Educação sexual com adolescentes no contexto familiar à luz da (anti)dialogicidade freireana

Sexual education with adolescents within a family context in the light of Freirean (anti)dialogicality

Educación sexual con adolescentes en el contexto familiar bajo la óptica de la (anti)dialogicidad freireana

Lucas Vinícius de Lima Gabriel Pavinati Sonia Silva Marcon Vanessa Denardi Antoniassi Baldissera Gabriela Tavares Magnabosco Sobre os autores

Resumo

Este estudo buscou compreender, sob a perspectiva de adolescentes, os diálogos sobre sexualidade no contexto familiar. Desenvolveu-se um estudo descritivo-exploratório qualitativo ancorado no referencial dialógico de Paulo Freire. Os dados foram coletados por questionário on-line, pela técnica snowball , com 13 adolescentes de 14 a 19 anos de um município sul-brasileiro. Com as respostas, procedeu-se à construção de corpus textuais para a análise lexicográfica. As discussões sobre sexualidade no contexto familiar ocorreram de forma dialógica e antidialógica. A dialogicidade relacionou-se a sentimentos de confiança e afinidade, sobretudo com a mãe, enquanto a antidialogicidade se atrelou a situações de preconceito e conservadorismo mais evidentes no pai. Apreendeu-se que o contexto dos diálogos sobre sexualidade no ambiente familiar é influenciado por aspectos afetivos, culturais, sociais e religiosos.

Adolescente; Família; Sexualidade; Educação sexual; Educação

Abstract

The aim of this study was to understand family conversations about sexuality from the perspective of adolescents. We conducted an exploratory-descriptive qualitative study anchored in Paulo Freire’s dialogical framework. The data were collected using an on-line questionnaire completed by 13 adolescents aged 14-19 years living in a municipality in the south of Brazil selected using snowball sampling. A lexicographic analysis was performed of the text corpus created from the questionnaire answers. Family discussions about sexuality were dialogical and anti-dialogical. Dialogicality was related to feelings of trust and affinity, above all with mothers, while anti-dialogicality was bound to prejudice and conservatism, which was more evident in fathers. The findings show that the context of family discussions about sexuality is influenced by affective, cultural, social, and religious aspects.

Adolescent; Family; Sexuality; Sexual education; Education

Resumen

El objetivo de este estudio fue comprender, desde la perspectiva de adolescentes, los diálogos sobre sexualidad en el contexto familiar. Se desarrolló un estudio descriptivo-exploratorio cualitativo, anclado en el referencial de Paulo Freire. Los datos se colectaron utilizando un cuestionario on-line, mediante la técnica snowball , con 13 adolescentes de 14 a 19 años de un municipio del sur de Brasil. Con las respuestas, se procedió a la construcción de corpus textuales para el análisis lexicográfico. Las discusiones sobre sexualidad en el contexto familiar tuvieron lugar de forma dialógica y antidialógica. La dialogicidad se relacionó con sentimientos de confianza y afinidad, sobre todo con la madre, mientras que la antidialogicidad se vinculó a situaciones de prejuicio y conservadurismo, más evidentes en el padre. Se captó que el contexto de los diálogos sobre sexualidad en el ambiente familiar sufre influencia de aspectos afectivos, culturales, sociales y religiosos.

Adolescente; Familia; Sexualidad; Educación sexual; Educación

Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a adolescência como a segunda década da vida, marcada por transformações biopsicossociais quanto ao amadurecimento pessoal e sexual, à procura de identidade adulta e à busca de autonomia familiar11. World Health Organization. Adolescent friendly health services – an agenda for change [Internet]. Geneva: WHO; 2003 [citado 13 Maio 2022]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/67923
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2. Oliveira PS, Abud ACF, Inagaki ADM, Alves JAB, Matos KF. Vulnerability of adolescents to sexually transmissible diseases in primary care. Rev Enferm UFPE on line. 2018; 12(3):753-62. doi: 10.5205/1981-8963-v12i3a25063p753-762-2018.
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- 33. Costa TRL, Marcheti MA, Teston EF, Solon S, Marques FB, Knoch M, et al. Health education and adolescence: challenges for Family Health Strategy. Cienc Cuid Saude. 2020; 19:e55723. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v19i0.55723.
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. Reconhecendo a existência e/ou a sobreposição de fragilidades no ser e/ou no estar, os adolescentes constituem um grupo vulnerável, sobretudo no que se refere ao exercício da sexualidade44. Schaefer R, Barbiani R, Nora CRD, Viegas K, Leal SMC, Lora PS, et al. Adolescent and youth health policies in the Portuguese-Brazilian context: specificities and approximations. Cienc Saude Colet. 2018; 23(9):2849-58. doi: 10.1590/1413-81232018239.11202018.
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.

