na qual ocorrem as orientações de exames, assistência farmacêutica e agendamento de retorno.
Na primeira raia da figura 1 está representado o processo de agendamento de consulta pelo paciente, com as três opções de agendamento. Na raia 2, é descrito o processo de abertura de agenda. O processo de atendimento é descrito na raia 3, o qual prevê acolhimento, pré-consulta e o desfecho do atendimento. Na raia 4 é especificado o processo de cancelamento de consulta.
Gestão da agenda
A gestão da agenda pode ser resumida no modo pelo qual os horários de atendimento são estruturados e alocados para as especialidades e para os profissionais em exercício na unidade, em um dado intervalo de tempo, e como esses horários são disponibilizados aos pacientes.
Na organização da agenda, o dimensionamento de vagas prevê duas formas que o paciente procura a unidade: na forma regular, o paciente agenda o dia e horário da consulta, enquanto para demanda espontânea as vagas de acolhimento são organizadas como filas com prioridades, conforme a situação de saúde do paciente, o que possibilita flexibilidade e equidade na atenção. A situação de risco e vulnerabilidade do paciente é avaliada por protocolo desenvolvido pela Secretaria de Saúde do município1515. Ribeirão Preto. Protocolo de acolhimento da demanda espontânea e direcionamento de fluxo da atenção básica. Ribeirão Preto: Secretaria Municipal da Saúde; 2019 [citado 19 Nov 2022]. Disponível em: https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/portal/pdf/saude723202205.pdf
https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/port... como instrumento para orientar a priorização no atendimento.
Houve relatos de que a agenda aberta para períodos futuros longos e agendamentos distantes tendem a favorecer o absenteísmo, devido a fatores como esquecimento por parte do paciente, melhoria de sua situação de saúde ou por mudança de residência. Por outro lado, o agendamento próximo não se associa necessariamente à responsabilização, uma vez que faltas ocorrem mesmo quando consultas são agendadas para datas próximas:
[…] quando assumi a gerência, as agendas eram abertas para seis meses, GO oito meses absenteísmo oscilava em torno de 40%. Ao reduzir o tempo de agendamento, o absenteísmo reduziu significativamente. (Gestora 6)
[…] pacientes faltam até nos casos em que, pela manhã, agendamos no período da tarde, ou no dia seguinte! (Gestoras 3 e 6)
Conforme relatos, o dimensionamento das vagas para acolhimento deve se basear no histórico de atendimentos da demanda espontânea da unidade, sendo mais efetiva quando se observam os indicadores para grupos de pacientes, como evolução de atendimentos de pré-natal e nascidos vivos para vagas na agenda para gestantes e recém-nascidos.
Nas unidades que realizam agendamento pelo aplicativo, a abertura de vagas ocorre de modo limitado, para não restringir a atenção à população sem acesso digital, tais como idosos, não alfabetizados e pacientes em situação de vulnerabilidade.
Foi observado melhor aproveitamento das vagas de atendimento nas unidades que implementam a gestão da agenda de modo mais intensivo e rotineiro; e que promovem o remanejamento das vagas conforme as pressões da demanda espontânea. Foram relatadas reduções significativas no absenteísmo, atingindo níveis próximos a 15%, em unidades nas quais a gestão da agenda ocorre de modo diário:
[…] eu altero a configuração das vagas praticamente todos os dias, para atender às maiores demandas. (Gestora 1)
[…] o gerente deve analisar a demanda e redimensionar a agenda conforme essa demanda o agendamento é uma porta de entrada e deve ser gerido diariamente. (Gestor 11)
O tempo-padrão de consultas no município é de vinte minutos e, no que se refere ao momento de chegada do paciente, as unidades têm como opções (a) estabelecer a chegada do paciente no horário da consulta (padrão 20/20), (b) definir a chegada nos primeiros vinte minutos da hora da consulta (padrão 10/10) ou (c) estabelecer a chegada no início da hora da consulta (padrão hora cheia ou grupo de pacientes por hora).
