Luto e paternidade: ressignificações da experiência paterna após a perda de um(a) filho(a)

Bereavement and paternity: resignifications of the paternal experience after losing a child

Luto y paternidad: resignificaciones de la experiencia paterna después de la pérdida de un(a) hijo(a)

Paula Zanuto Maués Marcos Nascimento Sobre os autores

Resumos

O estudo baseia-se em pesquisa qualitativa de referencial socioantropológico, cujo objetivo foi compreender as ressignificações da paternidade diante da perda precoce de um filho. Sete homens foram entrevistados em ambientes digitais. Da análise pelo método de interpretação de sentidos, emergiram as categorias: representações sobre a paternidade; a experiência do luto; e ressignificações da paternidade. Os resultados apontaram que: 1) muitas representações paternas remeteram ao processo de tornar-se pai e à dedicação aos filhos; 2) evidenciaram-se particularidades do luto paterno, com destaque aos processos de despedida e às repercussões de apoio social; 3) as ressignificações abarcaram desde mudanças pessoais a iniciativas de mobilização pública. Os mandatos culturais masculinos incidem na invisibilização social do luto paterno. Assim, diante da lacuna existente no tema da Saúde Coletiva, busca-se trazer contribuições para a atenção aos pais enlutados.

Luto; Paternidade; Masculinidade; Gênero e saúde


We conducted a qualitative socio-anthropological study with the aim of understanding resignifications of paternity in the face of the loss of a child. Online interviews were conducted with seven men. We performed an analysis of the data using the interpretation of meanings method, resulting in the identification of the following categories: representations of paternity; the experience of grieving; and resignifications of paternity. The results revealed the following: 1) that many paternal representations alluded to the process of becoming a father and dedication to children; 2) the particularities of paternal grieving, highlighting the process of saying goodbye and the effects of social support; 3) that resignifications encompassed a range of aspects from personal change to public mobilization initiatives. Cultural norms of masculinity result in the social invisibilization of paternal grieving. Given the current lack of research on this topic in the field of public health, this study seeks to make contributions to the care of bereaved parents.

Bereavement; Paternity; Masculinity; Gender and health


El estudio se basa en una investigación cualitativa de referencial socioantropológico cuyo objetivo fue comprender las resignificaciones de la paternidad ante la pérdida precoz de un hijo. Se entrevistaron siete hombres en ambientes digitales. Del análisis por el método de interpretación de sentidos, surgieron las categorías: representaciones sobre la paternidad, la experiencia de luto y resignificaciones de la paternidad. Los resultados señalaron que: 1) muchas representaciones paternas remitieron al proceso de convertirse en padre y de la dedicación a los hijos; 2) quedaron en evidencia particularidades del luto paterno, con destaque para los procesos de despedida y las repercusiones de apoyo social; 3) las resignificaciones abarcaron desde cambios personales a iniciativas de movilización pública. Los mandatos culturales masculinos inciden en la invisibilización social del luto paterno. Por lo tanto, ante la laguna existente sobre el tema en la Salud Colectiva, se busca brindar contribuciones para la atención a los padres enlutados.

Luto; Paternidad; Masculinidad; Género y salud


Introdução

Experiências de pesar são esperadas diante de perdas significativas que convocam cada pessoa à realização de um trabalho de luto perante a ausência do ente querido11. Freud S. Luto e melancolia. São Paulo: Cosac Naify; 2011. . Os processos com que os enlutados se defrontam são simultaneamente subjetivos e sociais: vividos singularmente, os modos pelos quais são sentidos e expressos se associam intimamente à cultura22. Rezende CB, Coelho MC. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2010.

3. Charmaz K, Milligan MJ. Grief. In: Stets JE, Turner JH, editores. The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer; 2006. p. 517-43.
- 44. Mauss M. A expressão obrigatória de sentimentos. In: Oliveira RC, organizador. Mauss. São Paulo: Ática; 1979. p. 147-53. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). . Demarca-se tanto a onipresença de tal fenômeno como suas especificidades entre sociedades distintas33. Charmaz K, Milligan MJ. Grief. In: Stets JE, Turner JH, editores. The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer; 2006. p. 517-43. , 55. Laungani P, Young B. Conclusions I: Implications for practice and policy. In: Parkes CM, Laungani P, Young B, editores. Death and bereavement across cultures. New York: Taylor & Francis e-Library; 2004. p. 218-32. .

A antropologia das emoções, ao situar os sentimentos como vinculados ao social, apresenta um referencial para tematizar o luto. Se há normas que regulam a sua manifestação44. Mauss M. A expressão obrigatória de sentimentos. In: Oliveira RC, organizador. Mauss. São Paulo: Ática; 1979. p. 147-53. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). – tornando aceitável o choro copioso como sua expressão legítima em dados contextos, enquanto em outros são esperadas expressões mais contidas –, os sentimentos de luto experienciados na esfera íntima são também atravessados por modalidades de pensamento culturalmente forjadas. Por serem mediadas pela linguagem, as associações entre processos corporais e emoções variam entre diferentes grupamentos sociais22. Rezende CB, Coelho MC. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2010. . Neste trabalho, importa pensar as articulações entre masculinidades e emoções, tendo as experiências de paternidade e os processos de luto como elementos cruciais de análise.

São ainda incipientes as pesquisas voltadas às interseções entre a antropologia das emoções e as masculinidades66. Ramírez Rodríguez JC, Gómez González MP, Gutiérrez De La Torre NC, Sucilla Rodríguez MV. Masculinities and emotions as sociocultural constructions: a bibliometric review. MCS. 2017; 6(3):217-56. . Estudos indicam que os processos de regulação emocional se configuram como parte das atribuições designadas ao ser homem77. Ramírez Rodríguez JC. Algunos elementos para el debate sobre la intersección entre masculinidad y emociones. In: Ramírez Rodríguez JC, coordenador. Hombres, masculinidades, emociones. Guadalajara: Editorial Página Seis; 2020. p. 15-46. . A expressão dos sentimentos, além de ser regulada socialmente, é também internalizada pelo sujeito de tal modo que ele próprio tende a ser o seu principal agente de regulação. Ramírez Rodríguez lança luz, por exemplo, na recorrente vivência restritiva dos sentimentos pelos homens77. Ramírez Rodríguez JC. Algunos elementos para el debate sobre la intersección entre masculinidad y emociones. In: Ramírez Rodríguez JC, coordenador. Hombres, masculinidades, emociones. Guadalajara: Editorial Página Seis; 2020. p. 15-46. . A solidão masculina diante das emoções aparece também como elemento de destaque, o que incide nos ritos vividos por eles. Pensar as imbricações entre processos de luto e as discussões sobre gênero implica tomar por base o momento histórico em que esse conceito, politicamente carregado de significados, se ancora88. Connell RW. Masculinidades. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México; 2003. .

