Resumo
O artigo é fruto de uma pesquisa-intervenção junto a agentes comunitários de saúde (ACS) de uma unidade de saúde (US) da cidade de Porto Alegre-RS, cujo objetivo foi compreender as estratégias utilizadas por esses profissionais no cuidado em saúde mental. A metodologia utilizada foi a da cartografia, que visa acompanhar os deslocamentos no campo com base na coprodução entre pesquisador e objeto. A partir de espaços de Educação Permanente em Saúde, foram produzidos/descobertos caminhos para a potencialização das práticas de cuidado, guiando-se pela reinvenção de percepções cotidianas e saberes populares como ferramentas de intervenção junto aos usuários. Essas foram chamadas práticas do comum - no diálogo com as análises de Negri e Hardt sobre as metamorfoses do trabalho contemporâneo e as possibilidades de resistência nesse contexto - construindo relações de cuidado democráticas, de uma epistemologia compartilhada e com alto potencial terapêutico. Os ACS enredados na trama do território afetam-se pelo que é seu e podem agir a partir desses afetos. Entretanto, os modos de composição entre vida pessoal, saber comunitário e prática profissional podem ter vários resultados, gerando também ações culpabilizantes e higienistas, sendo necessária atenção constante às direções éticas pelas quais se constrói o trabalho.
Palavras-chave:
agente comunitário de saúde; Saúde Mental; Atenção Básica; comum
Abstract
This article arises from an intervention research with community health workers (CHWs) in a Primary Health Care Center in Porto Alegre (Brazil). This research aims to study the strategies used by these professionals in mental health care. The research method applied was cartography, which intends to track the changes in the field of research, considering the co-production between the researcher and the object. Through meetings on Permanent Education in Health, paths were created/found to enhance the care practices of these professionals, guided by the reinvention of everyday perceptions and popular knowledge as tools for interventions with health system users. These were called practices of the common - following Negri and Hardt’s analyzes on the contemporary workforce changes and the resistance possibilities in this context - developing democratic care relationships, in a epistemology shared with high therapeutic potential. CHWs caught on the territorial network are affected by what belongs to them and may act out of these affections. However, the patchwork among private life, community knowledge and professional practice can have several results, also leading to guiltifying and hygienist actions. So constant attention is required to the ethical directions on which the work is developed.
Keywords:
community health worker; mental health; primary health care; common
Introdução
O agente comunitário de saúde (ACS) é um dos principais atores da Estratégia de Saúde da Família (ESF), cuja prática vem sendo alvo de diversas discussões. Da posição que ocupa - simultaneamente profissional de saúde e morador da comunidade - surgem diversos desafios, em um campo micropolítico intrincado, no qual, enredados na trama do território, afetam-se pelo que é também seu e, a partir desse afeto, podem agir.
O estabelecimento do Programa de Agentes Comunitários de Saúde nacionalmente em 1991 (TOMAZ, 2002TOMAZ, J. B. C. O agente comunitário de saúde não deve ser um “super-herói”. Interface, Botucatu, v. 6, n. 10, p. 75-94, 2002.) foi inspirado em experiências no interior do Ceará, onde moradoras das comunidades eram contratadas para intervir na diminuição da mortalidade infantil, a partir do acompanhamento domiciliar. Ainda anterior a um projeto nacional abrangente para a reorientação da atenção básica, a consolidação do trabalho desse profissional foi essencial para afirmar diretrizes que se tornariam centrais na ESF como “a forma de trabalho fundamentada nas noções de área de cobertura e ações preventivas” (ÁVILA, 2011ÁVILA, M. M. M. O Programa de Agentes Comunitários de Saúde no Ceará: o caso de Uruburetama. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 349-360, jan. 2011., p. 350).
As funções dos ACS foram se ampliando progressivamente, estando entre os novos campos que se delinearam o da saúde mental. Este se encontra ainda marcado pela estigmatização dos usuários e pelo uso desregrado de diagnósticos, lógicas presentes nos diversos níveis de atenção, inclusive a atenção básica. Simultaneamente, o funcionamento corrente de uma ESF carrega importantes elementos da promoção da saúde mental como caminhadas, iniciativas culturais e de protagonismo político (LANCETTI; AMARANTE, 2006LANCETTI, A.; AMARANTE, P. Saúde Mental e Saúde Coletiva. In: CAMPOS, G.W.S. et al. (Org.). Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec, 2006, p.615-634. ).
A atenção à saúde mental realizada no território pode levar à radicalização dos princípios da reforma psiquiátrica (LANCETTI; AMARANTE, 2006LANCETTI, A.; AMARANTE, P. Saúde Mental e Saúde Coletiva. In: CAMPOS, G.W.S. et al. (Org.). Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec, 2006, p.615-634. ), permitindo a ativação de diversos recursos comunitários e familiares, em contraponto à lógica de isolamento inerente ao modelo manicomial. Por outro lado, o fato de a Atenção Básica aproximar-se de forma mais intensa do cotidiano dos usuários permite que uma ampla gama de comportamentos e experiências destes sejam afetados pelas políticas de saúde, o que por vezes se reflete em um aumento das possibilidades de medicalização das comunidades. O trabalho do ACS insere-se nesse terreno em disputa, que para ele se torna ainda mais conflituoso devido a sua dupla pertença: como morador do território atendido pela ESF e como trabalhador da equipe que atende a área em que habita.