Foi observado que o padrão 20/20 é predominantemente adotado e estabelece um atendimento mais humanizado, com menor tempo de espera para o paciente e menor sobrecarga na recepção e pré-consulta. Por outro lado, os outros padrões podem favorecer o aproveitamento de vagas nos casos de falta do paciente à consulta, o que permite acolhimento de urgência:
[...] a marcação 20 em 20 favorece o paciente, diminui a espera, não tumultua a unidade a marcação concentrada dificulta a pré-consulta, gera stress ao paciente e à equipe e reduz a humanização no atendimento. (Gestora 1)
Também foram observadas duas estratégias de agendamento de retornos: (a) agendar na pós-consulta; (b) agendar na coleta de exames. Foi apontado que a estratégia (b) induz a redução de faltas, pois na situação (a) há maior probabilidade de o paciente faltar, por não realizar a coleta. Na dispensação dos medicamentos pela assistência farmacêutica, também é possível verificar a data da próxima consulta do paciente e dispensar a medicação para tratamento até o retorno, o que reforça o paciente a estar presente na próxima consulta e obter nova receita e acesso à medicação:
[…] a coleta de exames e retorno eram agendadas após a consulta e, ao faltar na coleta, o paciente também faltava ao retorno. Diminuímos a perda ao agendar o retorno após a coleta. (Gestora 6)
A assistência farmacêutica tem um papel relevante na questão da regularidade das consultas no atendimento na farmácia, sempre se avalia a validade das prescrições, verifica[-se] o agendamento e [se] fornece medicação até a data agendada. (Gestor 11)
Acolhimento
A consolidação das normas sobre políticas nacionais de saúde do SUS11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de Setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 3 Out 2017; Sec. 1, p. 61. define acolhimento como:
[...] prática de receber, escutar, dar acolhida, admitir, aceitar, dar ouvidos, dar crédito às pessoas, atitude de inclusão, que deve estar presente em todas as relações de cuidado, nos encontros reais entre trabalhadores e usuários dos serviços de saúde11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de Setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 3 Out 2017; Sec. 1, p. 61. .
Há no acolhimento, portanto, escuta qualificada e capacidade resolutiva em uma perspectiva humanizada, para além do processo de triagem clínica.
Nas unidades do município, o acolhimento é coordenado pela equipe de Enfermagem, com avaliação de risco que se baseia em protocolo desenvolvido pela Secretaria de Saúde1515. Ribeirão Preto. Protocolo de acolhimento da demanda espontânea e direcionamento de fluxo da atenção básica. Ribeirão Preto: Secretaria Municipal da Saúde; 2019 [citado 19 Nov 2022]. Disponível em: https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/portal/pdf/saude723202205.pdf
https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/port... . O protocolo orienta o fluxo de atendimento na unidade – para atendimento imediato, no mesmo dia ou em até sete ou trinta dias – ou encaminhamento para atenção secundária ou terciária com base em quadros de sinais vitais, queixas, sintomas, sinais de alertas e vulnerabilidades.
A estratégia de acolhimento com avaliação de risco resolveu um problema histórico: anteriormente, formavam-se filas para retirada de senhas para atendimento no horário da abertura da unidade, o que gerava sobrecarga na demanda do serviço, transtornos na recepção e no atendimento; e comprometimento da atenção com equidade:
[…] o atendimento por ordem de chegada penaliza pacientes, enquanto a avaliação pelo protocolo de atendimento, com uma escuta qualificada, promove a equidade. (Gestora 7)
A gestão de vagas para acolhimento varia por unidade, conforme características do território e população e o manejo dessas vagas orienta a flexibilidade que a unidade terá para atendimento da demanda espontânea. A oferta de vagas de acolhimento abaixo da demanda pode acarretar sobrecarga na busca pelo serviço, enquanto que o oposto poderá acarretar ociosidade e consequentemente impactar o indicador de perdas em consultas.
Em uma das entrevistas, foi apontada a necessidade de mais recursos humanos para a realização de um serviço de acolhimento adequado, devido aos processos qualitativos da avaliação e triagem dos pacientes, que envolvem tanto a equipe multidisciplinar de saúde quanto a administrativa na unidade.
