Resumos
A morte é um fenômeno complexo que se refere ao término de um ciclo. Quando se fala do contexto neonatal, observa-se a dificuldade de aceitação desse evento, que está presente desde a mais tenra idade. Sendo assim, a pesquisa-ação adentra como uma metodologia pertinente à problemática, uma vez que une o problema de pesquisa e o processo educativo com o intuito de construir um aprendizado coletivo. Dessa forma, buscou-se refletir a experiência da utilização da pesquisa-ação em um estudo matricial, visando desenvolver e implementar uma intervenção educativa para a morte com profissionais de enfermagem de uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. A utilização da pesquisa-ação auxiliou na implementação de ações educativas voltadas aos profissionais de enfermagem acerca da temática de morte em um contexto neonatal.
Palavras-chave
Morte; Atitude diante da morte; Profissionais de enfermagem; Enfermagem
Death is a complex phenomenon, the end of a cycle. Neonatal death is particularly hard to accept. Action research is an appropriate research method for investigating this issue as it brings together the research problem and the educational process with the aim of promoting collective learning. This study presents the experience of using action research in a matrix study with the aim of developing and implementing a death education intervention for nurses working in a neonatal intensive care unit. The use of action research contributed to the implementation of educational actions addressing the theme of neonatal death aimed at nurses.
Keywords
Death; Attitude towards death; Nursing professional; Nursing
La muerte es un fenómeno complejo, referente al término de un ciclo. Cuando se habla del contexto neonatal, se observa la dificultad de aceptación de ese evento que está presente desde la más tierna edad. De tal forma, la investigación-acción se adentra como una metodología pertinente a la problemática, puesto que une el problema de investigación y el proceso educativo, con el objetivo de construir un aprendizaje colectivo. De tal forma, se buscó reflejar la experiencia de la utilización de la investigación-acción en un estudio matricial, con vistas a desarrollar e implementar una intervención educativa para la muerte, con profesionales de enfermería de una Unidad de Terapia Intensiva Neonatal. La utilización de la investigación-acción auxilió en la implementación de acciones educativas enfocadas en los profesionales de enfermería sobre la temática de muerte en un contexto neonatal.
Palabras clave
Muerte; Actitud ante la muerte; Profesionales de enfermería; Enfermería
Uma breve introdução
A morte é um fenômeno inerente ao ser humano, faz parte do desenvolvimento desde a mais tenra idade. Trata-se de um evento inevitável na vida, estando relacionado ao término de um ciclo11 Kovacs MJ. Educação para a morte: quebrando paradigmas. Novo Hamburgo: Sinopsys; 2021.. Conforme os avanços da medicina, a morte deixou de ser um momento vivenciado com maior naturalidade nos domicílios com a participação da família e passou a ser institucionalizado, tendo o ambiente hospitalar como o local destinado para essa vivência.
Dentre as unidades existentes no cenário hospitalar, as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) constituem-se em ambientes de cuidados complexos, podendo levar à exposição constante de situações de morte. No contexto da UTI Neonatal (Utin), os profissionais de enfermagem, sejam eles enfermeiros ou técnicos de enfermagem, dispensam cuidados complexos com neonatos que se encontram entre a vida e a morte. Nesse local, onde a morte se faz presente no cotidiano, são realizados procedimentos técnicos, por vezes invasivos33 Lima GR, Silva JSLG. Vivência dos profissionais de enfermagem perante a morte neonatal. Rev Pro-UniverSUS. 2019;1(10):38-41..
Apesar de a morte representar algo inevitável, percebe-se a dificuldade de aceitação do óbito de um paciente, especialmente em um contexto da Utin. Esse fato pode estar relacionado com o envolvimento do profissional nos cuidados ao RN e o acolhimento e o vínculo estabelecidos com a família. Tais aspectos podem tornar essa vivência dolorosa, visto que, ao se deparar com a finitude de uma vida precoce, esses profissionais estão expostos ao desenvolvimento de sentimentos e reações de impotência e angústia44 Rocha DD, Nascimento EC, Raimundo LP, Damasceno AMB, Bondim HFFB. Sentimentos vivenciados pelos profissionais de Enfermagem diante de morte em unidade de terapia intensiva neonatal. Mental. 2017;11(21):546-60..
