Do enfrentamento ético ao sofrimento: o que a pandemia da Covid-19 ensinou sobre o processo de trabalho na saúde bucal

Del enfrentamiento ético al sufrimiento: lo que la pandemia de Covid-19 enseñó sobre el proceso de trabajo en la salud bucal

Cristine Maria Warmling Mirelle Finkler Luciana Zambillo Palma Fabiana Schneider Pires Renata Cristina Soares Fornazari Manoelito Ferreira Silva-Junior Márcia Helena Baldani Sobre os autores

Resumos

Este estudo qualitativo multicêntrico objetivou compreender como as dificuldades no processo de trabalho foram percebidas e sentidas por trabalhadores de saúde bucal (cirurgiões-dentistas, técnicos e auxiliares) em termos éticos e de saúde mental no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Realizou-se a análise textual discursiva das respostas de 2560 trabalhadores a três questões abertas de um websurvey, entre agosto e outubro de 2020, na região sul do Brasil. As principais dificuldades do processo de trabalho foram: compreensão sobre suspensão dos atendimentos eletivos e priorização de urgências; acesso aos serviços; e implementação de protocolos de biossegurança. As dificuldades tornaram-se base para alguns problemas éticos: incertezas na priorização de casos, riscos aumentados e condutas profissionais heterogêneas. O sofrimento dos trabalhadores foi explícito: angústia por cobranças da população, medo pela situação da pandemia, situação de exaustão no trabalho e descaso da gestão.

Palavras-chave
Saúde bucal; Serviços de saúde; Profissionais da saúde; Ética; Covid-19


El objetivo de este estudio cualitativo multicéntrico fue comprender cómo las dificultades en el proceso de trabajo fueron percibidas y sentidas por trabajadores de salud bucal (cirujanos-dentistas, técnicos y auxiliares) en términos éticos y de salud mental en el enfrentamiento de la pandemia de Covid-19. Se realizó el análisis textual discursivo de las respuestas de 2560 trabajadores a tres preguntas abiertas de un websurvey, entre agosto-octubre de 2020, en la región Sur de Brasil. Las principales dificultades del proceso de trabajo fueron: comprensión sobre la suspensión de las atenciones efectivas y priorización de urgencias, acceso a los servicios e implementación de protocolos de bioseguridad. Las dificultades pasaron a ser la base para algunos problemas éticos: incertidumbres en la priorización de casos, riesgos aumentados y conductas profesionales heterogéneas. El sufrimiento de los trabajadores fue explícito: angustia por exigencias de la población, miedo por la situación de la pandemia, situación de agotamiento en el trabajo y falta de atención de la gestión.

Palabras clave
Salud bucal; Servicios de salud; Profesionales de la salud; Ética; Covid-19


Introdução

A atenção à saúde bucal é uma das áreas que compõem o rol de responsabilidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2004, instituiu-se a Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), que recentemente foi promulgada como Lei Ordinária, assegurando como dever do Estado promover o acesso universal aos serviços de saúde bucal e o respeito aos princípios da ética em saúde11 Brasil. Presidência da República. Lei Nº 14.572, de 8 de maio de 2023. Institui a Política Nacional de Saúde Bucal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para incluir a saúde bucal no campo de atuação do SUS. Brasília: Presidência da República Casa Civil, Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos; 2023..

A crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19 reduziu globalmente os atendimentos odontológicos e aumentou custos em virtude das exigências preconizadas22 Coulthard P, Thomson P, Dave M, Coulthard PF, Seoudi N, Hill M. The Covid-19 pandemic and dentistry: the clinical, legal and economic consequences - part 2: consequences of withholding dental care. Br Dent J. 2020; 229:801-5. doi: 10.1038/s41415-020-2406-9.
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3 Janakiram C, Nayar S, Varma B, Ramanarayanan V, Mathew A, Suresh R, et al. Dental Care Implications in Coronavirus Disease-19 Scenario: Perspectives. J Contemp Dent Pract. 2020; 21(8):935-41. doi: 10.5005/jp-journals-10024-2896.
https://doi.org/10.5005/jp-journals-1002...