A ocorrência de superutilizadores pacientes que buscam atendimento nas unidades com elevada frequência – também pode ser trabalhada mais efetivamente no acolhimento, com melhor resolutividade:
Ao dialogar com os superutilizadores, podemos identificar causas raízes, com encaminhamento para serviços especializados, como fisioterapia ou atendimento psicossocial. (Gestora 4)
Houve relatos de picos de procura por acolhimento às segundas-feiras e no período matutino e de que o processo de acolhimento é mais efetivo quando o paciente é direcionado para a equipe ESF que já o acompanha regularmente, para USF, para o médico que o acompanha ou para UBS.
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)
Neste estudo, a expressão “Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)” se associou ao uso de recursos virtuais, tais como sistemas de informação e aplicativos, mas também se estendeu para o processo comunicacional entre os agentes da APS e o paciente.
No que se refere aos fluxos e ações comunicacionais, houve apontamentos sobre reagendamento e confirmação de consultas; campanhas para redução do absenteísmo; e comunicações envolvendo o aplicativo Hora Marcada.
O reagendamento do paciente em situações inesperadas, como ausência do médico, ocorre por meio de contato telefônico ou aplicativo WhatsApp. Os gestores das unidades apontam problemas ao tentarem contatar pacientes, por motivos como a desatualização do número de telefone no cadastro do paciente, telefone em nome de terceiros, não atendimento de chamadas e não visualização de mensagens encaminhadas.
Algumas unidades tentaram implementar a confirmação da consulta por meio de ligação antecipada ao paciente, mas houve foram percebidas as mesmas dificuldades associadas ao reagendamento. Outro obstáculo relatado para essa estratégia refere-se à escassez de recursos humanos e linhas telefônicas para comunicação com pacientes.
Também houve relatos de maior dificuldade na comunicação com pacientes idosos, em situação de vulnerabilidade e não fixos no território, por não terem acesso à tecnologia ou dependerem de familiares:
Uma das dificuldades de desenvolver educação em saúde é a flutuação da população, que não é fixa no território, devido às ondas migratórias. (Gestora 8)
Algumas unidades desenvolveram ações comunicacionais, como confecção de cartazes com tabelas quantitativas de pacientes agendados e atendidos; publicação dos índices de absenteísmo; e entrega de filipetas (pequenos cartões com data e hora da próxima consulta e orientações para reagendamento).
Essas ações não trouxeram efeitos na redução de faltas em consultas e foram descontinuadas. Os gestores afirmam que as ações efetivas de conscientização devem se orientar, por parte do paciente da equipe de saúde, pela responsabilização, senso de pertencimento e educação em saúde:
[…] elaboramos cartazes com o título “Faltar em consultas faz mal à saúde”, mas houve pouco efeito no absenteísmo. (Gestora 4)
[…] davam um trabalho enorme (a confecção dos cartazes), com pouco impacto na redução de faltas. (Gestoras 2, 3 e 6)
A responsabilização não deve ser construída apenas junto ao paciente, mas também com o trabalhador em saúde. (Gestora 4)
O uso do aplicativo Hora Marcada tem sido estimulado pela gestão, entre as políticas de uso de TIC, por ser um instrumento essencial para o acesso à APS. O envio de mensagens pelo aplicativo auxilia a comunicação, ainda que possua alcance para um número reduzido de pacientes. A Secretaria Municipal de Saúde solicitou novas funcionalidades para o aplicativo, como atualização cadastral e a confirmação de consulta:
A unidade atende uma região extensa, que inclui bairros distantes e chácaras o paciente se dirigia à unidade duas, três vezes sem conseguir agendamento nesses casos, o aplicativo foi muito eficiente, orientávamos o paciente para ficar de olho no aplicativo para agendar nossa unidade é uma das que disponibilizam mais vagas pelo aplicativo, até 70%. (Gestora 1)
O aplicativo desafoga a unidade, pois evita que a população se desloque, várias vezes, até a unidade. (Gestora 10)
Foi relatado que, em algumas unidades, o uso do aplicativo no agendamento foi suspenso parcial ou totalmente. Nas situações de bloqueio parcial, algumas unidades implementaram, para alguns grupos de pacientes, agendamento mediante avaliação prévia, conforme o protocolo de demanda espontânea. Os gestores que implementaram essa estratégia relataram redução no absenteísmo:
O paciente chega à unidade para agendar consultas e é avaliado com base no protocolo de demanda espontânea. Essa avaliação define o momento do atendimento e reduziu o absenteísmo a índices próximos a 15%. (Gestora 5)
Algumas unidades possuem uma situação peculiar, em que o modelo de unidade orientada por especialidades (Ginecologia e Obstetrícia; clínica geral; e Pediatria) foi remodelado para a ESF, porém, com os mesmos profissionais, que encaminham o atendimento de crianças, recém-nascidos, gestantes, mulheres e outros pacientes adultos ao médico especialista correspondente. Esse modelo, denominado localmente como equipe parametrizada, acarretou problemas no agendamento pelo aplicativo, que não filtra a seleção do médico que deve atender o paciente, motivo pelo qual seu uso foi suspenso.