Autores afirmam que a dificuldade de enfrentar e, até mesmo, falar sobre a morte emerge como uma fragilidade ligada à formação do profissional de saúde33 Lima GR, Silva JSLG. Vivência dos profissionais de enfermagem perante a morte neonatal. Rev Pro-UniverSUS. 2019;1(10):38-41.. Nesse sentido, a educação para a morte surge como uma ferramenta de preparação, contribuindo para um processo formativo humanizado, sobretudo em questões que envolvem as atitudes perante a morte e as dificuldades enfrentadas diante da compreensão da terminalidade da vida11 Kovacs MJ. Educação para a morte: quebrando paradigmas. Novo Hamburgo: Sinopsys; 2021.,55 Silva MWF, Souza DGP, Brito FMB, Muniz IMO, Passos AMS, Oliveira MA, et al. Educação para morte: lacunas na formação e atuação de profissionais de enfermagem. Rev Cienc Human Soc. 2021;7(1):142-58..
Considerando-se, por um lado, os benefícios provenientes da educação para a morte e, por outro, as dificuldades relacionadas ao enfrentamento dos profissionais de enfermagem (técnicos de enfermagem e/ou enfermeiros) diante da morte de um RN no contexto da Utin, constata-se a necessidade de ações e estratégias educativas voltadas aos aspectos ligados a esse processo. Para tanto, no intuito de auxiliar no processo educativo e formativo, buscando, sobretudo, a transformação da realidade, emerge a metodologia da pesquisa-ação.
A pesquisa-ação é entendida como um tipo de pesquisa social empírica que se fundamenta na estreita relação com uma ação ou na resolução de um problema no qual o pesquisador e o participante estão envolvidos de uma forma cooperativa e participativa. O envolvimento da pesquisa com a educação é uma das características dessa metodologia, visto que a ampla e a explícita interação entre os envolvidos e os problemas encontrados contribuem para a transformação da realidade e a produção de conhecimento referente a essas transformações66 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo: Cortez; 2011..
Diante do exposto, surgiu o seguinte questionamento: a utilização da metodologia de pesquisa-ação pode contribuir para o desenvolvimento de ações educativas voltadas para a morte neonatal? Logo, esse relato objetiva descrever a experiência da utilização da metodologia da pesquisa-ação como recurso para a realização de ações educativas voltadas para a morte neonatal em conjunto com profissionais de enfermagem de uma Utin.
Processo metodológico: os passos para a implementação da pesquisa-ação
Trata-se de um relato de experiência sobre a realização de um estudo matricial que utilizou como método a pesquisa-ação e teve como objetivo propor, implementar e avaliar uma intervenção de educação para a morte com os profissionais de enfermagem de uma Utin77 Pilger CH. Educação para morte: pesquisa-ação com profissionais de enfermagem de uma unidade de terapia intensiva neonatal [dissertação]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria; 2023.. Um relato de experiência envolve um tipo de produção de conhecimento que versa sobre a descrição da intervenção, tendo em vista a fundamentação científica e crítico-reflexiva88 Mussi RFF, Flores FF, Almeida CB. Pressupostos para a elaboração de relato de experiência como conhecimento científico. Prax Educ. 2021;17(48):60-77.. Dessa forma, o presente manuscrito busca trazer à tona os desafios e as potencialidades diante da pesquisa-ação desenvolvida.
