Resumos
O presente ensaio se propõe a pensar, a partir de uma inspiração benjaminiana, o cuidado a contrapelo, buscando desnudá-lo. A autora do texto cruza sua experiência de cuidadora durante a pandemia de Covid-19 com as narrativas de suas interlocutoras na Serra Leoa (África do Oeste) durante a epidemia do ebola (2014-2016). A interseção dessas realidades – antropóloga-cuidadora e mulheres serra-leoneses cuidadoras – acaba levando a pesquisadora a pensar o próprio ofício da Antropologia, considerando questões de nomeação, gênero, raça, subalternidade, lugar de fala e o engenhoso espaço da relacionalidade.
Palavras-chave
Ofício da antropóloga; Covid-19; Cuidado a contrapelo
Inspired by Benjaminian thinking, this essay proposes that we think about care against the grain in an attempt to denude it. The author crosscuts her experience as a caregiver during the Covid-19 pandemic with the narratives of her interlocutors in Sierra Leone (West Africa) during the Ebola epidemic (2014-2016). The intersection of these realities – an anthropologist caregiver and female Sierra Leonean caregivers – prompts the researcher to think about the craft of anthropology, considering issues such as designation, gender, race, subalternity, place of speech and the resourceful space of relationality.
Keywords
The craft of anthropology; Covid-19; Care against the grain
Este ensayo se propone pensar, a partir de una inspiración benjaminiana, el cuidado a contrapelo, buscando desnudarlo. La autora del texto cruza su experiencia de cuidadora durante la pandemia de Covid-19 con las narrativas de sus interlocutoras en Sierra Leona (África del Oeste) durante la epidemia de ébola (2014-2016). La intersección de estas realidades, antropóloga-cuidadora y mujeres cuidadoras de Sierra Leona, acaba llevando a la investigadora a pensar el propio oficio de la antropología, considerando cuestiones de nombramiento, género, raza, subalternidad, lugar de diálogo y el ingenioso espacio de la relacionalidad.
Palabras clave
Oficio de la antropóloga; Covid-19; Cuidado a contrapelo
O público diria que um romance dedicado à gripe carece de falta de enredo; reclamaria da falta de amor – equivocadamente, conduto, pois com frequência a doença se disfarça de amor e prega os mesmos truques estranhos.
(Virgínia Woolf, “Sobre estar doente”, 2021)
A doença como desejo
A primavera quente do ano de 2021 ficou marcada como preocupação, medo, agonia, mas sobretudo como raiva, ressentimento e acusação. Era uma tarde de quarta-feira, mas poderia ser qualquer outro dia, menos final de semana, pois me lembro de precisar trabalhar na finalização de um relatório, o que andava me consumindo os dias, semanas e meses. Sentado no sofá da sala, diante do computador, meu marido abria uma aba com o resultado de seu teste PCR-RT, aquele que apontaria positivo ou negativo para a Covid-19. Nesses segundos, até consegui pensar em meu trabalho, na medida em que estava fazendo uma investigação sobre o compartilhamento de dados sensíveis na área da Saúde. Sem dúvida, aquele resultado, independentemente de qual fosse, era um dado sensível/pessoal.
No entanto, não era um resultado independente para mim, e suas consequências vieram enquanto imagem bem antes do que viria, de fato, a ser nos próximos 15 dias. Gostaria muito de, como ironia e licença poética, parafrasear o modo como os antropólogos homens brancos europeus, estadunidenses e brasileiros, referiam-se às mulheres pesquisadoras. Quando não com desconfiança e descrédito – como no caso da antropóloga estadunidense Ruth Landes –, referiam-se a elas sem nomes próprios, pois sempre se encontravam relacionadas a seus maridos. Mariza Côrrea pontua sobre a desaparição acadêmica da etnóloga francesa (nascida na Itália) Fernande Dina Dreyfus, mais conhecida como a “a mulher de Claude Lévi-Strauss”.