Neste artigo, será analisada a prática dos agentes11Em alguns momentos do texto, a palavra agentes será usada quando nos referirmos aos ACS. em saúde mental sob a ótica da construção do comum (NEGRI; HARDT, 2009NEGRI, A.; HARDT, M. Commonwealth. Cambridge, EUA: Harvard Press, 2009. 434p. ) - conceito descrito no decorrer do texto -, que pode ser atualizada em relações de saúde democráticas guiadas por percepções cotidianas. A partir dela, traça-se um campo onde os saberes técnicos se mesclam aos populares, os conceitos e práticas podendo ser governados por diversos atores. Também serão explorados os diversos limites para essa construção.
A pesquisa da qual resulta esta escrita foi realizada em uma unidade de saúde (US) em Porto Alegre-RS, gerenciada pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC), que se constituiu como o principal campo de práticas da residência em Saúde da Família e Comunidade cursada por um dos autores. O equipamento de atenção primária referido existe há mais de vinte anos, operando próximo ao modelo tradicional das Unidades Básicas de Saúde. Porém, nos últimos anos foi cadastrado como Estratégia de Saúde da Família, adotando algumas mudanças para se aproximar desse novo modelo de atenção, totalizando três equipes e recebendo 16 ACS.
Metodologia
A pesquisa aqui descrita está ligada diretamente a pedidos formulados no campo estudado. Antes do começo da investigação, foram realizadas discussões sobre saúde mental junto aos ACS, coordenadas pelo autor/psicólogo residente no local, a pedido destes. Relatavam dificuldade de lidar com casos de sofrimento psíquico, desejando conversar e qualificar-se. Criou-se assim um espaço quinzenal de matriciamento em saúde mental que durou um ano e meio, onde participavam todos os ACS e o residente. Este teve como referência a Educação Permanente em Saúde (BRASIL, 2009b), buscando a construção coletiva de conhecimento a partir da discussão de casos, do processo de trabalho e de temas escolhidos. No decorrer dos encontros, a partir das inquietações sobre como potencializar o cuidado e das estratégias construídas para enfrentar tal desafio, produziu-se interesse nos autores em pesquisar a temática, explorando o material ali produzido e multiplicando-o no desdobrar da investigação.
Foi então construído um projeto de pesquisa, pactuado junto aos ACS, cujo material principal proviria dos espaços de matriciamento e do trabalho cotidiano efetuado de forma conjunta por pesquisador-psicólogo e ACS (visitas domiciliares, reuniões de equipe, grupos, entre outros). Ademais, realizaram-se duas rodas de conversa com os mesmos profissionais para consolidar dados da pesquisa, com duração de uma hora e trinta minutos. Nelas se apresentaram sínteses dos materiais ao grupo, análises realizadas e questionou-se diretamente aos participantes sobre a pertinência das hipóteses construídas no percurso. Construíam-se estratégias coletivas para que as discussões empreendidas nos espaços de matriciamento se tornassem ferramentas úteis tanto ao trabalho cotidiano, quanto para melhor compreensão, em termos exploratórios, das práticas realizadas pelos ACS.
O referencial metodológico utilizado foi o da cartografia, método que visa acompanhar processos, buscando elementos que se deslocam para novas produções de conhecimento (BARROS; PASSOS, 2009PASSOS, E.; BARROS, R. B. de. A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Org.). Pistas do método da cartografia. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 17-31.). Aposta que a pesquisa é sempre intervenção, nenhuma das partes dali saindo inalteradas, e que, no encontro entre os sujeitos, produz-se o saber, tratando-se de transformar para conhecer e não o inverso. A intervenção realiza-se na direção de desestabilizar os discursos instituídos, revelando o que lhes escapa, a partir da coletivização e da produção de analisadores das dinâmicas institucionais, rearranjando o próprio método. Pesquisa, pesquisador e objetos / sujeitos de pesquisa produzem-se de forma interdependente, simultânea. Nessa forma de investigar, o “trabalho da análise é a um só tempo o de descrever, intervir e criar efeitos-subjetividade” (PASSOS; BARROS, 2009, p. 27), sabendo o pesquisador que, ao analisar os dados, está produzindo-os, disparados pelos dispositivos de pesquisa escolhidos. Logo, tanto a escolha dos instrumentos de análise, como dos de pesquisa, determina o enquadre que se decide fazer-ver, decisão essa de cunho político.
O pesquisador é atravessado por afetações e as toma como matéria da descoberta e da invenção. Para observar e fazer produzir o que o interpela, utiliza-se da análise de implicação, ferramenta oriunda do campo institucionalista que coloca “em análise o lugar que ocupamos, nossas práticas de saber-poder enquanto produtoras de verdades” (COIMBRA; NASCIMENTO, 2008COIMBRA, C. M. B.; NASCIMENTO, M. L. Análise de implicações: desafiando nossas práticas de saber/poder. In: GLEISER, A. R. R.; ABRAHÃO A. L.; COIMBRA, C. M. B. (Org.). Subjetividades, violência e direitos humanos: produzindo novos dispositivos em saúde. Niterói: EDUFF, 2008. p. 143-153., p. 3). Tal análise afeta a produção dos dados e possíveis redirecionamentos no estudo. Dessa forma, o cartógrafo define os achados a serem desdobrados a partir da sensibilidade, borrando fronteiras entre subjetivo e objetivo em uma abertura ao encontro dos signos de processualidade, pistas que indicam o novo, ensaiando-se para ser conhecido (KASTRUP, 2010KASTRUP, V. O funcionamento da atenção no trabalho do Cartógrafo. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. Pistas do método da cartografia. Porto Alegre: Sulina, 2010.p. 32-51.).