4 Abdelrahman H, Atteya S, Ihab M, Nyan M, Maharani AD, Rahardjo A, et al. Dental practice closure during the first wave of Covid-19 and associated professional, practice and structural determinants: a multi-country survey. BMC Oral Health. 2021; 21(243):1-10. doi: 10.1186/s12903-021-01601-4.
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-55 Benzian H, Beltrán-Aguilar E, Mathur MR, Niederman R. Pandemic Considerations on Essential Oral Health Care. J Dent Res. 2021; 100(3):221-5. doi: 10.1177/0022034520979830.
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. No Brasil, ampliaram-se as desigualdades de acesso das populações vulneráveis à saúde bucal66 Johnson V, Brondani M, Von Bergmann H, Grossman S, Donnelly L. Dental Service and Resource Needs during Covid-19 among Underserved Populations. JDR Clin Trans Res. 2022; 7(3):315-25. doi: 10.1177/23800844221083965.
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,77 McGough E, Simon L. Is Oral Health Essential? AMA J Ethics. 2022; 24(1):80-8. doi: 10.1001/amajethics.2022.80.
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; e verificou-se a diminuição das consultas odontológicas especializadas e o aumento dos atendimentos de urgência no SUS88 Zajkowski LA, Scarparo RK, Silva HGE, Celeste RK, Kopper PMP. Impact of Covid-19 pandemic on completed treatments and referrals during urgent dental visits. Braz Oral Res. 2023; 37:1-11. doi: 10.1590/1807-3107bor-2023.vol37.0087.
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,99 Gondim RS, Melo LF, Vieira EWR, Rocha NB. Impactos da pandemia da Covid-19 nos atendimentos a urgências odontológicas na Atenção Primária à Saúde: um estudo ecológico. ABCS Health Sciences. 2023; 1-5. doi: 10.7322/abcshs.2022045.2101.
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. A disseminação do SARS-CoV-2 no território nacional foi ampla e impactou severamente a população, revelando injustiças sociais e reforçando o pressuposto de que esforços para promover a equidade devem incluir a defesa da saúde bucal1010 Orellana JDY, Cunha GM, Marrero L, Moreira IR, Leite IC, Horta LB. Excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil. Cad Saude Publica. 2021; 37(1):1-16. doi: 10.1590/0102-311X00259120.
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,1111 Cruz-Fierro N, Borges-Yáñez A, Duarte PCT, Cordell GA, Rodriguez-Garcia A. Covid-19: the impact on oral health care. Cienc Saude Colet. 2022; 27(8):3005-12. doi: 10.1590/1413-81232022278.03522021.
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.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em agosto de 2020, publicou recomendações mundiais para setores públicos e privados responsáveis por ações de saúde bucal. Atividades de prevenção deveriam continuar a ser prioridade, porém, deveriam ser realizadas por meio de consultas remotas ou de redes sociais, mas cuidados de rotina não urgentes - como exames, limpezas e tratamentos estéticos - deveriam ser adiados até a redução das taxas de transmissão comunitária. Por outro lado, intervenções urgentes para gerir a dor intensa deveriam ser asseguradas1212 World Health Organization. Considerations for the provision of essential oral health services in the context of Covid-19 [internet]. 2020 [citado 3 Out 2023]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/who-2019-nCoV-oral-health-2020.1
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.

O Ministério da Saúde brasileiro preconizou orientações quanto ao funcionamento de serviços ambulatoriais de saúde bucal por meio da Nota Técnica (NT) n. 4 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, publicada em 31 de março de 2020. Essa NT restringiu o atendimento odontológico às urgências, enfatizou cuidados com anamnese, sala de espera, equipamento de proteção individual (EPIs) e geração de aerossóis1313 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA n° 04/2020. Orientações para serviços de saúde: Medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de Infecção pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2) [Internet]. Rio de Janeiro: Anvisa; 2020 [citado 3 Jan 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/2020/nota-tecnica-gvims_ggtes_anvisa-04_2020-25-02-para-o-site.pdf
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, sendo atualizada 11 vezes até março de 20231414 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 04/2020. Orientações Para Serviços de Saúde: Medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de Covid-19: atualizada em 31/03/2023 [Internet]. Rio de Janeiro: Anvisa; 2023 [citado 18 Out 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/notas-tecnicas-vigentes/NT042020covid31.03.2023.pdf.
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.