Nesse sentido, sem perder de vista que há um longo caminho a ser percorrido no sentido da equidade de gênero no contexto latinoamericano99. Herrera F, Aguayo F, Weil JG. Proveer, cuidar y criar: evidencias, discursos y experiencias sobre paternidad en América Latina. Polis. 2018; 17(50):5-20. , alguns trabalhos vêm se dedicando a analisar o campo das políticas públicas1010. Medrado B, Lyra J, Oliveira AR, Azevedo M, Santos GMNC, Felipe D. Políticas públicas como dispositivos de produção de paternidades. In: Moreira LVCM, Petrini G, Barbosa FB, organizadores. O pai na sociedade contemporânea. Bauru: EDUSC; 2010. p. 53-79. e a pensar a paternidade como questão de saúde diante das relações de gênero1111. Ribeiro CR, Gomes R, Moreira MCN. A paternidade e a parentalidade como questões de saúde frente aos rearranjos de gênero. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3589-98. . As representações sociais sobre o masculino e o paterno permeiam o processo de transição para a paternidade, influindo tanto na proximidade de cada homem com a gestante e o bebê desde o período gravídico, como em suas expectativas relativas à rede de apoio1212. Trindade Z, Cortez MB, Dornelas K, Santos M. Pais de primeira viagem: demanda por apoio e visibilidade. Saude Soc. 2019; 28(1):250-61. . Além disso, tais construções culturais interferem nas ações de cuidado à saúde1313. Gomes R, Albernaz L, Ribeiro CRS, Moreira MCN, Nascimento M. Linhas de cuidados masculinos voltados para a saúde sexual, a reprodução e a paternidade. Cienc Saude Colet. 2016; 21(5):1545-52. , o que se mostra relevante porque as interações com os serviços influenciam o trabalho de construção subjetiva dos homens sobre os sentidos da paternidade1414. Brasileiro PGL, Volkmer V, Bichara ID, Bastos ACS. A transição para a paternidade e a paternidade em transição. In: Moreira LVCM, Petrini G, Barbosa FB, organizadores. O pai na sociedade contemporânea. Bauru: EDUSC; 2010. p. 145-65. .

Com base em tais referenciais, os processos de luto paterno são aqui pensados como temas da Saúde Pública à luz das questões de gênero. Investigações recentes indicam que esse luto é influenciado por especificidades de gênero que incidem no desempenho de papéis masculinos no contexto da perda e em demandas de apoio formal/informal – também relativas à assistência em saúde1515. Obst KL, Due C. Australian men’s experiences of support following pregnancy loss: a qualitative study. Midwifery. 2019; 70:1-6.

16. Pabón LML, Fergusson MEM, Palacios AM. Experience of perinatal death from the father’s perspective. Nurs Res. 2019; 68(5):E1-9.

17. Due C, Chiarolli S, Riggs DW. The impact of pregnancy loss on men’s health and wellbeing: a systematic review. BMC Pregnancy Childbirth. 2017; 17(1):380.
- 1818. Weaver-Hightower MB. Losing Thomas & Ella: a father’s story (a research comic). J Med Humanit. 2017; 38(3):215-30. . Ainda que seja importante oferecer aos pais a oportunidade de escoar seu pesar1919. Braga NA, Morsch DS. Quando o bebê morre. In: Moreira MEL, Braga NA, Morsch DS, organizadoras. Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI neonatal. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. Cap. 14, p. 157-70.

20. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru: manual técnico. 3a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.
- 2121. McCreight BS. A grief ignored: narratives of pregnancy loss from a male perspective. Sociol Health Illn. 2004; 26(3):326-50. , é recorrente que encontrem parcos espaços de acolhida em seu sofrimento33. Charmaz K, Milligan MJ. Grief. In: Stets JE, Turner JH, editores. The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer; 2006. p. 517-43. , 2222. Doka KJ. Grief is a journey: finding your path through loss. New York: Atria Books; 2016. Part 3: The unacknowledged losses of life: disenfranchised grief; p. 158-60. . Influenciados pelas trocas sociais, os processos de ressignificação construídos após uma perda se revelam cruciais2323. Neimeyer RA. Reconstructing meaning in bereavement: summary of a research program. Estud Psicol. 2011; 28(4):421-6.

24. Klass D. Continuing bonds. In: Thompson N, Cox GR, editors. Handbook of the sociology of death, grief, and bereavement: a guide to theory and practice. New York: Routledge; 2017. p. 141-58.
- 2525. Luna IJ, Moré CO. Narrativas e processo de reconstrução do significado no luto. Rev M. 2017; 2(3):152-72. .

O luto envolve tanto a assimilação da perda nas prévias representações que a pessoa possuía sobre o mundo como a criação de novos sentidos na vida2525. Luna IJ, Moré CO. Narrativas e processo de reconstrução do significado no luto. Rev M. 2017; 2(3):152-72. , 2626. Parkes CM, Prigerson HG. Bereavement: studies of grief in adult life. 4th ed. New York: Routledge; 2010. . Sentidos esses gerados/transformados na relação com os outros, pois são as comunidades que fornecem narrativas com as quais as pessoas podem construir as suas próprias, individuais ou coletivas2424. Klass D. Continuing bonds. In: Thompson N, Cox GR, editors. Handbook of the sociology of death, grief, and bereavement: a guide to theory and practice. New York: Routledge; 2017. p. 141-58. .

Butler lança luz à dimensão do luto público como ato político, isto é, à reivindicação de sujeitos pelo direito de chorar publicamente suas perdas diante de situações em que se viram privados do reconhecimento social de seu pesar2727. Butler J. Judith Butler: “De quem são as vidas consideradas choráveis em nosso mundo público?” [Internet]. Madrid: El País; 2020 [citado 10 Jun 2021]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/babelia/2020-07-10/judith-butler-de-quem-sao-as-vidas-consideradas-choraveis-em-nosso-mundo-publico.html
https://brasil.elpais.com/babelia/2020-0...
. Trata-se de um fenômeno entre o público e o privado, de modo que a dor intimamente vivida convoca outros sujeitos à presença e à partilha, incidindo em seu processo de elaboração. Por isso, na direção sustentada por Minayo ao afirmar a importância de que a Saúde Coletiva assuma os temas da finitude e do luto – que tratam de nossa realidade mais insofismável2828. Minayo MCS. Cuidar do processo de morrer e do luto. Cienc Saude Colet. 2013; 18(9):2484. –, este trabalho busca compreender as ressignificações da paternidade experienciadas por homens diante da perda precoce de um filho.

Percurso metodológico

A pesquisa é de abordagem qualitativa, e a técnica de coleta de dados utilizada foi a de entrevistas semiestruturadas. Realizadas durante a pandemia de Covid-19, as entrevistas ocorreram em ambientes digitais, mediadas pelo Zoom (aplicativo de conversa em tempo real). O estudo foi submetido à Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz pelo parecer de número 4.314.311.