A cartografia exige proximidade com territórios, populações e singularidades, dispondo-se a compor com esses elementos. Sendo assim, a escolha da metodologia parece adequada à pesquisa, já que partiu de um campo de trabalho onde puderam ser acompanhados desdobramentos da investigação. Foi necessária, entretanto, uma constante análise da posição dos pesquisadores diante dos atravessamentos das outras funções exercidas no campo.
O acompanhamento do cotidiano de trabalho e as rodas de conversa foram registrados em diários de campo. Esse serve para repaginar as informações e afetações vivenciadas no campo de pesquisa, produzindo reflexões sobre elas. A partir da desnaturalização do agir investigativo, questionam-se os enquadres da pesquisa, intervindo sobre a intervenção ao ressignificar os atos, direcionando os seguintes, seguindo a tradição da análise institucional francesa no uso dessa ferramenta (PEZZATO; L’ABBATE, 2011PEZZATO, L. M.; L'ABBATE, S. O uso de diários como ferramenta de intervenção da Análise Institucional: potencializando reflexões no cotidiano da Saúde Bucal Coletiva. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p. 1297-1314, 2011.). Ao longo deste artigo, serão trazidos alguns recortes de tais diários, vivências e problematizações advindas desse encontro cartográfico no campo.
A pesquisa foi aprovada em comitê de ética seguindo as disposições da Resolução n. 466/13 do CNS, todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e tiveram seus nomes substituídos por nomes fictícios.
Uso dos saberes cotidianos
A partir de tal metodologia de pesquisa, serão abordadas primeiramente algumas vivências e problematizações surgidas nesse encontro, selecionadas pelo seu poder de inquietação e análise. Logo em um dos primeiros encontros, durante uma discussão sobre diretrizes básicas para a escuta em saúde mental, apareceu uma questão importante. Em certa parte, propunha-se que o profissional de saúde deveria evitar conselhos e sugestões aos usuários, no intuito de respeitar sua capacidade de tomar decisões. Duas ACS então se revoltaram, relatando o caso de uma senhora que as tinha procurado atônita, trazendo problemas no trabalho - onde tinha acedido a uma posição de chefia - e também dificuldades para controlar os filhos em casa. Prontamente pontuaram que ela estava com dificuldade de ocupar um lugar de comando e aconselharam que aproveitasse de suas posições para exercer sua autoridade, em casa e no trabalho. As profissionais relataram que o conselho funcionou muito bem, tendo a usuária retornado diversas vezes à US para agradecer-lhes. Queriam mostrar que aconselhar era sua forma de trabalhar e tinha efeitos terapêuticos.
Diversos outros casos apareceram, onde sugestões simples dadas aos usuários tinham efeitos notáveis, como “você poderia sair mais (sic), tu tens que cuidar mais de ti (sic)”. Se o conselho é uma das formas mais frequentes e eficientes de buscar soluções para os problemas de amigos e familiares, como alguém poderia dizer-lhes que ele perdia o valor no momento em que se tornava parte da organização sanitária? Não seria essa uma forma de também colonizar os modos de cuidar, abafando suas formas correntes no bairro e a essas oferecendo alternativas técnicas, científicas, limpas?
Acredita-se que os agentes, devido às características de seu saber - mais afetivo do que técnico - podem lançar mão de tecnologias leves (FERREIRA et al., 2009FERREIRA, V. S. C. et al. Processo de trabalho do agente comunitário de saúde e a reestruturação produtiva. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p. 898-906, 2009.) que apostem na responsabilização, na escuta, na ativação das potências do território. Assim, cabe valorizar o que provém do encontro desses com os usuários, aceitando que os elementos dessa relação não serão os mesmos existentes nos encontros com outros profissionais. A disponibilidade afetiva e a presença - além de uma sensibilidade para o que tem efeito das intervenções - passam então a ser guias essenciais para pensarmos o cuidado realizado.
Outra cena interessante passou quando os ACS e outros colegas desenvolviam um grupo para pais/cuidadores e crianças, cujo intuito era trabalhar junto às famílias trocas de experiências e soluções criativas para os percalços no cuidado à infância. O objetivo do grupo era funcionar de forma democrática e os agentes foram colocando progressivamente seus saberes como base para a formulação de dinâmicas e discussões. Porém, esses profissionais no momento da execução dos grupos acabavam sempre delegados às funções mais organizativas - materiais, lanches -, pouco conseguindo expor suas posições.
Em certo momento, os ACS ficaram incomodados após serem comunicados que teriam de fazer sozinhos o planejamento de um encontro devido à indisponibilidade dos demais. Sentiram-se sobrecarregados e reclamaram, até que um deles se revoltou e desafiou: “Ok, vamos organizar isso então, mas não vai ter esse papo de psicólogo aí! Vamos fazer do nosso jeito! Usaremos o que sabemos de criação, como mães, avós, tias, vizinhas!”. Abriu-se aí uma possibilidade de formularem o espaço de um modo diferente, resgatando os saberes mais cotidianos do território, trabalhando com os modos de agir provenientes das relações familiares, de amizade e vizinhança que, dessa forma, puderam ser valorizados e redirecionados com o respaldo das políticas públicas. Nos encontros subsequentes, houve modificações na condução do grupo, passando a guiar-se por uma melhor distribuição das contribuições entre os profissionais das diversas categorias e entre saberes técnicos e populares.