É preciso destacar que o consenso quanto à definição do que seriam cuidados essenciais ou urgentes foi difícil na Odontologia55 Benzian H, Beltrán-Aguilar E, Mathur MR, Niederman R. Pandemic Considerations on Essential Oral Health Care. J Dent Res. 2021; 100(3):221-5. doi: 10.1177/0022034520979830.
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. A suspensão e a retomada dos atendimentos odontológicos se apresentaram como decisões problemáticas a serem tomadas pelos gestores nos sistemas de saúde77 McGough E, Simon L. Is Oral Health Essential? AMA J Ethics. 2022; 24(1):80-8. doi: 10.1001/amajethics.2022.80.
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, tendo em vista suas responsabilidades, especialmente como prestadores de serviços públicos, ao terem que equilibrar tanto as necessidades individuais quanto a situação de risco epidemiológico1515 Pinheiro FA, Coltri VM, Pereira DGJ, Silva RHA. Reflexões éticas e legais sobre a prática odontológica em tempos de pandemia de Covid-19. Saude Etica Justiça. 2021; 26(1):27-35. doi: 10.11606/issn.2317-2770.
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O que se constatou foi que, à medida que o vírus se disseminou, a pandemia desvelou negligências históricas, nacionais e internacionais, como a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores1616 Nunes HC, Cavalcante MLA, Campos SA, Cozendey-Silva EN, Mattos RCOC, Moura-Correa MJ, et al. Rede de Informações e Comunicação sobre a Exposição de Trabalhadores/Trabalhadoras ao Sars-CoV-2 no Brasil. Saude Debate. 2022; 46 Spe 1:411-22. doi: 10.1590/0103-11042022E128.
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,1717 Leite NS, Finkler M, Martini GJ, Heidemann I, Verdi M, Hellmann F, et al. Management of the health workforce in facing Covid-19: disinformation and absences in Brazil's Public Policies. Cienc Saude Colet]. 2021; 26(5):1873-84. doi: 10.1590/1413-81232021265.01252021.
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. No dramático contexto, a qualificação profissional se fortaleceu como ação-chave para a continuidade da atenção à saúde. Apesar de lidarem com situações evidentes de desvalorização, os trabalhadores da saúde bucal foram considerados fundamentais para a manutenção do bem-estar das pessoas1818 Dziedzic A. Special care dentistry and covid-19 outbreak: what lesson should we learn? Dent J (Basel). 2020; 8(2):1-3. doi: 10.3390/dj8020046.
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.

Porém, alguns desafios apresentados para a prática odontológica no enfrentamento da pandemia se transformaram, posteriormente, em oportunidades para a reorganização da atenção em saúde bucal. Temas relacionados a riscos, triagem, protocolos, adaptabilidade, teleodontologia, entre outros, tornaram-se pautas prioritárias e parte das ações de enfrentamento da crise, tornando-se possibilidades de inovações ou de reestruturação dos serviços1818 Dziedzic A. Special care dentistry and covid-19 outbreak: what lesson should we learn? Dent J (Basel). 2020; 8(2):1-3. doi: 10.3390/dj8020046.
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. Nesse sentido, em um panorama desafiador, é necessário aproveitar os aprendizados resultantes da crise para repensar os modelos de atenção, o escopo da prática, o que constitui cuidados essenciais, questões éticas que envolvem a prática odontológica e a defesa da importância da oferta continuada de serviços de saúde bucal77 McGough E, Simon L. Is Oral Health Essential? AMA J Ethics. 2022; 24(1):80-8. doi: 10.1001/amajethics.2022.80.
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,1919 Elster N, Parsi K. Oral Health Matters: The ethics of providing oral health during covid-19. HEC Forum. 2021; 33(1-2):157-64. doi: 10.1007/s10730-020-09435-3.
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.

