Cartas em tempos de pandemia de Covid-19: diálogos e percursos na Residência em Saúde do Trabalhador

Letters in times of the Covid-19 pandemic: dialogues and pathways in Residency Programs in Occupational Health

Cartas en tiempos de pandemia de Covid-19: diálogos y recorridos en la Residencia en Salud del Trabajador

Luísa Maiola de Araujo Adriana Kelly Santos Sobre os autores

Resumos

Este artigo visa demonstrar a potencialidade metodológica do emprego do gênero textual carta pessoal para a elaboração do portfólio crítico-reflexivo no ensino em Saúde e, consequentemente, para a formação ética e implicada na Residência Multiprofissional em Saúde do Trabalhador durante a pandemia de Covid-19. A escrita das cartas que compuseram o portfólio “Cartas em tempos de pandemia” ocorreu entre março/2020 e março/2021. As cartas, endereçadas a diversos interlocutores, permitiam refletir, de modo criativo, sobre o caminho pedagógico e percorrer processualmente as linhas de aprendizagem propostas pela Unesco: “aprender a ser, conhecer, fazer e conviver”. Por esses passos metodológicos foi possível articular memórias, histórias, afetos, conceitos e práticas envolvidos no fazer em saúde, tecendo novos conhecimentos e possibilidades técnicas no trabalho da Psicologia no âmbito da Saúde do Trabalhador.

Portfólio crítico-reflexivo; Formação em saúde; Saúde do trabalhador; Cartas


This article seeks to demonstrate the potential of the text genre personal letters as a methodology for the elaboration of critical-reflective portfolios in health education and, consequently, for ethical training in multiprofessional residency training programs in occupational health during the Covid-19 pandemic. The letters that make up the portfolio “Letters in times of pandemic” were written between March 2020 and March 2021. The letters, addressed to various interlocutors, promoted creative reflection on pedagogical pathways and allowed us to explore the processes of the lines of learning proposed by UNESCO: “learning to be, to know, to do and to live together”. Using these methodological steps, it was possible to articulate the memories, stories, affects, concepts and practices involved in “doing health care”, weaving together new knowledge and technical possibilities in the work of psychology in the realm of occupational health.

Critical-reflective portfolio; Health training; Workers’ health; Letters


El objetivo de este artículo es demostrar la potencialidad metodológica del empleo del género textual carta personal para la elaboración del portafolio crítico-reflexivo en la enseñanza en salud y, consecuentemente, para la formación ética e implicada en la Residencia Multiprofesional en Salud del Trabajador durante la pandemia de Covid-19. la escritura de las cartas que compusieron el portafolio “Cartas en tiempo de pandemia” tuvo lugar entre marzo/2020 y marzo/2021. Las cartas, dirigidas a diversos interlocutores, permitían, de forma creativa, reflexionar sobre el camino pedagógico y recorrer procesualmente las líneas de aprendizaje propuestas por la Unesco: “aprender a ser, conocer, hacer y convivir”. A partir de esos pasos metodológicos fue posible articular memorias, afectos, conceptos y prácticas envueltos en el quehacer en salud, tejiendo nuevos conocimientos y posibilidades técnicas en el trabajo de la psicología en el ámbito de la Salud del Trabajador.

Portafolio crítico-reflexivo; Formación en salud; Salud del Trabajador; Cartas


Introdução: Pistas iniciais

É impossível refletir sobre o percurso traçado na Residência Multiprofissional em Saúde do Trabalhador (RMST) durante os anos de 2020-2022 sem que se associe essa formação aos atravessamentos causados pela pandemia de Covid-19 no Brasil. Em 16 de março de 2020, logo após a Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia de Covid-19, o governo do Estado do Rio de Janeiro decretou as medidas sanitárias de cunho coletivo (distanciamento físico, fechamento de escolas, universidades e diversos setores do comércio) e individual (uso de máscara e do protetor facial, higiene com álcool gel e lavagem das mãos) para mitigar a rápida propagação do novo coronavírus11. Rio de Janeiro. Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro. Decreto nº 46.973 de 16 de Março de 2020. Reconhece a situação de emergência na saúde pública do estado do Rio de Janeiro em razão do contágio e adota medidas para enfrentamento da propagação decorrente do novo coronavírus (COVID-19) e dá outras providências. Diário Oficial do Estado. 17 Mar 2020..

No mesmo período, iniciavam-se as aulas da primeira turma da Residência Multiprofissional em Saúde do Trabalhador (RMST) de uma instituição federal de ensino e pesquisa, situada na capital do Rio de Janeiro. Com a publicação do decreto supracitado, logo após as três primeiras aulas da RMST, as atividades teórico-práticas foram reconfiguradas para um novo formato, onde as atividades teóricas foram adequadas para a modalidade de ensino remoto emergencial, enquanto a inserção das residentes nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) aconteceria em conformidade com a rotina de atendimento à Covid-19.