Lancetti afirma que é na “alma comum e comunitária que está radicada a potência terapêutica dos agentes comunitários de saúde” (LANCETTI, 2006LANCETTI, A.; AMARANTE, P. Saúde Mental e Saúde Coletiva. In: CAMPOS, G.W.S. et al. (Org.). Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec, 2006, p.615-634. , p. 95), partindo da posição paradoxal, simultaneamente morador do território e trabalhador da saúde. Assim, há um virtual compartilhamento de vivências com o usuário, onde radica a possibilidade de produção de práticas menores:22Parte-se do conceito de menor (GUATTARI; DELEUZE, 1977) como o que subverte a língua e os campos majoritários de expressão, dando visibilidade a discursos de coletividades minoritárias em um agenciamento necessário entre experiência individual e política. de delicadezas, toques, afetos populares, que podem formar um arsenal robusto que agencia mudanças. Os profissionais oferecem diversos exemplos dessas práticas: ajudar uma mãe a trocar as chupetas de seu filho por um brinquedo; convidar para tomar um chá; puxar uma conversa de comadres; oferecer uma palavra amiga.
Esse saber aparece em ato, como se houvesse em certos ACS um conhecimento das posições ocupadas e dos padrões de comunicação em jogo na relação com os usuários, gerando um conhecimento prático de como lidar com as situações interpostas pelo trabalho. Pôde-se experienciar intervenções surpreendentes dos ACS em momentos difíceis, quando requisitavam companhia para visitas domiciliares (VDs) de urgência. Nesses, a equipe de saúde tinha de agir rápido, usando muitas vezes do seu poder de convencimento para intervir em desentendimentos familiares intensos, ou junto a pessoas em episódios de desorganização psíquica.
Certo dia, a ACS Marta veio requisitar ao psicólogo-pesquisador uma visita domiciliar desse tipo. A usuária Joana a havia buscado com seu filho de um ano, Paulo, no colo, dizendo que sua mãe Oneida a havia expulsado de casa após um desentendimento. Os pertences de Joana, inclusos documentos, haviam sido trancados pela mãe no apartamento, que lhe disse ter ido viajar. Marta, velha conhecida da usuária, duvidou do fato e orientou as vizinhas que a buscassem na US caso a vissem, o que em algumas horas aconteceu. Os profissionais foram então ao seu apartamento.
Oneida estava bastante transtornada, logo começou um torrencial de ataques à filha, aparentemente impossíveis de interromper. O principal motivo de sua ira era o fato dela estar buscando contato com a família do pai do bebê, o que parecia deixá-la enciumada. Bradava que Joana havia prometido Paulo para ela cuidar.
Progressivamente buscou-se sensibilizar a usuária, mas essa se mantinha firme em sua posição, levantando os ânimos e deixando os profissionais atônitos. A situação seguiu inalterada até que a agente disse a usuária: “você gosta muito de sua filha, e não está se sentindo bem com o fato de ela dar atenção para outra família. Toda sua brabeza no fundo é preocupação”. O que primeiro pareceu uma intervenção infantilizante e professoral revelou bons efeitos e a usuária foi cedendo, até que decidiu chamar a filha.
A filha chegou após o chamado e Oneida retomou os ataques. Marta cochichou no ouvido da jovem para que não respondesse. Após diversas tentativas frustradas de mediar o conflito, sugeriu-se que Joana levasse artigos básicos para passar alguns dias fora. Oneida seguia resistindo, até que Marta mudou a estratégia e começou a buscar pela casa os artefatos do bebê e elogiá-los. Esse agir afetivo desmonta a cena, a senhora começa a comentar onde comprou as roupas, de quem ganhou as fraldas. Enquanto isso, Fernanda, Marta e o psicólogo iam guardando os pertences em um carrinho e organizando-os para a mudança. A ACS combina com as duas que a avó terá direito a visitar a criança e recebe-la em casa, e organiza-se seu acolhimento temporário na casa dos avós paternos.
Há uma constante tensão das posições de controle e de cuidado no agir do ACS, que pode estar tanto impondo - com diferentes graus de sutileza - a autoridade do estado sobre uma população, como possibilitando o traçar de novos caminhos a partir de uma lógica da garantia de direitos. Lancetti (2006LANCETTI, A.; AMARANTE, P. Saúde Mental e Saúde Coletiva. In: CAMPOS, G.W.S. et al. (Org.). Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec, 2006, p.615-634. ) coloca que o agente pode funcionar como uma espécie de polícia médica revolucionária, levando outras possibilidades de subjetivação a partir desse encontro um tanto invasivo, atingindo sobre o usuário uma ascendência afetiva e utilizando-a em favor da vida.33Trabalha-se aqui com a concepção de vida de Spinoza, a partir da leitura de Deleuze (2008), que aposta em uma vida imanente (e não A Vida transcendente, submissa a referentes externos), composta e decomposta nos encontros de corpos, que se afetam mutuamente e, com isso, efetuam uma potência pré-individual, ao construírem modos de existência singulares. Logo, nunca se sabe o que pode um corpo de antemão, a não ser a partir dos encontros e do modo singular como se apropria de sua potência. Esses elementos se veem em jogo no caso descrito acima, onde, frente à necessidade de ações mais incisivas, o ACS utiliza sua posição reconhecida para colocar em jogo estratégias de convencimento, distração, e mesmo de vigilância.
