Resumos
O objetivo deste estudo é analisar criticamente a implementação do Grupo-Oficina de Homens (GOH) em um Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps-AD). O GOH nasceu da parceria entre universidade pública e o Caps-AD, baseado nos princípios estabelecidos no Sistema Único de Saúde (SUS) pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH). O grupo será apresentado em cinco eixos: (1) formação do grupo; (2) construção da identidade grupal; (3) produções coletivas de subjetividades e masculinidades; (4) espelho: eu e os outros homens; (5) “este é um grupo que faz os homens chorarem”. Concluímos que o GOH construiu cuidados que conjugaram a desconstrução de masculinidades hegemônicas à atenção psicossocial no uso problemático de drogas. Os participantes reconheceram-se como vulneráveis, compartilharam experiências e sentimentos e fortaleceram o autocuidado nas trajetórias de enfrentamento do consumo problemático de substâncias.
Palavras-chave
Uso de substâncias; Masculinidades; Acompanhamento psicossocial; Saúde do homem; Processos grupais
The aim of this study was to critically assess the implementation of a men's workshop-group (MWG) in an alcohol and drugs psychosocial care center (CAPS-AD). The MWG was born out of a partnership between a public university and the CAPS-AD guided by the principles underpinning the Brazilian National Health System (SUS) set out in the National Policy on Comprehensive Men's Healthcare (PNAISH). The discussion of the group is structured around five core themes: (1) group formation; (2) construction of group identity; (3) collective production of subjectivities and masculinities; (4) mirror: me and other men; and (5) "this is a group that makes men cry". We concluded that the MWG fosters care that combines the deconstruction of hegemonic masculinities with psychosocial care for problematic drug use. Participants recognized their vulnerability, shared experiences and feelings, and strengthened self-care for coping with problematic substance use.
Keywords
Substance use; Masculinities; Psychosocial support; Men's health; Group processes
El objetivo de este estudio es analizar críticamente la implementación del Grupo–Taller de Hombres (Grupo Oficina de Hombre – GOH, por sus siglas en portugués) en un Centro de Atención Psicosocial – Alcohol y Drogas (CAPS – AD). El GOH nació de la alianza entre la Universidad Pública y el CAPS-AD, con base en los principios establecidos en el Sistema Brasileño de Salud (SUS) por la Política Nacional de Atención Integral a la Salud del Hombre (PNAISH). El grupo se presentará en cinco ejes: (1) formación del grupo; (2) construcción de la identidad grupal; (3) producciones colectivas de subjetividades y masculinidades; (4) espejo: yo y los otros hombres; (5) “este es un grupo que hace llorar a los hombres”. Concluimos que el GOH construyó cuidados que conjugaron la desconstrucción de masculinidades hegemónicas para la atención psicosocial en el uso problemático de drogas. Los participantes se reconocieron como vulnerables, compartieron experiencias y sentimientos y fortalecieron el autocuidado en las trayectorias de enfrentamiento del consumo problemático de substancias.
Palabras clave
Uso de substancias; Masculinidades; Acompañamiento psicosocial; Salud del hombre; Procesos grupales
Introdução
Ao buscarmos definições para o termo “cuidado”, encontramos uma série de encruzilhadas teóricas, técnicas e práticas. Termos como “cuidado integral” e “cuidados especiais” são frequentemente usados sem considerar que o cuidado deve ser entendido como uma postura não apenas técnica, mas fundamentalmente ética, política e epistemológica11 Georges I. O “cuidado” como “quase conceito”: por que está pegando? Notas sobre a resiliência de uma categoria emergente. In: Debert GG, Pulhez MM, organizadoras. Desafios do cuidado: gênero, velhice e deficiência. Campinas: IFCH-UNICAMP; 2017. p. 125-51.,22 Parra-Valencia LM. Grupalidad curadora: descolonialidad de saberes-prácticas campesinas y afroindígenas en Montes de María (Caribe colombiano) [tese]. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana; 2019.. Ao nomearmos o cuidado como uma postura, passamos a compreendê-lo relacionalmente, destacando que é nas relações que o cuidado é produzido11 Georges I. O “cuidado” como “quase conceito”: por que está pegando? Notas sobre a resiliência de uma categoria emergente. In: Debert GG, Pulhez MM, organizadoras. Desafios do cuidado: gênero, velhice e deficiência. Campinas: IFCH-UNICAMP; 2017. p. 125-51.,22 Parra-Valencia LM. Grupalidad curadora: descolonialidad de saberes-prácticas campesinas y afroindígenas en Montes de María (Caribe colombiano) [tese]. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana; 2019.. Dessa premissa emerge a questão: Como ampliar nossas compreensões do relacional para ampliarmos nossas práticas e posturas de cuidado?
As experiências que temos sobre nós mesmos são intrinsecamente relacionais e moldam como nos agenciamos em diferentes contextos, construindo noções de si e alteridade22 Parra-Valencia LM. Grupalidad curadora: descolonialidad de saberes-prácticas campesinas y afroindígenas en Montes de María (Caribe colombiano) [tese]. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana; 2019.
3 Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.-44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017.. Gênero, nesse contexto, opera também como uma categoria relacional, atuando na classificação social dos corpos e na produção de posicionalidades e relações de poder, constituindo a circulação mais ampla do poder nas sociedades ocidentais modernas33 Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.
4 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017.-55 Segato R. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre Género entre la Antropología, el Psicoanálisis y los Derechos Humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes; 2003.. Esse entendimento nos coloca perante as formas pelas quais os processos de subjetivação são atravessados por regimes de gênero, que produzem delimitações rígidas baseadas na organização das subjetividades em um modelo binário, e atuam para fazer valer códigos sociais baseados em gênero33 Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.,44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017.,66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020261... ,77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008..