A sexualidade corresponde a um eixo central da vida, perpassando questões de sexo, identidade e gênero, orientação sexual, prazer, intimidade e reprodução, vivenciadas e expressas por pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores e relacionamentos55. World Health Organization. Defining sexual health: report of a technical consultation on sexual health, January 2002 [Internet]. Geneva: WHO; 2006 [citado 13 Maio 2022]. Disponível em: https://www.paho.org/hq/dmdocuments/2009/defining_sexual_health.pdf
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. Esses aspectos se encontram sob a influência de fatores biológicos, psicológicos, socioeconômicos, políticos, histórico-culturais, legais, religiosos e espirituais55. World Health Organization. Defining sexual health: report of a technical consultation on sexual health, January 2002 [Internet]. Geneva: WHO; 2006 [citado 13 Maio 2022]. Disponível em: https://www.paho.org/hq/dmdocuments/2009/defining_sexual_health.pdf
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Isso evidencia a necessidade de os adolescentes serem informados quanto aos processos involucrados na sexualidade66. Siva VK, Nesan GSCQ, Jain T. Knowledge, attitude and perception of sex education among school going adolescents in urban area of Chennai, Tamil Nadu. J Family Med Prim Care. 2021; 10(1):259-64. doi: 10.4103/jfmpc.jfmpc_1650_20.
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. A educação sexual é compreendida como o conjunto de experiências destinadas a incitar o comportamento conducente à saúde sexual77. Lameiras-Fernández M, Martínez-Román R, Carrera-Fernández MV, Rodríguez-Castro Y. Sex education in the spotlight: what is working? Systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2021; 18(5):2555. doi: 10.3390/ijerph18052555.
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, proporcionando uma vida reprodutiva saudável, prevenindo as infecções sexualmente transmissíveis, evitando a gravidez indesejada, entre outros66. Siva VK, Nesan GSCQ, Jain T. Knowledge, attitude and perception of sex education among school going adolescents in urban area of Chennai, Tamil Nadu. J Family Med Prim Care. 2021; 10(1):259-64. doi: 10.4103/jfmpc.jfmpc_1650_20.
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Ações de educação sexual podem e devem acontecer em diversos cenários, contudo se percebe que essas práticas têm ocorrido predominantemente no ambiente escolar77. Lameiras-Fernández M, Martínez-Román R, Carrera-Fernández MV, Rodríguez-Castro Y. Sex education in the spotlight: what is working? Systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2021; 18(5):2555. doi: 10.3390/ijerph18052555.
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8. Kazdouh HE, El-Ammari A, Bouftini S, Fakir SE, Achhab YE. Perceptions and intervention preferences of Moroccan adolescents, parents, and teachers regarding risks and protective factors for risky sexual behaviors leading to sexually transmitted infections in adolescents: qualitative findings. Reprod Health. 2019; 16(1):138. doi: 10.1186/s12978-019-0801-y.
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- 99. Lima LV, Pavinati G, Santi DB, Labegalini CMG, Baldissera VDA, Gil NLM. Educational practices for the prevention of sexually transmitted infections in adolescence: a realistic review. Rev Pesq Cuid Fundam. 2022; 14:e11755. doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v14.11755.
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. Embora o meio familiar também tenha potencial para favorecer a aquisição de saberes sobre sexualidade entre os adolescentes1010. Petry S, Padilha MI, Kuhnen AE, Meirelles BHS. Knowledge of nursing student on the prevention of sexually transmitted infections. Rev Bras Enferm. 2019; 72(5):1145-52. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0801.
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, ainda se nota déficit na comunicação entre pais e filhos1111. Koren A. Reproductive health for teens: parents want in too. J Sex Marital Ther. 2019; 45(5):406-13. doi: 10.1080/0092623X.2018.1549635.
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.

Emerge, portanto, uma necessidade no âmbito da Saúde Pública, uma vez que a adolescência é determinante para a adoção de hábitos que podem perdurar a vida toda33. Costa TRL, Marcheti MA, Teston EF, Solon S, Marques FB, Knoch M, et al. Health education and adolescence: challenges for Family Health Strategy. Cienc Cuid Saude. 2020; 19:e55723. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v19i0.55723.
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. Para desenvolver a educação sexual, sabe-se que o diálogo tem o potencial de oportunizar a criação e o estreitamento de laços e mediar práticas que avivam saberes dialógicos e plurais, balizados pela criticidade do indivíduo1212. Vieira SL, Silva GTR, Silva RMO, Amestoy SC. Diálogo e ensino-aprendizagem na formação técnica em saúde. Trab Educ Saude. 2020; 18 suppl 1:e0025358. doi: 10.1590/1981-7746-sol00253.
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, 1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. .

Por diálogo entende-se um fenômeno humano, pautado no encontro de reflexão-ação e mediatizado no mundo a ser transformado1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. . O ato dialógico, no sentido problematizador e emancipatório de Freire, ancora-se no reconhecimento de “situações-limite”, que culminam em “atos-limite”, pelos quais a realidade pode ser superada por novas maneiras de pensar e agir, os “inéditos-viáveis”1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. .

A dialogicidade tem como fundamentos o amor, a humildade e a fé nos indivíduos, configurando uma relação de confiança entre os sujeitos, que, aos poucos, tornam-se dialógicos1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. . Por outro lado, a inexistência desses nortes caracteriza a antidialogicidade, eliminando a relação entre “educador-educando” e “educando-educador”, o que impede a pronúncia e denota seres dominadores e dominados1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. .

Considerando a relevância social ao colocar em pauta a sexualidade junto do público-alvo, o potencial de contribuição na educação e na Saúde Pública para subsidiar políticas e/ou ações que tangenciem a adolescência, e a necessidade de produção atrelando o referencial dialógico à educação sexual informal, objetivou-se neste estudo: compreender, sob a perspectiva de adolescentes, os diálogos sobre sexualidade no contexto familiar.