Na enorme correspondência de Mário de Andrade, ela raramente aparece, e quando aparece é nas notas de seus interlocutores, subsumida na categoria “o casal Lévi-Strauss”, quando não simplesmente como “a mulher de Lévi-Strauss”. É assim também que se refere a ela com frequência o filósofo francês Jean Maugué em sua autobiografia: “Lévi-Strauss et sa femme”. Numa carta de agosto de 1930 a Mário de Andrade, Oneyda Alvarenga menciona a razão de sua saída do país:
[...] você sabe que Mme. Lévi-Strauss está quase cega e talvez venha mesmo a perder totalmente a vista? Apanhou em Mato Grosso uma conjuntivite purulenta... Não sei os detalhes. Ela está aqui, devendo voltar logo para a França. O Lévi-Strauss continua atrás de índios11 Corrêa M. Antropólogas & antropologia. Belo Horizonte: Ed UFMG; 2021.. (p. 19-20)
Eu também gostaria de ter meramente imaginado, com certa petulância, o seguinte comunicado aos conhecidos: “Monsieur Pimenta testou positivo para Covid-19... Denise Pimenta segue com suas pesquisas e relatórios”. Obviamente que tal paráfrase é impensável, menos pelo abismo entre as notoriedades do antropólogo francês e da antropóloga brasileira (no caso, eu), nem por meu marido não pertencer ao mesmo campo de atuação que o meu, mas muito mais por ser eu uma mulher e Claude Lévi-Strauss ser um antropólogo homem. Enquanto Dina Dreyfus, praticamente cega, voltava sozinha para a França nos finais da década de 1930; em 2021, eu parava toda a minha jornada pessoal e acadêmica para cuidar de meu companheiro: almoço, limpar cozinha, lavar roupas, cuidar do cachorro, dormir no chão da sala, ir ao supermercado, comprar garrafas e garrafas de água, limpar o banheiro, higienizar tudo e qualquer coisa que entrasse em casa, desde a correspondência até pacotes plásticos contendo salada que exibiam no rótulo, em letras grandes, “já vem higienizada”.
O trabalho sujo e o care encontram-se então conceitualmente sob o aspecto da relação com o corpo e com a morte. Além disso, cuidar dos outros não é forçosamente agradável. Muito provavelmente, trata-se de algo particularmente desagradável no caso de policiais ou trabalhadores da saúde ter de comunicar um falecimento a uma família. É bem possível que muitas pessoas nestas horas desapareçam deixando este fardo a cargo de colegas menos propensos a desaparecer. E é preciso que alguém o faça. Será aquele que “não pode não...”. Na maioria dos casos, este profissional não será alguém mais atencioso do que os outros nem, ao contrário, mais indiferente ou blindado: ele está simplesmente presente, o que significa que não pode ausentar-se. Os atores e atrizes do care não são heróis, são ambivalentes, eivados de contradições, de conflitos entre seus próprios interesses e os interesses dos outros... Os corpos não podem ficar sem alimento, ou nus, ou sujos de excrementos; os cadáveres não podem cobrir as ruas, nosso lixo não pode acumular-se indefinidamente... é preciso alguém que se ocupe disso tudo. O “trabalho sujo” nesse sentido é aquilo que se queria evitar fazer, em que não se quereria nem sequer pensar mas é da ordem, assim como o care, das necessidades vitais22 Molinier P. Ética e trabalho do Care. In: Hirata H, Guimarães NA, organizadoras. Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo: Editora Atlas; 2012. p. 148-65.. (p. 35)
Também eu, como uma “atriz do care”, transitava com facilidade entre moralidades ambivalentes e sentimentos contraditórios. Rodeada por embalagens a higienizar com álcool 70%, ruminava a infelicidade daquele papel de cuidadora. E, como bem explica a filósofa e psicanalista francesa Cynthia Fleury33 Fleury C. Curar o ressentimento: o mal da amargura individual, coletiva e política. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo; 2023., ao refletir sobre a relação sócio-histórica da dita “feminilidade do ressentimento”, aquele sabor amargo que eu mastigava era individual, mas também coletivo e político:
O termo-chave para compreender a dinâmica do ressentimento é a ruminação, algo que se mastiga e mastiga novamente, com este amargor característico de um alimento fatigado pela mastigação. [...] O fato de que as mulheres estejam, segundo [Max] Scheler, mais expostas ao perigo do ressentimento não deve ser encarado do ponto de vista essencialista; ele se refere à estrutura patriarcal na qual elas estão inseridas, ou melhor, aprisionadas. O rancor permanece como a arma dos “fracos”: “falar mal” continua a ser a maneira mais confortável para produzir uma performatividade expressiva, sobretudo quando o agir foi confiscado33 Fleury C. Curar o ressentimento: o mal da amargura individual, coletiva e política. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo; 2023.. (p. 16, 29).