Apesar de o aplicativo Hora Marcada facilitar o acesso ao agendamento de consultas, a principal crítica dos gestores é que não há avaliação da prioridade no atendimento, reduzindo a equidade na atenção. Outra crítica relatada foi a não vinculação do paciente à equipe ou ao médico que o acompanha:
Agendamento com acolhimento é mais eficaz na redução do absenteísmo agendamento sem avaliação reduz a corresponsabilidade. (Gestora 1)
[…] o aplicativo facilita o acesso, mas eu nunca sei se a pessoa que está agendando é que precisa ser atendida primeiro, não conseguimos flexibilizar o atendimento dentro do princípio da equidade. (Gestora 9)
Em particular na ESF, o aplicativo não é operacional, segundo alguns gestores, pois o acompanhamento do paciente é mediado pelos ACS e equipe, evitando agendamentos desnecessários:
[...] aplicativo não funciona na ESF equipe avalia necessidade de consulta aplicativo tira vaga de paciente com maior necessidade. (Gestora 4)
Houve relatos de maior absenteísmo de agendamentos pelo aplicativo, com menor responsabilização do paciente, por não haver restrições imputadas a ele, que continua podendo agendar uma nova consulta conforme sua conveniência, na ocorrência de falta.
Em relação a outros sistemas, a principal observação foi a duplicidade de informações mantidas no sistema Hygia e replicadas no sistema estadual de regulação e nos diversos sistemas de informação do SUS (SIS-SUS), com retrabalho na alimentação da mesma informação em vários repositórios.
Houve também relatos sobre a qualidade da informação no cadastro, particularmente o endereço e telefone do paciente, a necessidade de indicadores para gestão da agenda e a recuperação dos pacientes sem agendamento para um dado período para busca ativa.
Modelo de unidade
A APS no município é organizada em um arranjo misto, majoritariamente estruturada no modelo de UBS, com atendimento por especialidades, mas também na ESF, que cobre em torno de 22% da população.
Em geral, embora não seja regra, nas áreas urbanas com maior vulnerabilidade social, com maior concentração de gestantes e crianças; pacientes com DST; idosos; e acamados, a ESF foi implementada, enquanto o modelo UBS ocorre predominantemente nas áreas com populações com menor vulnerabilidade.
No modelo de UBS, o paciente “provoca” agendamento de consulta, orientada à especialidade. Em geral, essas unidades possuem maior especialidade na Atenção Básica, como Pediatria e saúde da mulher. Por atender um maior quantitativo populacional, há maior dificuldade no mapeamento da população e, consequentemente, essas unidades desenvolvem uma gestão mais reativa.