Foi seguida a direção apontada por Deslandes e Coutinho a respeito das pesquisas em ambiências digitais. Os pesquisadores sociais são hoje convocados a compreender melhor sua dinâmica, uma vez que a tecnologia é o próprio espaço/meio pelo qual os sujeitos interagem2929. Deslandes S, Coutinho T. Pesquisa social em ambientes digitais em tempos de Covid-19: notas teórico-metodológicas. Cad Saude Publica. 2020; 36(11):e00223120. . Assim, primeiramente foi realizada uma aproximação ao campo por meio da observação de plataformas digitais públicas ( blogs e grupos de Facebook) de coletivos de apoio ao lutoccDo luto à luta: apoio à perda gestacional e neonatal.Disponível em: https://dolutoalutaapoioaperdagestacional.wordpress.com/quem-somos/quem-somos/Luto do homem. Disponível em: https://www.lutodohomem.com/ . Buscou-se conhecer o que os homens/pais manifestavam e que interações estabeleciam nesses espaços. Após aprovação do Comitê de Ética, fizemos contato on-line com informantes-chave – articuladores de coletivos (além de páginas públicas e também grupos de WhatsApp) de compartilhamento de experiências paternas e/ou de luto – que se dispuseram a divulgar o estudo para possíveis interessados. Os participantes entraram em contato conosco pelo aplicativo WhatsApp.

O universo da pesquisa foi, assim, composto por sete homens cisgêneros de camada média, entre 34 e 49 anos, escolarizados – seis deles com nível superior e um com ensino médio. Apenas um deles se declarou pardo e todos os demais se declararam brancos, de modo que a pesquisa abarcou um recorte de raça específico. Além disso, cabe mencionar que alguns pais já contavam com um percurso psicoterapêutico e acesso a redes às quais muitos outros homens não possuíam. Todos têm outros filhos vivos, com idades variadas. Alguns sofreram a perda do filho há mais de dez anos e outros passaram por essa perda mais recentemente. Seus filhos faleceram em decorrência de desfechos de saúde/adoecimento, entre o período perinatal e a idade de quatro anos. Apenas um sofreu de modo súbito, no contexto do parto, enquanto os demais já haviam sido informados sobre os riscos diante do quadro de saúde da criança.

O Registro de Consentimento Livre e Esclarecido foi aplicado previamente a cada participante e, no começo de cada entrevista, foi fornecido espaço para que solicitassem esclarecimentos de possíveis dúvidas. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. Dados que possibilitassem a identificação do participante foram ocultados para preservar sua confidencialidade. O roteiro das entrevistas foi formulado com base em dados advindos da literatura e da supracitada aproximação ao campo via plataformas digitais.

O roteiro semiestruturado permitiu que as questões fossem abordadas de maneira aberta, respeitando as singularidades de cada encontro. Entrevistar remotamente requer o manejo de aspectos que possam favorecer a interação2929. Deslandes S, Coutinho T. Pesquisa social em ambientes digitais em tempos de Covid-19: notas teórico-metodológicas. Cad Saude Publica. 2020; 36(11):e00223120. . Buscou-se construir, na direção apontada por Bourdieu, uma escuta ativa e metódica, afastada da completa não intervenção e da pesquisa totalmente dirigida, na tentativa de favorecer a aproximação com a linguagem dos entrevistados3030. Bourdieu P. Compreender. In: Bourdieu P, Accardo A, Balazs G, Beaud S, Bordieu E, Bourgois P, et al, organizadores. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes; 2001. p. 693-732. . As principais questões da pesquisa abordaram: suas experiências de paternidade; o cuidado com os filhos; o acontecimento da perda e seus processos de luto; as experiências de apoio com que contaram; sua história de participação em grupos (caso o interlocutor a tivesse); e as ressignificações de suas experiências paternas diante do luto.

Para a análise dos dados, adotou-se o método de interpretação de sentidos, conforme Gomes3131. Gomes R. Análise e interpretação de dados em pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2009. p. 79-108. , que apresenta avanços em relação ao referencial de Bardin3232. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. . No processo, para se chegar aos núcleos de sentido significativos para o objetivo do trabalho, o material foi decomposto e distribuído em categorias. Em seguida, foi descrito o resultado da categorização, expondo o que foi encontrado na análise; chegou-se às inferências dos resultados baseadas em premissas do estudo e conhecimentos prévios sobre o tema; e, por fim, foi realizada a interpretação dos resultados, de acordo com o referencial adotado. Ao final, uma síntese interpretativa3131. Gomes R. Análise e interpretação de dados em pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2009. p. 79-108. foi operada visando articular o arcabouço teórico, as questões que orientaram a pesquisa, os resultados obtidos com a análise do material e as inferências produzidas. Na seção a seguir, os resultados serão discutidos com base nos núcleos de sentido encontrados.

Resultados e discussão

O diálogo entre as histórias dos entrevistados e o arcabouço teórico da pesquisa conduziu aos núcleos de sentido aqui trabalhados. O primeiro, “Representações sobre a paternidade”, desdobrou-se em duas ideias associadas: a) Tornar-se pai: desejo, planejamento e construção da paternidade; b) Cuidados com os(as) filhos(as). O segundo, “A experiência do luto”, teve como ideias associadas: a) O recebimento do diagnóstico e a vivência da perda; b) Os tempos e ritos de despedida; c) A presença (ou ausência) de redes de apoio. Já o terceiro, “Ressignificações da paternidade”, gerou as ideias associadas: a) Mudanças pessoais; b) Mobilização pública.

Representações sobre a paternidade

As representações dos participantes sobre a transição para a paternidade conduziram à formulação da ideia associada “Tornar-se pai: desejo, planejamento e construção da paternidade”. Eles se referiram tanto ao envolvimento com a primeira gravidez da parceira quanto à decisão de ter mais filhos.

Todos mencionaram a receptividade à ideia de se tornarem pais. Os acordos referentes à gravidez foram descritos por eles como conversados junto com a parceira. A experiência de ter um filho revelou-se gratificante e incidiu na decisão de ter outros filhos. Em sua maioria, portanto, os participantes desejavam ser pais novamente. Alguns delimitaram repercussões das vivências de adoecimento/perda – algumas delas marcadas por síndromes raras3333. Moreira MCN, Nascimento MAF, Campos DS, Albernaz L, Costa ACC, Barros LBP, et al. Adoecimentos raros e o diálogo associativo: ressignificações para experiências morais. Cienc Saude Colet. 2019; 24(10):3673-82. – nesse processo. Apresenta-se aí um ponto que faz interface com a experiência do luto, evocando a presença (ou ausência) do medo de ter novos filhos após a perda.