Pretende-se relatar a experiência vivenciada pela pesquisadora sobre a utilização da metodologia da pesquisa-ação entre julho e dezembro de 2022. O cenário foi uma Utin de um hospital localizado na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. A instituição hospitalar é equipada com Centro Cirúrgico, Centro Obstétrico, UTI Pediátrica, UTI Adulto, Utin e Pronto Socorro. O atendimento é realizado, exclusivamente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esse hospital dispõe de uma Utin Tipo II que oferece atendimento aos RNs a termo ou prematuros em situações críticas de vida, que necessitam de atenção contínua após o nascimento. Salienta-se que o estudo matricial respeitou os aspectos éticos e teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa no dia 12 de abril de 2022, sob Parecer n. 5.346.493.
Os participantes foram profissionais de enfermagem (enfermeiros ou técnicos de enfermagem). Os critérios de inclusão envolveram enfermeiros e técnicos de enfermagem atuantes há, no mínimo, seis meses no serviço, pois entende-se que é necessária a vivência profissional para que eles possam discorrer sobre o objeto de pesquisa. Os critérios de exclusão foram estar em férias ou afastados durante o período de produção dos dados.
Previamente, a pesquisadora buscou a Utin designada para o estudo. Nessa ocasião, os profissionais foram convidados a participar da pesquisa, conforme os critérios de seleção. Após o convite paraaqueles que aceitaram participar do estudo, mediante os devidos esclarecimentos e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), iniciou-se a produção dos dados durante o turno de trabalho. Participaram 14 profissionais de enfermagem todas autodeclaradas do sexo feminino, na faixa etária entre os 24 e 46 anos, com uma média de 35 anos. Dentre as 14, dez eram técnicas de enfermagem e 4 enfermeiras da Utin.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista semiestruturada individual, seminário e aplicação de um questionário autoadministrável no término da atividade educativa. Salienta-se que, para o desenvolvimento do estudo, seguiram-se as 12 fases da pesquisa-ação: fase exploratória; o tema da pesquisa; a colocação dos problemas; o lugar da teoria; hipóteses; seminário; campo de observação, amostragem e representatividade qualitativa; coleta de dados; aprendizagem; saber formal/saber informal; plano de ação; divulgação externa66 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo: Cortez; 2011..
A fim de expor o êxito da experiência da utilização do método, foi proposta a construção de um quadro com a definição de cada etapa, o que foi realizado pela pesquisadora, operacionalizando a organização e buscando cumprir com as etapas da pesquisa-ação, conforme descrito no Quadro 1.
A ação desenvolvida partiu de uma construção coletiva entre pesquisadora e profissionais de enfermagem que culminou na criação de uma cartilha e de vídeos educativos. Para tanto, a seguir descreve-se a utilização da metodologia da pesquisa-ação com profissionais de enfermagem de uma Utin, a fim de relatar o êxito da experiência do uso dessa abordagem, buscando contribuir para a discussão da temática da morte neonatal e suas nuances.
Processos e resultados: a pesquisa-ação como estratégiade educação
Esse relato busca trazer à tona os desafios e as potencialidades diante da pesquisa-ação desenvolvida. No primeiro momento, foi apresentado e realizado o convite para a participação na pesquisa. Nessa etapa, as enfermeiras e técnicas de enfermagem foram convidadas a participar do estudo, com o início da produção de dados por meio de entrevista semiestruturada individual.
Com base na primeira coleta de dados, foram identificados os problemas e temas de interesse dos participantes relacionados à morte no contexto da Utin. O processo de produção de dados, por meio da autorização das participantes, foi gravado durante as entrevistas que tiveram, em média, vinte minutos de duração. Em seguida, o material foi transcrito e submetido à análise textual discursiva, resultando em categorias.
