Grupo de homens, estratégia bem-vinda e promissora para melhoria da abordagem na consulta médica

Men’s group, a welcome and promising strategy for improving the approach to medical consultation

Men’s group, una estrategia bienvenida y prometedora para mejorar el abordaje de la consulta médica

Guilherme Coelho Dantas Sobre o autor

O artigo de Bagrichevsky et al.11. Bagrichevsky M, Roberto MS, Cacciari M, Meireles AA. “Grupo de hombres” como dispositivo de promoción de la salud: experiencias singulares en prácticas de cuidado. Interface (Botucatu). 2023; 27:e220585. doi: 10.1590/interface.220585.
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nos convida a explorar a temática da saúde do homem. Os autores nos brindam com o relato da experiência de acompanhamento de um grupo de homens (GH) ao longo de três anos, o que nos propõe refletir acerca de preconceitos arraigados no senso comum.

A saúde do homem gerou certo grau de interesse entre 2000 e 2010 quando veio a ser reconhecida pelo Ministério da Saúde com a publicação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem22. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.944, de 27 de Agosto de 2009. Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009 [citado 1 Dez 2022]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1944_27_08_2009.html
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(PNAISH), voltada para o grupo entre vinte e 59 anos. Ainda assim, ela não conseguiu penetrar nas agendas dos municípios com a relevância necessária para se tornar efetiva no meio a tantas outras demandas prementes.

As justificativas foram inúmeras, desde a concepção da PNAISH que não contou com grupos organizados e robustos como se deu entre as mulheres, que fomentaram sua política e permanecem atuantes na defesa de seus interesses33. Martins AM, Malamut BS. Análise do discurso da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Saude Soc. 2013; 22(2):429-40.. Desta forma, a política basicamente se restringiu à campanha ‘Novembro Azul’ que alimenta o temor acerca do câncer de próstata utilizando uma estratégia de detecção precoce que “não diminui a mortalidade geral dos homens e muda muito pouco a mortalidade específica por câncer de próstata”44. Modesto AADA, Lima RLB, D’Angelis AC, Augusto DK. Um novembro não tão azul: debatendo rastreamento de câncer de próstata e saúde do homem. Interface (Botucatu). 2018; 22(64):251-62. doi: 10.1590/1807-57622016.0288.
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. Apesar de sua relevância epidemiológica, esta estratégia não se justifica diante dos outros agravos que incapacitam e lideram o perfil de morbi-mortalidade como as causas externas e as afecções cardiovasculares55. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de informação sobre mortalidade [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2022 [citado 1 Dez 2022]. Disponível em: http://sim.saude.gov.br/default.asp
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. Infelizmente, o limitado alcance da PNAISH não surpreende, já que a formação médica enfatiza o conhecimento aprofundado sobre as doenças em detrimento de se conhecer e atuar sobre as circunstâncias de adoecimento da população, independentemente da faixa etária ou do gênero, conforme preconizado pelas diretrizes curriculares66. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação [Internet]. Brasília: Ministério da Educação; 2022 [citado 1 Dez 2022]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15514-pces116-14&category_slug=abril-2014-pdf&Itemid=30192
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. Ainda assim, essa situação frustra aqueles que estudam o tema pela perda de oportunidade em se alcançar esse segmento, além do desgaste em tentar adequar os holofotes equivocados da campanha supracitada.

Portanto, a década passada foi oportunidade perdida por essa metade da população que não veio se apropriar do autocuidado, tendo apenas se tornado amedrontada e capturada a se desvencilhar do risco do câncer de maneira infantil. Nesse sentido, Rohden77. Rohden F. A “criação” da andropausa no Brasil: articulações entre ciência, mídia e mercado e redefinições de sexualidade e envelhecimento. Psicol Conoc Soc. 2012; 2(2):196-219. discute o efeito da ‘era pós-Viagra’ na tentativa de capturar os homens por meio do seu interesse e da preocupação quanto à disfunção erétil. Por outro lado, no caso da PNAISH, a tarefa mais complexa que deveria envolver sua conscientização como adultos aptos a assumir seu papel ficou restrita ao rastreio do câncer de próstata, visando reduzir mortalidade por uma abordagem que não se mostra indicada pelos estudos relevantes publicados44. Modesto AADA, Lima RLB, D’Angelis AC, Augusto DK. Um novembro não tão azul: debatendo rastreamento de câncer de próstata e saúde do homem. Interface (Botucatu). 2018; 22(64):251-62. doi: 10.1590/1807-57622016.0288.
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Assim, após dez anos de diversas iniciativas pontuais e desarticuladas, persiste a invisibilidade masculina na APS conforme fluxograma de Dantas88. Dantas GC. Saúde do homem. In: Gusso G, Lopes JMC, organizadores. Tratado de Medicina de Família e Comunidade. Porto Alegre: Artmed; 2012. p. 673-9. Vol. 1.: na medida em que os homens pouco frequentam as unidades básicas de saúde (UBS), pouco se conhece acerca desse segmento e, portanto, os serviços de saúde permanecem inaptos a desenvolver ações que afetem esse quadro no qual apenas um em cada três homens se consultaram na APS no ano anterior99. Brasil. Ministério da Saúde. SIASUS - Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2022 [citado 1 Dez 2022]. Disponível em: http://sia.datasus.gov.br/principal/index.php
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Nesse contexto, os autores nos convidam a conhecer as motivações, preocupações e atitudes de um grupo de dez homens entre quarenta e oitenta anos que frequentou determinada UBS. Os pesquisadores utilizaram a observação participante e fundamentaram seus achados com base na análise de conteúdo de seus diários de campo audiovisuais. Essa escolha se mostrou efetiva por confrontar a noção comum de que os homens não se interessam ou seriam avessos a se revelar. Esses clichês já foram questionados por Douglas et al.1010. Douglas FCG, Greener J, Van Teijlingen E, Ludbrook A. Services just for men? Insights from a national study of the well men services pilots. BMC Public Health. 2013; 13:425. entre outros. A partir daí, foram abordados assuntos delicados como a violência e a sexualidade.

