Avaliação da percepção dos professores sobre educação interprofissional em saúde por meio de grupos focais

Evaluación de la percepción de los profesores sobre educación interprofesional en salud por medio de grupos focales

Cláudia Callegaro de Menezes Alex Silva Rangel Anna Thereza Thomé Leão Maria Cynésia Medeiros de Barros Sobre os autores

Resumos

Este estudo avalia a percepção de docentes de uma universidade pública brasileira sobre educação interprofissional (EIP). Professores de Medicina, Odontologia e Enfermagem participaram de grupos focais on-line síncronos refletindo sobre os seguintes tópicos: (1) disciplinas em comum; (2) projetos interprofissionais de pesquisa e extensão; (3) atenção aos determinantes sociais nos planos de tratamento aos usuários; e (4) práticas colaborativas durante a pandemia de Covid-19. Foi usada análise interpretativa descritiva para avaliar quatro grupos focais (n = 10) utilizando instrumento estruturado com 17 itens acerca dos quatro tópicos mencionados. Segundo os docentes, não existem disciplinas comuns entre os cursos da Saúde. Projetos de extensão e de pesquisa com abordagem interprofissional acontecem somente por poucas iniciativas individuais de professores. Segundo os participantes, os alunos consideram os determinantes sociais nos planos de tratamento. Ocorreram poucas práticas colaborativas durante a pandemia. Observou-se a necessidade de orientações sobre EIP para graduação.

Palavras-chave
Educação interprofissional; Grupo focal; Odontologia; Enfermagem; Medicina


Este estudio evalúa la percepción de docentes de una universidad pública brasileña sobre educación interprofesional (EIP). Profesores de Medicina, Odontología y Enfermería participaron en grupos focales on-line síncronos reflexionando sobre tópicos: (1) asignaturas en común, (2) proyectos interprofesionales de investigación y extensión, (3) atención a los factores determinantes sociales en los planes de tratamiento a los usuarios, y (4) prácticas colaborativas durante la pandemia de Covid-19. Se utilizó el análisis interpretativo descriptivo para evaluar cuatro grupos focales (n=10) utilizando instrumento estructurado con 17 ítems sobre los 4 tópicos mencionados. Según los docentes, no existen asignaturas comunes entre los cursos de la salud. Los proyectos de extensión y de investigación con abordaje interprofesional constituyen unas pocas iniciativas individuales de profesores. Según los participantes, los alumnos consideran los factores determinantes sociales en los planes de tratamiento. Hubo pocas prácticas colaborativas durante la pandemia. Se observó la necesidad de orientaciones sobre EIP para graduación.

Palabras clave
Educación interprofesional; Grupo focal; Odontología; Enfermería; Medicina


Introdução

A educação interprofissional (EIP) é uma estratégia educacional que visa preparar estudantes e profissionais de Saúde para atuar em equipes interprofissionais, aprimorando conhecimentos e habilidades para a atuação coletiva e colaborativa. É uma importante ferramenta para atender às necessidades de saúde da comunidade, transformando esses profissionais em facilitadores no processo de educação em Saúde11 Rajadurai S. Interprofessional clinical education in dentistry. Prim Dent J. 2021; 10(1):108-11. doi: 10.1177/2050168420980989.
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Os profissionais de Saúde, em sua maioria, estão focados no atendimento individualizado, em consultório e ultraespecializado, o que fragmenta as queixas dos pacientes e dificulta suas interações com outras áreas e profissões. Essa visão individualista é apresentada aos estudantes desde o início de suas atividades clínicas. A implementação da EIP é desafiadora pela dificuldade de capacitação da equipe, principalmente porque não houve, até hoje, um modelo aceito internacionalmente22 Rotz ME, Calligaro IL, Kaplan LI, Lu X, Sinnott MC, Spadone S, et al. Design and evaluation of an interprofessional education workshop series for preclinical and prelicensure health professional students. Curr Pharm Teach Learn. 2021; 13(7):885-94. doi: 10.1016/j.cptl.2021.03.023.
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A prática colaborativa interprofissional apresentou benefícios que incluem “melhor acesso a cuidados seguros e de qualidade, redução do tempo de internação hospitalar, melhoria da qualidade de vida para pacientes e familiares e melhor recrutamento e retenção de prestadores de serviços de saúde e sociais”33 Grymonpre RE, Bainbridge L, Nasmith L, Baker C. Development of accreditation standards for interprofessional education: a Canadian case study. Hum Resour Health. 2021; 19(1):12. doi: 10.1186/s12960-020-00551-2.
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(p. 2). As evidências para a EIP continuam a evoluir e irão desenvolver um maior conhecimento sobre como esta pode ser planejada e implementada de forma mais eficaz; e proporcionar uma relação com o desenvolvimento de competências colaborativas que podem afetar positivamente a prestação de cuidados ao paciente e os resultados na Saúde44 Reeves S. Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):185-97. doi: 10.1590/1807-57622014.0092.
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,55 Batista NA, Rossit RAS, Batista SHSS, Silva CCB, Uchôa-Figueiredo LR, Poletto PR. Interprofessional health education: the experience of the Federal University of Sao Paulo, Baixada Santista campus, Santos, Brazil. Interface (Botucatu). 2018; 22 Supl 2:1705-15. doi: 10.1590/1807-57622017.0693.
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A identificação dos determinantes sociais é importante para atender às diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Eles contribuem para o processo saúde-doença. Portanto, ser capaz de compreender o desenvolvimento e a progressão das doenças de forma interprofissional levará a uma mudança para escolhas saudáveis, ações de prevenção e tratamentos. A prática da promoção da saúde deve romper com o conceito de que saúde é ausência de doença, pensando-a como um processo que envolve determinantes sociais. As ações devem ter relevância social e atender às necessidades da comunidade66 Carrer FCA, Cayetano MH, Gabriel M, Melani ACF, Martins JS, Rizzo HGM, et al. The teaching of the Expanded Clinic for Dental course first-year students: an experience report. Rev ABENO. 2017; 17(4):108-20. doi: 10.30979/rev.abeno.v17i4.412.
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Em 2010, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a educação e a colaboração interprofissional como uma estratégia inovadora que desempenha um papel importante na mitigação da crise da força de trabalho na saúde global77 World Health Organization. Framework for action on interprofessional education and collaborative practice. Geneva: WHO; 2010. (figura 1).