Nesse sentido, ao nos debruçarmos sobre os códigos e matrizes de inteligibilidade33 Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018. que dão significado às disposições relacionais como sendo “masculinas” ou “femininas”, entendemos gênero como um importante determinante social em saúde66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020261... ,77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.. O campo de estudos sobre a Saúde do Homem nos mostra que certas conclusões identitárias, ou seja, certos códigos sociais que produzem ordenamentos dos processos de subjetivação, atuam a fim de afastar os homens das práticas de cuidados de si e dos outros e, especificamente, da presença nos espaços de cuidados em saúde66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020261... ,77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008..
O cuidado tem sido construído nas sociedades ocidentais como uma prática generificada11 Georges I. O “cuidado” como “quase conceito”: por que está pegando? Notas sobre a resiliência de uma categoria emergente. In: Debert GG, Pulhez MM, organizadoras. Desafios do cuidado: gênero, velhice e deficiência. Campinas: IFCH-UNICAMP; 2017. p. 125-51.,22 Parra-Valencia LM. Grupalidad curadora: descolonialidad de saberes-prácticas campesinas y afroindígenas en Montes de María (Caribe colombiano) [tese]. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana; 2019.: cuidar envolve estender-se ao mundo do outro, agir com alteridade, não se colocar em posições hierárquicas de determinação sobre os outros, mas construir conjuntamente práticas colaborativas de produção de vida e saúde. Essas características do cuidado têm sido associadas ao feminino11 Georges I. O “cuidado” como “quase conceito”: por que está pegando? Notas sobre a resiliência de uma categoria emergente. In: Debert GG, Pulhez MM, organizadoras. Desafios do cuidado: gênero, velhice e deficiência. Campinas: IFCH-UNICAMP; 2017. p. 125-51.,66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020261... ,77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.. Um corpo, um sujeito que é cuidado não é invulnerável, uma vez que ele afeta e é afetado pelas circunstâncias de seu entorno77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.. Reconhecer essas afetações e, por conseguinte, dar abertura ao cuidado são ações que questionam disposições individualistas assentadas em ideais de força e invulnerabilidade, fortemente associadas ao masculino66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
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7 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.-88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
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Surge um desafio: Como desenvolver espaços de cuidado que reconheçam o papel do gênero na (re)produção dos cuidados? Os serviços especializados no cuidado a pessoas que fazem uso problemático de drogas são utilizados majoritariamente por homens, entretanto isso não tem implicado uma adoção de perspectivas baseadas em gênero nas ações desenvolvidas88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
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Ao ponderarmos essas questões, propomos a construção de um olhar generificado66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
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7 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.-88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... no cuidado aos usuários homens do Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps-AD) inspirado nas diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH)77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.. Publicada em 2008, essa política busca fortalecer os princípios do SUS de integralidade e equidade nos cuidados dos homens. A PNAISH compreende a adesão dos homens aos espaços de cuidado como relacionada a “barreiras socioculturais e institucionais”77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. (p. 6). Para enfrentar essas barreiras, precisamos entender como nossas posturas de cuidado podem compor disposições relacionais nas quais a presença masculina não seja incongruente com a disponibilidade para cuidar e ser cuidado77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.
8 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... -99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... . A literatura científica sobre Saúde do Homem aponta que a ausência dos homens nos contextos de cuidados em saúde é mediada pela “ausência de vínculos apropriados com homens”1010 Schraiber LB, Figueiredo WS, Gomes R, Couto MT, Pinheiro TF, Machin R, et al. Necessidades de saúde e masculinidades: atenção primária no cuidado aos homens. Cad Saude Publica. 2010; 26(5):961-70. doi: 10.1590/S0102-311X2010000500018.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000... (p. 968) nas políticas públicas de saúde.
Ao explorarmos esse princípio de integração dos homens aos ambientes de cuidados em saúde, conforme orienta a PNAISH77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008., questionamos o papel de determinação social de gênero no processo de saúde-doença, especialmente em relação ao uso de álcool e outras drogas77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.
8 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... -99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... . Um dos eixos abordados na PNAISH é o uso abusivo de substâncias, cujos indicadores de saúde apontam uma representatividade massiva de homens em comparação às mulheres77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008..
Segundo Silva e Melo99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... , a dinâmica entre masculinidades hegemônicas e sofrimento psíquico produz disposições relacionais específicas, levando os homens a reconhecer e relatar menos os desconfortos emocionais “devido à não conformidade com noções dominantes de masculinidade”99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... (p. 4615). Isso ressalta a necessidade de que sistemas de saúde desenvolvam estratégias de cuidado para homens que considerem o gênero não somente como fator mediador dos processos de saúde-doença, mas como determinante social. A desconstrução de padrões hegemônicos1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
https://doi.org/10.1177/0891243205278639... de masculinidades torna-se uma prática de cuidado quando buscamos aproximar os homens dos espaços de saúde. Isso é especialmente relevante, pois o uso de substâncias, para muitos homens, atua como um dispositivo de fuga, exacerbando experiências de sofrimento psíquico e vulnerabilização, e contribuindo para o aumento da mortalidade e da morbimortalidade entre homens66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
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7 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.
8 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... -99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
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Considerando os desafios nos cuidados em saúde de homens que fazem uso problemático de drogas, este estudo tem como objetivo relatar e analisar a experiência de implementação do Grupo-Oficina de Homens (GOH) em um Caps-AD.