Efeito a ser ressaltado também é o fator de desespecialização que essa intervenção comporta. Izabel Passos (2009PASSOS, E.; BARROS, R. B. de. A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Org.). Pistas do método da cartografia. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 17-31.) ressalta que um dos triunfos da reforma psiquiátrica italiana é a ênfase em estratégias terapêuticas que não passem pelas especialidades como base operacional. Entende-se que essas levam normalmente a ações tecnicistas, distanciando profissionais e usuários, muitas vezes subjugando os últimos aos saberes dos primeiros. A ação desespecializante seria menos asséptica, saindo da posição protegida do profissional para se abrir à experiência dos encontros, cunhando uma ética coletiva a partir do compromisso político do agente de saúde em relação à realidade social, material e concreta do usuário.
No caso citado acima, os saberes técnicos da equipe não eram suficientes. Surgem então, pela ACS Marta, estratégias aparentemente rudimentares, mas que encontram sua potência na simplicidade afetiva, sensíveis ao que poderia tocar a usuária naquele momento. O traçar comum de uma solução, a partir dos saberes advindos da experiência mostra-se como uma intervenção decisiva em meio a difícil situação.
Em busca do Comum
Para analisarmos o cuidado em saúde mental realizado pelos ACS a partir do espectro da construção do comum, seguiremos as considerações feitas por Negri e Hardt (2009NEGRI, A.; HARDT, M. Commonwealth. Cambridge, EUA: Harvard Press, 2009. 434p. ) sobre o tema, articulando às metamorfoses do trabalho no contemporâneo e às possibilidades de resistência nesse contexto. Segundo os autores, configura-se uma mudança qualitativa na estrutura do trabalho, em que ele se torna cada vez mais imaterial, tendo como foco principal não a produção de bens consumíveis, mas de modos consumíveis de existência. Desse modo, as práticas afetivas e de cuidado se monetarizam, sendo extraída a máxima capacidade da produção capitalista a partir do existir cotidiano. Além de uma maior indistinção entre tempo de trabalho e atividades pessoais, vê-se a lógica lucrativa infiltrar-se nos menores atos.
Outra característica dessa mudança é a organização em redes comuns: colaborativas, horizontais, com definições pouco claras de propriedade intelectual. Existe assim, teoricamente, um maior espaço para a criatividade e o encontro entre diferentes ideias. Há, porém, uma constante retomada pelos mecanismos do capital dessas articulações fecundas, capturando seus resultados em roteiros comerciáveis.
Os autores (ibid.) afirmam que estamos na era do trabalho biopolítico, que administra vidas a partir de suas capacidades reprodutivas, de saúde e de desejo. Entretanto, nesse campo, encontram-se diversos focos de resistência: as redes comuns, cujo funcionamento é incorporado ao mercado, podem se reapropriar de suas forças produtivas e consequentemente dos meios de produção da subjetividade. Se a vida individual e coletiva é em todos os canais balizada pelos mecanismos capitalistas, reproduzindo-se, é na própria vida que se busca a resposta, a partir de uma resistência biopolítica. Assim, em cada trilha capturada vê-se não a imobilidade, mas a possibilidade de um combate, cujas armas podem ser sorvidas do enorme comum artificial, “reservatório de singularidades em variação contínua, uma matéria anorgânica, um corpo sem órgãos, um ilimitado (apeiron) apto às individuações as mais diversas” (PÉLBART, 2014, p. 4).
O comum, nesse sentido, extrapolaria a clássica dicotomia entre estatal e privado, buscando o controle da política pela gestão coletiva exercida por sujeitos ativos. “O Estado não é público nem privado, mas campo de disputa entre essas duas esferas, não podendo, sobretudo, reduzir o público ao estatal” (BARROS; PIMENTEL, 2012BARROS, M. E. B. de; PIMENTEL, E. H. do C. Políticas públicas e a construção do comum: interrogando práticas PSI. Polis e Psique, Porto Alegre, v. 2, p. 3-22, 2012., p. 10). Por exemplo, o SUS, como política de estado, pode direcionar-se para a institucionalização de uma saúde mais autônoma e democrática ou para uma privatização da existência, gerindo-a como força de trabalho individualizado.
A cidade é tecida por um comum artificial, de afetos, linguagens, conhecimentos, códigos, hábitos e práticas (NEGRI; HARDT, 2009NEGRI, A.; HARDT, M. Commonwealth. Cambridge, EUA: Harvard Press, 2009. 434p. ). Ela varia imensamente em seus territórios, constituindo subjetividades diversas e conflitivas. A partir da Atenção Básica, surge o desafio de trilhá-la, evitando os clássicos mecanismos de amansamento e submissão, focando em devolver-lhe a capacidade de governar a si mesma, produzindo saúde. Segundo Leite e Paulon (2013LEITE, A. L. S.; PAULON, S. Atenção Básica e desinstitucionalização da loucura: acionando competências dos ACS. In: PAULON, S.; NEVES, R. (Org.). Saúde Mental na Atenção Básica: a territorialização do cuidado. Porto Alegre: Sulina, 2013. p.99-112. ), os ACS seriam dotados de um capital social/relacional a partir do conhecimento das normas de reciprocidade, informação e confiança que provêm da sociabilidade cotidiana em um território. Esse seria o saber que sustenta a importância de seu trabalho ao permitir que de uma posição diferenciada devolva os recursos afetivos existentes naquele espaço, afirmando-os como práticas instituintes de cuidado, ao mesmo tempo que os transforma em fazeres que potencializam “o vivo em meio à laminação biopolítica do capital nos modos de gerir e cuidar a vida” (NEVES; MASSARO, 2009NEVES, C. A. B.; MASSARO, A. Biopolítica, produção de saúde e um outro humanismo. Interface - Comunic., Saúde, Educ., Botucatu, v. 13, supl. 1, p. 503-514, 2009., p. 504).