Figura 1
Sistema de saúde e educação (adaptação de OMS77 World Health Organization. Framework for action on interprofessional education and collaborative practice. Geneva: WHO; 2010.).

Embora essa questão seja destacada nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos cursos de graduação em Odontologia, Medicina e Enfermagem no Brasil88 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3/2014. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União. 6 Jun 2014.

9 Brasil. Ministério da Saúde. Resolução CNS nº 573/2018. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União. 6 Nov 2018.
-1010 Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 21 de Junho de 2021. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Jun 2021., ela não é suficientemente discutida durante a formação desses profissionais. Muitos professores desconhecem as DCNs ou o Projeto Pedagógico de Curso de seus cursos, assim como as iniciativas de EIP. O processo de mudança tem ocorrido por meio de iniciativas como a Reorientação Nacional da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde)1111 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Pró-saúde: Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2005., o Programa de Educação pelo Trabalho na Saúde (PET-Saúde)1212 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 421, de 3 de Março de 2010. Institui o Programa Nacional de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) e dá outras providências [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [citado 10 Jun 2023]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/pri0421_03_03_2010.html
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, a Residência Multiprofissional em Saúde1313 Miranda Neto MV, Leonello VM, Oliveira MAC. Multiprofessional residency in health: a document analysis of political pedagogical projects. Rev Bras Enferm. 2015; 68(4):502-9. doi: 10.1590/0034-7167.2015680403i.
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e disciplinas integradoras na graduação1414 Olsson TO, Dalmoro M, Costa MV, Peduzzi M, Toassi RFC. Interprofessional education in the Dentistry curriculum: analysis of a teaching-service-community integration experience. Eur J Dent Educ. 2022; 26(1):174-81. doi: 10.1111/eje.12686.
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Segundo o Institute of Medicine, todo profissional clínico de Saúde deve ser capaz de cooperar, colaborar, comunicar e integrar cuidados com outras equipes de saúde para garantir que o cuidado seja contínuo e confiável1515 Ramaswamy V, Karimbux N, Dragan IF, Mehta NR, Danciu T. The status of interdisciplinary education in advanced education programs at U.S. dental schools. J Dent Educ. 2018; 82(11):1213-9. doi: 10.21815/JDE.018.126.
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. É necessária a implementação de estratégias de ensino nos cursos de graduação que favoreçam a comunicação, o intercâmbio e a transdisciplinaridade entre as diferentes áreas da Saúde, de modo a possibilitar a promoção da saúde individual e coletiva11 Rajadurai S. Interprofessional clinical education in dentistry. Prim Dent J. 2021; 10(1):108-11. doi: 10.1177/2050168420980989.
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Para implementar uma EIP, é importante criar padrões de acreditação dos programas33 Grymonpre RE, Bainbridge L, Nasmith L, Baker C. Development of accreditation standards for interprofessional education: a Canadian case study. Hum Resour Health. 2021; 19(1):12. doi: 10.1186/s12960-020-00551-2.
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; formular currículos que incorporem as bases metodológicas da EIP1414 Olsson TO, Dalmoro M, Costa MV, Peduzzi M, Toassi RFC. Interprofessional education in the Dentistry curriculum: analysis of a teaching-service-community integration experience. Eur J Dent Educ. 2022; 26(1):174-81. doi: 10.1111/eje.12686.
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; estabelecer políticas institucionais e compromisso administrativo; incluir a EIP durante toda a formação profissional – e não apenas no início do curso44 Reeves S. Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):185-97. doi: 10.1590/1807-57622014.0092.
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–; e incorporar a EIP nas políticas de Educação e Saúde77 World Health Organization. Framework for action on interprofessional education and collaborative practice. Geneva: WHO; 2010.,1616 Freire Filho JR, Costa MV, Forster AC, Reeves S. New national curricula guidelines that support the use of interprofessional education in the Brazilian context: an analysis of key documents. J Interprof Care. 2017; 31(6):754-60. doi: 10.1080/13561820.2017.1346592.
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A educação em Saúde no Brasil ainda dá muita ênfase à formação e prática profissional interdisciplinar com atuação multiprofissional, sem apresentar aos estudantes uma abordagem interprofissional1717 Peduzzi M, Norman IJ, Germani ACCG, Silva JAM, Souza GC. Interprofessional education: training for healthcare professionals for teamwork focusing on users. Rev Esc Enferm USP. 2013; 47(4):977-83. doi: 10.1590/S0080-623420130000400029.
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. Segundo Prevedello et al.1818 Prevedello AS, Góes FSN, Cyrino EG. Interprofessional health education’s training in Brazil: scoping review. Rev Bras Educ Med. 2022; 46(3):e110. doi: 10.1590/1981-5271v46.3-20210006.
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, os desafios apontados por professores preceptores e tutores para a implementação do ensino de EIP no Brasil podem ser dificultados pela distância entre os universos acadêmico e de trabalho ou pela insuficiência de apoio institucional, inadequada articulação de ensino-serviço, inexistência de currículo compatível e formação acadêmica inadequada.