Metodologia

Delineamento, população e cenário do estudo

Pesquisa descritivo-exploratória, de natureza qualitativa, cuja descrição ancorou-se no Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (Coreq)1414. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007; 19(6):349-57. doi: 10.1093/intqhc/mzm042.
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. O estudo teve como população-alvo os adolescentes residentes em Maringá, município de aproximadamente 450 mil habitantes e com índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,808, que se localiza no noroeste do Paraná, Brasil.

Critérios de seleção

O único critério de inclusão definido foi ter 14 a 19 anos. Esse recorte considera a classificação da OMS, tendo em vista que aos 14 anos se iniciam, com mais frequência, as relações afetivas e sexuais com os pares11. World Health Organization. Adolescent friendly health services – an agenda for change [Internet]. Geneva: WHO; 2003 [citado 13 Maio 2022]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/67923
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. Os critérios de exclusão foram: apresentar déficit cognitivo que impedisse a participação e não apresentar autorização do responsável, quando aplicável.

Participantes, período e coleta de dados

Para localização e inclusão dos participantes, utilizou-se a técnica bola de neve ( snowball ) pela qual foram escolhidos, por meio da rede de contato dos pesquisadores, informantes-chave para o início da coleta. Em seguida, esses informantes indicaram potenciais participantes e, assim, sucessivamente até que o quadro de amostragem se esgotasse, ou seja, os nomes não trouxessem informações inéditas à análise1515. Vinuto JA. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Tematicas. 2014; 22(44):203-20. doi: 10.20396/tematicas.v22i44.10977.
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.

A coleta ocorreu entre junho e julho de 2022. Os pesquisadores convidaram, via WhatsApp®, um responsável ou adolescente maior de 18 anos. Mediante o aceite, solicitou-se a indicação de dois potenciais nomes. Quando não houve indicação ou diante da recusa, foi convidado um novo informante-chave e, então, retomou-se o quadro até o momento em que os dados fossem suficientes para responder ao objetivo1515. Vinuto JA. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Tematicas. 2014; 22(44):203-20. doi: 10.20396/tematicas.v22i44.10977.
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. Salienta-se que não existia vínculo entre os pesquisadores e os participantes.

Foram considerados 22 adolescentes, dos quais nove não foram incluídos por recusa dos responsáveis. Assim, o estudo contou com 13 participantes. Para a coleta, empregou-se um instrumento disponibilizado via Google Forms® e estruturado em duas partes. A primeira, com questões para caracterização, e a segunda, com um roteiro de 16 perguntas abordando o objeto ( Apêndice ): “Como têm sido os diálogos sobre sexualidade no seu ambiente familiar?”.

Esse instrumento foi elaborado pelos autores e submetido a um processo de adequação por quatro pesquisadores da Saúde e/ou da Educação, que trabalham com a temática adolescência e/ou sexualidade. Analisaram-se a adequação da linguagem ao público-alvo, a inexistência de viés de resposta e a presença de uma única ideia central em cada questão, a fim de permitir o alcance do objetivo da pesquisa1616. Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5a ed. São Paulo: Atlas; 1999. .

A opção por disponibilizar o instrumento no Google Forms® teve o intuito de evitar possíveis constrangimentos e/ou desconfortos diante do tema e permitir maior participação. Assim, a interação entre o questionário eletrônico e a técnica snowball pode permitir variabilidade e abrangência de pessoas, garantir o anonimato e evitar a influência dos pesquisadores nas respostas1515. Vinuto JA. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Tematicas. 2014; 22(44):203-20. doi: 10.20396/tematicas.v22i44.10977.
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, 1616. Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5a ed. São Paulo: Atlas; 1999. .

Tratamento e análise dos dados

Procedeu-se à leitura das respostas retirando-se excertos para a elaboração do corpus para a dialogicidade e do corpus para a antidialogicidade, ancorando-se nos pressupostos de que o diálogo consiste na superação da relação “eu-tu”1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. . Os textos foram adequados para os parâmetros ortográficos e gramaticais do Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ®), versão 0.7 alpha 2.

Recorreu-se à classificação hierárquica descendente (CHD), que classifica os segmentos de texto em função de seus vocábulos. Assim, foram originadas classes com unidades de contexto elementar (UCE) que possuíam palavras semelhantes entre si e distintas das UCE das demais classes. As palavras das UCE foram testadas, por teste qui-quadrado, quanto à associação na categoria (p<0,05), e sua apresentação gráfica se deu em grupos e seus níveis de similaridade (dendograma)1717. Camargo BV, Justo AM. IRaMuTeQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013; 21(2):513-8. doi: 10.9788/TP2013.2-16.
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O dendograma apresenta um sequenciamento não numérico das classes, visto que o IRaMuTeQ®, por análises estatísticas e lexicográficas, origina as categorias com cores e numerações de forma automática. Nesse sentido, a interpretação dos resultados deve seguir a ordem hierárquica descendente das classes apresentadas no dendograma em vez de a ordem numérica convencional.