Práticas do comum
No decorrer da pesquisa, acompanhou-se o surgimento de um novo objeto junto aos pesquisadores, que vinha se ensaiando como uma postura ética, clínica e política. Segue um trecho de diário de campo que expressa essa insurgência:
Os mesmos mares e morros vistos de longe. Eu cansado, pesquisador sério. Sou alguém que agora se toca pelas pequenezas, às vezes. Os saquinhos de chá, os sorrisos, os choros, bolo de laranja feito em casa, uma piada, os encontros de rua. A arquitetura dos prédios também ainda me toca muito, mas é triste a vida quando só vemos o que é alto (adoro escadas curvas, dois andares, prédios quadrados dos anos 70, tentativas frustradas de nobreza, mini janelas com vitrais de passarinho).
O pôr do sol se espreme entre as nuvens na janela do avião.
Penso nos canais que se abrem entre a pele e o suor, como são raros.
A vida é rara, mas existe e quando existe, vale.
O nascimento de um gosto pelo comum, compartilhável, que fura e escapa à empáfia acadêmica e à própria hierarquia de trabalho. Eu tão afeito ultimamente aos planos e deliberações, descubro, no encontro com os ACS, a potência do trivial em um gosto simples como um biscoito caseiro. Trabalhar com as superfícies, que se somam, coexistem em um mapa. Isso modifica também minha prática, trazendo os elementos do cotidiano para dentro do clinicar: abraçar alguém em prantos, carregar no colo um bebê, perguntar como foram as festas, vibrar com a torta/presente de natal dada por uma paciente depressiva, doceira, que tinha parado de cozinhar. (DIÁRIO DE CAMPO).
Assim, no decorrer da pesquisa foram se experimentando aberturas, acrescentando e tornando visíveis elementos do comum nas condutas terapêuticas. Chegou-se ao conceito de práticas do comum como guia para cultivar o movimento instituinte desses agires.
As práticas do comum são aqui definidas como encontro entre singularidades comunicáveis, onde se geram relações de cuidado baseadas na ativação criativa de saberes/fazeres afetivos de certa comunidade ou população. O saber comum não necessita ser pré-conhecido pelo usuário, mas tem um poder especial se ressoa em algo familiar: práticas dos ancestrais, tomar um chimarrão ou escutar uma estação de rádio de sua preferência. É comum no sentido de comunicável e não hierarquizante, permitindo a efetivação de uma saúde democrática.
A escuta silenciosa ou interpretativa da história individual, buscando a capacidade de autorreflexão - práticas usuais no cuidado em saúde mental -, produz interiores, individualidades e rotinas artificiais, muitas vezes estranhos à produção de vida nos territórios. Da mesma forma, a medicalização e o enquadramento diagnóstico têm grande poder de submissão e resignação, gerando muitas vezes encontros colonizantes entre profissional e usuário. Em diversos momentos, atos menores - como prescrever uma rádio, apresentar um lugar, sugerir que se retorne a costurar - estão mais próximos às formas de cuidado que os usuários já oferecem a vizinhos, familiares. Práticas inteligíveis e replicáveis que não produzem dependência aos tecnicismos, possibilitando uma resolução na vida dos problemas que se geram na vida. Entra em jogo um modo mais imanente de cuidado que se produz nos encontros possíveis e com os saberes disponíveis na própria comunidade.
Qual comunidade?
É importante frisarmos aqui, de qual conceito de comunidade falamos, em sua relação com a construção do comum. Segundo Negri (2005NEGRI, A. A constituição do comum. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL CAPITALISMO COGNITIVO, .2, 2005, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://fabiomalini.files.wordpress.com/2007/03/a-constituicao-do-comum-traducao.doc>. Acesso em: 15 out. 2014.
http://fabiomalini.files.wordpress.com/2... , p. 6):
Não existe um comum que possa ser referido simplesmente a elementos orgânicos ou a elementos identitários. O comum é sempre construído por um reconhecimento do outro, por uma relação com o outro que se desenvolve nessa realidade.
Sua maior potência está na possibilidade de comunicação de singularidades díspares sem a necessidade de totalizações, evitando cristalizações identitárias ao afirmar sua fluidez e maleabilidade, mas organizando-se e operando efetivamente.
Esse elemento aparece, por exemplo, quando observamos ACS cujas posições no dia a dia quanto ao uso de drogas se mostram moralistas, conseguindo ser abertos e acolhedores a pessoas que fazem uso abusivo, mediando sem culpabilizações seu acesso a tratamento, ou mesmo intervindo na complexa dinâmica familiar dos casos. Por vezes, criam vínculos fortes, superando barreiras de idade, sexo e classe, cunhando alianças terapêuticas produtivas. Tampouco o conceito de comunidade aqui trabalhado é dado de antemão, mas construído ou desmontado, afirmado ou modificado nas práticas cotidianas. Não se entende, assim, que a prática do ACS resgate elementos intactos e adormecidos nas famílias e comunidades.