Nesse contexto, demos início à elaboração do portfólio crítico-reflexivo, cuja metodologia visa colocar em xeque o paradigma de transmissão do conhecimento hegemônico no ensino em Saúde, de maneira a estimular a autonomia no processo de aprendizagem22. Cotta RMM, Silva LS, Lopes LL, Gomes KO, Cotta FM, Lugarinho R, et al. Construção de portfólios coletivos em currículos tradicionais: uma proposta inovadora de ensino-aprendizagem. Cienc Saude Colet. 2012; 17(3):787-96.. Durante a confecção do portfólio, buscou-se conectar vida real, invenção e afetividade33. Dias RO, Rodrigues HBC. Escritas de si: escutas, cartas e formação inventiva de professores entre universidade e escola básica. Rio de Janeiro: Lamparina; 2019., uma vez que toda prática educativa é pautada no que se expressa do encontro entre sujeitos e na constituição da(s) existência(s)44. Dias RO. Fragmentos de diários de campo, escrita e devir texto. In: Callai C, Ribetto A, organizadores. Uma escrita acadêmica outra: ensaios, experiências e invenções. Rio de Janeiro: Lamparina; 2016. p. 111-23.. Com esse intuito, nos encontros de orientação-supervisão, sempre virtual, prezamos pela construção de uma relação de confiança por meio da escuta e do diálogo franco, visto que falar e (re)pensar o trabalho envolve também expor medos e inseguranças. Apoiadas na concepção de que o aprendizado se dá em uma construção coletiva e dialética entre educando e educador55. Freire P. Pedagogia do oprimido. 65a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2013., apostamos na análise do vínculo, dos afetos e dos desejos a fim de experimentar uma formação profissional em sincronia com a vida e atenta à integralidade dos sujeitos66. Carvalho YM, Ceccim RB. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond M Jr, Carvalho YM, organizadores. Tratado de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. p. 137-70..

À luz dessa intersubjetividade, elaboramos, entre março/2020 e março/2021, o portfólio posteriormente intitulado “Cartas em tempos de pandemia”. No presente artigo, buscamos demonstrar a potencialidade metodológica do emprego do gênero textual carta pessoal para a elaboração do portfólio crítico-reflexivo no ensino em Saúde, refletindo sobre como os afetos, conceitos e práticas se vincularam tecendo uma formação crítica e eticamente implicada na prática profissional em Saúde do Trabalhador.

O encontro com o gênero carta: uma ancoragem metodológica

O encontro com o gênero carta foi permeado pelo contexto da pandemia Covid-19, em que vivíamos o isolamento físico e éramos atravessadas pelas saudades, alegrias e tristezas sem que pudéssemos compartilhá-las no encontro corpo a corpo. Nesse momento, nos vimos ainda mais conectadas à tecnologia como forma de nos vincularmos com o outro. Certo dia, durante um encontro de orientação, imersas na exorbitância informacional e tecnológica experimentada no contexto pandêmico, falávamos sobre as dificuldades de nos “desconectarmos” das interações virtuais e nos “conectarmos” com o tempo e o ritmo da escrita. Nesse momento, uma memória relatada por Adriana trouxe à tona o livro “A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess — 1887-1904”77. Masson JM. A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess 1887-1904. Rio de Janeiro: Imago; 1986., que nos revela pistas a respeito da aplicação do gênero textual carta pessoal como um recurso para esboçar ideias, aprendizados e conceitos, bem como para a circularidade dos saberes.

O exemplo deixado por Freud nos ensina que, passado um século, no movimento do nanquim sobre o papel, cada ideia, cada letra e cada enunciado ganharam força, atravessaram cidades, continentes e gerações para encontrar seus possíveis destinatários e produzir histórias em torno do saber psicanalítico, seja no ambiente acadêmico seja na vida cotidiana88. Jannini G, organizador. Caro Dr. Freud: respostas do século XI a uma carta sobre homossexualidade. Belo Horizonte: Autêntica; 2019.. Capturadas por essa possibilidade de comunicação, indagamos: Seria possível reportar-se a esse gênero textual como método para elaboração do portfólio?