Com o objetivo de articular forças para uma resposta aos problemas que se apresentavam com o alastramento da pandemia, foi constituída a Rede Colaborativa de Pesquisa em Saúde Bucal Coletiva da Região Sul (RedeSBC Sul), com a participação de instituições dos três estados: Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Conselhos Regionais de Odontologia (CRO), Coordenações de Saúde Bucal das Secretarias Estaduais de Saúde e Associação Brasileira de Odontologia2020 Palma LZ, Valentim F, Velho GR, Pires FS, Baldani MH, Colussi FC, et al. How Brazilian oral health care workers face Covid-19: surveillance, biosafety, and education strategies. Braz J Oral Sci. 2023; 22:e237812. doi: 10.20396/bjos.v22i00.8667812.
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. A RedeSBC Sul elaborou um amplo projeto de pesquisa multicêntrico com o objetivo geral de analisar as medidas de biossegurança em Odontologia utilizadas para o enfrentamento da Covid-19 e a avaliação das práticas dos trabalhadores na produção da saúde bucal2121 Warmling CM, Spin-Neto R, Palma LZ, Silva-Junior MF, Castro RG, Finkler M, et al. Impact of the Covid-19 pandemic on the oral health workforce: a multicenter study from the southern region of Brazil. Int J Environ Res Public Health. 2023; 20(2):1301. doi: 10.3390/ijerph20021301.
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. Entendendo que abordagens qualitativas sobre o tema da saúde bucal são necessárias diante das complexidades mundiais contemporâneas que se apresentam2222 Macdonald ME. The necessity of qualitative research for advancing oral health. Community Dent Oral Epidemiol. 2023; 51(1):67-70. doi: 10.1111/cdoe.12787.
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- particularmente, as impostas pela pandemia -, esse componente qualitativo da pesquisa realizada pela RedeSBC Sul foi desenvolvido e será apresentado no presente artigo com o objetivo de compreender como as dificuldades no processo de trabalho foram percebidas e sentidas pelos trabalhadores - por vezes gerando problemas éticos e de saúde mental - para, a partir disso, refletir sobre inovações no processo de trabalho em saúde bucal que a pandemia revelou serem necessárias.

Metodologia

Os dados qualitativos analisados foram produzidos por meio de uma websurvey, com um questionário estruturado de questões fechadas e abertas complementares.

Participaram do estudo um total de 2.560 trabalhadores de saúde bucal, sendo 1.941 cirurgiões-dentistas (CD), 401 auxiliares de saúde bucal (ASB) e 218 técnicos em saúde bucal (TSB), com registro ativo no Conselho Regional de Odontologia (CRO) dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e que atuavam no momento do estudo em contato direto com pacientes, nos setores tanto público quanto privado.

Entre 10 de agosto a 7 de outubro de 2020, foi disponibilizado aos participantes o formulário on-line hospedado na plataforma Google Forms®. O convite com o link para participação no estudo foi enviado por três vezes aos endereços de e-mail dos profissionais cadastrados nos CROs, 15 e 45 dias após o primeiro convite. Informações sobre a pesquisa também foram divulgadas por meio de redes sociais e teleconferências.

Na tabela 1, apresenta-se a caracterização dos participantes do estudo, segundo dados do bloco 1 do questionário on-line, sendo que 44,5 % possuíam mais de dez anos de formação, 59 % tinham especialização (61% deles com ênfases em clínica odontológica) e 69,9% relatam terem se ausentado do trabalho durante a pandemia.

Tabela 1
Características sociodemográficas e de trabalho dos participantes, agosto-outubro de 2020

O questionário estruturado on-line possuía um total de cinquenta questões organizadas em três blocos.

  • Bloco 1: perfil sociodemográfico, de formação, trabalho e saúde.

  • Bloco 2: medidas de vigilância e biossegurança no controle da Covid-19 recomendadas pela Nota Técnica do Ministério da Saúde GVIMS/GGTES/ANVISA n. 04/20201111 Cruz-Fierro N, Borges-Yáñez A, Duarte PCT, Cordell GA, Rodriguez-Garcia A. Covid-19: the impact on oral health care. Cienc Saude Colet. 2022; 27(8):3005-12. doi: 10.1590/1413-81232022278.03522021.
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    .

  • Bloco 3: Prática profissional, gestão, educação e trabalho em equipe.

Do total de questões, 47 foram fechadas, três perguntas (números 29, 30 e 48) foram abertas, de preenchimento não obrigatório e objeto de análise deste estudo (quadro 1).

Quadro 1
Número total de participantes que responderam a cada questão em relação à população total do estudo