Em sua scoping review, Prevedello et al.1818 Prevedello AS, Góes FSN, Cyrino EG. Interprofessional health education’s training in Brazil: scoping review. Rev Bras Educ Med. 2022; 46(3):e110. doi: 10.1590/1981-5271v46.3-20210006.
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observaram que houve um aumento no número de instituições introduzindo EIP em seus cursos na área da Saúde, buscando adaptá-la às DCN e transformando a formação e qualificação dos profissionais de acordo com a demanda de saúde da população e com as orientações do SUS. Foram identificadas iniciativas nos níveis de graduação e pós-graduação.

A percepção e compreensão da EIP pelos professores é fundamental para a compreensão das dificuldades e dos desafios que podem ocorrer em sua implementação.

Vale ressaltar que este estudo envolve metodologias inovadoras, utilizando grupos focais on-line1919 Tuttas CA. Lessons learned using web conference technology for online focus group interview. Qual Health Res. 2015; 25(1):122-33. doi: 10.1177/1049732314549602.
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,2020 Kite J, Phongsavan P. Insights for conducting real-time focus groups online using a web conferencing service. F1000Res. 2017; 6:122. doi: 10.12688/f1000research.10427.1.
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. Essas novas metodologias parecem ser úteis para pesquisadores, considerando a tecnologia de webconferência para realizar coleta de dados de grupos focais em pesquisas qualitativas1919 Tuttas CA. Lessons learned using web conference technology for online focus group interview. Qual Health Res. 2015; 25(1):122-33. doi: 10.1177/1049732314549602.
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,2020 Kite J, Phongsavan P. Insights for conducting real-time focus groups online using a web conferencing service. F1000Res. 2017; 6:122. doi: 10.12688/f1000research.10427.1.
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Com base no exposto, apresentamos a questão norteadora desta pesquisa: “Qual a percepção dos docentes sobre a EIP nos diferentes cursos da área da Saúde?”.

O objetivo deste estudo foi compreender a EIP na percepção de docentes de diferentes cursos da Saúde de uma instituição pública.

Metodologia

Trata-se de um estudo qualitativo baseado em grupo focal on-line, abordando EIP nos cursos da Saúde de uma instituição pública do Rio de Janeiro. Os encontros foram realizados de forma síncrona, por meio da plataforma de webconferência Google Meet1919 Tuttas CA. Lessons learned using web conference technology for online focus group interview. Qual Health Res. 2015; 25(1):122-33. doi: 10.1177/1049732314549602.
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Esta pesquisa foi realizada em uma das maiores instituições de ensino do Brasil, com 16 cursos na área da Saúde.

Seleção dos participantes

Professores de três cursos da área da Saúde da instituição-alvo – Medicina, Odontologia e Enfermagem – foram convidados a participar dos grupos focais. Esses três cursos foram selecionados por serem os mais envolvidos na Estratégia Saúde da Família, que é a base do SUS no Brasil.

Os professores foram convidados a participar dos grupos focais a partir de uma seleção aleatória e foram contatados pelos pesquisadores via e-mail explicando a finalidade e o método de realização dos grupos focais on-line. Ao confirmarem sua participação, os docentes receberam um segundo e-mail com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e orientações para o dia do encontro agendado.

O professor convidado deveria ser docente permanente dos cursos selecionados, ministrar disciplinas clínicas, possuir título de mestre e/ou doutor e ter atuado como docente da instituição há mais de três anos. Foram convidados professores da área clínica de cada curso porque o cuidado ao paciente considera diversos aspectos da saúde do indivíduo, buscando cuidar dele incluindo os determinantes sociais do processo saúde-doença.

Coleta de dados

Foram realizadas entrevistas em grupo focal gravadas em vídeo com professores de três cursos da área da Saúde. Grupos focais mistos foram escolhidos como método de coleta de dados para facilitar uma discussão rica entre os cursos, permitindo que os participantes comentassem e discutissem as opiniões expressas por alguém de um curso diferente2121 McKinlay E, Brown M, Beckingsale L, Burrow M, Coleman K, Darlow B, et al. Forming inter-institutional partnerships to offer pre-registration IPE: a focus group study. J Interprof Care. 2019; 34(3):380-7. doi: 10.1080/13561820.2019.1685476.
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Os pesquisadores do grupo focal incluíram um moderador, um relator e um revisor. Os grupos focais foram conduzidos por um moderador experiente, utilizando um planejamento de perguntas semiestruturadas para orientar a discussão. Os temas discutidos foram descritos na tabela 1. As questões foram apresentadas na forma de roteiro preestabelecido (tabela 2), que foi desenvolvido e validado em estudo-piloto com três professores antes de sua aplicação no grupo de estudo. Os participantes do estudo-piloto não foram incluídos na seleção dos participantes dos grupos focais.

Tabela 1
Temas discutidos nos grupos focais

O moderador foi responsável por apresentar as questões; e orientar e incentivar a participação dos professores para que todos tivessem oportunidade de falar. O relator foi responsável pela gravação da reunião e, posteriormente, pela transcrição dos relatos. O revisor foi responsável pela redação dos relatórios e pareceres relevantes1919 Tuttas CA. Lessons learned using web conference technology for online focus group interview. Qual Health Res. 2015; 25(1):122-33. doi: 10.1177/1049732314549602.
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,2222 Abrams KM, Wang Z, Song YJ, Galindo-Gonzalez S. Data richness trade-offs between face-to-face, online audiovisual, and online text-only focus groups. Soc Sci Comput Rev. 2015; 33(1):80-96. doi: 10.1177/0894439313519733.
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Os docentes foram identificados por códigos para o processo de transcrição (P1, P2, P3 e assim por diante). Os temas abordados no roteiro predefinido foram discutidos pelos participantes.