Ao nos apropriarmos da escrita de cartas como nossa ancoragem metodológica, nos certificamos de que essa forma de comunicação corporifica afetos e memórias, além de aproximar remetente e destinatários, uma vez que, ao escrever cartas, se fala sobre si, sobre os outros com quem se convive para narrar histórias cotidianas e estabelecer relações com o seu interlocutor99. Silva JQG. Um estudo sobre o gênero carta pessoal: das práticas comunicativas aos indícios de interatividade na escrita dos textos [tese]. Belo Horizonte: Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais; 2002.. Aliada a isso, a estrutura textual das cartas situa os acontecimentos em um determinado tempo e espaço geográfico (ex: Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2020), vinculando o contexto sócio-histórico à dimensão biográfica99. Silva JQG. Um estudo sobre o gênero carta pessoal: das práticas comunicativas aos indícios de interatividade na escrita dos textos [tese]. Belo Horizonte: Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais; 2002..

Conforme Cecim1010. Costa CS, Ceccim RB. Saúde do trabalhador docente e pesquisa: sujeito ou objeto, raramente afeto. Educ Pesq. 2022; 48(contínuo):e242423., a dimensão biográfica, expressa por uma escrita narrativa, permite que as relações de trabalho sejam acessadas por meio do afeto, o que possibilita relembrar as experiências vividas e, principalmente, ressignificá-las. Com isso, pode-se instaurar um movimento de resistência às esferas despotencializadoras existentes no cotidiano de trabalho e, assim, fortalecer a construção coletiva da luta pela saúde de si e dos outros.

Na composição do portfólio “Cartas em tempos de pandemia”, também levamos em conta as linhas de aprendizagem em saúde da Unesco, descritas por Cotta et al.1111. Cotta RMM, Mendonça ET, Costa GD. Portfólios reflexivos: construindo competências para o trabalho no Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2011; 30(5):415-21.:

Aprender a ser – atuar com autonomia, juízo, responsabilidade pessoal; Aprender a conhecer - assimilar conhecimentos científicos e culturais gerais e específicos, que se completarão e atualizarão ao longo de toda a vida; Aprender a fazer - adquirir procedimentos que ajudem a afrontar as dificuldades que se apresentem na vida e na profissão; Aprender a conviver e a trabalhar juntos – compreender melhor os demais, o mundo e suas inter-relações1111. Cotta RMM, Mendonça ET, Costa GD. Portfólios reflexivos: construindo competências para o trabalho no Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2011; 30(5):415-21.. (p. 417)

À luz dessa perspectiva, as narrativas das cartas descrevem os aspectos afetivos e interpessoais que emergiram durante a formação, a fim de correlacioná-los aos aportes conceituais da Saúde Coletiva, da Saúde do Trabalhador, do portfólio crítico-reflexivo no ensino em Saúde e aos elementos do gênero carta, considerando a comunicação dialógica como característica fundamental que os une.

Desse modo, as informações sinalizadas no cabeçalho das cartas (cidade e data) localizam o território/época em que determinada experiência aconteceu. Já o nome dos destinatários é fictício, enquanto os personagens e as cenas retratadas aludem à questões conjunturais e conceituais discutidas nas disciplinas e na orientação. Nas vinhetas das cartas destacam-se, entre aspas, as palavras, expressões, frases que demonstram os conteúdos aprendidos no itinerário do primeiro ano da RMST, comparando processualmente as fragilidades e potencialidades do caminho pedagógico1212. Stelet BP, Romano VF, Carrijo APB, Teixeira JE Jr. Portfólio reflexivo: subsídios filosóficos para uma práxis narrativa no ensino médico. Interface (Botucatu). 2017; 21(60):165-76. doi: 10.1590/1807-57622015.0959.
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Este estudo se utiliza de dados de fonte secundária oriundos de uma atividade teórica que visava ao aprimoramento de metodologias de ensino em Saúde. Do ponto de vista ético, a pesquisa objetivou, estritamente, o aprofundamento teórico de uma situação espontânea e contingencialmente emergente da prática profissional. A atividade considerada foi, sobretudo, treinamento em serviço sob supervisão, sem finalidade primeira de pesquisa científica, mas inserida na formação de profissionais em especialização. A produção de conhecimento foi a sistematização da ação inovadora.

Paisagens institucionais e existenciais: relação saúde e trabalho

Iniciamos o processo de escrita das cartas admitindo como primeiro interlocutor a Luísa de anos atrás, a fim de repensar a bagagem trazida e refletir sobre onde se está agora e o que se deseja para o futuro. Esse movimento reflexivo nos permitiu traçar territórios existenciais em meio a um novo campo de trabalho, em um estado diferente do de origem e em plena pandemia. Desse modo, a carta endereçada à Luísa, estudante do ensino médio, acolhe a dimensão experencial e sinaliza os elementos de sua história que, posteriormente, auxiliaram na escolha pela residência em Saúde do Trabalhador.

Rio de Janeiro, 12 de março de 2020. Querida Luísa, [...] Hoje em dia me pego lembrando o caminho que fazíamos diariamente andando de casa para o colégio. Nós continuamos a “caminhar pelos estudos” e espero continuar assim [...]. Outra coisa que eu queria te falar, é que essas questões sobre “gênero e desigualdades” que te afetam hoje continuarão ressoando em você e presentes em nosso caminho. Obrigada por tudo que você está fazendo por nós. Com carinho, Luísa.