Nos dias que se seguiram, quando perguntada por familiares, amigas e amigos como o enfermo se encontrava – sempre lembrada por todos de que era uma alegria, ou mesmo milagre, eu não ter “pegado” o vírus apesar da proximidade conjugal, assim podia seguir cuidando dele – respondia sem cerimônias: “Eu preferia estar doente!”, o que foi mal recebido por todas e todos ao meu redor, mesmo as mais feministas do meu círculo de amizades. Se, por um lado, nenhuma dessas pessoas negava que a maior parte do trabalho do cuidado recai sobre as mulheres – principalmente sobre negras, pobres e periféricas44 Hirata H. O cuidado: teorias e práticas. São Paulo: Boitempo Editorial; 2022., entendendo inclusive que “o gênero do cuidado” é socialmente o feminino55 Hirata H, Guimarães NA, organizadoras. Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo: Editora Atlas; 2012. –, por outro lado, a minha afirmação de que eu preferia estar doente a estar sã – e me prestando a cuidar – havia ultrapassado os limites tácitos, gerando inúmeros julgamentos dentro da complexa economia moral.
Ou seja, minhas frustrações em relação ao atraso que teria no trabalho ou meu cansaço e responsabilidade perante o árduo trabalho reprodutivo na sociedade66 Federici S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo: Editora Elefante; 2019. até se mostrava como um argumento justo, mas não naquele momento em que a doença e o sofrimento tomavam conta dos dias de meu marido. Certamente, para minhas conhecidas e conhecidos, eu estava mobilizando os valores errados, visto que a doença está hierarquicamente acima da minha exaustão de cuidadora77 Fassin D. Compaixão e repressão: a economia moral das políticas de imigração na França. Ponto Urbe. 2014; 15. doi: 10.4000/pontourbe.2467.
https://doi.org/10.4000/pontourbe.2467... . Com toda certeza, um homem jovem, não negro, da classe média da cidade de São Paulo era, naquela época e provavelmente também agora, mais passível de acolhimento, atenção e de um possível luto88 Butler J. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2015. do que uma das primeiras pessoas a morrer de Covid-19 no Brasil, a mulher de meia idade, não branca, periférica e empregada doméstica no bairro do Leblon no Rio de Janeiro e pouco nomeada nas reportagens: Cleonice Gonçalves.
Esse relato, talvez aparentemente pessoal por demais, está inserido na mesma economia do trabalho do cuidado em que também estão – considerando as relevantes diferenças de classe social, raça e território – as mulheres com as quais cruzei na Serra Leoa por ocasião do trabalho de campo de minha pesquisa de doutorado. Elas foram as principais cuidadoras durante a epidemia do vírus do ebola em África do Oeste (2013-2016) e, por isso mesmo, as mais expostas aos riscos99 Tronto J. ¿Riesgo o cuidado? Buenos Aires: Fundación Medifé Edita; 2020. e perigos.
Assim, estávamos inseridas na complexa trama das moralidades e de seus questionamentos e julgamentos sociais, economia moral que vem sendo pesquisada há mais de vinte anos, em contexto sul-africano, pela antropóloga Laura Moutinho1010 Moutinho L. Sobre danos, dores e reparações: the moral regeneration movement - controvérsias morais e tensões religiosas na ordem democrática sul-africana. In: Trajano Filho W, organizador. Travessias antropológicas: estudos em contextos africanos. Brasília: ABA; 2012. p. 275-96.. Tal investigação torna nítida a complexidade dos regimes de moralidades e, por isso mesmo, serve também para elucidar questões sobre a emergência sociossanitária da Covid-19. As reflexões de Moutinho1010 Moutinho L. Sobre danos, dores e reparações: the moral regeneration movement - controvérsias morais e tensões religiosas na ordem democrática sul-africana. In: Trajano Filho W, organizador. Travessias antropológicas: estudos em contextos africanos. Brasília: ABA; 2012. p. 275-96. podem ser utilizadas muito bem para ampliar o entendimento e os sentidos que cercam a pandemia que, para além de ser o espaço em que as desigualdades sociais são descortinadas e produzidas1111 Queiroz RS. As epidemias como fenômenos sociais totais: o surto de gripe espanhola em São Paulo (1918). Revista USP. 2004; (63):64-73. doi: 10.11606/issn.2316-9036.v0i63p64-73.