Tabela 2
Roteiro usado para orientar a discussão do grupo focal.

O grupo focal foi utilizado para debater questões e, após a transcrição desse debate, foi realizada uma análise do conteúdo dos textos gerados pelos grupos, enfatizando os pontos mais importantes expressos pelos participantes2323 Sweet C. Designing and conducting virtual focus groups [Internet]. Sysurvey; 1999 [citado 10 Jun 2023]. Disponível em: http://www.sysurvey.com/tips/designing_and_conducting.htm
http://www.sysurvey.com/tips/designing_a...
,2424 Kitzinger J. Focus groups with users and providers of health care. In: Pope C, Mays N, organizers. Qualitative research in health care. 2th ed. London: BMJ Books; 1999. p. 20-9..

Todos os encontros foram gravados com a concordância dos participantes. Os grupos foram dissolvidos quando foram observadas informações suficientes e os grupos focais foram encerrados quando os pesquisadores obtiveram saturação de informações2525 Guest G, Namey E, Chen M. A simple method to assess and report thematic saturation in qualitative research. Plos One. 2020; 15(5):e0232076. doi: 10.1371/journal.pone.0232076.
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. A saturação é frequentemente mencionada no discurso metodológico qualitativo. As revisões revelam que esse conceito é muitas vezes pouco especificado e está longe de corresponder ao significado original deste conceito2626 Carlsen B, Glenton C. What about N? A methodological study of sample-size reporting in focus group studies. BMC Med Res Methodol. 2011; 11:26..

Análise dos dados

Os dados qualitativos foram analisados em dois momentos complementares: análise específica de cada grupo e análise cumulativa e comparativa do conjunto de grupos realizados, conforme recomendado por Tradd2727 Tradd LAB. Focal groups: concepts, procedures and reflections based on practical experiences of research works in the health área. Physis. 2009; 19(3):777-96. doi: 10.1590/S0103-73312009000300013.
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. O objetivo desse processo foi identificar a percepção dos docentes em relação à atuação interprofissional nos cursos, a tendências e a desafios associados ao tema de estudo.

Optou-se por descrever os dados coletados em formato de texto para explorar melhor as opiniões semelhantes ou opostas dos participantes, bem como destacar frases ditas por eles que costumam ser utilizadas neste tipo de pesquisa qualitativa.

As respostas dos participantes do estudo-piloto não foram incluídas na análise final do estudo.

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (registro 3.313.556). Todos os participantes foram informados dos objetivos, benefícios e riscos da pesquisa e leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de participar.

Resultados

Foram realizados quatro grupos focais, com duração média de 75 minutos cada sessão, perfazendo um total de cinco horas e sete minutos de discussão entre os docentes sobre o tema proposto. Participaram dos grupos focais dez docentes dos três cursos, sendo dois da Faculdade de Medicina, três da Faculdade de Enfermagem e cinco da Faculdade de Odontologia. A Figura 2 apresenta um esquema com os participantes de cada grupo focal realizado.

Figura 2
Esquema com os participantes dos grupos focais.

Devemos ressaltar também que 25 professores foram convidados, mas não compareceram aos grupos focais. A maior parte dos convites recusados ou não atendidos foi de professores do curso de Medicina. Dos 14 professores de Medicina convidados, apenas dois aceitaram participar. Dos nove professores convidados de Enfermagem, três participaram, e dos 12 professores convidados de Odontologia, cinco participaram dos grupos focais.

Os resultados alcançados com as questões e o roteiro mencionados nas tabelas 1 e 2 serão apresentados a seguir.

Disciplinas comuns entre os cursos da saúde: Todos os docentes participantes relataram não ter conhecimento de disciplinas obrigatórias que tenham atuação interprofissional.

Eu acho que pelo ponto de visto formal não há disciplinas intercursos, eu desconheço disciplinas em andamento que tenha sido pensada, planejada e executada em conjunto com outros cursos. (P3)

Alguns professores acreditavam que havia interação entre estudantes dos diferentes cursos da área da Saúde em disciplinas do ciclo básico.

Acho que isso pode acontecer em momentos diferentes, na formação básica e profissional, porque temos disciplinas em comum, como Citologia, Histologia, todas essas partes. [...] Então, eu acho que assim, tanto na formação básica quanto na profissional, a gente tem vários momentos em que a gente pode interagir. (P1)

Nesse caso, observou-se que os docentes acreditavam que estar presente na mesma sala pode caracterizar a interprofissionalidade. Outros professores acreditavam que os alunos cursavam as disciplinas do ciclo básico juntos, mas que não havia interação entre eles. Porém, esse não é o caso, pois cada curso oferece as disciplinas separadamente para seus próprios alunos.

Todos os participantes concordaram que essas interações interprofissionais em atividades optativas ou extramuros ocorrem mais como resultado do esforço individual de cada departamento e menos como uma norma institucional. Os docentes também observaram que, em algumas disciplinas, deve haver atuação interprofissional devido ao seu caráter integrador desta, ou por atuarem em clínicas ou hospitais com profissionais diferentes.

Vejo tentativas individuais, mas nenhum esforço institucional. Existem áreas que têm uma relação muito próxima como a geriatria e a prótese, basicamente porque eles têm essa necessidade de interação, facilitando bastante. Mas é mais um esforço individual, não é muito sistemático. (P8)

São situações diferentes, considerando se o paciente está na Atenção Primária, Secundária ou Terciária. Para mim, o atendimento interprofissional seria o modelo ideal, mas vemos muito o modelo multiprofissional. (P9)

Na Enfermagem, como os alunos trabalham diretamente com outros profissionais de Saúde dentro do hospital, há interação entre essas diferentes áreas.