No município, as USF estão estruturadas com equipes que atuam em microáreas e acompanham até 3.500 pacientes por equipe. As visitas domiciliares e atuação dos agentes comunitários contribuem para otimizar os agendamentos de consultas, devido ao maior grau de identificação de necessidades de saúde da população, o que sugere um melhor controle e acompanhamento dos pacientes. Com um foco mais generalista, a maior inserção na comunidade também sugere um melhor conhecimento do território e população, inclusive com ferramentas de busca ativa:
Na estratégia, faltou um bebê ou uma gestante, a gente vai atrás. A UBS espera novo agendamento. (Gestora 3)
Sete equipes de USF da região norte do município são apoiadas por um Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF) e o apoio multidisciplinar tem apresentado efetividade no cuidado, apesar da descontinuidade no repasse para financiamento. A revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) no que se refere à estruturação da ESF também foi apontada:
Com o apoio do NASF, a resolubilidade chega a 95% no atendimento na APS. (Gestora 9)
A redução de agentes comunitários por equipe, pelas novas regras, compromete a eficiência da ESF (Gestora 4)
No que se refere às ausências em consultas, as gestoras das USF que participaram das entrevistas relataram que, apesar de o modelo ser mais próximo do paciente – com a atuação dos agentes, reuniões para identificação de demandas, planejamento e ações coletivas –, não há maior responsabilização dos pacientes, o que pode explicar altos índices de absenteísmo, semelhantes nos dois modelos.
Nos dois modelos, há um trabalho orientado às ações prioritárias, como saúde da mulher, puericultura e saúde da criança, por meio de busca ativa nos cadastros:
[…] a partir do histórico de absenteísmo do paciente, por busca ativa, pode-se gerar visitas domiciliares. (Gestora 10)
[…] realizamos busca ativa para identificar atrasos na puericultura, no acompanhamento de pré-natal (Gestora 6)
Algumas unidades estendem seu funcionamento ao período noturno, porém, o absenteísmo não foi reduzido:
O absenteísmo após as 17 horas é o mesmo em relação aos outros horários, a oferta de atendimento noturno ampliou possibilidades para população trabalhadora, mas não reduziu faltas. (Gestora 8)
Pronto atendimento, infraestrutura e recursos humanos
Estruturadas especificamente para atendimento de urgência e emergência, foi relatado o potencial das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) para desorganizar a APS, particularmente quando há proximidade geográfica:
As UPAs desorganizam o trabalho das unidades de Atenção Primária, ao atender demandas de responsabilidade das unidades (Gestor 11)
[…] como a UPA é próxima, muitos pacientes, em vez de agendar ou buscar acolhimento na unidade, preferem se dirigir à UPA. (Gestora 2)
Foi citada a importância de se manter equipes completas nas unidades para evitar transtornos no fluxo de atendimento; na recepção de pacientes; na burocracia de referência e contrarreferência; e na organização de prontuários e reagendamentos e, principalmente, para reduzir o absenteísmo devido ao agendamento de consultas em datas muito distantes:
A unidade possuía cinco ginecologistas, mas foi reduzida para três... para ofertar pré-natal, reduzimos vagas de retorno e casos novos, não suficientes para atender à demanda. (Gestora 8)
Também houve relatos de situações de sobrecarga na jornada e questões associadas à gestão de recursos humanos, como substituições devido a férias, licenças e afastamentos e casos em que um único gerente coordena mais de uma unidade. Esses relatos corroboram os resultados de outro estudo que também incluiu a região de Ribeirão Preto1616. Nunes LO, Castanheira ERL, Dias A, Zarili TFT, Sanine PR, Mendonça CS, et al. Importância do gerenciamento local para uma atenção primária à saúde nos moldes de Alma-Ata. Rev Panam Salud Publica. 2018; 42:e175. .
A recomposição de equipes demanda um processo burocrático de contratação, questões orçamentárias e criação de cargos pelo Poder Legislativo municipal, que nem sempre ocorre em prazo adequado. O salário do médico também foi apontado como um fator crítico, que gera rotatividade e dificuldades para contratação.