Os pais puderam também tematizar as emoções e diferenças vividas a cada gestação: “foram três gestações completamente diferentes uma da outra (...)” (Ricardo, 38 anos, sofreu a perda da filha que tinha Síndrome de Edwards ainda durante o período gestacional da esposa). Ao retomar seu percurso de transição para a paternidade, um entrevistado associou o fato de não se imaginar sendo pai anteriormente ao sentimento de ter sido desde cedo cerceado em sua capacidade de criação e afeto – o que dialoga com a dimensão de contenção emocional dos homens como culturalmente construída77. Ramírez Rodríguez JC. Algunos elementos para el debate sobre la intersección entre masculinidad y emociones. In: Ramírez Rodríguez JC, coordenador. Hombres, masculinidades, emociones. Guadalajara: Editorial Página Seis; 2020. p. 15-46.:

Não me imagino sendo pai alguns anos antes [...] Por conta do... de mudar a chave assim, de estar aberto [...] a gente vai sendo tolhido a vida toda e vai perdendo as nossas potencialidades enquanto, tanto quanto indivíduo, quanto coletivo mesmo assim também né, vai perdendo a capacidade de criar né, de imaginar né, do afeto (Álvaro, 34 anos, perdeu um filho subitamente, pouco após o parto).

A construção do sentimento de paternidade foi comentada como um movimento dinâmico e processual. Vicente associou o sentir-se pai pela primeira vez ao tempo do sentimento de luto:

Eu comecei a sentir, né, tudo o que se passa num luto, foi ali que eu comecei a sentir que “eu tenho um filho, ele não tá vivo, não nasceu vivo, mas eu tenho, eu sou pai”. (Vicente 42 anos, perdeu um filho devido a um quadro de malformação congênita)

Mais à frente pôde ressaltar, contudo, quão transformador foi acompanhar o nascimento de seu segundo filho. Essa experiência assume o lugar de reflexão sobre a vivência, marcando o início de outro tempo da paternidade: “(...) acompanhar o nascimento foi a coisa mais maravilhosa que eu já passei (...) eu me sentia pai, já, do [1º filho], mas (...) me senti muito mais pai, assim, quando isso aconteceu”. Outros interlocutores também situaram o sentimento de paternidade mais fortemente por meio do nascimento do bebê – o que é ressaltado por Fiterman e Moreira3434. Fiterman H, Moreira LVC. O pai na gestação, no parto e aos três meses de vida do primeiro filho. Polis. 2018; 17(50):47-68. ao delimitarem a intensidade das transformações subjetivas dos pais quando se deparam com o filho pela primeira vez e participam de seus cuidados.

Sobre a segunda ideia associada, “Cuidados com os(as) filhos(as)”, os pais se mostraram bastante atentos e cuidadosos. Alguns abordaram a importância de dividir mais equanimemente as responsabilidades com a mãe. Cuidar de filhos, por mais que se revele “recompensador”, é também descrito como algo “extremamente cansativo”. Em contraste com isso, é frequente que tais atividades, desempenhadas majoritariamente por mulheres, sejam reconhecidas social e individualmente como cuidado, mas não como trabalho3535. Guimarães NA, Vieira PPF. As “ajudas”: o cuidado que não diz seu nome. Estud Av. 2020; 34(98):7-24. . A situação brasileira evidencia a necessidade de avanços nas políticas que favoreceram o engajamento paterno nos cuidados ao bebê. Além de se depararem com fortes demandas emocionais, eles precisam fazer negociações entre a busca por uma paternidade ativa e as exigências laborais3636. Castoldi L, Gonçalves TR, Lopes RCS. Envolvimento paterno da gestação ao primeiro ano de vida do bebê. Psicol Estud. 2014; 19(2):247-59. . Nessa direção, um entrevistado comentou como o período de licença-paternidade se revela “totalmente insuficiente”.

A maioria falou, ainda, sobre as preocupações com o quadro de saúde de seus filhos em meio às demandas do trabalho, situando sua conciliação com a rotina de internação hospitalar. A importância de uma presença atenta aos outros filhos, irmãos da criança adoecida, também foi amplamente evocada. Tais relatos lançam luz às complexidades enfrentadas pelos pais nesses contextos em que, além de acompanharem o sofrimento dos filhos, precisam cuidar de diferentes demandas1919. Braga NA, Morsch DS. Quando o bebê morre. In: Moreira MEL, Braga NA, Morsch DS, organizadoras. Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI neonatal. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. Cap. 14, p. 157-70.:

Minha esposa, ela ficava com [a 2ª filha] todos os dias lá no hospital [...] eu corria atrás de pesquisar, eu fui atrás também de dar entrada no INSS, pra tirar o benefício dela, a parte burocrática [...] Mas eu também tinha que dar atenção à [1ª filha]. (Bernardo, 39 anos, perdeu uma filha que tinha Síndrome de Edwards após complicações de seu quadro de saúde).

A experiência do luto

A maioria dos participantes recebeu previamente a notícia de que algo não ia bem com a saúde do filho. Eles comentaram importantes vivências desde o recebimento do diagnóstico até o desfecho de perda, cada um com suas experiências particulares. Vicente recebeu o diagnóstico de malformação congênita do filho no tempo da gravidez da esposa. Ricardo soube que a filha tinha Síndrome de Edwards também no período gestacional. Esse mesmo diagnóstico foi confirmado por Henry e por Bernardo pouco após o nascimento de suas filhas. Quando a filha de Fernando era ainda bebê, ele foi informado sobre a sua condição cardíaca – um caso de ventrículo único. Já Alberto soube que o filho tinha atrofia muscular espinal pouco tempo após o seu nascimento. Álvaro foi o único participante que sofreu a perda súbita do filho no contexto do parto. Destaca-se que uma morte súbita tende a provocar abalos em uma intensidade diferente daqueles em que se anuncia anteriormente a possibilidade de morte33. Charmaz K, Milligan MJ. Grief. In: Stets JE, Turner JH, editores. The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer; 2006. p. 517-43. .

Alguns destacaram o peso do diagnóstico que marca um antes e um depois na vida:

[...] eu entrei no consultório com uma filha, e eu saí do consultório com aquele negócio de: minha filha, eu não sei se ela vai estar aqui mais. (Fernando, 49 anos, perdeu uma filha aos 4 anos em um contexto de cirurgia cardíaca)

Na data do diagnóstico, acabou. Dali para frente [...] foi uma tentativa de acontecesse algum milagre [...]. (Alberto, 44 anos, perdeu um filho aos seis meses de idade em decorrência de um quadro de Atrofia Muscular Espinal)

Essas trajetórias dialogam com o que Moreira3737. Moreira MCN. Trajetórias e experiências morais de adoecimento raro e crônico em biografias: um ensaio teórico. Cienc Saude Colet. 2019; 24(10):3651-61. sinaliza sobre o sentimento de ter sido invadido por algo que não era esperado – a doença rara. Sem perder de vista de que se trata aqui de um recorte específico, tais acontecimentos evocam uma dimensão disruptiva diante da notícia da condição grave de saúde da criança, uma vez que contrasta com aquilo que é comumente esperado pelos pais, isto é, uma infância saudável para seus filhos.