Na minha experiência [Enfermagem], como trabalho em hospitais e meu setor é a internação, predomina o atendimento multiprofissional. Nunca trabalhamos sozinhos; trabalhamos em equipe. Por exemplo, num paciente de unidade de cuidados intensivos, a higiene oral é realizada por um enfermeiro, e muitas vezes não é feita corretamente e por isso seria importante que um dentista fizesse este procedimento. Com a Medicina sempre temos uma interação de trabalho. A Enfermagem tem funções dependentes, independentes e interdependentes. Em algumas áreas há envolvimento de Nutrição, Odontologia, Enfermagem e Medicina. (P5)

Os professores, apesar de terem grande experiência em seus cursos, não tinham certeza se realizavam atividades interprofissionais entre os cursos.

Atividades de extensão interprofissional: A maioria dos docentes participantes coordenou ou já atuou em projetos de extensão envolvendo estudantes de diferentes cursos da Saúde.

Nessa área a gente avançou bastante... consegue vivenciar nesses cursos o trabalho em rede que leva os técnicos do HU [Hospital Universitário] para a Atenção Primária. Faz com que ele compreenda o que é a Atenção Primária, seu propósito, o sentido do controle das doenças crônicas do tratamento precoce, o cuidado em equipe que é fundamental. (P3)

Os professores entrevistados ressaltam a importância das atividades extramuros, com a interação entre as profissões para melhor atendimento ao paciente e à comunidade.

É muito difícil falar em trabalho interprofissional se não há um curso inicial comum entre as áreas da Saúde. Nessa extensão, a gente trabalha artes, como performance, leva os alunos para a rua. Os alunos têm uma outra percepção de quem são as pessoas que eles cuidam, o que é o cuidado. (P4)

Existem iniciativas individuais de algumas disciplinas e professores, mas a interprofissionalidade não está regularmente presente nos projetos pedagógicos dos cursos.

Atividades de pesquisa interprofissional: Quando questionados sobre projetos de pesquisa envolvendo estudantes ou docentes de outras áreas da Saúde, apenas um participante relatou que todas as pesquisas que desenvolveu estavam nesta linha da interprofissionalidade e envolviam estudos de graduação e pós-graduação.

Toda produção em pesquisa foi em resposta aos reais problemas de saúde da população, seja vinculada à área do ensino ou do processo de trabalho das equipes interprofissionais, e o papel de cada uma. (P3)

Determinantes sociais no planejamento em saúde: A importância de conhecer os determinantes sociais foi unânime entre os participantes. Todos os docentes acreditam que os futuros profissionais necessitam desse conhecimento para poder definir diagnóstico e tratamento.

O aluno se depara com uma realidade social completamente diferente da dele, e todo o desenrolar dessa disciplina se dá no planejamento do cuidado aos pacientes nesse contexto da equipe da família, considerando os determinantes sociais. Eu entendo, na nossa vivência, quando a gente leva o aluno para o campo da Atenção Primária, minha expectativa não é que ele aprenda a prevenir doença. Minha expectativa é que ele aprenda a cuidar das pessoas no contexto da família [...]. E, nesse conjunto de abordagens, a prevenção se mistura com a prática curativa. (P3)

Alguns professores relataram achar que os alunos estão sendo preparados para ter essa preocupação. Acreditam que algumas disciplinas do ciclo básico têm como objetivo preparar os alunos para observar os determinantes sociais no planejamento do tratamento de seus pacientes.

Eles precisam entender a sociedade, o que é um território, como é viver nas comunidades, questões positivas e negativas de orientação, de educação que podem trazer problemas de saúde. Para isso eles têm Sociologia, Antropologia e Psicologia. (P1)

Outras disciplinas em fase profissionalizante, segundo os professores, também visam preparar o aluno para a compreensão dos determinantes sociais, que são conceitos-chave na disciplina, e o objetivo é que o aluno compreenda um conceito ampliado de saúde.

Um professor considerou que a visão da Faculdade de Odontologia ainda é muito técnica.

Vejo uma preocupação crescente em termos de determinantes sociais, entretanto, ainda acho muito forte a visão tecnicista passada dentro da faculdade. Está aumentando essa questão dos determinantes sociais, mas acho que ainda é muito pouco. A preocupação ainda é com a técnica a empregar, o melhor material, inclusive na Clínica Integrada, e às vezes o que se quer oferecer não é o que o paciente precisa. (P6)

Um docente de Enfermagem relatou atuar na Atenção Secundária e receber para a prática de estágio alunos que, na maioria das vezes, não conseguem dimensionar essa questão dos determinantes sociais e como isso impacta nas condições do paciente.

Eu sinceramente não vejo preocupações do curso nessa parte de determinantes sociais. [...] Eu recebo alunos para a prática de estágio e eles não conseguem na maioria das vezes dimensionar essa questão dos determinantes sociais e como isso impacta as condições do paciente. (P9)

Neste tópico, houve uma polarização na percepção dos professores. Alguns acreditam que os alunos podem compreender a realidade social, e outros acreditam que não.

Atividades interprofissionais durante a pandemia de Covid-19: A maioria dos docentes não tinha conhecimento das atividades ou práticas colaborativas entre os cursos da Saúde durante a pandemia. Alguns professores relataram conhecimento de programas de voluntariado, que trabalhavam para ajudar a informar a população sobre o vírus e formas de preveni-lo.

Embora a maioria dos professores participantes não tivesse conhecimento sobre atividades colaborativas interprofissionais, alguns mencionaram participar de projetos colaborativos para enfrentamento da Covid-19.