Quanto à infraestrutura, o principal relato refere-se às reformas prediais sem adequado plano de contingência, que exige o deslocamento de pacientes até unidades distantes, penalizando particularmente gestantes, idosos e crianças:
[…] é muito longe. As pessoas deixam de ser atendidas porque não têm como se deslocar é uma região de muita vulnerabilidade bebês não são acompanhados porque a mãe não tem condições de levar a criança aparece com cinco meses na primeira consulta. (Gestora 3)
Discussão
Este estudo identificou um conjunto de elementos que se associam ao absenteísmo em consultas na APS. Tal associação não se caracteriza como uma relação de causa e efeito, mas os resultados da presente pesquisa sugerem que esses elementos estão associados ou incluídos na configuração do gerenciamento da APS e consequentemente influenciam, direta ou indiretamente, na eficiência do processo de agendamento e atendimento. A figura 2 inclui uma representação na forma de grafo relacional com o objetivo de sintetizar as associações aqui discutidas.
Em alinhamento com outros trabalhos44. Beltrame SM, Oliveira AE, Santos MAB, Santos Neto ET. Absenteísmo de usuários como fator de desperdício: desafio para sustentabilidade em sistema universal de saúde. Saude Debate. 2019; 43(123):1015-30.
5. Jabalera Mesa ML, Morales Asencio JM, Rivas Ruiz F. Factores determinantes y coste económico del absentismo de pacientes en consultas externas de la Agencia Sanitaria Costa del Sol Health Agency. An Sist Sanit Navar. 2015; 38(2):235-45.
6. Viegas APB, Carmo RF, Luz ZMP. Fatores que influenciam o acesso aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários de uma unidade básica de referência. Saude Soc. 2015; 24(1):100-12. - 77. Lima AMC, Garbin CAS, Corrente JE, Saliba NA, Moimaz SAS. Case-resolving capacity of dental care of the Unified Health System: the perception of users in a city in the state of São Paulo, Brazil. Cienc Saude Colet. 2018; 23(5):1657-66. , 1717. Farias CML, Giovanella L, Oliveira AE, Santos Neto ET. Tempo de espera e absenteísmo na atenção especializada: um desafio para os sistemas universais de saúde. Saude Debate. 2019; 43(5 Spec No):190-204. , o presente estudo indica que a extensão do período de abertura da agenda é diretamente proporcional ao absenteísmo: o maior tempo de espera pela consulta favorece o esquecimento, falhas na comunicação e/ou a resolução da queixa do paciente, o que potencialmente aumenta o absenteísmo. Menor disponibilidade de recursos humanos e deficiências na infraestrutura associam-se à extensão da agenda e, de modo indireto, também favorecem as faltas dos pacientes.
A opção majoritária de agendamento com hora marcada contribui para o atendimento humanizado e alocação planejada de horários de acolhimento. Nenhuma unidade no município de Ribeirão Preto adota o agendamento no início do turno, no qual se implementa o acolhimento na forma de “encaixes” condicionados às faltas que ocorrem no dia. Tal estratégia resulta em longas esperas aos pacientes e, apesar de ultrapassada, ainda é bastante implementada na APS1616. Nunes LO, Castanheira ERL, Dias A, Zarili TFT, Sanine PR, Mendonça CS, et al. Importância do gerenciamento local para uma atenção primária à saúde nos moldes de Alma-Ata. Rev Panam Salud Publica. 2018; 42:e175. .
Na organização do acolhimento, em que a estrutura e fluxos de funcionamento impactam no acesso e eficiência na APS66. Viegas APB, Carmo RF, Luz ZMP. Fatores que influenciam o acesso aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários de uma unidade básica de referência. Saude Soc. 2015; 24(1):100-12. , o protocolo utilizado para avaliação de risco do paciente1515. Ribeirão Preto. Protocolo de acolhimento da demanda espontânea e direcionamento de fluxo da atenção básica. Ribeirão Preto: Secretaria Municipal da Saúde; 2019 [citado 19 Nov 2022]. Disponível em: https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/portal/pdf/saude723202205.pdf
https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/port... contribuiu significativamente para implementação da equidade nas unidades, com reflexos na efetividade.