Também nesse sentido, Ricardo aludiu ao momento da notícia de que algo não ia bem com a filha como o “primeiro luto”. O contato com o “luto real” se deu, por sua vez, quando soube que ele e a esposa precisariam fazer os procedimentos de parto, registro e enterro da bebê. Cabe mencionar que a ideia associada “os tempos e ritos de despedida” destacou quão fundamental se revela a oportunidade de os pais se despedirem do corpo do filho. É recomendável que a equipe os acolha, oferecendo a possibilidade de, caso assim desejem, permanecerem a sós com o bebê e realizarem seus rituais de despedida1919. Braga NA, Morsch DS. Quando o bebê morre. In: Moreira MEL, Braga NA, Morsch DS, organizadoras. Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI neonatal. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. Cap. 14, p. 157-70. - 2020. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru: manual técnico. 3a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2017. .

Ritos particulares foram situados como via de elaboração do tempo de luto. Vicente comentou a ideia de conversar com o filho no trajeto para o trabalho. Hoje, quando tem essas conversas, é porque “gosta de manter viva a memória do [filho]”. Essa dimensão foi também evocada por outros, como Ricardo, que ressalta encontrar um modo de “manter a história e o legado que [a filha] deixou vivos” ao falar sobre o que viveu com ela. Essa dimensão situa a existência de vínculos contínuos entre o enlutado e aquele que se foi: o luto comporta, assim, tanto um trabalho de elaboração como a permanência de memórias vivas do ente perdido2424. Klass D. Continuing bonds. In: Thompson N, Cox GR, editors. Handbook of the sociology of death, grief, and bereavement: a guide to theory and practice. New York: Routledge; 2017. p. 141-58. , 3838. Walter T. What death means now: thinking critically about dying and grieving. Bristol: Policy Press Shorts Insights; 2017. .

Estudos transculturais sobre os sentimentos e ritos do luto revelam como diferentes culturas manejam contínuos laços com as pessoas falecidas. Klass2424. Klass D. Continuing bonds. In: Thompson N, Cox GR, editors. Handbook of the sociology of death, grief, and bereavement: a guide to theory and practice. New York: Routledge; 2017. p. 141-58. pôde identificar elementos que trazem algum conforto aos pais: ١) preservar objetos de ligação, isto é, objetos físicos e simbólicos que lembram o(a) filho(a) perdido, até se tornar possível internalizar essas lembranças e, assim, abrir mão da presença física do objeto; 2) por crenças e rituais religiosos; 3) por meio de memórias que os lembrem do mundo quando ele ainda era compartilhado com a criança; 4) pela identificação, isto é, tornando a criança internalizada parte de si mesmo. Assim, o luto se revela um processo relacional entre o enlutado e o morto, que está em vários graus ausente e presente.

Sobre os tempos do luto, é interessante o insight que Vicente teve durante a entrevista sobre um ritual singular que marcou um encerramento do ciclo de seu luto:

Comprei caixas e caixas de cerveja [para o chá de fraldas] [...] se eu tivesse que ir a uma festa [‘ah, traz cerveja…’], eu ia, mas não levava [...] tomei todas as cervejas sozinho. A última, eu até fiz uma questão de homenagem pra ele. Acho que ali se encerrou o processo, sabe? (Vicente, 42 anos)

A transição paulatina dessas cervejas escolhidas para um momento de chá de fraldas, portanto coletivo e festivo, para um caminho íntimo de trabalho de luto, traz maneiras pelas quais muitos homens lidam com o pesar: a cerveja como companhia; a solidão; a prestação de homenagens ao filho. Esse caminho singular de elaboração do luto não deixa de apresentar interlocuções com o que estudos sobre emoções e masculinidades destacam a respeito dos processos de regulação emocional masculinos77. Ramírez Rodríguez JC. Algunos elementos para el debate sobre la intersección entre masculinidad y emociones. In: Ramírez Rodríguez JC, coordenador. Hombres, masculinidades, emociones. Guadalajara: Editorial Página Seis; 2020. p. 15-46. .

O luto se dá como vivência processual, que envolve o aprendizado de conviver com uma dor inesperada – a morte de um filho subverte a ordem aguardada na vida: “Quer dizer, um pai não deve enterrar um filho. Né?” (Fernando). Ainda que exista um sentimento perene, o pesar não pode ser vivido para sempre do mesmo modo, uma vez que a vida segue seu curso: “O luto é pra sempre. Só que a gente não pode viver no luto eternamente (...) porque a vida continua (...)” (Bernardo).

Outra ideia amplamente abordada foi referente à “presença (ou ausência) de redes de apoio”. As redes formais e informais foram compostas por: esposa, filhos(as), família e amigos; profissionais; e grupos de apoio via WhatsApp ou ONGs. O apoio encontrado na crença religiosa também foi mencionado.

Alguns participantes encontraram, na participação de grupos, companhia e solidariedade: “Entender a situação de famílias que passaram por situações semelhantes acabava mostrando que a gente não estava sozinho” (Ricardo). O suporte das associações civis foi destacado principalmente nos casos de síndromes raras. Elas favorecem a circulação de saberes e suporte que ajudam a trazer segurança para lidar com a solidão associada a tantas delicadezas3737. Moreira MCN. Trajetórias e experiências morais de adoecimento raro e crônico em biografias: um ensaio teórico. Cienc Saude Colet. 2019; 24(10):3651-61. .

Situações de solidão masculina marcadas pelo encontro com o desamparo, entretanto, foram associadas ao machismo estrutural presente na sociedade, em contraste com as experiências de apoio. A ausência de suporte também foi relacionada por um deles à dimensão – apontada por Koury3939. Koury MGP. O luto no Brasil no final do século XX. Cad CRH. 2014; 27(72):593-612. , que analisa o luto sob a ótica da antropologia das emoções no cenário brasileiro – de que as pessoas tendem a não saber como se portar nessas situações, muitas vezes com receio do descobrimento do outro em seu sofrimento.