Discussão

Analisando as respostas obtidas por meio dos grupos focais, observou-se que os docentes acreditam que a EIP nas áreas da Saúde nas instituições de ensino superior possibilita aos alunos aprender, compartilhar seus conhecimentos e melhorar a assistência e a qualidade do tratamento. Essa interação requer a participação ativa dos estudantes por meio de atividades e/ou metodologias nas quais estudantes de diferentes disciplinas da Saúde são responsáveis pela troca de conhecimentos2828 Reeves S, Fletcher S, Barr H, Birch I, Boet S, Davies N, et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Med Teach. 2016; 38(7):656-68. doi: 10.3109/0142159X.2016.1173663.
https://doi.org/10.3109/0142159X.2016.11...
,2929 Morrell BLM, Cecil KA, Nichols AM, Moore ES, Carmack JN, Hetzler KE, et al. Interprofessional Education Week: the impact of active and passive learning activities on students’ perceptions of interprofessional education. J Interprof Care. 2021; 35(5):799-802. doi: 10.1080/13561820.2020.1856798.
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.

Diferentemente do que relataram alguns professores, não há disciplinas comuns entre os cursos analisados do ciclo básico. Eles acreditavam que a presença na mesma sala seria considerada uma experiência interprofissional. Para chegar à EIP, existem formas de interação entre os sujeitos, mesclando teoria e prática direcionadas, por meio de discussões e experiências interprofissionais e estratégias de avaliação da capacidade dos futuros profissionais de trabalhar em equipe1111 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Pró-saúde: Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.. Além disso, também é importante a disponibilidade dos professores para desenvolver a EIP, integrando-a nos objetivos de aprendizagem e nas estratégias de avaliação3030 King G, Shaw L, Orchard CA, Miller S. The interprofessional socialization and valuing scale: a tool for evaluating the shift toward collaborative care approaches in health care settings. Work. 2010; 35(1):77-85.,3131 Almoghirah H, Nazar H, Illing J. Assessment tools in pre-licensure interprofessional education: a systematic review, quality appraisal and narrative synthesis. Med Educ. 2021; 55(7):795-807. doi: 10.1111/medu.14453.
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.

Em nosso estudo também foi observado por muitos professores que essas iniciativas geralmente são esforços individuais de professores ou equipes, oferecendo disciplinas optativas, programas de estágio, projetos de pesquisa ou atividades fora dos muros da instituição acadêmica. As iniciativas de EIP têm demonstrado beneficiar as comunidades e obter satisfação dos estudantes com a experiência vivida, além de influenciar positivamente a formação dos profissionais de Saúde1414 Olsson TO, Dalmoro M, Costa MV, Peduzzi M, Toassi RFC. Interprofessional education in the Dentistry curriculum: analysis of a teaching-service-community integration experience. Eur J Dent Educ. 2022; 26(1):174-81. doi: 10.1111/eje.12686.
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. Compartilhando essa visão com esses autores1414 Olsson TO, Dalmoro M, Costa MV, Peduzzi M, Toassi RFC. Interprofessional education in the Dentistry curriculum: analysis of a teaching-service-community integration experience. Eur J Dent Educ. 2022; 26(1):174-81. doi: 10.1111/eje.12686.
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, percebemos que nossos resultados não incluíram uma padronização institucional implementada no currículo obrigatório que levasse os conhecimentos adquiridos na experiência interprofissional a serem explorados e difundidos em mais atividades durante a formação profissional do aluno.

As instituições precisam formar futuros profissionais para trabalhar em equipe, compreendendo os determinantes sociais e a realidade da população, conforme relatado por P4. Com uma experiência do mundo real, os alunos ganham uma perspectiva diferente de cuidado. Contudo, nas respostas de alguns professores, observou-se que, no cotidiano dos cursos da Saúde, há uma falta de conhecimento e de envolvimento dos estudantes em relação aos determinantes sociais.

Os determinantes sociais da saúde são conceitos-chave do curso e têm como objetivo que o aluno compreenda o conceito ampliado de saúde. As instituições precisam capacitar seus futuros profissionais para trabalhar em equipe, compreendendo os determinantes sociais e a realidade da população atendida3232 Silveira JLGC, Garcia VL. Curricular change within dentistry: meanings according to the subjects of the learning. Interface (Botucatu). 2015; 19(52):145-58. doi: 10.1590/1807-57622014.0530.
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. Esse tema deve ser discutido desde os primeiros anos do curso de formação, para que os futuros profissionais de saúde reconheçam a sua importância desde o diagnóstico até o plano de tratamento de uma doença ou situação-problema.

O SUS apresenta a Atenção Primária à Saúde como o serviço de saúde mais abrangente do país3333 Brasil. Ministério da Saúde. Estratégia saúde da família [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2023 [citado 24 Jan 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/estrategia-saude-da-familia/
https://www.gov.br/saude/pt-br/composica...
. Sua concepção baseia-se na Estratégia de Saúde da Família, que trata de abordagens interprofissionais e intersetoriais, porém, parece que as estratégias de educação em saúde ainda devem ser muito mais consideradas. Algumas experiências têm mostrado a relevância da EIP55 Batista NA, Rossit RAS, Batista SHSS, Silva CCB, Uchôa-Figueiredo LR, Poletto PR. Interprofessional health education: the experience of the Federal University of Sao Paulo, Baixada Santista campus, Santos, Brazil. Interface (Botucatu). 2018; 22 Supl 2:1705-15. doi: 10.1590/1807-57622017.0693.
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,3333 Brasil. Ministério da Saúde. Estratégia saúde da família [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2023 [citado 24 Jan 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/estrategia-saude-da-familia/
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.

No Brasil, desde 2012, o regime de cotas foi criado para garantir que 50% das vagas nas instituições públicas de ensino superior fossem destinadas a estudantes oriundos integralmente do ensino médio público3434 Brasil. Presidência da República. Lei n° 12.711/2012, de 29 de Agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso em Universidades Federais e Instituições Federais de ensino médio técnico e dá outras providências. Diário Oficial da União. 29 Ago 2012.. Isso pode influenciar a realidade dos estudantes e, consequentemente, a percepção dos professores, melhorando a sua compreensão sobre os determinantes da saúde e da doença.