Empregou-se, ainda, a análise de similitude que, apoiada na teoria dos grafos, possibilitou a visualização da ocorrência e a conexão entre as palavras (similitude), agrupando-as em zonas centrais e periféricas. Essa análise lexicográfica foi representada em uma árvore gráfica1717. Camargo BV, Justo AM. IRaMuTeQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013; 21(2):513-8. doi: 10.9788/TP2013.2-16.
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. Por fim, os achados foram discutidos à luz do referencial teórico (anti)dialógico de Paulo Freire1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. .

Aspectos éticos

De acordo com a Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, obteve-se aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer nº 5.454.169/2022). Os adolescentes menores de 18 anos anuíram ao termo de assentimento livre e esclarecido (Tale) e apresentaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) do responsável. Os maiores de 18 anos consentiram pelo TCLE. Para identificar as respostas, utilizou-se a letra “A” seguida por um número arábico.

Resultados

A maioria (69%) dos participantes era do sexo feminino, com idade entre 17 e 19 anos (69%). Quanto à raça/cor autodeclarada e à orientação sexual, predominaram indivíduos brancos (77%) e heterossexuais (54%). Os adolescentes estavam no Ensino Médio (69%) em instituições públicas (62%). A maior parte era católica (62%) e de famílias nucleares (54%), com três a quatro moradores (54%) ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Características sociodemográficas e familiares dos participantes da pesquisa. Maringá, Paraná, Brasil, 2022.

No que se refere ao entendimento de sexualidade pelos participantes, a Figura 1 apresenta o leque semântico das palavras mais frequentes, representado por uma zona central e cinco zonas periféricas. Os adolescentes conceituaram a sexualidade como contextos sexuais e afetivos da vivência em sociedade, englobando relacionamentos, questões de gênero, orientação e vida sexual ( Figura 1 ).

Figura 1
Árvore de similitude do conceito de sexualidade sob a perspectiva dos adolescentes. Maringá, Paraná, Brasil, 2022.

Dialogicidade sobre sexualidade no contexto familiar

A análise do corpus da dialogicidade identificou 2.274 ocorrências de palavras, distribuídas em 241 formas ativas, que se dividiram em 61 unidades de contexto, com aproveitamento total de 86,9%. Da classificação hierárquica, foram originadas sete categorias de análise, apresentadas no dendograma com as palavras mais frequentes associadas a cada classe ( Figura 2 ).

Figura 2
Dendograma da classificação hierárquica descendente do corpus da dialogicidade. Maringá, Paraná, Brasil, 2022.

A classe 3 evidenciou que a família é o locus da procura por informações sobre o tema, pois os adolescentes consideraram que os familiares compreendem e auxiliam as suas necessidades para o exercício da sexualidade de maneira livre de julgamentos e preconceitos. Essa classe pode ser representada pelas seguintes unidades elementares:

[...] Em minha casa há familiares que me entendem e buscam me ajudar da melhor forma possível em todos os aspectos. (A12)

No começo, eu mesma me bloqueava com meu próprio medo e preconceito, mas quando entendi que elas [mãe e irmã] eram minhas amigas tudo ficou mais leve. (A5)

A classe 2, ligada à classe 3 na sub-repartição do corpus , corroborou a ideia do contexto familiar como cenário para os diálogos sobre sexualidade, uma vez que, para os adolescentes, os familiares são pessoas em quem se pode confiar quando existe a necessidade de uma conversa sobre esse tema. As seguintes UCE representam essa classe:

Acredito que o melhor lugar seja com família, pois são pessoas em quem podemos confiar. (A9)

[...] São pessoas de confiança que estão ali para te ouvir e te ajudar, e, acima de tudo, amam você e querem apenas que você confie nelas. (A5)

A classe 5 evidenciou que os adolescentes se sentem mais confortáveis, dentro do meio familiar, para pedir conselhos sobre sexualidade às suas mães, uma vez que, com elas, os diálogos costumam acontecer de forma aberta e de ausência de julgamentos. Essa classe pode ser representada pelas seguintes unidades de contexto do corpus:

[...] Me sinto confortável em conversar sobre minha sexualidade com ela. Penso isso, pois, desde que me lembro, minha mãe e eu sempre conversamos sobre tudo abertamente e a sexualidade não é uma exceção. (A3)

Venho construindo nossa relação há muito tempo e hoje em dia sei que posso falar sobre quase tudo para ela, por isso me sinto confortável para conversar sobre esse tema com ela. (A6)

A classe 4, ligada à classe 5 na sub-repartição do corpus , revelou que a preferência dos adolescentes em dialogar com as suas mães se respalda no fato de que elas entendem o conjunto de experiências vivenciadas na adolescência e tratam as conversas sobre sexualidade com naturalidade. As seguintes UCE representam essa classe:

[...] É com ela que converso sobre todos os assuntos, com tudo que acontece na minha vida. Eu também converso com outros membros da minha família, mas a minha mãe é a que eu tenho menos medo de conversar. (A11)

Me sinto mais à vontade para conversar com minha mãe, pois ela tem experiência com pessoas da minha idade e entende o que eu passo nessa fase da vida. (A12)

A classe 1, atrelada à sub-repartição que originou as classes 5 e 4, expôs que os diálogos sobre aspectos da vida íntima dos adolescentes no meio familiar costumam ocorrer de forma tranquila, dada a existência de uma relação agradável e aproximada com os familiares, especialmente as mães. Essa classe pode ser representada pelas seguintes UCE:

[...] Me ouviriam e dariam conselhos relacionados à sexualidade, sem julgamentos. Porém, essas pessoas seriam selecionadas de acordo com o critério de proximidade a mim e, também, que me respeitassem. (A3)

Todos os assuntos do âmbito particular da minha vida são discutidos tranquilamente entre mim e meus pais, sem perguntas impertinentes e sem que haja pressão. (A7)

A classe 7 apontou que os adolescentes, quando possuem necessidade de diálogo e precisam abordar a sua família para sanar dúvidas e/ou questionamentos atinentes à temática, consideram que as conversas sobre sexualidade costumam acontecer de forma leve e natural, com acolhimento e compreensão, conforme demonstrado nos relatos abaixo:

Sempre que surge uma dúvida sobre o assunto, eu chamo a minha mãe e irmã para conversarmos à noite. Pode ser no quarto ou na mesa bebendo uma cerveja, mas sempre de forma leve e descontraída. (A5)

Me sinto acolhida e compreendida, pois minha família me apoia em tudo que faço e, por isso, sempre que preciso, eu dialogo com eles sobre minha sexualidade. (A12)

A classe 6, ligada à classe 7 na sub-repartição do corpus , revelou que os diálogos sobre sexualidade costumam surgir durante conversas paralelas ou quando existem dúvidas específicas por parte dos adolescentes, geralmente em momentos em que a família está reunida. Essa classe pode ser representada pelas seguintes unidades elementares:

Geralmente ocorre de maneira aleatória, quando o assunto surge durante uma refeição ou durante um passeio, por exemplo. Acho que nunca nos sentamos para conversar especificamente sobre esse assunto. (A3)

Normalmente, chamo as pessoas em quem posso confiar e começamos a conversar sobre outros assuntos. Dentre esses assuntos, eu conduzo a conversa para o lado a que eu quero chegar/questionar. (A11)

Antidialogicidade sobre sexualidade no contexto familiar

A análise do corpus da antidialogicidade identificou 1.900 ocorrências de palavras, distribuídas em 244 formas ativas, que se dividiram em cinquenta unidades de contexto, com aproveitamento total de 72,0%. Da classificação hierárquica, foram originadas seis categorias de análise, apresentadas no dendograma com as palavras mais frequentes associadas a cada classe ( Figura 3 ).

Figura 3
Dendograma da classificação hierárquica descendente do corpus da antidialogicidade. Maringá, Paraná, Brasil, 2022.

A classe 2 compilou os sentimentos negativos de vergonha, receio e medo vivenciados por parte dos adolescentes quando dialogam (ou tentam) com membros de sua família, que, por sua vez, demonstram desinteresse pela vida íntima e sexual do jovem, conforme observado nos seguintes depoimentos (unidades de contexto) representativos dessa categoria:

Sinto vergonha, medo, receio, agonia, sufocada e cobrada. Sinto que a qualquer momento podem usar contra mim algo que eu mesma falei. [...] A falta de interesse dos meus pais em saber sobre minha vida sexual e pessoal [...] foi um grande motivo para eu perder a vontade de falar sobre minha vida com eles, por mais que, às vezes, eu ainda tente. (A1)

Tenho muita ansiedade e, algumas vezes, vergonha. Fico ansiosa porque tenho medo de falar algo errado ou em como vou começar o diálogo. E sinto vergonha pois não sei como vou agir durante e depois da conversa. (A8)

A classe 6, conectada à sub-repartição que originou as classes 4 e 3, apresentou as barreiras percebidas para que a discussão sobre sexualidade seja evitada no contexto familiar, as quais se relacionaram a questões culturais e religiosas que impossibilitam que o tema seja tratado de forma natural. As seguintes UCE representam essa classe:

Minha família não aceita o debate sobre sexualidade visto que, para eles, é algo muito bem definido e estabelecido às leis de Deus. Acredito que seja pela criação e doutrina ideológica, além da falta de acesso à informação/educação, da ausência de rede de apoio e de questões culturais e sociais relativas à época em que cresceram. (A2)

Para minha família não é um assunto muito natural de se tratar, não é uma coisa que conversamos “de boa”. [...] Acredito que isso aconteça por questões de “cresci com essa educação”. (A8)

A classe 4 evidenciou as atitudes que os adolescentes tomam perante os diálogos com sua família, uma vez que preferem evitar as discussões sobre sua vida íntima pela existência de limites para esse assunto, tanto por conhecimento insuficiente quanto por conservadorismo dos pais. Essa classe pode ser representada pelas seguintes UCE:

Apenas uma pessoa possui conhecimento e tolerância suficiente para conversar e responder às perguntas sobre minha sexualidade. E, também, pela bifobia presente na minha casa, prefiro evitar. (A10)

[...] Tento pensar que eles são de outros tempos e que para eles isso [sexualidade] não era uma coisa tão comum na época, então simplesmente deixo para lá. (A6)

A classe 3, ligada à classe 4 na sub-repartição do corpus , corroborou a classe anterior ao demonstrar que os adolescentes consideram que o meio familiar não representa o melhor lugar para dialogar sobre o assunto, visto que a família, normalmente, não aceita esse tipo de diálogo e não dá abertura ao tema, conforme observado nos depoimentos abaixo:

Não existem diálogos sobre sexualidade na minha casa. Não tenho abertura e nem desejo falar nada sobre isso com meus pais, apenas se forem situações de extrema importância e que não tenha como eu lidar sozinha, como uma gravidez indesejada. (A1)

[...] Existem limitações de assuntos que posso dialogar com eles e também pela pouca proximidade/intimidade para falar sobre esse assunto. (A6)

A classe 1 demonstrou que o antidiálogo, especialmente com a figura paterna, pode ser explicado por uma relação (ou ausência dela) que impede essa discussão, sobretudo pela presença de ideais conservadores que refletem preconceito em torno da orientação sexual dos adolescentes, conforme observado nos depoimentos do corpus textual:

Meu pai [...] tem uma cabeça muito fechada. Na verdade, seria até uma novidade se eu contasse qualquer coisa para ele, já que nunca tivemos esse tipo de relação. (A1)

Quando me assumi bissexual, meu pai reagiu como qualquer pai dos anos 70 reagiria: como se fosse um problema que afetasse nossa relação pai-filha. (A13)

A classe 5, ligada à classe 1 na sub-repartição do corpus , revelou que a figura paterna se associou à menor discussão sobre o assunto dentro de casa, pois os adolescentes não se sentem confortáveis e não percebem liberdade para falar sobre sua vida sexual com seus pais. Essa classe pode ser representada pelas seguintes unidades elementares:

Sinto como se eles fossem me criticar por qualquer coisa que eu queira falar. Com meu pai, por exemplo, nem cogito falar nada da minha vida sexual. (A1)

Apenas meu pai mora comigo, não me sinto nada à vontade com ele. É um homem muito fechado e com a cabeça pequena, não existe diálogo algum com ele quando se trata de um pensamento contrário ao dele. (A4)

Discussão

Pela análise lexicográfica, evidenciou-se que as discussões sobre sexualidade com adolescentes no contexto familiar ocorreram, antagonicamente, de forma dialógica e antidialógica. A dialogicidade relacionou-se a sentimentos de confiança e afinidade, sobretudo com a figura materna, enquanto a antidialogicidade se atrelou a situações de preconceito e conservadorismo, mais evidentes nos pais.

Dados de inquérito dos Estados Unidos demonstraram que apenas metade da população de adolescentes recebeu a orientação essencial sobre sua saúde sexual1818. Lindberg LD, Kantor LM. Adolescents’ receipt of sex education in a nationally representative sample, 2011-2019. J Adolesc Health. 2022; 70(2):290-7. doi: 10.1016/j.jadohealth.2021.08.027.
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. Isso enfatiza a necessidade de políticas igualitárias que promovam a educação sobre sexualidade na adolescência, visando à redução dos comportamentos de risco e à potencialização de relações saudáveis para o bem-estar entre o grupo77. Lameiras-Fernández M, Martínez-Román R, Carrera-Fernández MV, Rodríguez-Castro Y. Sex education in the spotlight: what is working? Systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2021; 18(5):2555. doi: 10.3390/ijerph18052555.
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.

No entanto, mais que isso, há necessidade de repensar as relações familiares quanto à educação sexual. A família exerce papel importante nos saberes e nas práticas de adolescentes; contudo, essa temática persiste como um desafio, dada a existência de contextos que perpassam desde a falta de compreensão acerca de sua importância até o despreparo dos pais para a educação efetiva dos filhos1919. Rouhparvar Z, Javadnoori M, Shahali S. Parents’ approaches to sexuality education of their adolescent boys: a qualitative study in Ahvaz, Iran. Reprod Health. 2022; 19:69. doi: 10.1186/s12978-022-01367-0.
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.

A percepção dos adolescentes acerca da sexualidade foi incipiente e limitada neste estudo. O vocábulo apresentou-se atrelado, de maneira eloquente e restrita, à orientação e ao próprio ato em si. Nesse sentido, as estratégias devem abordar fatores individuais e sociais e, para mais, incluir os familiares a fim de minimizar os aspectos socioculturais e pessoais que desaviam a comunicação legítima1010. Petry S, Padilha MI, Kuhnen AE, Meirelles BHS. Knowledge of nursing student on the prevention of sexually transmitted infections. Rev Bras Enferm. 2019; 72(5):1145-52. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0801.
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.

Dito isso, urge a necessidade de promover ações em diferentes cenários para combater os fatores que influenciam negativamente os diálogos99. Lima LV, Pavinati G, Santi DB, Labegalini CMG, Baldissera VDA, Gil NLM. Educational practices for the prevention of sexually transmitted infections in adolescence: a realistic review. Rev Pesq Cuid Fundam. 2022; 14:e11755. doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v14.11755.
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, 1111. Koren A. Reproductive health for teens: parents want in too. J Sex Marital Ther. 2019; 45(5):406-13. doi: 10.1080/0092623X.2018.1549635.
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, 1919. Rouhparvar Z, Javadnoori M, Shahali S. Parents’ approaches to sexuality education of their adolescent boys: a qualitative study in Ahvaz, Iran. Reprod Health. 2022; 19:69. doi: 10.1186/s12978-022-01367-0.
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. Na perspectiva freireana, os saberes incipientes apontam a superação que, somente o diálogo, começando na família, poderá promover1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. . Assim, o desvelamento dessa demanda configura uma prioridade, visando à mitigação dos contextos de desinformação2020. Silva CB, Motta MGC, Bellenzani R, Brum CN, Ribeiro AC. Pregnancy in young people born with HIV: particularities in the contexts of exercising sexuality. Interface (Botucatu). 2022; 26:e210307. doi: 10.1590/interface.210307.
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.