A respeito da acolhida nos serviços de saúde, alguns relataram ter contado com boa assistência e suporte, enquanto outros viveram interações difíceis que suscitaram sentimentos de raiva e desamparo. Álvaro situou como violentas algumas condutas, como quando desejava acompanhar os procedimentos, mas precisou seguir o protocolo de se manter afastado. Ressalta-se o confronto entre os protocolos generalistas e as necessidades particulares, evidenciando a importância de que tais diretrizes comportem margens de abertura para cuidar do que se faz relevante a cada situação. Ele viveu momentos duros também na lida com a burocracia pós-perda, quando se sentiu desconsiderado pela equipe. A instituição médica tenta controlar a cena em contextos de morte, visando minimizar perturbações nos roteiros esperados. Isso influencia nas respostas das pessoas à perda, já que certas formas de vivenciá-la são cerceadas33. Charmaz K, Milligan MJ. Grief. In: Stets JE, Turner JH, editores. The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer; 2006. p. 517-43. . Mais uma vez se destacam as complexidades vividas pelo homem/pai enlutado diante dos processos de regulação social e subjetiva das emoções77. Ramírez Rodríguez JC. Algunos elementos para el debate sobre la intersección entre masculinidad y emociones. In: Ramírez Rodríguez JC, coordenador. Hombres, masculinidades, emociones. Guadalajara: Editorial Página Seis; 2020. p. 15-46. .

Ressignificações da paternidade

Sobre as “mudanças pessoais”, alguns relataram ter passado por uma ressignificação que os fez ter maior atenção ao tempo presente para estar com os filhos. A importância de cuidar e aproveitar os momentos partilhados com eles foi significativamente redimensionada. Isso vai ao encontro das indicações de outro estudo que ressalta como as mudanças de prioridades na vida podem se revelar potentes nas vias de elaboração do luto4040. Lichtenthal WG, Currier JM, Neimeyer RA, Keesee NJ. Sense and significance: a mixed methods examination of meaning making after the loss of one’s child. J Clin Psychol. 2010; 66(7):791-812. . Já outros pais relataram que a perda trouxe mudanças, mas não especificamente relativas à paternidade.

A transformação da dor em saudade foi comentada por Ricardo como “talvez a maior vitória desse processo de ressignificação”, delimitando efeitos de um trabalho de luto. Álvaro também trouxe ressignificações relativas aos seus sentimentos. Pôde falar sobre o trabalho subjetivo de compreender quais são as emoções em jogo a cada vez: “(...) a paternidade me ajudou a entender o que é raiva o que é que não é. Não só, é um leque de sentimentos assim né, às vezes que não tem nem nome né”. É interessante atentar aqui às interseccionalidades: pensar as masculinidades demanda considerar questões de classe, raça e outras categorias que compõem modos de ser/existir no mundo4141. Viveros-Vigoya M. La interseccionalidad: una aproximación situada a la dominación. Debate Fem. 2016; 52:1-17. . Não se pode perder de vista que os interlocutores desta pesquisa são homens de camada média, com acesso a recursos, e reconhecem, em sua maioria, a importância de falar de seus sentimentos. Nomeá-los diante da perda é uma via de construção de sentidos para uma realidade que, em si mesma, é crua de significados4242. Machado AV. O luto paterno em questão: um estudo psicanalítico do sofrimento de pais que perdem um(a) de seus filhos(as) [dissertação]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2019. .

Para além das dores com as quais já se deparava após a perda, Álvaro associou a raiva a acontecimentos complicados naquele contexto. A “máquina de moer pobre” – termo que evoca para delimitar quão violenta pode se revelar a maquinaria de Estado – abarca o que ele descreve como “gestão da morte”, ao contar como se revelaram penosas as lidas com a burocracia após a morte de seu filho. Essa raiva não é “no vazio”; ressalta a implicação das emoções com atividades de questionamento e a própria possibilidade de mudança social. A antropologia das emoções, ao indicar que as maneiras pelas quais apreendemos e vivenciamos o corpóreo são mediadas por modalidades de pensamentos historicamente construídas22. Rezende CB, Coelho MC. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2010. , também ajuda a compreender que os sentimentos humanos apresentam implicações para dada estrutura social.

A raiva aparece, nesse caso, como elemento importante para dar relevo às inquietações advindas da burocracia pós-morte – com a qual os homens costumam ser os principais responsáveis por lidar. O tema da “mobilização pública” foi bastante discutido e alguns o situaram como presente até mesmo na motivação de participar da pesquisa. Como apontado por outros estudos, a maioria vislumbrou em sua participação uma maneira de ajudar pessoas que estivessem passando por situação semelhante4040. Lichtenthal WG, Currier JM, Neimeyer RA, Keesee NJ. Sense and significance: a mixed methods examination of meaning making after the loss of one’s child. J Clin Psychol. 2010; 66(7):791-812. , 4242. Machado AV. O luto paterno em questão: um estudo psicanalítico do sofrimento de pais que perdem um(a) de seus filhos(as) [dissertação]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2019. . Isso se associou também à expectativa da produção de material sobre o luto com base nos dados da pesquisa – material esse que possa ser acessado por profissionais de saúde e pessoas enlutadas. A disponibilidade para apoiar outras pessoas pode ser uma via de ressignificação do luto4040. Lichtenthal WG, Currier JM, Neimeyer RA, Keesee NJ. Sense and significance: a mixed methods examination of meaning making after the loss of one’s child. J Clin Psychol. 2010; 66(7):791-812. e faz um chamamento às relações solidárias e à solidariedade como valor.

A invisibilidade social do luto masculino/paterno foi muito comentada. Ricardo falou da tímida participação masculina em grupos de apoio e da importância da criação de espaços voltados a seu acolhimento. O tensionamento entre tornar pública a dor e recolhê-la para si diante da recorrente banalização social da perda perinatal é comentado por Braga e Morsch1919. Braga NA, Morsch DS. Quando o bebê morre. In: Moreira MEL, Braga NA, Morsch DS, organizadoras. Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI neonatal. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. Cap. 14, p. 157-70. . Muitas pessoas, por não acompanharem a história da gravidez, apresentam dificuldades para ver como sujeito um bebê que não chegou a viver fora do útero da mãe. No caso dos bebês que faleceram pouco após o nascimento, uma reação semelhante parece ocorrer, já que muitos não estiveram próximos a eles durante seu tempo de vida. Doka sublinha que, ainda que a morte de um filho seja encarada como uma das perdas mais dolorosas que alguém pode sofrer, quando ela ocorre no tempo primeiro da infância – e, mais especificamente, no período perinatal –, o sofrimento dos pais costuma ser visto de modo mais ambíguo. A ausência de sanção coletiva dessas perdas revela dificuldades a mais para o enlutado2222. Doka KJ. Grief is a journey: finding your path through loss. New York: Atria Books; 2016. Part 3: The unacknowledged losses of life: disenfranchised grief; p. 158-60. .