É verdade que os ACS com quem se pesquisou referem com frequência histórias pessoais ou de conhecidos, ligando-as a casos de usuários que estão descrevendo. Ademais, quando perguntados sobre onde aprenderam a maioria das intervenções que relatam, respondem que essas vêm de casa. Em uma das rodas de conversa os ACS relataram semelhanças entre a forma como cuidam de amigos e a forma como cuidam dos usuários. Utilizam saberes cunhados nas situações cotidianas para atuar em sua função, mas pontuam diferenças nos modos de usá-los nas diferentes situações. A ACS Angélica, por exemplo, relata que costuma ter mais paciência ao escutar uma usuária adolescente do que sua filha da mesma faixa etária. Diz utilizar junto às usuárias táticas de convencimento parecidas às que utiliza com seu familiar, porém de outra forma. É como se os agentes cunhassem direções éticas que balizam a escolha de como saberes/fazeres provindos do cotidiano devem ser utilizados em cada momento. Assim, entende-se que não há uma transposição direta entre a experiência pessoal, familiar ou de bairro nas ações frente aos usuários. Utilizam saberes de mãe, esposo, vizinho, mas adaptando-os à situação, à sua posição como profissional de saúde.
Os ACS podem assim utilizar do lugar legitimado da organização sanitária para difundir saberes que trazem do convívio em comunidade. A agente Júlia revelou que o principal efeito dos encontros de educação permanente realizados foi autorizá-la a utilizar o que já era dela. Nesse sentido, cabe às equipes criar um ambiente propício para traçar essa passagem: de um saber comunitário/afetivo a sua execução em um campo técnico/político do cuidado em saúde.
Composição de afetos e saberes
A abertura a deixar-se sentir e agir com a própria experiência tem efeitos diversos. Cunha-se um recheio afetivo para intervir, mosaico de composições nem sempre cômodas de sustentar. A agente Luiza relata que por vezes se esquece que é ACS quando está conversando com as pessoas: “O papo está bom, você está tomando um chazinho, a coisa vai. É uma conversa de comadre”. Entende-se que a amizade construída tem importantes efeitos de horizontalidade, permitindo a agente e usuário dissolverem a tensão que normalmente envolve os atendimentos de saúde.
Outros revelam utilizar a própria história como estratégia de aproximação, citando trechos dessa aos usuários com diversos objetivos: como uma autorização para que exponham seus sentimentos; como exemplo de superação; ou mesmo para distraí-los de seus problemas. Entendem também que o fato de compartilharem uma realidade semelhante permite que se coloquem mais facilmente no lugar dos usuários. Esse fato aparece ora como benéfico, gerando maior possibilidade de composição entre vivências no processo de escuta, ora como produtor de sofrimento, quando a intersecção gerada toca em pontos sensíveis na experiência do ACS. Nesse sentido, a vida do profissional é colocada à disposição para vibrar junto a do usuário, formando acordes harmônicos, estranhos, delicados e/ou dissonantes. Exerce-se uma escuta com o corpo inteiro (NETTO, 2014NETTO, A. N. A psicanálise e a herança de Nietzsche sob a forma de dez mandamentos. In: PAULON, S. (Org.). Nietzsche psicólogo - a clínica à luz da filosofia trágica. Porto Alegre: Sulina, 2014. p.145-165.), cujos resultados são imprevisíveis.
Esse arranjo pode gerar efeitos complicados, como no caso do agente Luís, que oferecia seu telefone pessoal para algumas usuárias idosas, sendo acessado com frequência fora do horário de trabalho e fazendo VDs quase diárias para algumas. Apesar de demonstrar incômodos com essas situações, tinha dificuldade de modificá-las, tornando questionável quem era a real necessidade daquele encontro. Em um caso diferente, a ACS Amélia decidiu acompanhar a microárea onde vive, canalizando as antigas amizades com os vizinhos na construção de vínculos terapêuticos.
Entende-se, dessa forma, uma possível transformação do ACS em agente biopolítico (NEGRI; HARDT, 2009NEGRI, A.; HARDT, M. Commonwealth. Cambridge, EUA: Harvard Press, 2009. 434p. ), que trabalha com sua própria vida e a partir dela produz vidas singulares e múltiplas. Constrói resistências na produção escravizante do trabalho biopolítico, fazendo as redes do comum se revoltarem contra a apropriação do capital, tecendo outros modos de subjetivação. Coloca-se como instrumento da efetivação de relações de saúde mais democráticas, cuja efetividade encontra-se na afetividade compartilhada. A disponibilidade extensiva de si ao cuidado apresenta-se, entretanto, como campo pontuado de armadilhas, embaralhando posições de formas perigosas e potentes, habitando o fio da navalha.
A partir desta discussão, trabalhou-se junto aos ACS a importância de se operar com limites maleáveis de abertura aos afetos. Por um lado, se não há afetação, não há cuidado possível; por outro, há maneiras de afetação que paralisam, despotencializam, ou até bloqueiam os atos terapêuticos. Entende-se que a possibilidade de se tocar na proximidade, na presença, é o grande diferencial do cuidado na atenção básica. É necessário, porém, estar sempre atento à qualidade dos afetos que atravessam cada relação e os limites de cada corpo, guiados pela regra da prudência e da delicadeza (ROLNIK, 2011ROLNIK, S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, 2011. 248p.).
A necessidade de trabalhar com fronteiras flexíveis quanto aos afetos tem como contraparte utilizar também medidas artesanais na composição dos saberes biomédicos e populares, levando em conta as desiguais relações de poder estabelecidas entre eles. Esses últimos saberes por vezes assustam, ao quebrarem a distância artificial entre profissionais e usuários, convidando a sujar as práticas. Carregam algo de antimoderno (NEGRI; HARDT, 2009NEGRI, A.; HARDT, M. Commonwealth. Cambridge, EUA: Harvard Press, 2009. 434p. ), do curandeiro, do cuidado menos distante e estéril. E nessa proximidade extremada, as relações podem perder seu ar neutro e sagrado para se tornarem práticas do comum, como ilustrado no diário:
Fizemos uma festa de dia das crianças, escondidos de alguns colegas que entendiam não ser higiênico fazer eventos na unidade onde distribuíssemos lanche. Secretamente, uma técnica de enfermagem, os ACS e eu compramos bolos e cachorros quentes para distribuir após uma gincana. E como nos divertimos, trazendo as crianças após brincarmos na praça para dentro do posto para comer, a sujeirada que se fez, todos os pedaços de bolo espalhados pelo chão, branco e obsessivamente limpo três vezes ao dia. Os pedaços de cachorro quente presos nos tênis e se soltando na sala de espera, em frente às salas médicas, à sala de curativo. Colocando que a saúde é suja, é viva. (DIÁRIO DE CAMPO).