Pela análise minuciosa, foram obtidas cinco categorias. A primeira, intitulada “Significados atribuídos à morte pelos profissionais de enfermagem da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal”, reflete as percepções diante da morte e a aceitação. A segunda categoria, “A atuação do profissional de enfermagem diante da morte neonatal”, discute tópicos envolvendo o papel da enfermagem dentro da Utin, refletindo o manejo e o cuidado com esse neonato, além das principais medidas de enfrentamento utilizadas para lidar com esse tipo de situação. Já a terceira categoria, nomeada “Os laços e vínculos estabelecidos entre profissional, paciente e família”, versa sobre os momentos marcantes vivenciados na Utin, considerando a formação de laços entre profissional-paciente-família. A quarta categoria, intitulada “Luto e a luta dos pais diante da morte do recém-nascido”, discorre sobre o luto enfrentado pelos pais do neonato que veio a óbito e sobre de que forma os profissionais ofertam apoio à família. Por fim, a última categoria, nomeada “A necessidade de se falar sobre a morte ao longo da formação do profissional de saúde”, discute como é a abordagem ao longo da formação acadêmica em enfermagem referente à temática da morte.
Posteriormente à transcrição e à análise das entrevistas, a pesquisadora organizou o seminário central. Desse modo, foi feito um convite para a participação no seminário, desenvolvido em quatro turnos de trabalho, em uma sala oferecida pela instituição após o término da atividade laboral. Nesses encontros, foram disponibilizados aos participantes, em formato de cards, os resultados obtidos durante as entrevistas (Figuras 1 e 2). Nessa etapa, participaram 13 profissionais de enfermagem e cada seminário durou em média 25 minutos.
Esses seminários representaram um momento fundamental para a pesquisa-ação em que houve trocas de conhecimento entre a pesquisadora e os participantes. O principal objetivo dos seminários envolveu um espaço de cooperação visando construir e planejar uma ação para os problemas levantados nas entrevistas que envolviam, principalmente, a falta de um suporte educacional sobre a morte em diferentes etapas da vida, principalmente quando se trata da morte neonatal.
Pela apresentação dos principais resultados e categorias construídas, foi proposto um espaço de conversa sobre o planejamento da ação. Tendo o consenso entre todos os envolvidos, iniciou-se a fase de elaboração do plano de ação, em que se discutiram as ações a serem executadas sobre a educação para a morte. Esse seminário foi organizado mediante um roteiro abrangendo momentos de fala da pesquisadora e dos participantes para facilitar a elaboração e o planejamento da ação.
Nesse sentido, a fim de contribuir para o aprendizado e propiciar o engajamento de todos os participantes, foi proposta a construção coletiva de uma cartilha (Figura 3) (http://repositorio.ufsm.br/handle/1/29174) e de três vídeos educativos divididos entre capítulos sobre Luto (https://www.youtube.com/watch?v=2HTGQPnCHuA); Família (https://www.youtube.com/watch?v=qE8pniMF9p0); e Profissional de Saúde (https://www.youtube.com/watch?v=SKxBc_8_hcc). Esses materiais e vídeos abordam a temática educação para morte no contexto de Utin, os quais foram enviados por meio do WhatsApp e/ou e-mail para todas as participantes.
Capa da cartilha Educação para a morte no contexto de UTIN: orientações sobre luto e acolhimento em situações de perda neonatal.
A ação prosseguiu após os encontros dos seminários centrais. Tendo como ponto de partida os resultados e o levantamento das hipóteses diante do diagnóstico situacional, foi sugerida uma ação que buscou esclarecer dúvidas advindas dos participantes diante da morte neonatal, do processo do luto e do acolhimento à família enlutada.
Finalmente, prosseguiu-se com a construção dos materiais com o objetivo de auxiliar na elucidação das dúvidas, além de se tornar um material consultivo disponível para os profissionais. Portanto, foram construídos e compartilhados uma cartilha e alguns vídeos educativos envolvendo a temática solicitada pelos profissionais por meio de referenciais teóricos da área materno-infantil que envolvessem a questão da morte e do luto. Os materiais educativos foram compartilhados com os meios de contato disponibilizados pelos participantes.
A fim de contemplar a avaliação do desenvolvimento da ação educativa, foi aplicado um questionário semiestruturado autoadministrável que buscou identificar os efeitos da ação como uma medida avaliativa da atividade implementada.