A maioria dos professores participantes relatou não ter conhecimento das atividades colaborativas durante o período de pandemia da Covid-19. Porém, diversas ações foram desenvolvidas nas Unidades de Saúde da instituição, como telemonitoramento de pacientes, vacinação e orientações aos pacientes. É importante a divulgação dessas ações para conhecimento e participação de professores, alunos e funcionários.

Santos et al.3535 Santos GLA, Valadares GV, Santos SS, Moraes CRBM, Mello JCM, Vidal LLS. Interprofessional collaborative practice and nursing care. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2020; 24(3):e20190277. doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2019-0277.
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
, ao olharem para a EIP na perspectiva de estudantes de Enfermagem e Medicina, verificaram a presença de estereótipos em relação à área do colega, o que indica a necessidade dessa prática pedagógica começar no primeiro ano de graduação nas profissões da área da Saúde.

A estrutura curricular apresentada pelos cursos de graduação em Odontologia no Brasil, apesar das orientações governamentais1010 Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 21 de Junho de 2021. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Jun 2021.,3636 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de Fevereiro de 2002. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em odontologia. Diário Oficial da União. 4 Mar 2002., ainda é uma barreira para a implementação da EIP devido à sua segmentação3737 Rossit RAS, Freitas MAO, Batista SHSS, Batista NA. Constructing professional identity in interprofessional health education as perceived by graduates. Interface (Botucatu). 2018; 22 Suppl 1:1399-410. doi: 10.1590/1807-57622017.0184.
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. Atualmente, a EIP é obrigatória nos cursos de graduação em Odontologia em estágios supervisionados, que compreendem 20% da carga horária total dos cursos de Odontologia1010 Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 21 de Junho de 2021. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Jun 2021.,3636 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de Fevereiro de 2002. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em odontologia. Diário Oficial da União. 4 Mar 2002..

Medicina e Enfermagem possuem diretrizes governamentais para estruturar seus currículos88 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3/2014. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União. 6 Jun 2014.,99 Brasil. Ministério da Saúde. Resolução CNS nº 573/2018. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União. 6 Nov 2018., assim como a Odontologia1010 Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 21 de Junho de 2021. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia e dá outras providências. Diário Oficial da União. 22 Jun 2021., cujas diretrizes também orientam a formação de um profissional capaz de atuar em atividades interprofissionais.

As propostas de implementação da EIP nos cursos da área da Saúde exigem mudanças institucionais, como criação de disciplinas obrigatórias que proporcionem vivência interprofissional com diferentes cursos3838 Saraiva AM, Silva IRG, Lolli LF, Fujimaki M, Alves RN, Miguel ERA, et al. Interprofessional discipline in health: assessment of dentistry students. Rev ABENO. 2018; 18(4):3-13. doi: 10.30979/rev.abeno.v18i4.598.
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; inserção obrigatória dos estudantes em atividades com práticas colaborativas no serviço público desde o início do curso e ao longo da formação3939 Batista N, Batista SHSS. Interprofessional education in the teaching of the health professions: shaping practices and knowledge networks. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):202-4. doi: 10.1590/1807-57622015.0388.
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.03...
; implementação de metodologias ativas com a participação de estudantes de diferentes cursos da área da Saúde3838 Saraiva AM, Silva IRG, Lolli LF, Fujimaki M, Alves RN, Miguel ERA, et al. Interprofessional discipline in health: assessment of dentistry students. Rev ABENO. 2018; 18(4):3-13. doi: 10.30979/rev.abeno.v18i4.598.
https://doi.org/10.30979/rev.abeno.v18i4...
, buscando uma abordagem interprofissional para resolução de casos; oferta de projetos de estágio interprofissional; e parcerias para implementar a EIP2121 McKinlay E, Brown M, Beckingsale L, Burrow M, Coleman K, Darlow B, et al. Forming inter-institutional partnerships to offer pre-registration IPE: a focus group study. J Interprof Care. 2019; 34(3):380-7. doi: 10.1080/13561820.2019.1685476.
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.

Em nosso estudo, participaram apenas dois professores de Medicina, ambos atuantes na Atenção Básica e com ampla experiência em EIP. Em nossa opinião, essa falta de participação pode refletir o menor interesse de alguns professores em discutir a interprofissionalidade. Correa et al.4040 Correa CPS, Hermuche LS, Lucchetti ALG, Ezequiel OS, Lucchetti G. Current status of Brazilian interprofessional education: a national survey comparing physical therapy and medical schools. Rev Assoc Med Bras. 2019; 65(10):1241-8. doi: 10.1590/1806-9282.65.10.1241.
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constataram que as escolas médicas percebem mais dificuldades em incorporar a EIP e oferecem menos cursos obrigatórios, o que pode corroborar o fato de que os estudantes de Medicina são menos abertos à EIP do que de outros cursos. Contudo, parece estar claro que a EIP é uma estratégia na atenção à saúde pública44 Reeves S. Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):185-97. doi: 10.1590/1807-57622014.0092.
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,2626 Carlsen B, Glenton C. What about N? A methodological study of sample-size reporting in focus group studies. BMC Med Res Methodol. 2011; 11:26..