Foi realizada a análise textual discursiva, procurando transitar entre a análise de conteúdo e a discursiva2323 Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva: processo reconstrutivo de múltiplas faces. Cienc Educ. 2006; 12(1):117-28. doi: 10.1590/s1516-73132006000100009.
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24 Moraes R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Cienc Educ. 2003; 9(2):191-211. doi: 10.1590/s1516-73132003000200004.
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-2525 Cappelle MCA, Melo MCDOL, Gonçalves CA. Análise de conteúdo e análise de discurso nas ciências sociais. Organ Rurais Agroindustriais. 2003; 5(1):1-15. doi: 10.1590/S0102-69922010000100016.
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para compreender as respostas dos participantes às questões abertas. Os processos analíticos foram realizados na seguinte sequência: (1) unitarização ou separação em unidades de significado: com o software NVivo®, foi realizada a contagem da frequência de palavras presentes nos textos das respostas das três questões; (2) as unidades mais frequentes foram agrupadas em torno de sentidos similares, gerando conjuntos de unidades categóricas; (3) retornando ao software, voltou-se aos textos individuais de cada resposta buscando "falas/respostas" dos participantes com as referências às palavras com maior frequência; e (4) a análise das falas destacadas com referências de categorias gerou textos analíticos e interpretativos. Todo o processo foi produzido em interlocução com a experiência empírica e teórica dos pesquisadores.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições de ensino envolvidas: UEPG (CAAE n. 31720920.5.1001.0105), UFPR (CAAE n. 31720920.5.3001.0102), UFSC (CAAE n. 31720920.5.2001.0121) e UFRGS (CAAE, n. 31720920.5.2002.5530). Os participantes obtiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por intermédio do formulário on-line, com informações sobre o tempo previsto para o preenchimento completo, bem como asseguradas a confidencialidade e a privacidade das informações. O acesso ao questionário foi disponibilizado apenas para os profissionais que concordaram com o TCLE e aceitaram participar do estudo.

Resultados

No quadro 2, é apresentada a frequência das palavras mais significativas presentes nos textos das respostas das três questões abertas, as quais foram posteriormente agrupadas em torno de sentidos similares, gerando três conjuntos de unidades categóricas iniciais, a saber: "sentimentos", "trabalho" e "biossegurança".

Quadro 2
Frequência de palavras nos textos das três respostas abertas organizadas por unidades categóricas de análise

No quadro 3, são apresentadas, de forma sistematizada, as categorias resultantes da análise interpretativa do corpus de dados a partir das dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores (subcategorias identificadas com o número 1), dos problemas éticos enfrentados (subcategorias identificadas com o número 2), e das repercussões subjetivas em termos de sentimentos e de saúde mental (subcategorias identificadas com o número 3). Algumas falas mais representativas de cada subcategoria são também apresentadas a fim de ilustrar os dados brutos, em que cada participante é referenciado por um número distinto. Cabe destacar que, apesar de inter-relacionadas, dificuldades vivenciadas podem gerar problemas éticos, que, por sua vez, podem gerar sofrimento. De tal forma, optou-se por realizar a análise dos dados mantendo-se a possibilidade de compreensão dos resultados a partir também de sua origem no questionário.

Quadro 3
Categorias, subcategorias e falas exemplares derivadas das análises das respostas dos participantes às três questões abertas do estudo (sobre dificuldades no trabalho, problemas éticos e saúde mental)

Discussão

Como principais resultados do estudo, para os trabalhadores participantes, realizar os cuidados de saúde bucal no transcorrer da pandemia envolveu decisões que colocaram em intersecção interesses sociais, valores morais, questões de saúde pública e econômicas conflitantes, assim como também constataram McGough e Simon77 McGough E, Simon L. Is Oral Health Essential? AMA J Ethics. 2022; 24(1):80-8. doi: 10.1001/amajethics.2022.80.
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. Analisando os discursos produzidos nas respostas abertas dos trabalhadores - dos serviços tanto públicos quanto privados – quando se referem às questões de reorganização do acesso aos serviços de saúde bucal, suspensão de procedimentos eletivos e decisões por atendimentos essenciais ou de urgência, verificou-se como as dificuldades de compreensão sobre a suspensão dos atendimentos geraram embates desgastantes.

Nos resultados já publicados, do componente quantitativo desta mesma pesquisa, reafirmaram-se as dificuldades descritas nas questões abertas aqui analisadas, quanto à exclusividade de atendimentos essenciais, já que apenas 37,5% dos trabalhadores participantes afirmaram terem suspendido atendimentos eletivos, assim como em relação à forma como esses atendimentos eram realizados, uma vez que, para apenas pouco mais da metade dos trabalhadores (56,8%), os atendimentos de urgência eram realizados de forma fundamentada em protocolos clínicos preestabelecidos2121 Warmling CM, Spin-Neto R, Palma LZ, Silva-Junior MF, Castro RG, Finkler M, et al. Impact of the Covid-19 pandemic on the oral health workforce: a multicenter study from the southern region of Brazil. Int J Environ Res Public Health. 2023; 20(2):1301. doi: 10.3390/ijerph20021301.
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.