Metodologia
Este estudo consiste em um relato descritivo e reflexivo de experiência1212 Mussi RFF, Flores FF, Almeida CB. Pressupostos para a elaboração de relato de experiência como conhecimento científico. Rev Praxis Educ. 2021; 17(48):60-77. doi: 10.22481/praxisedu.v17i48.9010.
https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i4... referente às atividades do GOH em 2022 e 2023, no Caps-AD de um município do interior do estado de São Paulo. Por meio do relato de experiência1212 Mussi RFF, Flores FF, Almeida CB. Pressupostos para a elaboração de relato de experiência como conhecimento científico. Rev Praxis Educ. 2021; 17(48):60-77. doi: 10.22481/praxisedu.v17i48.9010.
https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i4... da implementação do GOH, buscamos contribuir para iniciativas que reconheçam o cuidado como um processo generificado66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020261... ,88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... na atenção a homens que buscam serviços de saúde devido ao uso problemático de drogas, como o Caps-AD. A proposição do GOH resultou da colaboração entre a Universidade de São Paulo e o Caps-AD, potencializada pela presença de alunos-estagiários de Psicologia e supervisores no serviço. Essa construção considerou os impactos dos modelos hegemônicos1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
https://doi.org/10.1177/0891243205278639... culturalmente naturalizados de “ser homem” nas experiências de sofrimento psíquico dos homens atendidos99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... ,1010 Schraiber LB, Figueiredo WS, Gomes R, Couto MT, Pinheiro TF, Machin R, et al. Necessidades de saúde e masculinidades: atenção primária no cuidado aos homens. Cad Saude Publica. 2010; 26(5):961-70. doi: 10.1590/S0102-311X2010000500018.
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Na elaboração do GOH, foram considerados aspectos como a negação da vulnerabilidade entre os homens, dificuldade de entrar em contato com estados emocionais e construir relações que permitam a expressão e o acolhimento de afetos44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017.,66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020261... ,77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.,99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... . Esses fatores contribuem para a manutenção do uso problemático de drogas, especialmente quando produzem disposições relacionais pautadas em “esquecer”, “anestesiar” e “fugir”99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
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A construção do GOH iniciou-se com discussões recorrentes na equipe de saúde sobre a proposta de um grupo para homens pela seguinte provocação: “Se a maior parte dos grupos do serviço já é composta principalmente de usuários homens, qual a diferença de um grupo específico?”. Assim, tomamos como eixos norteadores os efeitos e implicações de considerar a categoria “gênero” como determinante social do processo saúde-doença77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.,99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... também quando se ofertava cuidado aos homens que compunham a maioria dos usuários atendidos no serviço88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... .
A implementação do GOH começou em outubro de 2022, baseada nos princípios e diretrizes estabelecidos no Sistema Único de Saúde (SUS) pela PNAISH77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.. Trata-se de um grupo aberto, acessível aos homens usuários do Caps-AD por encaminhamento de profissionais de referência, por meio do programa de permanência-dia ou por interesse próprio.
Os encontros ocorreram semanalmente, com cerca de 60 minutos de duração e número médio de oito a dez participantes por encontro. O GOH foi coordenado, em 2022, por um aluno-estagiário de Psicologia e uma terapeuta ocupacional. Em 2023, outro aluno-estagiário de Psicologia também se juntou à coordenação. No total, foram realizados 41 encontros entre 2022 e 2023.
Nesses encontros, utilizamos recursos voltados para o desenvolvimento de um processo grupal capaz de questionar noções rígidas de masculinidade1313 Acosta F, Andrade A, Bronz A. Conversas homem a homem: grupo reflexivo de gênero. Rio de Janeiro: Instituto Noos; 2004. e a sua relação com o uso problemático de drogas88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... ,99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... . O primeiro recurso utilizado foi a produção de uma memória coletiva, também usada como diário de campo1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76.,1515 Pezzato LM, L’abbate S. O uso de diários como ferramenta de intervenção da Análise Institucional: potencializando reflexões no cotidiano da Saúde Bucal Coletiva. Physis. 2011; 21(4):1297-314. doi: 10.1590/S0103-73312011000400008.
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201100... sob a forma da confecção de cartazes ao final de cada encontro. Compreendemos o uso do diário de campo de forma coletiva como um instrumento de mobilidade1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76., permitindo que, ao escrevermos coletivamente, criássemos um processo de memória em que “o coletivo se faz presente no processo de produção de um texto”1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76. (p. 73). Esse registro das discussões, disponível a todos, possibilitou a retomada constante das reflexões realizadas ao longo dos anos, favorecendo os métodos de transformação das disposições relacionais no processo grupal1515 Pezzato LM, L’abbate S. O uso de diários como ferramenta de intervenção da Análise Institucional: potencializando reflexões no cotidiano da Saúde Bucal Coletiva. Physis. 2011; 21(4):1297-314. doi: 10.1590/S0103-73312011000400008.
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201100... .
O segundo recurso utilizado foi o “convite” a um participante-manequim para integrar-se ao grupo, o qual foi nomeado pelos membros como “Tomé”. Com Tomé, buscamos materializar reflexões sobre a influência do gênero nas construções identitárias dos homens do grupo, além de potencializar discussões sobre corporalidade e facilitar diálogos do grupo com um outro externo1616 Francisca E, Cristiano R, Emidio BD. Masculinidade quebrada: memórias de um processo com meninos periféricos. Rio de Janeiro: Multifoco; 2020.. O participante-manequim auxiliou na materialização do compartilhamento de vivências, favorecendo reflexões sobre o atravessamento social da constituição subjetiva e o levantamento de questões sobre como corporalidade e estética se relacionam com as masculinidades1616 Francisca E, Cristiano R, Emidio BD. Masculinidade quebrada: memórias de um processo com meninos periféricos. Rio de Janeiro: Multifoco; 2020..