As unidades que realizam o agendamento mediante aplicação do protocolo de avaliação de risco alinham-se à estratégia de Acesso Avançado, uma abordagem de organização de agenda aberta que se afasta do conceito de dividir a agenda para demanda urgente e de rotina e que propõe algum grau de atendimento no mesmo dia18.
As vagas destinadas para acolhimento em geral apresentaram índices menores de ausências e um adequado dimensionamento contribui para a gestão do absenteísmo. O superdimensionamento dessas vagas pode acarretar piora no índice de perdas e a estratégia de algumas gestoras em se dimensionar e ajustar essas vagas em um intervalo mínimo de dias trouxe resultados muito positivos.
O uso do aplicativo Hora Marcada contribuiu para melhorar o acesso ao agendamento de consultas, porém não se associou à responsabilização do paciente. O uso do WhatsApp, que tem sido empregado cada vez mais frequentemente na interação com pacientes1918. Pires Filho LAS, Azevedo-Marques JM, Duarte NSM, Moscovici L. Acesso avançado em uma unidade de saúde da família do interior do estado de São Paulo: um relato de experiência. Saude Debate. 2019; 43(121):605-13.
19. Bueno NS, Rossoni AMO, Lizzi EAS, Tahan TT, Hirose TE, Chong Neto HJ. Como as novas tecnologias podem auxiliar na redução do absenteísmo em consultas pediátricas. Rev Paul Pediatr. 2020; 38: e2018313. - 2120. Di Tommaso F, Maurice MF, Sastre P, Prado AH, Dominé E, Agüero P, et al. Consultas vía WhatsApp en un servicio de electrofisiología de un hospital público de la ciudad de Buenos Aires en tiempos de Covid-19. Rev Argent Cardiol. 2020; 88(3):231-4. , é utilizado para reagendamento e tem contribuído para uma comunicação mais efetiva.
Em relação ao modelo de unidade, o absenteísmo do paciente ocorre em níveis semelhantes. Algumas unidades reduziram ou excluíram o uso do aplicativo Hora Marcada, particularmente nas USF, que adotam uma prática de agendamento baseada na avaliação do grau de risco.
Ainda que um dos motivos de ausência do paciente na APS seja a coincidência de horário de funcionamento da unidade com seu horário de trabalho2221. Junod Perron N, Dominicé Dao M, Kossovsky MP, Mizerez V, Chuard C, Calmy A, et al. Reduction of missed appointments at an urban primary care clinic: a randomised controlled study. BMC Fam Pract. 2010; 11:79. doi: 10.1186/1471-2296-11-79.
https://doi.org/10.1186/1471-2296-11-79... , a oferta de atendimento estendida até o período noturno não impactou no absenteísmo, o que reforça a tese de se trabalhar com os pacientes os temas de educação em saúde e responsabilização.
No que se refere aos sistemas de informação de saúde, uma melhora importante refere-se à eliminação do retrabalho, que ocorre quando a mesma informação é alimentada em mais de um sistema, situação que pode ser atenuada por meio da implantação de data-linkages para interface digital2322. Gonçalves CA, Vazquez FL, Ambrosano GMB, Mialhe FL, Pereira AC, Sarracini KLM, et al. Estratégias para o enfrentamento do absenteísmo em consultas odontológicas nas Unidades de Saúde da Família de um município de grande porte: uma pesquisa-ação. Cienc Saude Colet. 2015; 20(2):449-60. .
A procura de pacientes por atendimento na UPA desorganiza o atendimento nas unidades de APS, em consonância com estudos que observaram que o pronto atendimento tem demanda aumentada à medida que ocorre dificuldades de acesso à APS88. Barbosa DVS, Barbosa NB, Najberg E. Regulação em saúde: desafios à governança do SUS. Cad Saude Colet. 2016; 24(1):49-54. , 2423. Suzuki KMF. O uso de método de relacionamento de dados (record linkage) para integração de informação em sistemas heterogêneos de saúde: estudo de aplicabilidade entre níveis primário e terciário [tese]. Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2012. , o que traz reflexos nos custos99. Baptista SCPD, Juliani CMCM, Lima SGS, Martin LB, Silva KAB, Cirne MR. Patient absenteeism in outpatient consultations: an integrative literature review. Rev Esc Enferm USP. 2021; 55:e20200380. e na integralidade e continuidade da atenção1616. Nunes LO, Castanheira ERL, Dias A, Zarili TFT, Sanine PR, Mendonça CS, et al. Importância do gerenciamento local para uma atenção primária à saúde nos moldes de Alma-Ata. Rev Panam Salud Publica. 2018; 42:e175. .