Corroborando resultados ja publicados sobre o componente quantitativo dessa investigação2121 Warmling CM, Spin-Neto R, Palma LZ, Silva-Junior MF, Castro RG, Finkler M, et al. Impact of the Covid-19 pandemic on the oral health workforce: a multicenter study from the southern region of Brazil. Int J Environ Res Public Health. 2023; 20(2):1301. doi: 10.3390/ijerph20021301.
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, a análise qualitativa evidenciou que, mesmo depois da suspensão oficial de atendimentos eletivos, a população continuou procurando por tais atendimentos, não compreendendo ou subestimando riscos que corriam e aos quais exporiam os trabalhadores. Esse comportamento de manutenção de uma aparente normalidade também foi observado por Szwarcwald et al.2626 Szwarcwald CL, Souza Júnior PRB, Damacena GN, Malta DC, Barros MBA, Romero DE, et al. ConVid - Pesquisa de Comportamentos pela Internet durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Cad Saude Publica. 2021; 37(3):1-15. doi: 10.1590/0102-311X00268320.
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no survey que investigou comportamentos e mudanças nos estilos de vida e nas condições de saúde dos brasileiros durante a pandemia. No Reino Unido, foram levantadas questões clínicas, jurídicas e econômicas referentes à recusa aos atendimentos clínicos necessários, mas não urgentes, destacando o agravamento esperado das doenças bucais e a repercussão financeira substancial aos consultórios odontológicos22 Coulthard P, Thomson P, Dave M, Coulthard PF, Seoudi N, Hill M. The Covid-19 pandemic and dentistry: the clinical, legal and economic consequences - part 2: consequences of withholding dental care. Br Dent J. 2020; 229:801-5. doi: 10.1038/s41415-020-2406-9.
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, tal como indicaram os participantes deste estudo.

Nem todos os procedimentos de saúde bucal são essenciais, assim como nem todos os procedimentos essenciais são urgentes55 Benzian H, Beltrán-Aguilar E, Mathur MR, Niederman R. Pandemic Considerations on Essential Oral Health Care. J Dent Res. 2021; 100(3):221-5. doi: 10.1177/0022034520979830.
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,77 McGough E, Simon L. Is Oral Health Essential? AMA J Ethics. 2022; 24(1):80-8. doi: 10.1001/amajethics.2022.80.
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. Essa equação, se já se apresentava difícil no contexto anterior à pandemia, foi ainda mais difícil de se manejar em seu transcorrer, inclusive porque o que não é urgente em dado momento em breve poderia se tornar. A forma como se reorganizaram os serviços de saúde bucal para o enfrentamento da pandemia trouxe a necessidade de se repensar o próprio conceito do que é essencial no cuidado e os modelos de atenção55 Benzian H, Beltrán-Aguilar E, Mathur MR, Niederman R. Pandemic Considerations on Essential Oral Health Care. J Dent Res. 2021; 100(3):221-5. doi: 10.1177/0022034520979830.
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,77 McGough E, Simon L. Is Oral Health Essential? AMA J Ethics. 2022; 24(1):80-8. doi: 10.1001/amajethics.2022.80.
https://doi.org/10.1001/amajethics.2022....
. Naquele momento, adiar tratamentos foi visto como uma necessidade ética para o bem maior da sociedade, tanto para controlar a propagação da Covid-19 quanto para não desperdiçar os escassos EPIs. Contudo, com um desfecho pandêmico a perder de vista e com os danos decorrentes do adiamento indefinido, foram aumentando os problemas advindos da suspensão dos atendimentos eletivos2727 Ramanarayanan V, Sanjeevan V, Janakiram C. The Covid-19 uncertainty and ethical dilemmas in dental practice. Indian J Med Ethics. 2021; 6(2):1-3. doi: 10.20529/IJME.2020.105.
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É preciso destacar como o presente estudo compreende e usa o que denomina como problemas éticos. Não se trata necessariamente de referir-se a estudos do campo da ética deontológica - aquela que avalia e julga posturas e ações profissionais por meio de parâmetros preestabelecidos. O que se deseja é uma problematização da ética do poder como algo que forma e constitui o próprio sujeito em sua condição e trajetória. "O contexto não é externo ao problema: ele condiciona a forma que o problema vai assumir"2828 Butler J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica; 2017. (p. 16). Nesse sentido, a deliberação ética do sujeito estaria relacionada a uma operação crítica que busca compreender a própria existência2828 Butler J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica; 2017.. Esse foi o sentido do estudo, considerando que a constituição de problemas éticos na atenção à saúde bucal está naturalizada nas relações e circunstâncias comuns e cotidianas da atenção à saúde.