A afirmação do direito ao luto paterno, em contraposição a sua invisibilidade social, pode ser pensada de acordo com o que Butler2727. Butler J. Judith Butler: “De quem são as vidas consideradas choráveis em nosso mundo público?” [Internet]. Madrid: El País; 2020 [citado 10 Jun 2021]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/babelia/2020-07-10/judith-butler-de-quem-sao-as-vidas-consideradas-choraveis-em-nosso-mundo-publico.html
https://brasil.elpais.com/babelia/2020-0...
aponta sobre o luto público como ato político. A afirmação política de que essas vidas são passíveis de luto faz que ultrapassem a esfera pessoal: o enlutamento público conecta socialmente as diferentes pessoas. Nesse sentido, a responsabilidade social de trazer visibilidade ao pesar foi destacada: se há um recolhimento à intimidade diante da ausência de sensibilidade de algumas pessoas perante o luto, há também relatos de mobilização em prol de espaços de fala e organização coletiva.

Bernardo, Ricardo e Henry falaram do envolvimento com iniciativas visando promover a conscientização social a respeito da Síndrome de Edwards:

[...] para que as pessoas tenham acesso tanto para o tratamento adequado para as crianças, também para que as famílias tenham suporte [...]. (Henry, 41 anos, perdeu a filha – que tinha diagnóstico de Síndrome de Edwards – em decorrência de uma hipertensão pulmonar)

Vemos aí a vocalização das famílias que tiveram perdas e como seus testemunhos se traduzem em experiência moral3333. Moreira MCN, Nascimento MAF, Campos DS, Albernaz L, Costa ACC, Barros LBP, et al. Adoecimentos raros e o diálogo associativo: ressignificações para experiências morais. Cienc Saude Colet. 2019; 24(10):3673-82. , isto é, na construção de valores e sentidos por meio das interações no mundo3737. Moreira MCN. Trajetórias e experiências morais de adoecimento raro e crônico em biografias: um ensaio teórico. Cienc Saude Colet. 2019; 24(10):3651-61. .

Considerações finais

Os pais refletiram ativamente sobre suas representações da paternidade, situando o tornar-se pai como um processo. Também tematizaram a importância da dedicação e da presença nos cuidados aos filhos. Sobre o luto, foi possível perceber diferentes complexidades que se colocam desde o recebimento do diagnóstico. A dor da perda foi falada por todos, que trouxeram, ademais, importantes experiências marcadas pelos tempos e ritos de despedida. A presença de rede de apoio também repercutiu significativamente. Mostra-se relevante a construção de maior sensibilidade social ao luto paterno.

As ressignificações mencionadas abarcaram desde mudanças pessoais até iniciativas de mobilização pública pautadas pela solidariedade. Dentre as repercussões pessoais, destacaram-se: a maior atenção aos filhos no tempo presente; a construção de outro olhar para os próprios sentimentos por meio da paternidade; a dimensão de seguir com as memórias vivas do filho que se foi. A mobilização pública associou-se à ampliação da visibilidade das experiências vividas com os filhos adoecidos e/ou com os próprios processos de luto após a perda. Seus relatos chamaram a atenção para o contraste entre a solidão – comumente associada à invisibilização social do luto masculino – e a experiência de encontrar força para seguir, mesmo em momentos difíceis, pela esfera relacional com o outro.

Cabe destacar algumas especificidades da pesquisa. Seu universo foi composto por homens de camada média, com alto grau de escolarização, em sua maioria. Estudos com homens de camadas populares/periféricas podem ajudar a esclarecer outros pontos. Há ainda outras interseccionalidades a serem consideradas, como a relativa ao gênero, incluindo experiências para além do paradigma heterocisnormativo, e a relativa à raça, uma vez que esta pesquisa contou com a participação de homens em sua maioria brancos. Estudos voltados a outros recortes de raça se revelam de suma importância. Outro ponto corresponde ao fato de o maior número frequentar espaços de compartilhamento de experiências e reconhecer a importância de falar desses temas, além de alguns contarem com percurso psicoterapêutico. Encontram-se também em tempos variados do luto. Pesquisas realizadas em serviços de saúde podem, além de lançar luz a vivências no tempo da perda, vir a conhecer experiências de homens que podem não contar com os mesmos recursos.

Outra especificidade foi o marcador temporal da morte do filho, ocorrida na primeira infância. Estudos que investiguem experiências sob outros recortes podem desvelar particularidades de marcadores etários distintos. Além disso, esta pesquisa ouviu homens cujos filhos faleceram em consequência de desfechos de saúde/adoecimento. A maioria já sabia que algo não ia bem com a saúde do filho – apenas um sofreu uma perda repentina. Outras repercussões para os processos de luto podem se apresentar em relação às mortes em decorrência de violência ou acidentes.

Um olhar social para o luto vem se destacando desde o contexto da pandemia. Muito foi discutido acerca da importância do cuidado humanizado na atenção à finitude e aos seus impactos nos sujeitos enlutados. Manejos que competem à equipe multiprofissional, como acolhimento e respeito às preferências de cada um, compreendem ações fundamentais em saúde. O suporte recebido revela-se importante para os processos de luto e se relaciona, portanto, com a promoção da saúde.

Se há avanços nesse campo, essa não é uma realidade para todos os espaços, até mesmo por questões estruturais. Os mandatos culturais da masculinidade incidem na produção da invisibilidade social do luto paterno. Soma-se a isso a carência de estudos sobre luto e paternidade, sobretudo brasileiros, no âmbito da Saúde Coletiva – o que gera repercussões para os profissionais que operam na ponta. Assim, conforme as expectativas de alguns interlocutores, espera-se que este estudo ofereça subsídios para o cuidado humanizado aos pais enlutados.