Tais aspectos merecem destaque por ressaltar que diversas normatizações ainda restringem a perspectiva dos profissionais de saúde que evitam novas abordagens pela falta de capacitação para lidar com essa população, o que vem a ser encoberta pela pressão assistencial. Consequentemente, a consulta tem ficado restrita ao binômio queixa-conduta praticada nas UPAs e avançado sobre a Estratégia Saúde da Família (ESF), o que Dantas1111. Dantas GC. “Vamos discutir a relação?”: abordagens de saúde do homem na prática do(a) médico(a) de família [tese]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2020. denominou de a ‘upização da APS’ (p. 170).

Por outro lado, por uma postura acolhedora e dialógica, o grupo se fortaleceu como ‘espacio protegido’11. Bagrichevsky M, Roberto MS, Cacciari M, Meireles AA. “Grupo de hombres” como dispositivo de promoción de la salud: experiencias singulares en prácticas de cuidado. Interface (Botucatu). 2023; 27:e220585. doi: 10.1590/interface.220585.
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, o que certamente contribuiu para que muitos homens tenham se vinculado. Além disso, o espaço do grupo se destacou como exercício de promoção de saúde, tão necessária quanto rara, ilustrada pela participação de apenas um em cada quatro homens entre vinte e 59 anos atendidos nos ambulatórios de Sergipe99. Brasil. Ministério da Saúde. SIASUS - Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2022 [citado 1 Dez 2022]. Disponível em: http://sia.datasus.gov.br/principal/index.php
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. Enquanto isso, o GH demonstrou sua potência em promover saúde pela escuta combinada ao desejo manifesto em integrar um ambiente criado para sua participação, apartado de uma agenda predefinida como são as campanhas tradicionais. Experiência semelhante ocorre em Porto Alegre desde 2009, conforme relatado por Silva1212. Silva VN. O Grupo como instrumento de inserção do Homem no SUS. In: Anais do 13o Congresso Brasileiro de MFC; 2015; Natal (RN). Natal: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; 2015. p. 398..

Entre os resultados alcançados pelo GH, Bagrichevsky et al.11. Bagrichevsky M, Roberto MS, Cacciari M, Meireles AA. “Grupo de hombres” como dispositivo de promoción de la salud: experiencias singulares en prácticas de cuidado. Interface (Botucatu). 2023; 27:e220585. doi: 10.1590/interface.220585.
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destacam a dimensão relacional, pois o grupo teria servido como ponte entre os homens e entre eles e os profissionais de saúde, inclusive por uma postura menos medicalizada1313. Tesser CD, Poli Neto P, Campos GWS. Acolhimento e (des)medicalização social: um desafio para as equipes de saúde da família. Cienc Saude Colet. 2010; 15 Supl 3:3615-24. que é característica da clínica tradicional, ainda mais diante de um grupo pouco conhecido e afeito a outras propostas de abordagem. Afinal, uma consulta apressada incita a prescrever ou solicitar ‘uma bateria de exames’, incluindo o PSA, antígeno prostático específico, para se antecipar às eventuais demandas. Ao passo que inovar seria buscar conhecer e entender a pessoa e suas agendas tidas como ocultas, mas simplesmente desconhecidas. Nesse cenário, os pesquisadores destacaram o impacto da rotatividade de universitários e profissionais de saúde, o que foi verificado em outra pesquisa como empecilho à formação de vínculos e confiança nos profissionais da ESF1414. Dantas GC, Figueiredo WS, Couto MT. Desafios na comunicação entre homens e seus médicos de família. Interface (Botucatu). 2021; 25:e200663. doi: 10.1590/interface.200663.
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Por fim, os autores criticam a postura de alguns profissionais de saúde da UBS que teriam criado dificuldades de acesso às atividades oferecidas. Ilustraram a situação pela necessidade de os homens entrarem na fila para agendamento sabidamente limitado pelas poucas vagas existentes. Concluíram que a esses profissionais faltava habilidade de escutar as demandas implícitas. Tema delicado que, portanto, merece maior problematização na medida em que tais dificuldades são vivenciadas por idosos e mulheres, que padecem na fila inclusive para suas crianças, conforme regras estabelecidas e contempladas dentro dos princípios do SUS1515. Brasil. Ministério da Saúde. Lei n° 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 1990 [citado 1 Dez 2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
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. Em síntese, há que se discutir, sob a luz das políticas de equidade, de que forma as equipes de saúde podem contemplar as diferentes necessidades e peculiaridades que cada grupo populacional vivenciou a fim de promover justiça e harmonia entre eles.

Considerações finais

Enfim, cabe destacar o mérito desta iniciativa desenhada com base em metodologia robusta, que cumpriu seu papel promotor de saúde para um segmento tradicionalmente alienado das ações previstas pelas equipes de saúde na APS. Cabe ainda destacar que a tecnologia envolvida é complexa, mas não alheia à capacidade dos profissionais de saúde habilidosos em praticar a escuta qualificada e atenta às demandas dessa metade da população adulta.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2022
  • Aceito
    20 Dez 2022
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br