Os resultados evidenciaram que a situação atípica da pandemia acentuou problemas éticos existentes, assim como introduziu novos. Dentre eles, destacam-se os relacionados à tomada de decisão sobre prestar atendimento ou garantir a sua própria segurança, ou sobre equilibrar o compromisso profissional de prestar os cuidados profissionais necessários com a responsabilidade pelo sustento e pela saúde da própria família. Ao considerar o não atendimento, pensar nas consequências para pacientes e para os colegas foi também uma questão ética geradora de conflito. Em relação ao profissional de saúde, há uma expectativa social de manutenção dos cuidados urgentes em saúde, mesmo face a um risco maior do que o habitual para a sua segurança, saúde ou vida33 Janakiram C, Nayar S, Varma B, Ramanarayanan V, Mathew A, Suresh R, et al. Dental Care Implications in Coronavirus Disease-19 Scenario: Perspectives. J Contemp Dent Pract. 2020; 21(8):935-41. doi: 10.5005/jp-journals-10024-2896.
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O aparato institucional e a estrutura dos serviços de saúde não potencializam apoio aos trabalhadores nas situações de problemas éticos nem no âmbito legal, nem no institucional, tampouco na construção de espaços voltados a sua percepção, análise e solução, situação que acaba causando precarização subjetiva do trabalhador, como também observado nos resultados do estudo de Gomes e Finkler2929 Gomes D, Molina LR, Finkler M. Vulneração social e problemas ético-políticos transversais à saúde bucal na Atenção Primária à Saúde. Saude Debate. 2022; 46(133):392-402. doi: 10.1590/0103-1104202213310.
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. Assim, os problemas éticos disparados no contexto em pauta ampliaram a sensação de impotência dos trabalhadores, caracterizando sofrimento moral.

As respostas abordaram intensamente o contexto subjetivo com a questão dos limites vivenciados no processo de implantação de protocolos e de condutas adequadas às realidades sanitárias que a pandemia exigia. Alternaram-se dificuldades nas definições dos processos de trabalho e decisões profissionais heterogêneas, já que toda tomada de decisão é baseada não apenas em fatos, mas também nos julgamentos morais que fazemos e em nossos deveres individuais e coletivos. Tudo isso aguçou o panorama da grave crise que se apresentava, a exaustão e o sofrimento dos trabalhadores.

Os trabalhadores também foram desafiados a enfrentar a epidemia da desinformação - a infodemia. Esse cenário de imprevisibilidade gerado pela pandemia produziu preocupações e inseguranças, que em diversos casos, além de afetarem o bem-estar, prejudicou a saúde das pessoas, o que foi evidenciado com relatos de busca por assistência de saúde mental. A pandemia tornou mais visível a importância da popularização de recomendações de controle e proteção da saúde dos trabalhadores1616 Nunes HC, Cavalcante MLA, Campos SA, Cozendey-Silva EN, Mattos RCOC, Moura-Correa MJ, et al. Rede de Informações e Comunicação sobre a Exposição de Trabalhadores/Trabalhadoras ao Sars-CoV-2 no Brasil. Saude Debate. 2022; 46 Spe 1:411-22. doi: 10.1590/0103-11042022E128.
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, fato que se amplificou no cotidiano durante e após a pandemia.

O medo emergiu nos discursos de forma contundente (1.146 citações - quadro 2) e em diferentes contextos, relacionando-se à possibilidade de contaminação e às incertezas sobre o viver e o trabalhar no período anterior à chegada das vacinas, com apreensão sobre as mudanças no trabalho. As equipes de saúde bucal, pela natureza de uma prática com aerossóis e constante contato com saliva, foi considerada de imediato como uma categoria profissional de alto risco à contaminação pelo SARS-CoV-2. Posteriormente, relacionando dados de casos confirmados entre profissionais de Odontologia aos índices populacionais no país, verificou-se uma realidade diferente do esperado, com uma incidência cumulativa não tão alta e em torno de apenas 5% maior nestes trabalhadores3030 Ferreira RC, Gomes VE, Rocha NBD, Rodrigues GL, Amaral LHJ, Senna BIM, et al. Covid-19 Morbidity Among Oral Health Professionals in Brazil. Int Dent J. 2022; 72(2):223-9. doi: 10.1016/j.identj.2021.05.005.
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.