A participação dos docentes de Enfermagem foi maior por se tratar de uma profissão que já contempla a atuação interprofissional4141 Santos LC, Simonetti JP, Cyrino AP. Interprofessional education in the undergraduate Medicine and Nursing courses in primary health care practice: the students’ perspective. Interface (Botucatu). 2018; 22 Suppl 2:1601-11. doi: 10.1590/1807-57622017.0507.
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, profissão na qual os docentes têm experiência e sabem da importância dessas relações entre os cursos. Na Odontologia, a aceitação também foi boa, mas o conhecimento dos professores sobre o assunto foi um pouco mais limitado, mostrando que ainda há necessidade de maior ênfase nessa abordagem no curso. No geral, muitos professores recusaram o convite para participar.

Optamos pelo desenvolvimento de grupos focais on-line devido à crise epidemiológica causada pela pandemia da Covid-19. Assim como o desinteresse descrito acima, isso pode também ter comprometido a adesão dos professores convidados a participar dos grupos focais, devido à adaptação de horários de aula, ensino remoto e sobrecarga docente. Esse fato foi uma limitação do nosso estudo. Embora alguns estudos recomendem até 12 participantes em um grupo focal2222 Abrams KM, Wang Z, Song YJ, Galindo-Gonzalez S. Data richness trade-offs between face-to-face, online audiovisual, and online text-only focus groups. Soc Sci Comput Rev. 2015; 33(1):80-96. doi: 10.1177/0894439313519733.
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, os pesquisadores deste estudo optaram por realizar grupos focais com menos participantes para desenvolver discussões mais detalhadas sobre os temas escolhidos. Consequentemente, foi mais proveitoso promover discussões sobre os temas propostos com um número reduzido de participantes.

Abrams et al.2222 Abrams KM, Wang Z, Song YJ, Galindo-Gonzalez S. Data richness trade-offs between face-to-face, online audiovisual, and online text-only focus groups. Soc Sci Comput Rev. 2015; 33(1):80-96. doi: 10.1177/0894439313519733.
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mostraram que a riqueza de dados de um grupo focal on-line pode ser comparada à de um grupo focal presencial. Uma das maiores vantagens dos grupos focais on-line síncronos via webconferência é a participação em tempo real de pessoas geograficamente distantes1919 Tuttas CA. Lessons learned using web conference technology for online focus group interview. Qual Health Res. 2015; 25(1):122-33. doi: 10.1177/1049732314549602.
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,4242 Matthews KL, Baird M, Duchesne G. Using online meeting software to facilitate geographically dispersed focus groups for health workforce research. Qual Health Res. 2018; 28(10):1621-8. doi: 10.1177/1049732318782167.
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. Em relação aos grupos focais de texto on-line, ou seja, de forma assíncrona, uma vantagem é a possibilidade de ver e ouvir todos os participantes por meio de câmeras e microfones conectados ao computador, permitindo a interação entre eles. Na nossa experiência, consideramos essa metodologia muito útil.

Os grupos focais presenciais são caracterizados pela comunicação verbal e não verbal1919 Tuttas CA. Lessons learned using web conference technology for online focus group interview. Qual Health Res. 2015; 25(1):122-33. doi: 10.1177/1049732314549602.
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. É possível que o moderador e seus assistentes observem as expressões faciais e corporais dos participantes enquanto outra pessoa fala, sendo tais expressões de concordância ou discordância. Essa característica metodológica pode ficar prejudicada em grupos focais on-line. Embora os participantes estivessem com as câmeras ligadas, foi difícil para o moderador observar essa comunicação não verbal.

Outra limitação deste estudo foi que, como os participantes mantinham seus microfones desligados para não haver interferência na fala do outro, o desenvolvimento de discussões entre os participantes pode ter sido perdido, pois eles ficavam aguardando sua vez de ligar seus microfones para falar. Essa é uma característica importante dos grupos focais presenciais1919 Tuttas CA. Lessons learned using web conference technology for online focus group interview. Qual Health Res. 2015; 25(1):122-33. doi: 10.1177/1049732314549602.
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, nos quais os participantes podem falar a favor ou contra, gerando um debate espontâneo e saudável para a coleta de dados.

De modo geral, nacionalmente, vários esforços têm sido feitos para implementar um maior atendimento interprofissional no sistema público brasileiro, por meio de políticas públicas importantes, como o Pró-Saúde; o Pet-Saúde; a ação conjunta do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação e Cultura, que visa provocar mudanças na formação dos profissionais da Saúde, com maior foco na a sua sustentabilidade ao longo dos anos4343 Haddad AE, Brenelli SL, Cury GC, Puccini RF, Martins MA, Ferreira JR, et al. Pró-Saúde e PET-Saúde: a construção da política brasileira de reorientação da formação profissional em saúde. Rev Bras Educ Med. 2012; 36 Supl 1:3-4.; o Programa de Residência Multiprofissional4444 Rossit RAS, Santos CF Jr, Medeiros NMH, Medeiros LMOP, Regis CG, Batista SHSS. The research group as a learning scenario in/on interprofessional education: focus on narratives. Interface (Botucatu). 2018; 22:1511-23. doi: 10.1590/1807-57622017.0674.
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; e programas de educação continuada.

Conclusão

Na percepção dos docentes, a EIP é benéfica, porém, sua implementação na instituição é um desafio para o corpo docente dos diferentes cursos da área da Saúde. A EIP existe em iniciativas individuais feitas por grupos ou professores da instituição avaliada. Os professores demonstraram as dificuldades na implementação de metodologias interprofissionais e que o projeto pedagógico deve apresentar diversas oportunidades interprofissionais ao longo dos cursos envolvidos. Os resultados mostraram a necessidade de diretrizes de EIP para os programas acadêmicos de Saúde para melhor atender a população brasileira. Estudos futuros sobre este tema podem trazer mais dados importantes para a criação dessas diretrizes.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro fornecido pelas seguintes agências de financiamento brasileiras e instituições: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelo apoio a esta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2023
  • Aceito
    15 Mar 2024
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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