O terceiro recurso utilizado foi a inserção de um espelho na sala de grupos, posicionado em frente a Tomé, objetivando fomentar a discussão dos impactos das construções identitárias nos participantes do grupo. Por fim, foi disponibilizada uma cópia impressa da PNAISH77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. que era consultada durante os encontros, ajudando a relacionar as reflexões do grupo com os seus desdobramentos nos cuidados em saúde1010 Schraiber LB, Figueiredo WS, Gomes R, Couto MT, Pinheiro TF, Machin R, et al. Necessidades de saúde e masculinidades: atenção primária no cuidado aos homens. Cad Saude Publica. 2010; 26(5):961-70. doi: 10.1590/S0102-311X2010000500018.
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Em termos da estrutura geral do GOH e da organização dos recursos apresentados, a principal referência foi a dos Grupos Reflexivos de Gênero1313 Acosta F, Andrade A, Bronz A. Conversas homem a homem: grupo reflexivo de gênero. Rio de Janeiro: Instituto Noos; 2004., uma metodologia desenvolvida para a produção de processos grupais de reflexão sobre a forma pela qual as subjetividades são constituídas mediante referenciais de gênero. Com base nesse referencial, ampliamos a ideia de corresponsabilidade entre facilitadores e participantes, permitindo que estivéssemos atentos às dinâmicas relacionais que eram produzidas44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017.,1313 Acosta F, Andrade A, Bronz A. Conversas homem a homem: grupo reflexivo de gênero. Rio de Janeiro: Instituto Noos; 2004.,1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76..
A apresentação das experiências do GOH será dividida em cinco eixos, intitulados: (1) formação do grupo; (2) construção da identidade grupal; (3) produções coletivas de subjetividades e masculinidades; (4) espelho: eu e os outros homens; (5) “este é um grupo que faz os homens chorarem”.
Ao longo da apresentação desses eixos, propusemos explorar gênero como um regime de poder baseado na classificação33 Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.,1717 Lugones M. Gender and universality in colonial methodology. In: Espinosa-Miñoso Y, Lugones M, Maldonado-Torres N. Decolonial feminism in Abya Yala. Lanham: Rowman and Littlefield; 2021. p. 3-24., que atua na determinação social dos processos saúde-doença dos usuários que participaram e co-construíram o grupo. Para tanto, utilizaremos excertos dos registros de nosso diário de campo coletivo, denominado “Memória do GOH”. Trechos transcritos estarão indicados entre aspas e datados conforme o mês em que foram registrados1515 Pezzato LM, L’abbate S. O uso de diários como ferramenta de intervenção da Análise Institucional: potencializando reflexões no cotidiano da Saúde Bucal Coletiva. Physis. 2011; 21(4):1297-314. doi: 10.1590/S0103-73312011000400008.
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Resultados e discussão
Formação do grupo
No Caps-AD, já existiam grupos organizados por critérios de gênero, como os Grupos de Mulheres e de Mães1818 Corradi-Webster CM, Arruda EPT, Marchini GPO. Maternidade e uso de drogas: considerações sobre o cuidado. In: Hochgraf PB, Brasiliano S. Álcool e drogas: uma questão feminina. São Paulo: RED; 2023. p. 99-110., e, ocasionalmente, discutíamos experiências com usuários LGBTQIAPN+. Nesse sentido, gênero tem sido uma categoria frequentemente relegada às mulheres e às pessoas LGBTQIAPN+, uma vez que tendemos a não considerar que gênero também se coloca para homens cisgêneros e heterossexuais1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
https://doi.org/10.1177/0891243205278639... ,1717 Lugones M. Gender and universality in colonial methodology. In: Espinosa-Miñoso Y, Lugones M, Maldonado-Torres N. Decolonial feminism in Abya Yala. Lanham: Rowman and Littlefield; 2021. p. 3-24.. Por meio das discussões em equipe, localizamos as masculinidades como determinantes sociais nos processos de saúde-doença. Assim, começou o planejamento de um grupo sensível às inter-relações entre masculinidades e uso problemático de drogas77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.,99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
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A apresentação inicial ocorreu em maio de 2022, tendo em consideração o processo de como os homens e os cuidados que oferecemos constituem e são constituídos por dispositivos de gênero33 Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.: ao deixarmos de identificar certos fluxos de circulação do poder na sociedade, nos privamos de criar estratégias de produção de diferença nesses fluxos1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76.. Se, ao questionarmos a métrica de um sujeito-padrão universal55 Segato R. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre Género entre la Antropología, el Psicoanálisis y los Derechos Humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes; 2003.,1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
https://doi.org/10.1177/0891243205278639... ,1717 Lugones M. Gender and universality in colonial methodology. In: Espinosa-Miñoso Y, Lugones M, Maldonado-Torres N. Decolonial feminism in Abya Yala. Lanham: Rowman and Littlefield; 2021. p. 3-24., nos deparamos com a figura de um homem, cisgênero, heterossexual, branco e privilegiado socioeconomicamente, quais são as consequências de produzirmos ações de cuidado que nos façam evidenciar as dinâmicas decorrentes do fato de estarmos em contextos de produção de hegemonias?
A maioria dos usuários atendidos no Caps-AD não se enquadra nesse “sujeito-padrão” supostamente universal1717 Lugones M. Gender and universality in colonial methodology. In: Espinosa-Miñoso Y, Lugones M, Maldonado-Torres N. Decolonial feminism in Abya Yala. Lanham: Rowman and Littlefield; 2021. p. 3-24.,1919 Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 4a ed. Petrópolis: Vozes; 1996.. Muitos são negros e vivem em contextos de precarização socioeconômica. Além desses determinantes sociais, as questões relacionadas às masculinidades permeiam suas vivências, especialmente nas relações com o uso de drogas. A implementação do grupo só foi possível após chegarmos a alguns consensos, como equipe, sobre a pertinência de questionarmos os processos de produção de hegemonia dos quais éramos também signatários ao desconsiderarmos os homens como sujeitos generificados. Isso possibilitou uma mudança de paradigmas na gestão do cuidado no Caps-AD, alinhada aos objetivos da PNAISH77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. de desenvolver a “compreensão da realidade singular masculina nos seus diversos contextos”77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. (p. 3).