Referências

  • 1
    Freud S. Luto e melancolia. São Paulo: Cosac Naify; 2011.
  • 2
    Rezende CB, Coelho MC. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2010.
  • 3
    Charmaz K, Milligan MJ. Grief. In: Stets JE, Turner JH, editores. The handbook of the sociology of emotions. New York: Springer; 2006. p. 517-43.
  • 4
    Mauss M. A expressão obrigatória de sentimentos. In: Oliveira RC, organizador. Mauss. São Paulo: Ática; 1979. p. 147-53. (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
  • 5
    Laungani P, Young B. Conclusions I: Implications for practice and policy. In: Parkes CM, Laungani P, Young B, editores. Death and bereavement across cultures. New York: Taylor & Francis e-Library; 2004. p. 218-32.
  • 6
    Ramírez Rodríguez JC, Gómez González MP, Gutiérrez De La Torre NC, Sucilla Rodríguez MV. Masculinities and emotions as sociocultural constructions: a bibliometric review. MCS. 2017; 6(3):217-56.
  • 7
    Ramírez Rodríguez JC. Algunos elementos para el debate sobre la intersección entre masculinidad y emociones. In: Ramírez Rodríguez JC, coordenador. Hombres, masculinidades, emociones. Guadalajara: Editorial Página Seis; 2020. p. 15-46.
  • 8
    Connell RW. Masculinidades. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México; 2003.
  • 9
    Herrera F, Aguayo F, Weil JG. Proveer, cuidar y criar: evidencias, discursos y experiencias sobre paternidad en América Latina. Polis. 2018; 17(50):5-20.
  • 10
    Medrado B, Lyra J, Oliveira AR, Azevedo M, Santos GMNC, Felipe D. Políticas públicas como dispositivos de produção de paternidades. In: Moreira LVCM, Petrini G, Barbosa FB, organizadores. O pai na sociedade contemporânea. Bauru: EDUSC; 2010. p. 53-79.
  • 11
    Ribeiro CR, Gomes R, Moreira MCN. A paternidade e a parentalidade como questões de saúde frente aos rearranjos de gênero. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3589-98.
  • 12
    Trindade Z, Cortez MB, Dornelas K, Santos M. Pais de primeira viagem: demanda por apoio e visibilidade. Saude Soc. 2019; 28(1):250-61.
  • 13
    Gomes R, Albernaz L, Ribeiro CRS, Moreira MCN, Nascimento M. Linhas de cuidados masculinos voltados para a saúde sexual, a reprodução e a paternidade. Cienc Saude Colet. 2016; 21(5):1545-52.
  • 14
    Brasileiro PGL, Volkmer V, Bichara ID, Bastos ACS. A transição para a paternidade e a paternidade em transição. In: Moreira LVCM, Petrini G, Barbosa FB, organizadores. O pai na sociedade contemporânea. Bauru: EDUSC; 2010. p. 145-65.
  • 15
    Obst KL, Due C. Australian men’s experiences of support following pregnancy loss: a qualitative study. Midwifery. 2019; 70:1-6.
  • 16
    Pabón LML, Fergusson MEM, Palacios AM. Experience of perinatal death from the father’s perspective. Nurs Res. 2019; 68(5):E1-9.
  • 17
    Due C, Chiarolli S, Riggs DW. The impact of pregnancy loss on men’s health and wellbeing: a systematic review. BMC Pregnancy Childbirth. 2017; 17(1):380.
  • 18
    Weaver-Hightower MB. Losing Thomas & Ella: a father’s story (a research comic). J Med Humanit. 2017; 38(3):215-30.
  • 19
    Braga NA, Morsch DS. Quando o bebê morre. In: Moreira MEL, Braga NA, Morsch DS, organizadoras. Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI neonatal. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. Cap. 14, p. 157-70.
  • 20
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru: manual técnico. 3a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.
  • 21
    McCreight BS. A grief ignored: narratives of pregnancy loss from a male perspective. Sociol Health Illn. 2004; 26(3):326-50.
  • 22
    Doka KJ. Grief is a journey: finding your path through loss. New York: Atria Books; 2016. Part 3: The unacknowledged losses of life: disenfranchised grief; p. 158-60.
  • 23
    Neimeyer RA. Reconstructing meaning in bereavement: summary of a research program. Estud Psicol. 2011; 28(4):421-6.
  • 24
    Klass D. Continuing bonds. In: Thompson N, Cox GR, editors. Handbook of the sociology of death, grief, and bereavement: a guide to theory and practice. New York: Routledge; 2017. p. 141-58.
  • 25
    Luna IJ, Moré CO. Narrativas e processo de reconstrução do significado no luto. Rev M. 2017; 2(3):152-72.
  • 26
    Parkes CM, Prigerson HG. Bereavement: studies of grief in adult life. 4th ed. New York: Routledge; 2010.
  • 27
    Butler J. Judith Butler: “De quem são as vidas consideradas choráveis em nosso mundo público?” [Internet]. Madrid: El País; 2020 [citado 10 Jun 2021]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/babelia/2020-07-10/judith-butler-de-quem-sao-as-vidas-consideradas-choraveis-em-nosso-mundo-publico.html
    » https://brasil.elpais.com/babelia/2020-07-10/judith-butler-de-quem-sao-as-vidas-consideradas-choraveis-em-nosso-mundo-publico.html
  • 28
    Minayo MCS. Cuidar do processo de morrer e do luto. Cienc Saude Colet. 2013; 18(9):2484.
  • 29
    Deslandes S, Coutinho T. Pesquisa social em ambientes digitais em tempos de Covid-19: notas teórico-metodológicas. Cad Saude Publica. 2020; 36(11):e00223120.
  • 30
    Bourdieu P. Compreender. In: Bourdieu P, Accardo A, Balazs G, Beaud S, Bordieu E, Bourgois P, et al, organizadores. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes; 2001. p. 693-732.
  • 31
    Gomes R. Análise e interpretação de dados em pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2009. p. 79-108.
  • 32
    Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.
  • 33
    Moreira MCN, Nascimento MAF, Campos DS, Albernaz L, Costa ACC, Barros LBP, et al. Adoecimentos raros e o diálogo associativo: ressignificações para experiências morais. Cienc Saude Colet. 2019; 24(10):3673-82.
  • 34
    Fiterman H, Moreira LVC. O pai na gestação, no parto e aos três meses de vida do primeiro filho. Polis. 2018; 17(50):47-68.
  • 35
    Guimarães NA, Vieira PPF. As “ajudas”: o cuidado que não diz seu nome. Estud Av. 2020; 34(98):7-24.
  • 36
    Castoldi L, Gonçalves TR, Lopes RCS. Envolvimento paterno da gestação ao primeiro ano de vida do bebê. Psicol Estud. 2014; 19(2):247-59.
  • 37
    Moreira MCN. Trajetórias e experiências morais de adoecimento raro e crônico em biografias: um ensaio teórico. Cienc Saude Colet. 2019; 24(10):3651-61.
  • 38
    Walter T. What death means now: thinking critically about dying and grieving. Bristol: Policy Press Shorts Insights; 2017.
  • 39
    Koury MGP. O luto no Brasil no final do século XX. Cad CRH. 2014; 27(72):593-612.
  • 40
    Lichtenthal WG, Currier JM, Neimeyer RA, Keesee NJ. Sense and significance: a mixed methods examination of meaning making after the loss of one’s child. J Clin Psychol. 2010; 66(7):791-812.
  • 41
    Viveros-Vigoya M. La interseccionalidad: una aproximación situada a la dominación. Debate Fem. 2016; 52:1-17.
  • 42
    Machado AV. O luto paterno em questão: um estudo psicanalítico do sofrimento de pais que perdem um(a) de seus filhos(as) [dissertação]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2019.

  • Financiamento: Faperj: Apoio aos Programas e Cursos de Pós-Graduação Strictu Sensu do Estado do Rio de Janeiro. Projeto de Fortalecimento Institucional à Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher Ref: E-26/211.040/2021

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2023
  • Aceito
    02 Jul 2023
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br