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.... , também se mostra como o locus privilegiado para se observar os tensos e densos regimes de moralidades, seus questionamentos e suas disputas.
Sentimentos, motivações e comportamentos “questionáveis” ganham sentidos a partir dos contextos e experiências vividas. Assim, 2021 aproximou-se imensamente do ano de 2017, momento em que fazia trabalho de campo na Serra Leoa, menos pela “coincidência” das emergências de saúde pública e muito mais pelos diferentes regimes de moralidades experienciados por mim e por meus interlocutores em diferentes momentos das narrativas vividas.
Tomando a história e o cuidado a contrapelo, seguindo os ensinamentos benjaminianos1212 Benjamin W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7a ed. São Paulo: Brasiliense; 1994., as personagens – entre elas, eu – se mostram bem mais complexas do que outrora podiam parecer. Em 2017, em Njala University, renomada universidade da Serra Leoa, conversando com os orientandos do antropólogo e professor Paul Richards1313 Richards P. Ebola: how a people’s science helped end an epidemic. London: Zed Books; 2016., Daniel e Doctor, já podia avistar o que viria a ser muito mais nítido para mim após minha própria experiência de desejar estar doente, algo moralmente questionado no cenário de uma pandemia.
[...] Daniel, reforçando a complexa dimensão social da epidemia, acrescentou: Algumas pessoas falavam que estavam com ebola e, na verdade, não estavam doentes. Assim, a família inteira ficava em quarentena dentro da casa e recebia caixas de alimentos do governo e de várias ONGs [organizações não governamentais]. Eu, assustada com aquilo, disse num rompante: “Mas isso é verdade? O que levaria uma família a fazer isso?”. Daniel continuou:
Essas pessoas são muito pobres! Os doentes estavam recebendo muita coisa, aí, algumas pessoas fingiram estar doentes, para receberem também. Recebiam coisas que nunca tinham visto, que nunca tinham comido. Comida enlatada! Estávamos sentados em uma das varandas da Guest House de Njala University. Em cima da mesa estavam os papéis de Daniel, a mochila de Doctor, meu caderno de campo e uma Coca-Cola de garrafa, que eu bebia. Enquanto Daniel tentava me explicar que muitos não faziam isso por fome, mas porque desejavam ter aquelas coisas, muitas industrializadas, que nunca haviam alcançado em suas vidas (ou seja, falava da possibilidade de acesso, mesmo que viesse através de uma doença perigosa como o ebola), eu olhava aquela pequena garrafa de Coca em minha frente, começando não apenas a entender o sentido das coisas, mas a sentir o entendimento das coisas. Depois que me despedi de Doctor e Daniel, antes de voltar para meu quarto, aproveitei para beber o resto da Coca, quente e sem gás, ensimesmada em meus pensamentos. Para mim, até aquele momento, seria improvável alguém mentir sobre uma doença de tão elevada gravidade, por conta de comida. Talvez, eu já tivesse comido enlatados demais na vida1414 Pimenta D. O cuidado perigoso: tramas de afeto e risco na Serra Leoa (A epidemia do ebola contada por mulheres, vivas e mortas) [tese]. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; 2019.. (p. 210-1).
Voltando ao ano de 2021, cidade de São Paulo, eu também desejava estar doente como alguns de meus interlocutores serra-leoneses. Assim como eles, que entendiam que o risco valia a possiblidade de algum tipo de acesso a um mundo que lhes era negado no cotidiano, em minha percepção daquele momento da pandemia de Covid-19, o perigo do vírus e da doença me pareciam menos pesados do que o trabalho do cuidar, ainda mais em situação de isolamento e sem uma rede de apoio presencial.