Construção da identidade grupal
O início do grupo foi atravessado por um desafio que nos mobilizou intensamente: Como abordar questões de gênero e masculinidades sem transformar o GOH em um ciclo de palestras ou uma atividade puramente pedagógica? Esses questionamentos nos levaram a criar ferramentas para consolidar o espaço do grupo como um produto de ação colaborativa entre usuários e equipe1313 Acosta F, Andrade A, Bronz A. Conversas homem a homem: grupo reflexivo de gênero. Rio de Janeiro: Instituto Noos; 2004.,1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76.,1919 Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 4a ed. Petrópolis: Vozes; 1996.. A principal delas foi o diário de campo coletivo1515 Pezzato LM, L’abbate S. O uso de diários como ferramenta de intervenção da Análise Institucional: potencializando reflexões no cotidiano da Saúde Bucal Coletiva. Physis. 2011; 21(4):1297-314. doi: 10.1590/S0103-73312011000400008.
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201100... , que serviu como memória do grupo, confeccionado em um bloco de papel flip chart, com frases e temáticas dos encontros.
No primeiro encontro, surgiram as questões: “Como construir boas relações?”, “Como se comunicar?”, “Como conseguir ouvir?”. Essas indagações guiaram a constituição inicial do grupo, em resposta ao desafio de como operá-lo. A produção da memória coletiva foi crucial para propiciar movimentos de construção de uma identidade grupal, de um espaço que produzisse diferença ao nos colocarmos perante a tarefa de discutir as reverberações das disposições relacionais de gênero em nossas vidas1313 Acosta F, Andrade A, Bronz A. Conversas homem a homem: grupo reflexivo de gênero. Rio de Janeiro: Instituto Noos; 2004.. Nesse momento, falar sobre masculinidades, de forma direta, parecia distante das reflexões produzidas em grupo, mas, ao nos debruçarmos sobre a relacionalidade1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76.,1919 Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 4a ed. Petrópolis: Vozes; 1996., pudemos construir caminhos para discutir os efeitos de ser homem na vida de cada integrante.
Uma frase marcante nessa etapa foi: “Nem tudo o que nos aborrece e faz sofrer é, forçosamente, mau” (Memória do GOH, outubro de 2022). Ao adentrarmos o campo da relacionalidade1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76., pudemos gerar entendimentos sobre questões relacionadas à comunicação, de modo que começamos a fazer uso de um objeto organizador dos momentos de fala e escuta, denominado de “objeto de fala”, à semelhança da técnica utilizada em círculos de Justiça Restaurativa2020 Pranis K. Círculos de justiça restaurativa e de construção da paz: guia do facilitador. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; 2011.. O objeto de fala serviu para materializar nossas discussões sobre como escutar uns aos outros e compor um espaço no qual pudéssemos expressar nossas próprias emoções e pensamentos2020 Pranis K. Círculos de justiça restaurativa e de construção da paz: guia do facilitador. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; 2011.: “o coração do homem está onde está o seu tesouro” (Memória do GOH, novembro de 2022).
Nesse momento, o GOH começa a construir sua singularidade como um lugar em que homens podem compartilhar suas experiências em primeira pessoa, pelas quais o processo de desnaturalização da figura masculina como “forte, invulnerável”77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008., foi sendo realizado. O grupo frequentemente levantou temáticas como medo e desconfiança nas relações, com a demonstração pública de vulnerabilidade sendo vista como uma exposição a ataques e traições. Com o movimento coletivo de dar espaço para o compartilhamento de vivências emocionais íntimas, foi possível a criação desse “lugar seguro” de escuta2020 Pranis K. Círculos de justiça restaurativa e de construção da paz: guia do facilitador. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; 2011. para que os homens se colocassem de forma distinta do habitual.
Foi por essa consolidação do GOH como um espaço permissivo e seguro44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017. que mais usuários foram encaminhados para participar no grupo, alguns a convite de participantes mais antigos. Assim, fomos desenvolvendo estratégias que nos permitiam reconhecer não apenas as singularidades dos homens em suas diversas relações com o uso de drogas, mas também considerar como os regimes de gênero traçam contornos em comum nos contextos de uso88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... ,99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... . Isso contribuiu para o desenvolvimento de estratégias que equilibrassem singularidade e coletividade, conforme previsto na PNAISH77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008..
Produções coletivas de subjetividades e masculinidades
Com o aumento dos participantes para cerca de dez membros por encontro, tornou-se possível inserir perguntas como: “O que é ser homem de verdade?” (Memória do GOH, dezembro de 2022). Assim, a produção de questionamentos e reflexões, inicialmente direcionada ao campo relacional, passou a ser influenciada pelos questionamentos de como gênero afeta as relacionalidades dos usuários homens.
A quebra das expectativas de serem provedores e protetores em seus lares, frequentemente relacionada ao uso problemático de drogas, levantava discussões sobre uma forte sensação de impotência, de ser motivo de decepção para os familiares99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... . Essas vivências dolorosas eram compartilhadas pela maioria dos homens do grupo, juntamente à ausência de relacionamentos romântico-afetivos. Mediante esses elementos em comum, compreendemos que a introdução do participante-manequim seria oportuna1616 Francisca E, Cristiano R, Emidio BD. Masculinidade quebrada: memórias de um processo com meninos periféricos. Rio de Janeiro: Multifoco; 2020..