De modo geral, percebeu-se a satisfação dos gestores na competência das unidades de APS como porta de entrada, prevista na PNAB11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de Setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 3 Out 2017; Sec. 1, p. 61. e na redução do absenteísmo prevista para o quadriênio1313. Ribeirão Preto. Plano Municipal de Saúde de Ribeirão Preto 2018-2021 [Internet]. Ribeirão Preto: Secretaria Municipal da Saúde; 2017 [citado 29 Set 2021]. Disponível em: https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/files/ssaude/pdf/pms-rp-2018-2021.pdf.
https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/file... , com alguns resultados até mais satisfatórios em relação à literatura22. Oleskovicz M, Oliva FL, Grisi CCH, Lima AC, Custódio I. Técnica de overbooking no atendimento público ambulatorial em uma unidade do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2014; 30(5):1009-17. , 33. Dantas LF, Fleck JL, Oliveira FLC, Hamacher S. No-shows in appointment scheduling: a systematic literature review. Health Policy. 2018; 122(4):412-21. . Os principais achados desta pesquisa estão sintetizados no quadro 1 .
Considerações finais
A eficiência na assistência é um dos objetivos na gestão da saúde e na alocação de recursos muitas vezes escassos. O absenteísmo do paciente associa-se a diferentes fatores e, dependendo de como a APS é organizada, pode-se obter resultados diferentes na efetividade dos serviços de assistência à saúde.
O presente trabalho identificou aspectos que podem impactar nos indicadores de perdas em consultas médicas na APS, para além do absenteísmo atribuído aos pacientes. Ações como a gestão intensiva da agenda; organização do acolhimento; educação em saúde; melhora em funcionalidades de sistemas de informação; e análise dos fluxos de processos e comunicação – observando-se as características das populações, territórios e determinantes sociais – podem contribuir para a eficiência no atendimento na APS.
Trabalhos futuros incluem estudos quantitativos orientados às medidas de absenteísmo e sua avaliação em outros serviços na APS. Este estudo limitou-se à visão dos gestores na APS, mas pode se estender a outros atores, como pacientes, trabalhadores da saúde e sociedade civil.
Agradecimentos
Agradecemos aos servidores e gestores da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto que participaram da pesquisa e viabilizaram o presente trabalho; ao Instituto Federal de São Paulo; e à Universidade de São Paulo, pelo apoio institucional.
Referências
- 1Brasil. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 2, de 28 de Setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. 3 Out 2017; Sec. 1, p. 61.
- 2Oleskovicz M, Oliva FL, Grisi CCH, Lima AC, Custódio I. Técnica de overbooking no atendimento público ambulatorial em uma unidade do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2014; 30(5):1009-17.
- 3Dantas LF, Fleck JL, Oliveira FLC, Hamacher S. No-shows in appointment scheduling: a systematic literature review. Health Policy. 2018; 122(4):412-21.
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» https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/portal/pdf/saude723202205.pdf - 16Nunes LO, Castanheira ERL, Dias A, Zarili TFT, Sanine PR, Mendonça CS, et al. Importância do gerenciamento local para uma atenção primária à saúde nos moldes de Alma-Ata. Rev Panam Salud Publica. 2018; 42:e175.
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- 18Pires Filho LAS, Azevedo-Marques JM, Duarte NSM, Moscovici L. Acesso avançado em uma unidade de saúde da família do interior do estado de São Paulo: um relato de experiência. Saude Debate. 2019; 43(121):605-13.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
17 Jul 2023 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
10 Maio 2022 - Aceito
17 Abr 2023