No entanto, mesmo que muitas pessoas soubessem da autenticidade e veracidade do meu posicionamento frente ao que eu vivia, minhas palavras e desejo eram por demais inconvenientes – e mesmo indecentes – para aquele período de doença e morte. O que é uma verdade para a maioria dos testemunhos de mulheres, ao redor do mundo, sobre qualquer tipo de emergência climáticas e/ou sociossanitária, conflitos armados e guerras. As narrativas de mulheres seguem sendo realistas demais para serem as notícias oficiais sobre o “morrer” e o “sobreviver”. Ao contrário, pouco heroicos, muito ambíguos e paradoxais, os relatos femininos pecam pela aura mundana e suja do cotidiano do trabalho do care.
A mentira oficial e a memória das mulheres como indecência
Em 2015, na cidade de Kenema (Serra Leoa), Kemokai era o narrador quase oficial da epidemia, o sobrevivente do ebola com aura. Sabia se portar como um narrador para a televisão internacional, falava bem o inglês e contava sua história e do país durante a epidemia de forma linear e pausada, dominava a audiência. Sabia que era um bom narrador do evento e era reconhecido pelos seus como “aquele com quem você deveria falar”.
Não havia nada de errado com ele, apenas o fato de ser muito perfeito e preparado. Kemokai não mentia ou mesmo exagerava, tinha vivido e visto tudo o que relatava. Para jornalistas nacionais e estrangeiros, era o interlocutor dileto. Eu, como antropóloga, reconhecia todos os seus méritos e performance, no entanto, logo nos primeiros minutos de conversa, percebi que ele não era o narrador que buscava, não havia ambiguidades, contradições, questionamentos morais na sua narrativa, não havia traços de “história noturna”1515 Ginzburg C. História noturna: decifrando o sabá. São Paulo: Companhia das Letras; 2012. em seus relatos cheios de esmero.
Percebendo que eu também não era a audiência para sua narrativa, ajudou-me com generosidade a chegar até minhas futuras interlocutoras, aquelas que estavam mais preocupadas com as questões materiais e cotidianas do dia a dia do que em narrar longas histórias sobre ebola ou a guerra civil ocorrida no país há anos, mas sempre recuperada. Diferentemente de Kemokai, elas não tinham “nome”, não possuíam uma biografia construída1616 Bourdieu P. A ilusão biográfica. In: Ferreira MM, Amado J, Portelli A, organizadores. Usos & abusos da história oral. 8a ed. Rio de Janeiro: Ed FGV; 2006. e não faziam parte da “história oficial” da epidemia do ebola. O que foi chamado por Ruth Klüger1717 Klüger R. Paisagens da memória: autobiografia de uma sobrevivente do holocausto. São Paulo: Editora 34; 2005., sobrevivente do holocausto judeu, de “a mentira oficial”.
Narrativas como as de Ruth Klüger são menos aceitas do que os testemunhos do autor italiano Primo Levi1818 Levi P. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco; 1998., também sobrevivente da shoah. É certo que também os escritos de Primo Levi sofreram com a falta de crédito, entretanto, tornaram-se aclamados depois de um grande projeto educacional, após a II Guerra Mundial, sobre o que foi o nazismo e o holocausto judeu, estratégia para que aquela história “não voltasse a se repetir”.
Interessante e acachapante perceber que os relatos de mulheres como Ruth Klüger, Svetlana Aleksiévitch1919 Aleksiévitch S. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras; 2016., Scholastique Mukasonga2020 Mukasonga S. A mulher de pés descalços. São Paulo: Nós; 2017., Mariatu Kamara2121 Kamara M, Mcclelland S. The bite of the mango. Buffalo: Annick Press; 2008. e mesmo de Aisha Fofana Ibrahim2222 Ibrahim AF. War’s other voices: testimonies by Sierra Leonean women. [dissertação]. Illinois: Illinois State University; 2006. em sua tese são entendidas como histórias alternativas dos eventos críticos2323 Das V. Subalternidade como perspectiva. Bogotá: Universidade Nacional da Colômbia; 2008., muito provavelmente pelo fato de as autoras apresentarem personagens complexas, corajosas, questionáveis e questionadoras. No caso de Aisha Fofana Ibrahim, sua tese questiona as estratégias dos Tribunais Criminais e o desenvolvimento da Justiça de Reparação após a guerra civil na Serra Leoa (1991-2002), apontando, a partir dos relatos de suas interlocutoras, a pobreza como uma questão mais traumática para as mulheres daquele país do que os traumas relacionados aos estupros perpetrados contra elas.