De modo geral, as participantes sinalizaram os benefícios trazidos pela cartilha e pelo vídeo, afirmando que contribuíram para a compreensão do luto e suas fases, e de como agir de uma maneira empática e acolhedora diante de uma família enlutada. Ainda destacaram que, pela ação educativa, podem-se realizar alguns ajustes e mudanças perante o acolhimento e o amparo aos pais. Houve reflexões sobre a relação do cuidar em um momento de luto, em que julgam necessário um olhar humanizado diante de uma situação difícil como a morte enfrentada pela família.
Já em relação à importância das ações educativas abordando essa temática, destacou-se haver limitações sobre a discussão envolvendo a perda, ou seja, pouco se fala sobre a morte neonatal. Ainda as participantes destacam a necessidade dessa abordagem na graduação para auxiliar o profissional de enfermagem diante de momentos como esse que poderão enfrentar ao longo de sua vida profissional.
Diante disso, apontaram ações que deveriam ser implementadas como workshops, palestras e rodas de conversa. Salienta-se o fato de que a instituição hospitalar não oferta atividades como essas que envolvam a temática de morte, sobretudo em um contexto neonatal. Nesse sentido, as participantes relataram a importância de ações que busquem auxiliar na compreensão desse evento e, principalmente, ofertem amparo e suporte sobre acolhimento e cuidado humanizado à família.
Discutindo a pesquisa-ação: desafios e potencialidades
No desenvolvimento da pesquisa-ação relatada por uma perspectiva de construção coletiva, pode-se evidenciar a participação ativa de todos os envolvidos visando um objetivo comum, a educação para a morte. Para tanto, priorizaram-se os processos de execução da pesquisa-ação.
A pesquisa-ação possui a caracteristica de inter-relação entre pesquisa e educação a fim de construir um processo de aprendizagem coletivo. Esse método procura desenvolver uma interação entre pesquisador e participantes, uma vez que os problemas pesquisados e as soluções a serem encaminhadas devem ser resultantes da interação com o objetivo de transformar a realidade e produzir conhecimento66 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo: Cortez; 2011.. Nesse sentido, optou-se por essa estratégia para desenvolver um estudo em que ocorresse essa inter-relação com o intuito de auxiliar os profissionais de enfermagem em suas dificuldades perante a morte neonatal.
Nessa esfera, percebe-se que, dentre os seres humanos que necessitam conviver com sentimentos ocasionados pela morte, os profissionais da área da saúde, em destaque os de enfermagem, encontram-se mais propensos a isso, visto que a morte está presente constantemente no cenário hospitalar99 Pilger CH, Cogo SB, Sehnem GD, Prates LA. A enfermagem diante da morte: uma revisão narrativa de literatura. Rev Recien. 2022;12(39):148-60.. Por vivenciar rotineiramente essa situação, os profissionais se encontram expostos a esses sentimentos; todavia, isso não significa que estejam preparados para lidar com a morte e com o sofrimento77 Pilger CH. Educação para morte: pesquisa-ação com profissionais de enfermagem de uma unidade de terapia intensiva neonatal [dissertação]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria; 2023..
A morte de um recém-nascido envolve a interrupção de laços perante essa situação; durante o desenvolvimento da pesquisa-ação, as profissionais relataram o despreparo para acolher a família enlutada. Nesse ínterim, tem-se que a educação dos trabalhadores da saúde volta-se para a vida, no sentido de solucionar problemas a fim de garantir o bem-estar do indivíduo. Sendo assim, a morte pode ser considerada um obstáculo, e não algo inerente à vida44 Rocha DD, Nascimento EC, Raimundo LP, Damasceno AMB, Bondim HFFB. Sentimentos vivenciados pelos profissionais de Enfermagem diante de morte em unidade de terapia intensiva neonatal. Mental. 2017;11(21):546-60..