Esse processo teve início em fevereiro de 2023. Ao apresentarmos a proposta ao grupo, sugerimos convidar um participante que pudesse nos ajudar a falar de coisas sobre nós mesmos que, muitas vezes, ainda não conseguíamos expressar em primeira pessoa. Com o consentimento do grupo, o participante-manequim foi inserido na roda de cadeiras. Convidamos os homens a nomeá-lo, criar uma história sobre como ele chegou ao GOH e escolher roupas para vesti-lo. O novo participante foi nomeado como Tomé pelo grupo.
O principal debate nesse momento foi se Tomé deveria ser um modelo de inspiração ou alguém “como nós”. “O que causa nos outros o jeito como estamos?” (Memória do GOH, fevereiro de 2023). Após acaloradas discussões, o grupo decidiu que seria melhor representar Tomé como um modelo ideal, um “doutor”. Tomé foi vestido com roupa social e jaleco branco. Essa decisão foi guiada por visões de si mesmo, compartilhadas pelos homens do grupo, como indivíduos “indesejáveis” e “falidos”.
É importante ressaltar que a maioria dos usuários do GOH eram homens negros cisgêneros. Os processos de construção de masculinidades entre homens negros são atravessados pelo racismo estrutural na sociedade brasileira, que produz “metros-padrão”1919 Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 4a ed. Petrópolis: Vozes; 1996.,2121 Ribeiro AAM, Faustino DM. Negro tema, negro vida, negro drama: estudos sobre masculinidades negras na diáspora. Rev Transversos. 2017; 10(2):163-82. doi: 10.12957/transversos.2017.29392.
https://doi.org/10.12957/transversos.201... do que é ser homem, fundamentados nos ideais tradicionais de masculinidade da branquitude colonial1717 Lugones M. Gender and universality in colonial methodology. In: Espinosa-Miñoso Y, Lugones M, Maldonado-Torres N. Decolonial feminism in Abya Yala. Lanham: Rowman and Littlefield; 2021. p. 3-24.,2121 Ribeiro AAM, Faustino DM. Negro tema, negro vida, negro drama: estudos sobre masculinidades negras na diáspora. Rev Transversos. 2017; 10(2):163-82. doi: 10.12957/transversos.2017.29392.
https://doi.org/10.12957/transversos.201... . Nesse regime, o homem negro é situado de maneira marginalizada aos processos sociais de produção de subjetividades2121 Ribeiro AAM, Faustino DM. Negro tema, negro vida, negro drama: estudos sobre masculinidades negras na diáspora. Rev Transversos. 2017; 10(2):163-82. doi: 10.12957/transversos.2017.29392.
https://doi.org/10.12957/transversos.201... . Ao discutirmos como vestir Tomé, a ideia de vê-lo como “um de nós” parecia inadequada: optou-se por atribuir a ele um lugar simbólico como legítimo representante do regime hegemônico que define as masculinidades “desejáveis” e “bem-sucedidas”1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
https://doi.org/10.1177/0891243205278639... .
“Somos fracos, mas capazes de alcançar o nosso sucesso – mas, o que é o sucesso?” (Memória do GOH, março de 2023). Ao inserirmos Tomé como essa figura idealizada, os relatos sobre fracassos em atender às expectativas sociais, familiares e pessoais sobre o que é ser homem foram se multiplicando nos encontros do grupo. Concomitantemente, começou a surgir uma busca por um sucesso possível. Isso nos conduziu a outra indagação: Como pensar em sucesso no contexto do GOH? O abismo entre as expectativas de um homem hegemônico e o que parecia viável para os usuários se alargava cada vez mais.
Espelho: eu e os outros homens
Como construir olhares sobre nós mesmos que não sejam completamente capturados por disposições relacionais hegemônicas1919 Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 4a ed. Petrópolis: Vozes; 1996. (machistas, racistas, homofóbicas, coloniais…)? Trocamos a roupa de Tomé, que foi à praia: agora estava trajado com uma camiseta verde de mangas curtas e um short de tactel, semelhante às vestimentas dos homens que frequentavam o grupo. Tomé tinha passado por uma recaída. Tomé estava procurando trabalho. Cada vez mais o “doutor” Tomé foi dando lugar ao Tomé-como-um-de-nós. “Reconstrução do eu – ser chamado pelo nome - de onde eu venho? - quem eu sou? - quem eu quero ser?” (Memória do GOH, maio de 2023).
Ao conseguirmos produzir em Tomé descritores que se afastavam da ideia abstrata e longínqua do que é naturalizado como insígnia do sucesso masculino, produzimos um movimento coletivo que permitiu aproximações a nós mesmos. Um dos homens do grupo compartilhou uma história em que foi chamado de “drogadito” em um evento social. Nesse momento, começou a fazer as perguntas referidas acima, afirmando ter carne, ter sangue, ter um nome. Por meio dessa intervenção potente, foi possível que começássemos a dialogar sobre como essa ideia de “fracasso” foi construída e incutida na vida de cada usuário, e como esse fracasso fabricado remetia à criação do homem hegemônico44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017.,55 Segato R. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre Género entre la Antropología, el Psicoanálisis y los Derechos Humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes; 2003.,1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
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Ao buscarmos compreender como favorecer movimentos de autorreflexão sobre os efeitos dos regimes sociais de gênero na construção de masculinidades dos homens, posicionamos perante Tomé um espelho longo, capaz de refletir seu corpo inteiro. Iniciamos questionando como é a experiência de se olhar no espelho para os membros do grupo. A dificuldade de “encarar o espelho” tornou-se uma temática recorrente nesses momentos.