Seguindo a mesma linha de relatos que geram incômodos por ferir os regimes de moralidades, a alemã Ruth Klüger chega a afirmar:
De certa forma, amei Theresienstadt, os dezenove ou vinte meses que passei ali fizeram de mim um ser social, tendo sido anteriormente uma criança retraída, encapsulada, recalcada e talvez intratável. Tivera manias em Viena, sintomas de neurose obsessiva que superei em Theresienstadt através dos contatos, amizades conversas. [...] Theresienstadt não foi tão ruim assim1717 Klüger R. Paisagens da memória: autobiografia de uma sobrevivente do holocausto. São Paulo: Editora 34; 2005.. (p. 94)
Talvez, para a sensibilidade do “primeiro sexo”, realmente seja um tanto chocante que, em uma experiência em um campo de concentração, em um campo de rebeldes na Serra Leoa ou mesmo em um centro de tratamento contra um vírus, a vida possa parecer mais possível e realizável para uma mulher e seus filhos. Também pode ser bem inconcebível o fato de esconder filhos e velhos da ronda médica para evitar que estes fossem para hospitais durante a epidemia do ebola; e ser pouco compreensível a crise do trabalho do cuidado escancarada pelas mulheres durante a pandemia de Covid-19, temperada pelo racismo, sexismo, classismo, capacitismo e genocídio. Ou seja, como dito pela própria autora germânica, “[...] mulheres não têm passado. Ou não deveriam ter algum. É indelicado, quase indecente”1717 Klüger R. Paisagens da memória: autobiografia de uma sobrevivente do holocausto. São Paulo: Editora 34; 2005.. (p. 13).
Muito provavelmente, mesmo o testemunho de um homem que tenha sido criança-soldado durante a Guerra Civil da Serra Leoa (1991-2002)2424 Beah I. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. São Paulo: Companhia das Letras; 2015. pode parecer mais “palatável” do que o relato de uma garota que, tendo as duas mãos amputadas durante a mesma guerra, demonstra esperanças e expectativas em relação à ajuda humanitária internacional que receberia diante da tragédia ocorrida em sua vida2121 Kamara M, Mcclelland S. The bite of the mango. Buffalo: Annick Press; 2008.. Diferentemente da maioria dos testemunhos masculinos, que geralmente possuem uma narrativa épica, de superação e com uma aura de heroísmo; os relatos femininos fazem emergir uma sobrevivência menos limpa, polida e justa. Trazem à tona narrativas carregadas de coragem, mas também se apresentam como personagens questionadoras, questionadas e questionáveis no que tange aos regimes de valores e moralidades.
É provável no entanto que, quer na vida, quer na arte, os valores de uma mulher não sejam os mesmos de um homem. Assim, quando se põe a escrever... uma mulher constata que está querendo incessantemente alterar os valores estabelecidos – querendo tornar sério o que parece insignificante a um homem... Por isso, é claro, ela será criticada; porque o crítico do sexo oposto ficará surpreso e intrigado de verdade com uma tentativa de alterar a atual escala dos valores...2525 Woolf V. Mulheres e ficção. São Paulo: Penguin-Companhia; 2019.. (p. 15)
O cuidado “indecente” do trabalho etnográfico
Naquele ano de 2021, as “indecências” das minhas narrativas sobre meu próprio desejo de estar doente e sobre o peso do trabalho do cuidado que eu “queria” evitar e não podia deixar de fazer cruzaram-se com o meu próprio trabalho de campo na Serra Leoa – onde estive com mulheres cuidadoras – e com o próprio ato da escrita etnográfica.