Sentimentos como a tristeza e o sofrimento desencadeados ante o processo de morte de um paciente geram dificuldades para os profissionais de enfermagem em aceitar e lidar com esse evento; por essa razão, sentem-se despreparados e limitados para atuar em um contexto angustioso e frustrante como esse11 Kovacs MJ. Educação para a morte: quebrando paradigmas. Novo Hamburgo: Sinopsys; 2021.. Apesar de a experiência auxiliar no enfrentamento, questões envolvendo essa temática deveriam ser objeto de debate durante a formação profissional que envolve as ciências da saúde, seja para capacitar seja para auxiliar no equilíbrio psicoemocional11 Kovacs MJ. Educação para a morte: quebrando paradigmas. Novo Hamburgo: Sinopsys; 2021.,1010 Agra G, Reis MLA, Souza Neto OM, Alexandrino A, Brito DTF. O ensino da morte e do morrer por docentes de enfermagem no Brasil: um estudo bibliométrico. Rev M. 2022;7(13):181-98..
Visto isso, a pesquisa-ação tornou-se um método fundamental no que concerne às discussões sobre o problema evidenciado em determinado cenário, por exemplo, a morte neonatal e os sentimentos que emergem diante desse evento. O levantamento do problema e a discussão para solucioná-lo auxiliam na construção do conhecimento sobre a temática, que, nesse caso, direciona-se à morte e como vivenciá-la em um contexto neonatal. Nesse contexto, nota-se que essa estratégia busca não apenas se limitar a um tipo de ação, mas pretende, sobretudo, aumentar o conhecimento dos pesquisadores e/ou o nível de consciência das pessoas pesquisadas, gerando uma explícita interação e uma troca entre pesquisadores e as pessoas implicadas na situação a ser investigada66 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo: Cortez; 2011..
Quanto à participação do pesquisador, afirma-se a necessidade de dispor aos participantes os conhecimentos teóricos ou práticos para facilitar a discussão66 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo: Cortez; 2011.. Nesse sentido, na pesquisa em tela, algumas questões norteadoras foram disparadas durante o seminário central para auxiliar na reflexão dos achados encontrados nas entrevistas, além do compartilhamento dos principais resultados das entrevistas em forma de cards explicativos.
Interpretar os significados atribuídos à morte, refletir categorias levantadas e construir um ambiente para o desenvolvimento dos seminários centrais em que fosse abordado um assunto temério e considerado um tabu, foi desafiador. Para isso, priorizou-se a construção de uma relação empática e de respeito aos participantes durante os momentos de diálogo, visto que emergiram recordações difíceis enfrentadas na Utin, demonstrando a complexidade que a morte neonatal carrega. Cabe salientar que essa estreita interação entre os participantes também contribui para o desenvolvimento do vínculo e o fortalecimento de uma rede de suporte para a pesquisadora.
Para mais além, destaca-se a importância da participação ativa dos profissionais durante o desenvolvimento do projeto a ser construído, ou seja, ao serem instigados sobre a morte neonatal e refletirem diante das informações contidas nos cards, percebeu-se a necessidade de desenvolver ações que contribuam para a compreensão sobre a morte, o luto e o acolhimento no que envolve a neonatologia.
Esses seminários reintroduziram a inter-relação entre os participantes e a pesquisadora, contribuindo para momentos de reflexão e dialogicidade. Por meio disso, foram deliberadas as ações a serem desenvolvidas. Conforme solicitações e tendo como base a jornada de trabalho exaustiva e extenuante, as participantes optaram pela construção e pelo desenvolvimento de uma cartilha e de um vídeo educativo contendo orientações sobre luto e acolhimento em situações de perda neonatal.
Partindo desses pressupostos e da escolha das participantes para ação educativa, tendo como princípio o saber formal e informal, além do levantamento dos problemas e das hipóteses para a solução, iniciou-se a etapa do planejamento e da elaboração da ação. Essa etapa envolve os participantes como indivíduos da situação e, nesse sentido, o principal ator é quem está interessado na ação; logo, o pesquisador possui o papel de auxiliar no desenvolvimento e na resolução dos problemas levantados66 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo: Cortez; 2011..