Não olhar para o espelho, olhar para o espelho apenas quando está fazendo uso de drogas, se xingar no espelho... Tais relatos nos levaram a discutir amplamente a relação dos homens com seus corpos, com suas cicatrizes, reais e simbólicas, com a falta de alguns dentes, com as roupas velhas e malcuidadas. A dificuldade de se ver como capaz ou desejável, produzia uma série de barreiras no campo relacional desses homens44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017.. Essa dificuldade não é uma disposição individual ou meramente psicológica, mas resultado de um regime social – de gênero, raça, classe social – que produz excluídos e corpos abjetos para validar uma forma normativa de ser33 Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.,1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
https://doi.org/10.1177/0891243205278639... .
“Será que o espelho aguenta?. Como conseguimos encontrar coisas em nós mesmos de que conseguimos gostar?” (Memória do GOH, junho de 2023). Como traçar linhas de fuga1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76.,1919 Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 4a ed. Petrópolis: Vozes; 1996.? Como cultivar olhares apreciativos que nos reconheçam como sujeitos valorosos? A discussão sobre amor-próprio no GOH nos levou em direção às formas como aprendemos a falar sobre nós mesmos e sobre os outros.
Nesse caminho, nos deparamos com o sentimento de solidão e a sensação de isolamento, de falta de momentos em que falar sobre si ou sobre os outros não envolvesse “xingar - desrespeito - julgamento - desconfiança - intromissão” (Memória do GOH, junho de 2023). Alcançamos um estágio de reflexão no grupo em que, para aprendermos a nos enxergar de outras formas, precisamos dos outros, de relações que sustentem espaços de cuidado e acolhimento. “Ninguém é uma ilha – por que nos sentimos náufragos?” (Memória do GOH, junho de 2023). Com essas reflexões, pudemos compreender cada vez mais a importância da aproximação dos homens aos contextos de cuidado, como discutido na PNAISH77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008..
A solidão, no contexto do GOH, surgiu de experiências de desencaixe, de fuga dos modelos pré-moldados e expectativas idealizadas. Mas isso não é natural? Os homens se perguntavam: para continuarmos seguros, como vamos correr o risco de nos expor a essas novas relações? Com quase um ano de vida, o GOH buscava construir outros territórios existenciais. Foi nesse estágio de desenvolvimento do grupo que o uso de drogas pôde aparecer como uma estratégia de sociabilidade dos homens que, para poderem se sentir incluídos de alguma forma, relataram recorrer à mesa do bar ou à aproximação com as “más amizades”.
Sendo assim, como encontrar contextos que ofereçam condições menos prejudiciais à saúde? O olhar de Tomé para o espelho revela como a construção das noções de si dos homens do GOH se pautava nessa constante alternância entre fuga, ataque e isolamento44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017.,99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... . Porém, ao reconstruirmos a trajetória do grupo, resgatamos os momentos de acolhimento e abertura, aproximando-nos do sentido de existir um Grupo-Oficina de Homens no Caps-AD. Foram se esboçando tentativas de comparar as experiências dos homens com as das mulheres: “As coisas vêm mudando” (Memória do GOH, julho de 2023).
É nesse contexto que entendemos a importância de trazer a discussão da PNAISH77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. ao grupo. O documento foi impresso e compartilhado, permanecendo junto da Memória Coletiva para consulta sempre que necessário. Ao apresentarmos suas primeiras páginas, pudemos discutir mais profundamente “O que é ser homem?. Quando entendemos que somos homens?” (Memória do GOH, julho de 2023). A crença na invulnerabilidade e o afastamento dos homens dos cuidados em saúde77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. foram temáticas abordadas, gerando reflexões sobre como eles se engajavam nos próprios processos de cuidado, como estavam construindo relações com as drogas que os afastavam desses cuidados de si e da responsabilidade social de cuidar dos outros.
Quando Alan Jenkins44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017. traz sua reflexão sobre as implicações de reconhecermos os efeitos de práticas violentas, tanto contra os outros ou contra nós mesmos, percebemos que a vergonha não é apenas um fator de sofrimento, mas também uma janela de oportunidade para a criação de novos modos de se tornar sujeito. Ao abordarmos a vergonha e, posteriormente, o medo de demonstrá-la, construímos espaços vitais no GOH para questionarmos a “Vergonha da fragilidade, de procurar ajuda” (Memória do GOH, agosto de 2023).
“Este é um grupo que faz os homens chorarem”
O título desse eixo, retirado da Memória do GOH de setembro de 2023, ilustra as movimentações do grupo após concedermos espaço para manifestações abertas de sentimentos como vergonha e medo. Não para amplificá-los, mas para buscarmos formas coletivas de acolher e cuidar desses sentimentos44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017.,1313 Acosta F, Andrade A, Bronz A. Conversas homem a homem: grupo reflexivo de gênero. Rio de Janeiro: Instituto Noos; 2004.. “Como lidamos com a confusão? Como lidamos com os sentimentos que acumulamos ou que não sabemos nomear?” (Memória do GOH, setembro de 2023). Os caminhos explorados para falar sobre comunicação, relações, desafios de ser homem e a responsabilização pelo autocuidado e pelo cuidado do outro construíram um espaço em que essas trajetórias puderam se entrecruzar. O grupo produziu reflexões que incentivaram os integrantes a se permitirem arriscar sair dos espaços de solidão e autoexclusão, e a questionar os rótulos e demarcações que receberam ao longo de suas vidas44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017..