Enquanto eu sucumbia pelo trabalho do care e sumia de publicações acadêmicas, eu refletia e questionava a forma como eu havia sido etnógrafa até aquele momento. Como Virgínia Woolf2525 Woolf V. Mulheres e ficção. São Paulo: Penguin-Companhia; 2019. já havia pontuado, eu me deparava com minha escrita etnográfica e percebia uma vontade de alterar alguns valores e expor algumas realidades, o que nada me protegia das ambiguidades; pelo contrário: tornava-me uma pesquisadora repleta de dúvidas, quiçá, “indecente” (nos termos de Ruth Klüger). No que diz respeito à etnografia e ao ofício da antropóloga, a pandemia de Covid-19 possibilitou incômodos e questionamentos morais no que tange ao meu próprio fazer antropológico enquanto mulher e trabalhando lado a lado com interlocutoras mulheres.
Em março de 2020, enquanto pesquisadoras mulheres passaram a produzir academicamente muito menos ou até a parar de produzir, pulularam artigos, financiamentos e projetos sobre a Covid-19 empreendidos por colegas homens, o que me parecia controverso na medida em que as mais afetadas com a crise sociossanitária eram as mulheres, isso tanto no fazer acadêmico quanto na responsabilização do cuidado.
Em certo período, cheguei a participar de inúmeras entrevistas em televisão, rádio e jornal em que antropólogos homens narravam com certa propriedade o que, naquela época, ainda nem imaginávamos que viveríamos. Para além da frustração e do cansaço diante daquela dinâmica perversa – que obviamente era ainda mais cruel com as colegas e amigas pesquisadoras negras, quilombolas e indígenas –, a atuação de muitos pesquisadores homens brancos, de fato bem qualificados e respeitáveis, tecendo comentários e formulando projetos sobre mulheres, cuidadoras, mães, etc., fez ressoar em mim perguntas acerca dos limites e questionamentos morais envolvendo meu próprio trabalho na Serra Leoa. Pensando no espaço da subalternidade e no lugar de fala2626 Ribeiro D. O que é lugar de fala? São Paulo: Sueli Carneiro/Pólen; 2019., questionei-me sobre o fato de eu, uma pesquisadora branca, fazer pesquisa em África. Além disso, coloquei em questão antigas certezas, como o fato de ter nomeado e fotografado2727 Pimenta DM. Polaroids: um experimento metodológico na Serra Leoa (África do Oeste). PROA. 2018; 1(8):103-11. minhas interlocutoras, sendo hoje muitas delas amigas.
É sabido que não existem fórmulas para o ofício do trabalho de campo, apesar de até encontrarmos antigos manuais sobre o tema em bibliotecas e sebos. Por outro lado, é notória a importância de uma Antropologia que defenda anonimizações como o caminho para não expor interlocutoras e interlocutores, evitando estigmatizações. Tendo sido aluna entusiasta do antropólogo Vagner Gonçalves2828 Silva VG. O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: EDUSP; 2000., que, com audácia, arriscou mostrar todos os andaimes da investigação etnográfica na sua própria pesquisa e escrita de tese – o que garantiu a ele muitos elogios, mas também muitas críticas –, coloquei-me e me coloco, vez por outra, diante do meu frágil edifício etnográfico e me pergunto: por que nomear e “dar cara” às interlocutoras? Acho a resposta na tese de Jaqueline Silva: “Dançar e ser dançada: circularidades do dançar nos ritos de iniciação e nas associações de tufo em Moçambique”.
O uso de nomes fictícios é sugerido por algumas vertentes no meio acadêmico como uma questão ética, uma forma de garantir a segurança dos entrevistados. No entanto, durante o campo fui provocada a respeito dessas questões por todas as minhas mediadoras... A senhora Fatima, de nome árabe Aida Muassima Ali, que faz parte da Associação Tufo da Mafalala, em Maputo, me instigou dizendo que quando contamos uma história sem dizer o nome de quem a viveu, estamos narrando uma história que não é de ninguém. Já o senhor Joaquim Nazário, na Ilha de Moçambique, província de Nampula, quando questionado sobre a concordância em que as informações que ele havia me dito figurassem no meu trabalho, me respondeu com uma interessante fala sobre o risco que a pesquisa corria ao usar nomes fictícios. Transcrevo aqui o trecho da entrevista em que este tema foi abordado:
Jaqueline: Eu queria só tirar uma dúvida com você, porque enfim, né, essas coisas são pra tese de doutoramento e algumas pessoas... eu gosto de colocar o nome mesmo da pessoa, porque depois ela pode pegar o trabalho... depois ela pode ler, e dizer “olha, isso aqui foi eu que falei”. Mas outras pessoas preferem não pôr o nome, deixar anônimo, porque se calhar deram informações pessoais. E tem professores que também dizem que é melhor não colocar...Como que o senhor prefere?