Para Freire, o diálogo não é apenas um ato de depositar ideias em uma relação verticalizada, tampouco uma troca dessas ideias, uma vez que se ancora na pronunciação dos sujeitos na (re)criação de saberes1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. . Esses pressupostos foram evidentes ao atrelar os sentimentos de confiança na figura materna, conforme visualizado na classe 5 do corpus da dialogicidade.

Essa relação pode ser fruto de uma construção diária derivada do maior tempo que as mães despendem junto de seus filhos, contestando a ideia do senso comum de que a figura materna possui a “tendência inata” para o cuidado2121. Badinter E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1985. . Ademais, o estilo parental, comumente pautado na afetividade e na responsividade, influencia positivamente o desenvolvimento dos adolescentes2121. Badinter E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1985. , 2222. Mota CP, Assunção S. Estilos parentais e comportamento desviante: papel mediador do consumo de álcool em estudantes universitários. Suma Psicol. 2020; 27(2):98-106. doi: 10.14349/sumapsi.2020.v27.n2.4.
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.

Por outro lado, ao se considerar a inexistência desses nortes dialógicos, destacou-se a figura paterna, cuja relação com os filhos foi marcada pela ausência de confiança, refletindo em sujeitos antidialógicos. Apesar do reconhecimento por parte dos pais do potencial do diálogo sobre a educação sexual de seus filhos, ainda se percebe sua ausência ou sua fragilidade2323. Santos MA, Costa-Dalpino LRS. Relação pai-filha e transtornos alimentares: revisando a produção científica. Psicol Teor Pesq. 2019; 35(Spec):e35nspe3. doi: 10.1590/0102.3772e35nspe3.
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.

Essa problemática foi percebida na classe 5 do corpus da antidialogicidade, sugerindo que esse fato esteja associado a uma concepção tradicional da dinâmica familiar, na qual o pai assume um papel meramente coadjuvante na vida dos filhos2323. Santos MA, Costa-Dalpino LRS. Relação pai-filha e transtornos alimentares: revisando a produção científica. Psicol Teor Pesq. 2019; 35(Spec):e35nspe3. doi: 10.1590/0102.3772e35nspe3.
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. Para mais, reconhece-se a influência da crença religiosa, que pode, inclusive, determinar os saberes adquiridos sobre o tema2424. Usonwu I, Ahmad R, Curtis-Tyler K. Parent-adolescent communication on adolescent sexual and reproductive health in sub-Saharan Africa: a qualitative review and thematic synthesis. Reprod Health. 2021; 18(1):202. doi: 10.1186/s12978-021-01246-0.
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.

É importante destacar, ainda, que aspectos socioeconômicos e culturais influenciam negativamente nos diálogos entre pais e filhos1111. Koren A. Reproductive health for teens: parents want in too. J Sex Marital Ther. 2019; 45(5):406-13. doi: 10.1080/0092623X.2018.1549635.
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, 2424. Usonwu I, Ahmad R, Curtis-Tyler K. Parent-adolescent communication on adolescent sexual and reproductive health in sub-Saharan Africa: a qualitative review and thematic synthesis. Reprod Health. 2021; 18(1):202. doi: 10.1186/s12978-021-01246-0.
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. Não obstante, a família é fundamental para o desenvolvimento do adolescente, sendo necessária a reflexão quanto aos papéis assumidos pelos atores no cuidado destinado aos filhos2222. Mota CP, Assunção S. Estilos parentais e comportamento desviante: papel mediador do consumo de álcool em estudantes universitários. Suma Psicol. 2020; 27(2):98-106. doi: 10.14349/sumapsi.2020.v27.n2.4.
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, independentemente do gênero parental.

Ressalta-se que a educação dialógica começa com a inquietação por parte dos “educandos-educadores”, e não quando os “educadores-educandos” propõem uma situação potencial de aprendizado1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. . Isso foi evidenciado em alguns depoimentos da classe 6 do corpus da dialogicidade, em que os adolescentes, em sua inquietude, buscaram informações com sua família.

Em contraste, a inquietação é desconsiderada na educação antidialógica. Dessa forma, não existe diálogo, uma vez que a educação acontece (ou não) com temáticas previamente definidas1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. . As classes 4 e 5 do corpus da antidialogicidade demonstraram esse aspecto, visto que o diálogo, quando existente, se restringiu a determinados assuntos, geralmente de interesse dos pais.

Freire postula que o diálogo é o alicerce da educação, decorrendo do desvelamento crítico do mundo, o qual não ocorre quando os opressores mitificam a realidade1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. em uma tentativa de manter a dominação. Assim, as “situações-limite”, percebidas como barreiras para “serem mais”, precisam ser confrontadas por meio de “atos-limite” para superar a realidade criando “inéditos-viáveis”1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. .