Perante o problema levantado, relacionado à dificuldade de compreender como é o luto e o déficit de conhecimento sobre como realizar medidas de acolhimento na prática do profissional, buscou-se construir um material de cunho educativo (cartilha e vídeo educativo), abordando as orientações sobre o luto e o acolhimento em situações de perda neonatal para auxiliar os profissionais diante dessa situação.
Nesse sentido, ressalta-se que o processo educativo envolvendo os profissionais de enfermagem da Utin, utilizando o aporte de materiais educativos, pode possibilitar a reflexão sobre o cuidado com a família em um momento de sofrimento como a morte de um filho99 Pilger CH, Cogo SB, Sehnem GD, Prates LA. A enfermagem diante da morte: uma revisão narrativa de literatura. Rev Recien. 2022;12(39):148-60.. Autores1111 Wild CF, Nietsche EA, Salbego C, Teixeira E, Favero NB. Validation of educational booklet: an educational technology in dengue prevention. Rev Bras Enferm. 2019;72(5):1385-92. ainda destacam que o ensino deve dar suporte para a formação do profissional em saúde, adicionando valores, conhecimento e experiências. Portanto, as ações educativas auxiliam nessa prática, visto que fomentam o debate e a promoção do conhecimento pela reflexão crítica e dialógica.
A ação educativa disponibilizou os materiais, leitura e apreciação pelos participantes da pesquisa. A etapa subsequente envolveu a avaliação por meio de um questionário autoadministrável em que se objetivou avaliar a cartilha e o vídeo.
Para as participantes, retratou momentos importantes de reflexões sobre a vivência do luto e principalmente de como oferecer um suporte à família enlutada. Sabe-se que o cuidado integral, sensível, humanizado e respeitoso é essencial durante a assistência aos pais que perderam um filho na Utin1212 Salum MEG, Kahl C, Cunha KS, Koerich C, Santos TO, Erdmann AL. Processo de morte e morrer: desafios no cuidado de enfermagem ao paciente e família. Rev Rene. 2017;18(4):528-35.. Dessa forma, percebe-se que as ações educativas podem contribuir de uma maneira sólida para a modificação de atitudes e habilidades voltadas ao cuidar, contribuindo, portanto, para o desenvolvimento de um olhar acolhedor e compreensível diante da família que está passando pelo processo de luto1313 Salgado HO, Polido CA. Como lidar luto perinatal: acolhimento em situações de perda gestacional e neonatal. São Paulo: Ema Livros; 2018.,1414 Muffato LF, Gaiva MAM. Reasons why of nurses empathy with newborn families in neonatal ICU. Rev Gaucha Enferm. 2020;41..
A utilização da pesquisa-ação como estratégia de educação para morte neonatal com os profissionais de enfermagem mostrou-se um método desafiador devido às diversas etapas e por envolver uma temática complexa e de difícil abordagem. Entretanto, trouxe momentos de diálogo, reflexão e trocas de conhecimento essenciais para o levantamento do problema e o desenvolvimento da ação. Essa ação permitiu a construção coletiva de materiais que proporcionaram o suporte necessário aos profissionais, seguindo uma lógica humanizadora do cuidar.
Considerações finais
Esse relato de experiência sobre o desenvolvimento de uma pesquisa-ação, proporcionando a implementação de ações educativas voltadas para os profissionais de enfermagem acerca da temática de morte em um contexto neonatal, apontou as necessidades de ampliar o conhecimento dos profissionais sobre as questões envolvendo esse evento, bem como dispondo sobre a relevância dos cuidados desenvolvidos para a família enlutada.
A construção coletiva possibilitou a troca de conhecimentos e o desenvolvimento de uma ação educativa envolvendo o compartilhamento de uma cartilha e um vídeo educativo abrangendo as necessidades apontadas pelas participantes e evidenciadas pelo diagnóstico situacional. Os materiais serviram como uma ferramenta designada para auxiliar os profissionais de enfermagem, possibilitando a ampliação do conhecimento referente à temática e contribuindo para reflexões com relação à implementação de cuidados qualificados e humanizados na abordagem ao luto.