Nazário: Olha, pode pôr, porque aí... para essas pessoas que não admitem pôr o nome, podem criar também riscos, porque muitas pessoas podem não concordar, pensar que estás a inventar isso e aquilo [risos]. Então se eles quiserem, seus professores, as pessoas lá no Brasil, se quiserem perguntar: “isto como é que é?”. “Ah, não sei, não há nome aqui, não há ninguém”. Uma pesquisa sem fonte não é pesquisa. Agora quando eu coloco assim, está bem, com quem colheu isto? Aí está certo. Sem nome pode dizer “Então a senhora é papo, inventou” [risos]. Pode pôr, não há problemas.
(Entrevista realizada em janeiro de 2020. Ilha de Moçambique)
Quando inicio o tema com o senhor Nazário, que foi chefe do Gabinete de Cultura da Ilha de Moçambique por vários anos, tenho em mente uma ideia de autoria. Pensando na possibilidade de a pessoa entrevistada pegar o trabalho escrito, o texto, e se reconhecer nele de alguma forma através do seu nome, introduzo o assunto. No entanto, Nazário relaciona o fato de colocar o seu nome à ideia de fonte, que daria confiabilidade à pesquisa, a possibilidade de que alguma outra interessada possa localizá-lo e, ainda, conferir a veracidade das informações. Quem poderia correr algum risco ali era a pesquisa, ou mesmo eu, e não ele2929 Silva J. Dançar e ser dançada: circularidades do dançar nos ritos de iniciação e nas associações de tufo em Moçambique [tese]. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia, Ciências Sociais e Letras, Universidade Federal de Minas Gerais; 2021.. (p. 29-30)
Em uma etnografia, as personagens e suas histórias são etnoficções construídas a partir das relações de confiança e cuidado estabelecidas entre antropólogas e suas interlocutoras. Assim, tanto no caso de Jaqueline Silva quanto no meu, nomeamos para garantir que a história tenha “dona”, ou melhor, “donas”: as interlocutoras/personagens e a antropóloga/personagem, pois nenhuma existe em si mesma, apenas na relação.
Dessa maneira, a antropóloga busca dignificar as personagens, não “pilhar” suas falas e evitar “a mentira oficial”, evitando também esvaziar essas mulheres, inclusive eu, de suas ambiguidades quando inseridas no complexo tecido social que é costurado por tensos regimes de moralidades. Uma tentativa de afastar aqueles que “acreditavam que podiam extirpar o passado envenenado, mas ao fazer isso cortavam a própria carne, por não fazer tal cirurgia”1717 Klüger R. Paisagens da memória: autobiografia de uma sobrevivente do holocausto. São Paulo: Editora 34; 2005. (p. 201).
Portanto, preferir estar doente e o impacto que a enunciação desse meu desejo causou naqueles ao meu redor trouxeram-me a reflexão de que a inserção no texto etnográfico da “indecente” história das mulheres, repleta de contradições e ambivalências, é um trabalho de risco e perigo, assim como o trabalho do care, que nem sempre é fácil e tranquilo de ser realizado, mas que “não pode não” ser feito.
- Pimenta D. “Eu preferia estar doente!”: o cuidado a contrapelo: um breve ensaio sobre o que a pandemia de Covid-19 pode revelar acerca do ofício da antropóloga. Interface (Botucatu). 2024; 28: e230074 https://doi.org/10.1590/interface.230074
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
24 Jun 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
06 Abr 2023 - Aceito
18 Out 2023