Ainda sob o efeito de analisar a relação entre o vivido e o aprendizado do momento atual, volta-se aos caminhos percorridos durante a graduação em Psicologia na Universidade Estadual de Londrina (UEL), trazendo algumas memórias e singularidades desse território geográfico e interacional.

Londrina, janeiro de 2020. Querido Calçadão da UEL, Hoje me despeço de você. Fui muito feliz andando por aqui. Conheci um novo universo, “construi e desconstrui opiniões diversas vezes”, me arrisquei, amei e me decepcionei. Durante esse período “construi laços profundos de empatia e apoio”, dei ouvidos a novas narrativas, me senti desconfortável, perdi o sono. “Aprendi a falar, mas aprendi muito mais ouvindo [...] aprendi nesses cinco anos a força do afeto. Fui afetada ao me deparar com o mundo do trabalho e seus impactos na constituição das subjetividades”. Diversas são as perspectivas psicológicas que se debruçam sobre o assunto1313. Bendassolli PF, Soboll LAP. Clínicas do trabalho: filiações, premissas e desafios. Cad Psicol Soc Trab. 2011; 14(1):59-72. e, desde o terceiro ano, pude ter contato com algumas delas por meio de aulas e estágios curriculares. Aproximar-me da complexidade do mundo do trabalho gerou inquietações que trago comigo até os dias de hoje. Obrigada por tantos ensinamentos, o caminho por aqui floriu. (Luísa)

Dessa experiência, refletimos que a subjetividade e os nossos modos de agir são processo e efeito de uma determinada produção social, o que nos permite interrogar e analisar o modo como nos tornamos aquilo que somos e, assim, pensar em novas formas de conhecer, criar e atuar1414. Debenetti C, Barros MEB. Escrever, corporar e inscrever: práticas da criação de si na formação de professores. In: Dias RO, Rodrigues HBC. Escritas de si: escutas, cartas e formação inventiva de professores entre universidade e escola básica. Rio de Janeiro: Lamparina; 2019. p. 131-46..

As vivências dos estágios também foram marcadas pela diversidade de ideias e trajetórias de vida-trabalho. Ao olhar retrospectivamente para essas primeiras inserções no mundo do trabalho, trouxemos para o debate o encontro com o psicólogo Alberto:

Rio de Janeiro, abril de 2020. Caro Alberto, (...) realizei um estágio com você no campo da Assistência Social. Seu fazer era marcado por “dificuldades relacionadas às condições de trabalho e à organização do trabalho”, havendo “pouco tempo para o trabalho com os adolescentes. Os materiais para as oficinas eram limitados e o espaço para a realização das atividades era precário [...]”, mesmo assim, “era visível quanto você acreditava no trabalho que realizava [...] seu prazer ao trabalhar me marcou” e hoje me faz refletir sobre quão importante é reconhecer sentido(s) no que se faz profissionalmente. Um afetuoso abraço, Luísa.

À medida que as práticas dos estágios eram narradas, pôde-se ponderar sobre a organização e o processo de trabalho vivenciados à época, comparando-os com o momento atual e, gradativamente, compreendiam-se os seus efeitos na saúde dos trabalhadores. Para Dejours1515. Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Oboré; 1992., a organização do trabalho refere-se ao modo como o trabalho é estruturado para ser realizado, englobando seu ritmo, o número de usuários atendidos e outras questões referentes à operacionalização do trabalho. Tais características estão diretamente relacionadas à saúde dos trabalhadores, podendo levar ao sofrimento, assim como se constituir em fonte de prazer e desenvolvimento para os sujeitos1616. Lancman S, Jardim TA. O impacto da organização do trabalho na saúde mental: um estudo em psicodinâmica do trabalho. Rev Ter Ocup Univ Sao Paulo. 2004; 15(2):82-9..

Aproximando a luneta desse universo, escrevemos outras cartas a trabalhadores e às equipes com os quais interagimos em outros estágios, também em serviços públicos. Nessas correspondências, pontuamos questões relacionadas à ausência de servidores e recursos materiais para a realização do trabalho, além do alto número de usuários a serem atendidos nos serviços. Essas situações demonstram a precarização do trabalho no setor público, o que afeta diretamente a saúde dos trabalhadores que o executam1717. Pialarissi R. Precarização do trabalho. Rev Admin Saude. 2017; 17(66). doi: 10.23973/ras.66.11.
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Conforme os meses se passavam e o trabalho no campo prático da RMST se adensava, novas paisagens institucionais e existenciais eram traçadas. A inserção em um hospital que ofertava atendimento a pacientes com suspeita ou infectados com a Covid-19 possibilitou aprofundar o conhecimento sobre a relação trabalho-saúde e compreender as semelhanças com o cotidiano vivenciado no estágio na Assistência Social:

Rio de Janeiro, 6 de julho de 2020. Querida Giovana, Escrevo-lhe esta carta para contar que você foi a primeira trabalhadora que atendi no hospital. [...] No final de junho, você foi afastada após contrair Covid-19. Quando te liguei, você relatou sentir-se bem, pois estava em casa e retornaria ao trabalho apenas dia 1°/7. Pensar no retorno te deixava ansiosa, devido “às condições de trabalho extenuantes”. “Ficar 12 horas paramentada, lidando com muitas mortes estava sendo difícil, além de considerar o número de médicos insuficientes em relação ao número de pacientes”. [...] Ouvir você dizendo que, ao conversar com outra trabalhadora, vocês consideravam generalizado o sentimento de exaustão no hospital: “Eles querem a saúde do paciente em detrimento da nossa”. [...] Quando desligamos o telefone, me senti impotente por não conseguir oferecer nada além de um espaço de escuta, afinal o que vocês precisavam eram melhores condições de trabalho. [...] Despeço-me aqui, mas sigo na escuta. Abraços, Luísa

O discurso de Giovana durante o atendimento expressa como as condições e a intensificação do trabalho durante a pandemia foram fontes de sofrimento para ela. Aliada a isso, a terceirização do trabalho, caracterizada pela subcontratação de empresas que oferecem o serviço de trabalhadores para executar e desenvolver atividades do processo produtivo1818. Mandarini MB, Alves AM, Sticca MG. Terceirização e impactos para a saúde e trabalho: uma revisão sistemática da literatura. Rev Psicol Organ Trab. 2016; 16(2):143-52., também alicerçava o cotidiano de trabalho no hospital. O tema da terceirização, recorrente nas aulas da residência, era agora observado em minha prática de escuta clínica com os trabalhadores no hospital. Com base nisso, escrevemos uma carta a professores-pesquisadores especialistas no tema, na qual relacionávamos aspectos da terceirização em um cenário industrial e no campo da saúde:

Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2020. À Leonardo, Bruno e Hugo, Hoje, ao assistir a aula sobre os impactos da reforma trabalhista e da terceirização do trabalho no setor industrial [...], conforme vocês apresentavam os cenários que pesquisavam, fui relacionando as características com meu atual campo de prática. Apesar de serem campos, à primeira vista completamente distintos, ao considerarmos o cenário de terceirização, “ambos são atingidos severamente”, impactando diretamente no trabalho. Aqui “onde trabalho, quase 100% dos trabalhadores são terceirizados” e conseguimos constatar, assim como vocês, que o “medo da demissão vive pairando sobre eles”. Além disso, observamos que os “trabalhadores estão buscando produzir mais, a fim de não serem demitidos”. Há sempre um grande “medo em contestar a atuação da chefia e sofrer alguma repressão, o que os leva a recuar em diversos momentos, aceitando imposições infundadas”. Pensar o contexto que trabalho, a partir dessa aula, foi muito rico. Obrigada por contribuírem para minha formação! Atenciosamente, Luísa.

Refletir e escrever sobre esses assuntos clarificou a relação existente entre saúde, trabalho, subjetividade e deu novos contornos à nossa práxis, do mesmo modo que o ato de escrever cartas viabilizou o exercício introspectivo, dialógico e criativo, convocando-nos a fazer um movimento de “produção de experiência de si e de apropriação dos entornos da vida” (p.143)66. Carvalho YM, Ceccim RB. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond M Jr, Carvalho YM, organizadores. Tratado de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. p. 137-70..

Territórios (im)perceptíveis e as entrelinhas dos saberes

Atentas à dimensão intersubjetiva do “aprender a aprender”1919. Cotta RMM, Costa GD, Mendonça ET. Portfólio reflexivo: uma proposta de ensino e aprendizagem orientada por competências. Cienc Saude Colet. 2013; 18(6):1847-56., sustentamos o posicionamento de que é fundamental escutar os medos, desconfortos e inseguranças para entender os conteúdos emocionais que alicerçam o processo formativo. Decerto, foi essencial dar lugar aos sentimentos que atravessavam o aprendizado em meio às angústias vividas no contexto da pandemia da Covid-19. Por isso, escrevemos cartas à Escuta, ao Abraço e às Inseguranças. Dialogamos com a falta do toque durante a pandemia e abraçamos o tempo do aprendizado nesse processo de se tornar “residente” e “profissional”. Assim, conversamos com nossas inseguranças:

Rio de Janeiro, 30 de abril de 2020. Insegurança(s), Como você tem acompanhado minha prática de trabalho “[...] Sinto-me receosa de me colocar e enviar documentos que leio ou recebo, pois penso que a equipe já os achará ultrapassados”. Tenho pesquisado sobre atenção psicológica em hospitais no contexto da pandemia e me sinto paralisada ao ver a rapidez com que as produções acadêmicas são feitas. “[...] Intitular-me psicóloga ainda me soa estranho, visto que até poucos meses eu estava no lugar de aluna. A posição de estudante, apesar de ressoar mais familiar, incomoda... Assim, busco nessa nova caminhada conseguir me entender e me posicionar como profissional’. Por isso, insegurança(s), “cuido de nosso diálogo para que aos poucos essas questões não nos ocupem mais”. Seguimos, juntas, nessa aprendizagem. Cordialmente, Luísa.

Essa carta expressa a necessidade de compreender o lugar que o residente ocupa no processo de trabalho instituído e quais os afetos produzidos por essa experiência. Esse olhar se faz importante uma vez que grande parte dos residentes tem em seus campos de prática a primeira experiência de trabalho na área da Saúde, o que os leva a diversos questionamentos e conflitos2020. Silva QTA. Residência Multiprofissional em Saúde: o estar-junto na formação dos residentes em saúde [dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2010.. Seguindo nessa reflexão, tempos depois endereçamos uma carta ao lugar de residente:

Rio de Janeiro, 9 de julho de 2020. Ao(s) lugar(es) de residente, [...] No começo de abril, disse a ela [orientadora] que achava que esse lugar se encontrava em um limbo entre não ser trabalhadora e também não ser estudante. Naquela época, eu ainda me sentia insegura para me colocar em alguns espaços, sentia que meu conhecimento pouco contribuía para o desenrolar da prática que executávamos. [...] Ao contrário do que eu imaginava, com o passar dos meses, um novo lugar foi tomando contorno. “Nesse novo lugar, o limbo entre estudante-trabalhadora foi ganhando matizes que extrapolaram essa noção dicotômica, se caracterizando por um lugar simples e fronteiriço: o lugar de residente”. É a partir da simplicidade desse lugar, “que está a potência que permite transitar por questionamentos. O lugar do não saber – mas já sabendo um pouco – permite o não entendimento e constante questionamento: “Mas como assim?” “E sempre foi assim?” “Me explica melhor?” ’. Nesse lugar de formular questões supostamente simples frente à complexidade do processo de trabalho, me é permitido percorrer por estruturas que há tempos já se solidificaram em estruturas rígidas e inflexíveis. Como nos lembrou Mário Quintana (2013)2121. Quintana M. Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva; 2013., sigo valorizando a importância das perguntas. Obrigada! Com imenso carinho, Luísa.

Exploramos esse “aprender a fazer”2222. Cotta RMM, Costa GD, Mendonça ET. Portfólios crítico-reflexivos: uma proposta pedagógica centrada nas competências cognitivas e metacognitivas. Interface (Botucatu). 2015; 19(54):573-88. doi: 10.1590/1807-57622014.0399.
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questionando os aspectos éticos e técnicos necessários para a atuação interdisciplinar. Debruçamos nossos corpos sobre a escuta do prazer, do sofrimento, das angústias, dos afetos e desejos postos na, sempre tensionada, relação eu-outro. Dada a centralidade da escuta no fazer teórico-prático do psicólogo, em especial na formação de residente em Saúde do Trabalhador, achamos por bem lhe escrever uma carta a fim explorar as potências da escuta nos ambientes de trabalho:

Rio de Janeiro, 9 de julho de 2020. À escuta, Escrevo-lhe esta carta buscando interagir com as memórias dos atendimentos realizados até aqui. Agradeço à escuta que pude oferecer aos trabalhadores e à escuta que eles me ofereceram. Aprendi nesses diálogos quão artesanal é o trabalho com você. Também queria pedir-lhe desculpas pelo demorado processo de aprendizado e por minha(s) ingenuidade(s) de recém-formada. “Gostaria de lhe dizer que acredito em você como espaço de cuidado e não como tribunal”, onde se bate o martelo sobre a vida outra. Por isso, acredito nas “histórias e memórias trazidas pelos diversos trabalhadores”. Hoje, penso qual o espaço que você, escuta, tem nas instituições? Qual o espaço para “as pessoas demonstrarem seu sofrimento nos ambientes de trabalho sem serem estigmatizadas? [...] Observo que as pessoas ainda confundem questões de adoecimento com “preguiça” e “malandragem”, distribuindo “rótulos” equivocados e preconceituosos. Talvez seja mais fácil demitir alguém por ser “mau caráter” do que admitir que há uma questão de Saúde Mental e que isso precisará ser pensado e discutido coletivamente. [...] Espero que essas reflexões floresçam e produzam modos diferentes de escutarmos. Obrigada pelos ensinamentos, Luísa.