As classes 2, 6 e 4 do corpus da antidialogicidade remeteram a esse processo. Os adolescentes perceberam as barreiras para o diálogo e, por vezes, insistiram em tentativas de transformar a dominação em que se encontram. Isso sugere que a relação antidialógica impossibilita a desmitificação e inviabiliza a promoção de práticas educativo-cuidativas aos adolescentes2525. Santi DB, Rossa R, Bomfim LSS, Dias AR, Higarashi IH, Baldissera VDA. Adolescent health in the Covid-19 pandemic: a construction through Nola Pender’s model. Rev Bras Enferm. 2022; 75(6):e20210696. doi: 10.1590/0034-7167-2021-0696.
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.

Nesse ínterim, incentiva-se a construção de estratégias com os adolescentes, para o protagonismo e a autonomia do exercício da sexualidade99. Lima LV, Pavinati G, Santi DB, Labegalini CMG, Baldissera VDA, Gil NLM. Educational practices for the prevention of sexually transmitted infections in adolescence: a realistic review. Rev Pesq Cuid Fundam. 2022; 14:e11755. doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v14.11755.
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, 1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. , 2525. Santi DB, Rossa R, Bomfim LSS, Dias AR, Higarashi IH, Baldissera VDA. Adolescent health in the Covid-19 pandemic: a construction through Nola Pender’s model. Rev Bras Enferm. 2022; 75(6):e20210696. doi: 10.1590/0034-7167-2021-0696.
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. Reconhece-se, ainda, que o diálogo tem potencial para ocasionar mudanças conceituais e históricas1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 67a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. , 2626. Dalmolin IS, Heidemann ITSB. Integrative and complementary practices in Primary Care: unveiling health promotion. Rev Lat Am Enfermagem. 2020; 28:e3277. doi: 10.1590/1518-8345.3162.3277.
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, podendo balizar a transformação social em torno da temática no binômio adolescente-família.

Ademais, o referencial freireano associa-se, comumente, aos contextos de educação formal, nos quais as figuras do “educando-educador” e do “educador-educando” estão definidas. Destarte, o potencial inovador deste estudo é enfatizado ao atrelar a teoria da (anti)dialogicidade à educação sexual informal, a qual parece estar atrelada à aquisição de saberes sobre a temática pelos adolescentes2727. Lima LV, Bernardo PHP, Baldissera VDA, Gil NLM, Magnabosco GT, Moura DRO, et al. Comparative analysis of the knowledge of nursing students on HIV/AIDS and syphilis. Rev Baiana Enferm. 2022; 36:e46715. doi: 10.18471/rbe.v36.46715.
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.

Como limitações, pontua-se o expressivo número de recusas, sugerindo que a sexualidade persiste como um tabu no ambiente familiar. Isso evidencia a manutenção dominadora de uma “situação-limite” que somente se transmutará pelo diálogo. Para mais, menciona-se a aplicação do questionário via internet e em um município com IDH alto, delimitando as perspectivas a um estrato possivelmente mais favorecido.

Todavia, presume-se o potencial de contribuição desta pesquisa no âmbito da Saúde Pública, dada a importância do diálogo emancipatório para a educação sexual de jovens. Nesse segmento, as políticas públicas rumadas à adolescência devem transpor a hegemônica educação antidialógica, ancorada em ideais conservadores, para a educação dialógica, balizada na relação de confiança entre os atores.

Considerações finais

Vislumbrou-se a percepção dos adolescentes quanto aos diálogos em torno da sexualidade no ambiente familiar, ancorando-se nos pressupostos freireanos. Por conseguinte, apreendeu-se que as discussões se manifestam pelo antagonismo entre dialogicidade e antidialogicidade, sob influência de aspectos afetivos, culturais, sociais e religiosos, estando atreladas, respectivamente, às figuras materna e paterna.

Percebeu-se que contextos familiares permeados por relações frágeis, ideais conservadores e escasso conhecimento determinaram a antidialogicidade, sendo o inverso também visualizado no que se refere à dialogicidade. Entretanto, estudos que se aprofundem nessa interrelação são necessários para compreender melhor os aspectos que potencializam e/ou fragilizam o diálogo familiar.

Suscita-se, ainda, o desenvolvimento de estratégias que reverberem conhecimentos críticos e promovam a autonomia dos adolescentes, visando ao pleno entendimento e exercício da sexualidade. Todavia, a transformação do status quo pressupõe a inclusão da família nessas discussões a fim de superar os pretextos antidialógicos historicamente construídos.

Agradecimento

Aos juízes que, pronta e solicitamente, colaboraram no processo de adequação do instrumento de coleta de dados.

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    Lima LV, Bernardo PHP, Baldissera VDA, Gil NLM, Magnabosco GT, Moura DRO, et al. Comparative analysis of the knowledge of nursing students on HIV/AIDS and syphilis. Rev Baiana Enferm. 2022; 36:e46715. doi: 10.18471/rbe.v36.46715.
    » https://doi.org/10.18471/rbe.v36.46715

  • Financiamento: Este estudo foi desenvolvido mediante apoio de bolsas de pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), concedidas aos autores Lima LV e Pavinati G, e de bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), concedida à autora Marcon SS.

Apêndice


Apêndice. Instrumento de questões empregado na coleta de dados da pesquisa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2022
  • Aceito
    24 Abr 2023
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