Não acreditamos que haja um ponto final para esses caminhos, que são traçados com a continuidade do GOH, na medida em que as vivências do grupo se multiplicam. “Ver para crer – como tenho me visto? Como tenho acreditado em mim? Como lido com as mudanças?” (Memória do GOH, dezembro de 2023). A nomeação de Tomé pelo grupo foi sendo ressignificada como uma necessidade de “ver para crer”, construindo formas de reconhecer em si e nos outros a possibilidade de se tornar diferente, gerando novas experiências para além das restrições impostas pelas disposições relacionais hegemônicas1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
https://doi.org/10.1177/0891243205278639... construídas pelas marcações de gênero, raça e classe1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
https://doi.org/10.1177/0891243205278639... ,1717 Lugones M. Gender and universality in colonial methodology. In: Espinosa-Miñoso Y, Lugones M, Maldonado-Torres N. Decolonial feminism in Abya Yala. Lanham: Rowman and Littlefield; 2021. p. 3-24.,1919 Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 4a ed. Petrópolis: Vozes; 1996..
Considerações finais
Compreendemos que o GOH se configurou como espaço que favorece a construção de novas disposições relacionais entre seus integrantes. Isso é especialmente relevante quando consideramos gênero como uma categoria relacional que exerce poder de formatação dos processos de subjetivação dos indivíduos em nossa sociedade33 Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.,55 Segato R. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre Género entre la Antropología, el Psicoanálisis y los Derechos Humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes; 2003.,1111 Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity: rethinking the concept. Gender Soc. 2005; 19(6):829-59. doi: 10.1177/0891243205278639.
https://doi.org/10.1177/0891243205278639... , impactando as vivências e necessidades de saúde66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020261... ,1010 Schraiber LB, Figueiredo WS, Gomes R, Couto MT, Pinheiro TF, Machin R, et al. Necessidades de saúde e masculinidades: atenção primária no cuidado aos homens. Cad Saude Publica. 2010; 26(5):961-70. doi: 10.1590/S0102-311X2010000500018.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000... e atuando na determinação social dos processos de saúde-doença77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.,88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... .
Nesse sentido, ao examinarmos os efeitos dos regimes de masculinidades sobre homens que fazem uso problemático de drogas, entendemos que os efeitos das conclusões identitárias baseadas em gênero44 Jenkins A. Violência e abuso: uma intervenção ética e restaurativa com homens que abusam. Porto Alegre: Pacartes; 2017. na relação com o uso de substâncias precisam ser considerados nas estratégias de produção de saúde88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... ,99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... . Desconsiderar essas dinâmicas produz cuidados que não consideram a Saúde do Homem em uma perspectiva integral66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020261... . Isso (re)produz silenciamentos e omissões de vivências intimamente relacionadas com o recurso às drogas88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... ,99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
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Ao discutirmos o impacto dos diversos regimes de poder em nossa sociedade, como racismo e machismo estruturais e desigualdade social, conseguimos criar um espaço grupal em que os questionamentos sobre essas estruturas possibilitaram o agenciamento de linhas de fuga1414 Barros LP, Kastrup V. Cartografar é acompanhar processos. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 52-76.,1919 Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 4a ed. Petrópolis: Vozes; 1996., com novas estratégias de relacionamento consigo mesmo e com outros que não são centradas – ou obrigatoriamente mediadas – pelo uso de substâncias.
A PNAISH77 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília: Ministério da Saúde; 2008., em nosso contexto, desempenhou não só o papel de guia para nosso trabalho, como também fomentou a discussão de questões levantadas pelos integrantes do grupo, fortalecendo reflexões já em desenvolvimento no GOH. Assim, concluímos que implementar ações continuadas de cuidados generificados11 Georges I. O “cuidado” como “quase conceito”: por que está pegando? Notas sobre a resiliência de uma categoria emergente. In: Debert GG, Pulhez MM, organizadoras. Desafios do cuidado: gênero, velhice e deficiência. Campinas: IFCH-UNICAMP; 2017. p. 125-51.,66 Medrado B, Lyra J, Nascimento M, Beiras A, Corrêa ACP, Alvarenga EC, et al. Homens e masculinidades e o novo coronavírus: compartilhando questões de gênero na primeira fase da pandemia. Cienc Saude Colet. 2021; 26(1):179-83. doi: 10.1590/1413-81232020261.35122020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020261... na Saúde Mental99 Silva RP, Melo EA. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo? Cienc Saude Colet. 2021; 26(10):4613-22. doi: 10.1590/1413-812320212610.10612021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261... , especialmente no contexto de uso problemático de drogas88 Granja E, Gomes R, Medrado B, Nogueira C. O (não) lugar do homem jovem nas políticas de saúde sobre drogas no Brasil: aproximações genealógicas. Cienc Saude Colet. 2015; 20(11):3447-55. doi: 10.1590/1413-812320152011.19972014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... ,2222 Carniel IC, Duran T, Oliveira ACS, Pillon SC, Santos MA. Perception of psychology professionals about the assistance offered to psychosocial care centers users. REFACS. 2020; 8 Suppl 1:575-89. doi: 10.18554/refacs.v8i0.4671.
https://doi.org/10.18554/refacs.v8i0.467... , pode ser uma estratégia bem-sucedida para produzir intervenções orientadas pela PNAISH, promovendo uma atuação socialmente crítica e engajada das equipes interprofissionais.
Agradecimentos
Ao CAPS-AD e a todos os homens que participaram do GOH.
- Mascarim L, Ospedal GA, Soares PT, Oliveira-Cardoso EA, Corradi-Webster CM, Santos MA. Grupo-Oficina de Homens: masculinidades, uso de substâncias e cuidados generificados em saúde em um Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas. Interface (Botucatu). 2025; 29 (Supl. 1): e240360 https://doi.org/10.1590/interface.240360
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
20 Dez 2024 - Data do Fascículo
2025
Histórico
- Recebido
25 Jul 2024 - Aceito
08 Nov 2024