Problematizar a dimensão técnica da escuta permitiu mapear possibilidades de trabalhar com as angústias que emergem no cotidiano de trabalho, a fim de lhes dar sentido e ressignificar o vivido. Ao analisar a prática profissional do psicólogo na Saúde do Trabalhador – a de escutar –, compreendemos que esse dispositivo clínico-institucional pode engendrar processos de “quebra” e desconstrução de estigmas, inserindo as questões de Saúde Mental no contexto social de desemprego e precarização do trabalho no qual estamos imersos2323. Andrade AM Jr. Escuta e enquadre analítico. Rev Psicanal. 2015; 17(2)201-10.,2424. Souza DO. As dimensões da precarização do trabalho em face da pandemia de Covid-19. Trab Educ Saude. 2021; 19:e00311143..

Do mesmo modo, é indispensável uma escuta que abranja cautelosamente as dimensões subjetivas, objetivas e estruturais do processo de trabalho em saúde, considerando que as esferas macro e microssociais são relacionais e não dicotômicas2525. Sato L, Coutinho MC, Bernardo MH. A perspectiva da Psicologia Social Do Trabalho. In: Coutinho MC, Bernardo MH, Sato L, organizadores. Psicologia Social do Trabalho. Petrópolis: Editora Vozes; 2017. p. 11-24.. Nesse viés, cabe à(ao) psicóloga(o) na Saúde do Trabalhador refletir com os trabalhadores os valores, regras e preconceitos que estão implícitos na organização do trabalho, tornando-os explícitos. E compreender, por meio dessa escuta e análise dialética, quais elementos do processo de trabalho podem levar os trabalhadores ao adoecimento a fim de enfrentá-los2525. Sato L, Coutinho MC, Bernardo MH. A perspectiva da Psicologia Social Do Trabalho. In: Coutinho MC, Bernardo MH, Sato L, organizadores. Psicologia Social do Trabalho. Petrópolis: Editora Vozes; 2017. p. 11-24.,2626. Esteves EG, Bernardo MH, Sato L. Fontes do pensamento e da prática em Psicologia Social do Trabalho. In: Coutinho MC, Bernardo MH, Sato L, organizadores. Psicologia Social do Trabalho. Petrópolis: Editora Vozes; 2017. p. 49-80..

A materialidade da escuta ficou ainda mais nítida ao escutarmos os trabalhadores-maqueiros que, carregaram vidas e mortes durante o contexto pandêmico. Com eles aprendemos que “a cabeça pensa onde os pés pisam”2727. Frei Betto. Freire: a leitura do mundo. Caxias do Sul: Correio Riograndense; 1997..

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2020. Caros maqueiros, Em meio ao barulho das ambulâncias e à circulação acentuada de carros funerários, vocês conduzem em seus braços o corpo do paciente infectado com Covid-19, desde a sua entrada no hospital até o momento de sua partida, por alta ou óbito. O trabalho de vocês é essencial na logística do hospital, uma vez que por meio desse “cortejo” transportam esse “corpo-paciente” para onde for necessário (enfermarias, salas de exame de imagem, UTI e necrotério), “carregando também a esperança pela vida ou a dor da morte”. Ao recordar esse cotidiano, reflito sobre a sobrecarga de trabalho e a desvalorização de sua categoria ocupacional quando comparada a outros profissionais”. Algumas perguntas ressoam em mim: quantas vezes vocês dormiram no chão ou nos bancos do vestiário? Quantos corpos vocês conduziram até o necrotério? E o quanto isso exige de vocês uma certa “frieza” e “tranquilidade”? Escutar sobre o trabalho de vocês foi um marco na minha formação, pois pude aprender sobre os modos “como lidam com a dor, com o cortejo vida-morte dentro do ambiente hospitalar”, em especial nesse momento da Covid-19. Para terminar, fiquei pensando em como “o trabalho de vocês pode passar de forma ‘invisível’ para os pacientes, para os outros profissionais e, por que não dizer, para as instituições onde trabalham”. [...] Espero que vocês saibam e não se esqueçam de quanto são importantes aqui. Um afetuoso abraço, Luísa.