A pesquisa-ação, como abordagem colaborativa e participativa, mostra potencial de inovação no contexto da enfermagem, visto que contribui para a integração entre pesquisador e participante visando à mudança e transformação de um determinado contexto. Este estudo possibilitou a abertura de um espaço para discutir um assunto sensível e de díficil abordagem, todavia de extrema importância para a população pesquisada. Soma-se a isso o fato de ser uma metodologia que fornece a prática baseada em evidências na área da saúde, possibilitando a traslação do conhecimento, e, nesse caso, contribuindo para que os profissionais de enfermagem sejam munidos de ferramentas adequadas para o enfrentamento da morte neonatal, bem como de realizar um acolhimento qualificado.
As limitações da experiência relatada se referem à restrição a uma realidade específica, limitando-se ao cenário de Utin e à participação dos profissionais de enfermagem. Diante disso, sugere-se um olhar amplo para futuras pesquisas quanto a esse tema, abrangendo a percepção de demais membros da equipe multiprofissional quanto à relação do cuidar diante da morte e seus aspectos envolvendo o luto; também se faz necessária a realização de pesquisas englobando a percepção dos familiares enlutados com relação à morte neonatal.
- Pilger CH, Cogo SB, Sehnem GD, Dias EFR, Costenaro RGS. A utilização da pesquisa-ação como estratégia na educação para morte neonatal: relato de experiência. Interface (Botucatu). 2024; 28: e240128 https://doi.org/10.1590/interface.240128
Financiamento
Programa Demanda Social da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Referências
- 1Kovacs MJ. Educação para a morte: quebrando paradigmas. Novo Hamburgo: Sinopsys; 2021.
- 2Santos QA, Porto LA, Batista CB. Significados de morte e morrer para profissionais de unidade de terapia intensiva. Psicol Argum. 2020;38(100):316-37.
- 3Lima GR, Silva JSLG. Vivência dos profissionais de enfermagem perante a morte neonatal. Rev Pro-UniverSUS. 2019;1(10):38-41.
- 4Rocha DD, Nascimento EC, Raimundo LP, Damasceno AMB, Bondim HFFB. Sentimentos vivenciados pelos profissionais de Enfermagem diante de morte em unidade de terapia intensiva neonatal. Mental. 2017;11(21):546-60.
- 5Silva MWF, Souza DGP, Brito FMB, Muniz IMO, Passos AMS, Oliveira MA, et al. Educação para morte: lacunas na formação e atuação de profissionais de enfermagem. Rev Cienc Human Soc. 2021;7(1):142-58.
- 6Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo: Cortez; 2011.
- 7Pilger CH. Educação para morte: pesquisa-ação com profissionais de enfermagem de uma unidade de terapia intensiva neonatal [dissertação]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria; 2023.
- 8Mussi RFF, Flores FF, Almeida CB. Pressupostos para a elaboração de relato de experiência como conhecimento científico. Prax Educ. 2021;17(48):60-77.
- 9Pilger CH, Cogo SB, Sehnem GD, Prates LA. A enfermagem diante da morte: uma revisão narrativa de literatura. Rev Recien. 2022;12(39):148-60.
- 10Agra G, Reis MLA, Souza Neto OM, Alexandrino A, Brito DTF. O ensino da morte e do morrer por docentes de enfermagem no Brasil: um estudo bibliométrico. Rev M. 2022;7(13):181-98.
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- 13Salgado HO, Polido CA. Como lidar luto perinatal: acolhimento em situações de perda gestacional e neonatal. São Paulo: Ema Livros; 2018.
- 14Muffato LF, Gaiva MAM. Reasons why of nurses empathy with newborn families in neonatal ICU. Rev Gaucha Enferm. 2020;41.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
22 Nov 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
22 Mar 2024 - Aceito
12 Ago 2024