Ainda que muitos dos desafios enfrentados possam ter sido minimizados com qualificações sobre maneiras eficazes de controle de infecções, trabalho colaborativo, disponibilidade de EPIs e uso da teleodontologia3131 Raskin SE, Diep VK, Chung-Bridges K, Heaton LJ, Frantsve-Hawley J. Dental safety net providers' experiences with service delivery during the first year of Covid-19 should inform dental pandemic preparedness. J Am Dent Assoc. 2022; 153(6):521-31. doi: 10.1016/j.adaj.2021.11.005.
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, os resultados evidenciaram que houve sofrimento pelo fato de serem trabalhadores em atividade durante o período pandêmico inicial. Emergiram contextos da gestão dos serviços em que os aspectos políticos e econômicos não se mostraram favoráveis e afetaram a coordenação dos serviços, produzindo incoerências nas informações disponíveis. Decisões precisaram ser tomadas mesmo em situações de incertezas, o que demandou a análise de cursos de ação possíveis com um importante componente ético. Caram et al.3232 Caram CS, Ramos FRS, Almeida NG, Brito MJM. Sofrimento moral em profissionais de saúde:retrato do ambiente de trabalho em tempos de Covid-19. Rev Bras Enferm. 2021; 74 Suppl 1:1-8. doi: 10.1590/0034-7167-2020-0653.
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referendam esses resultados afirmando que a atuação na linha de frente configurou-se para os trabalhadores da saúde como de vivência de sofrimento moral, que ocorre quando um trabalhador percebe problemas em seu trabalho, mas é impossibilitado de agir de acordo com sua consciência.

Considerações finais

As principais dificuldades incluíram a compreensão sobre a suspensão dos atendimentos eletivos e a priorização de urgências; o acesso aos serviços; a definição, a implementação e as orientações sobre protocolos de biossegurança; o atendimento de pacientes potencialmente contaminados; o intervalo nos atendimentos; a disponibilidade de trabalhadores; insumos e infraestrutura; e a colaboração no trabalho em equipe.

Cada uma dessas dificuldades foi base a partir da qual alguns problemas éticos foram reportados: sensação de impotência; incertezas na priorização de casos; vivência de incompreensão e preconceitos; agravamento das doenças ou da complexidade dos tratamentos; conflitos sobre realizar ou não atendimentos eletivos; lidar com riscos aumentados, condutas profissionais heterogêneas e colegas que não seguiam normativas ou cuidados necessários - por exemplo, não informavam sobre contaminados ou agiam com descaso em relação aos usuários -; lidar com pacientes que mentiam ou omitiam fatos e que não se cuidavam; risco de disseminação e contaminação cruzada da doença; e descaso da gestão local e federal.

Da mesma forma, cada uma das dificuldades relatadas foi correlacionada a questões que atingiram o bem-estar ou mesmo a saúde mental dos trabalhadores, com muitas menções explícitas a adoecimentos em função de serem profissionais de saúde trabalhando na pandemia. Constatou-se a angústia derivada das cobranças da população por atendimento; a situação de exaustão no trabalho; o medo pela situação geral da pandemia, da contaminação durante os atendimentos, de adoecimento e de contaminação de familiares; bem como o sofrimento associado à necessária reorganização do trabalho.

Apesar das perdas e dos prejuízos decorrentes da pandemia, foi possível perceber que também se pode aprender com ela. Particularmente em relação ao escopo deste estudo, é um imperativo ético que a própria saúde bucal reconheça as dificuldades vivenciadas, objetiva e subjetivamente, no processo de trabalho no período pandêmico e, a partir delas, restabeleça rotinas e protocolos, especialmente os relacionados ao acesso aos serviços, à priorização de atendimentos e às normativas de biossegurança, pensando o cuidado necessário não só a pacientes, mas também aos trabalhadores da saúde.

Cabe apontar limitações relacionadas tanto à amostra de participantes, definida por conveniência, quanto à limitação à região Sul, e especialmente à opção pela análise dos dados independente de caracterizações - tais como serviços públicos e privados e trabalhadores de nível técnico e superior. Optou-se pela análise global das três perguntas abertas por permitir o aprofundamento em relação ao componente quantitativo já publicado. Acrescenta-se como ponto que fortalece o estudo os altos índices de respostas das questões abertas, mesmo sendo de preenchimento não obrigatório, demostrando que os participantes se sentiram estimulados a falar sobre os temas abordados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2024
  • Aceito
    20 Jun 2024
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br