Essa carta evidencia a importância de reconhecer os maqueiros como agentes do cuidado em saúde2828. Sznelwar LI, Lancman S, Wu MJ, Alvarinho E, Santos M. Análise do trabalho e serviço de limpeza hospitalar: contribuições da ergonomia e da psicodinâmica do trabalho. Prod. 2004; 14(3):45-57., assim como mostra o campo onde nossos pés tocavam expondo que conhecer, agir e habitar um território são experiências entrelaçadas que desvelam afetos e saberes, que a princípio pareciam invisíveis:

Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2021. Aos afetos invisíveis, “Há espaço para os afetos invisíveis?”. O contato com os maqueiros me rendeu “desconfortos, ensinamentos e contínuos questionamentos”. Pude notar a atividade de trabalho extrapolando as normas prescritas e, como sempre, confluindo no trabalho real. [...] Acompanhei os atravessamentos da Covid-19, ouvindo sobre as contínuas mortes e pisando no território onde a dor pulsa. No necrotério, que lota e faz com que os corpos precisem ir para um container, há espaço para dor? E para o medo? O medo não [só] da contaminação de si, mas da contaminação de familiares. “Como habitar um território composto pela não nomeação e pelos afetos que parecem ser invisíveis no cotidiano de trabalho?”. Além dos afetos invisíveis, há nesse contexto de pandemia, “trabalhadores invisíveis” na área da Saúde? Invisíveis para a estrutura hospitalar, deficiente de locais de descanso. Invisíveis para as próprias equipes, gestões e pesquisas científicas. São poucos os que receberam o olhar cuidadoso sobre sua condição de saúde, apesar de serem todos trabalhadores essenciais e com o trabalho intensificado durante a pandemia. Os afetos invisíveis cabem na escuta? Acredito que sim. Seguimos nessa aposta. Luísa.

Escutar as histórias de vida dos trabalhadores e compreender os sentidos atribuídos ao trabalho é uma condição para uma formação ética e politicamente implicada com a realidade, tal qual se deseja na elaboração do portfólio1111. Cotta RMM, Mendonça ET, Costa GD. Portfólios reflexivos: construindo competências para o trabalho no Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2011; 30(5):415-21.. O modo de ser e de se posicionar no trabalho em saúde é fruto de um processo de aprendizagem gradual, em que analisar as bagagens e os repertórios trazidos anteriormente é uma ferramenta primordial.

Diálogos (in)conclusivos

A aposta nos afetos como fio condutor indispensável na formação em Saúde, aliada à escolha do gênero textual cartas, possibilitou expor os aspectos subjetivos inerentes ao aprendizado, além de produzir novos conhecimentos e possibilidades técnicas necessários à prática em Saúde do Trabalhador. Com efeito, acessar o mundo sensível por meio da escrita narrativa permitiu que nos conectássemos às sutilezas e às nuances presentes nos afetos relacionados à prática profissional1010. Costa CS, Ceccim RB. Saúde do trabalhador docente e pesquisa: sujeito ou objeto, raramente afeto. Educ Pesq. 2022; 48(contínuo):e242423..

Desse modo, privilegiar histórias e memórias contribuiu para compreendermos a saúde em uma relação dialética com o trabalho, incluindo seus aspectos da precarização e da organização do trabalho, o que, consequentemente, corroborou para nos implicarmos profissionalmente com essas questões. Ademais, dar espaço aos elementos invisibilizados no cotidiano laboral foi fundamental para a construção das práticas durante a residência. Salienta-se que o envolvimento ético com a atuação é imprescindível no âmbito da Saúde do Trabalhador, uma vez que esse campo compreende a saúde como “um conjunto de saberes e práticas para transformação das condições de exploração do trabalho” (p. 255)2929. Souza KR, Rodrigues AMS, Fernandez VS, Bonfatti RJ. A categoria saúde na perspectiva da saúde do trabalhador: ensaio sobre interações, resistências e práxis. Saude Debate. 2017; 41(2 Spec No):254-63..

Os diálogos construídos entre vários preceptores(as), professores(as), trabalhadores(as), colegas de trabalho, e expressos nas cartas, foram fundamentais para esse processo de aprendizagem. Por meio das microrrelações cotidianas tecidas nas cartas, fomos afetadas e transformadas, possibilitando-nos produzir novos olhares sobre a práxis em Saúde do Trabalhador. Constatamos que reconhecer a dimensão biográfica e de histórias de vida no ensino em Saúde foi fundamental para a análise e a avaliação de uma prática profissional complexa, superando os pressupostos do modelo biologicista-biomédico.

Por fim, o emprego do gênero textual cartas na elaboração do portfólio ratifica a proposta de Cotta et al. ao afirmar que “investir na formação por meio de portfólios reflexivos significa uma aposta em uma nova epistemologia ligada à práxis, onde a ação é ao mesmo tempo condição e garantia da aprendizagem”1919. Cotta RMM, Costa GD, Mendonça ET. Portfólio reflexivo: uma proposta de ensino e aprendizagem orientada por competências. Cienc Saude Colet. 2013; 18(6):1847-56. (p. 1854).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2022
  • Aceito
    23 Jun 2023
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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