Porém, nem sempre os ACS acompanhados referem ter suas posições escutadas pelos colegas, sentindo-se - assim como em outros estudos (FERREIRA et al., 2009FERREIRA, V. S. C. et al. Processo de trabalho do agente comunitário de saúde e a reestruturação produtiva. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p. 898-906, 2009.) - com frequência desvalorizados. Relatam sentir-se acusados quando defendem demais o lado da comunidade, o que entendem como absurdo, já que são agentes comunitários de saúde. Por outro lado, também aparece entre eles o desejo de ser identificados na posição de profissional de saúde em detrimento a de vizinho, vendo aí um atalho de reconhecimento. Muitos confeccionaram para si jalecos brancos buscando garantias de maior reconhecimento e segurança. Pode-se pensar que a escolha de uma vestimenta designada para a assepsia potencialmente gera barreiras no contato com os usuários, aumentando hierarquias e dificultando a construção de um plano comum.
Além disso, há uma tendência de realizarem muito de seu trabalho nas instalações da US, isolando-se das tensões do território. Acompanham seus usuários via bancos de dados, agendam consultas por telefone, orientam em sala de espera e organizam a demanda espontânea, quando não exercem funções ainda mais longínquas de seu fim, como dispensação de medicamentos, encaminhamento para especialidades, além de prestar favores pessoais a colegas. É verdade que diversos agentes relatam fazer boas acolhidas aos usuários na US, seja em conversas na sala de espera, ou mesmo sentados na praça em frente à unidade. Entendem essa como uma das principais portas de entrada para as necessidades em saúde mental. Tal prática, no entanto, parece descaracterizar a função desse profissional, perdendo a potência da itinerância pelo território (LEMKE; SILVA, 2011LEMKE, R. A.; SILVA, R. A. N. Um estudo sobre a itinerância como estratégia de cuidado no contexto das políticas públicas de saúde no Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 979-1004, 2011.), além de ir contra as definições de seu trabalho, que colocam a VD como a principal atividade (BRASIL, 2009). Nesses momentos, abdica-se do efeito de presença gerado ao adentrar nas casas dos usuários e das possibilidades terapêuticas que esse tipo de encontro permite.
A pouca movimentação da equipe observada para que se efetivem VDs frequentes e as diversas delegações de funções administrativas exercidas pelos ACS reflete um fazer-saúde pouco focado nas lógicas de territorialização e pautado pela ênfase excessiva em ações programáticas, que estratificam a população em uma visão ainda centrada no atendimento ambulatorial e na perspectiva biologicista.
Os próprios ACS muitas vezes também reproduzem as visões moralizantes que atravessam os serviços de saúde. São modos de ser individualistas, especialistas, fragmentados, biomédicos, etc. Nesses momentos, agem não como produtores do comum, mas como polícia sanitária (GOMES et al., 2010GOMES, K. O. et al. O agente comunitário de saúde e a consolidação do Sistema Único de Saúde: reflexões contemporâneas. Physis: Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, p. 1143-1164, 2010.), operando a partir de perspectivas que culpabilizam as populações vulneráveis, estigmatizando os não adaptáveis. Coloca-se assim uma operação higienista da subjetividade, visando à constituição de famílias ideais, naturalizando os problemas sociais e individualizando as responsabilidades de saúde. Compõe ainda essa prática o uso de corruptelas da parafernália biomédica de forma iatrogênica, com uso de termos técnicos e diagnósticos precipitados.
Essa perspectiva carrega um fundo colonial, ao utilizar os mecanismos de Estado para imprimir às comunidades formas de vida padronizadas, buscando controlar e regrar a vida inclusive no seu íntimo, amplificando antigas práticas sanitárias biopolíticas (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, M. A microfísica do poder. São Paulo: Graal, 2012. 431p.). Sabe-se porém que, onde há poder, há resistências, e é preciso visibilizá-las para que, ao garantir o acesso à saúde de uma população, não se apaguem suas singularidades. A ênfase nessas resistências, a possibilidade de proliferarem, permite atravessar o que é estatal por um governo comum, incluindo aí uma modificação nas lógicas de cuidado.
Assim, podem-se resgatar práticas provenientes de um saber/fazer comunitário, reafirmando a possibilidade de as pessoas, através de suas práticas cotidianas, gerarem saúde. Os participantes da pesquisa, além de pesquisadores da área (GOMES et al., 2010GOMES, K. O. et al. O agente comunitário de saúde e a consolidação do Sistema Único de Saúde: reflexões contemporâneas. Physis: Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, p. 1143-1164, 2010.), identificam o agente como o elo que liga comunidade e profissionais. Entende-se que ele ocupa “uma posição estratégica de mediador entre a comunidade e o pessoal de saúde, [...] pode funcionar ora como facilitador, ora como empecilho nessa mediação” (NUNES et al., 2002NUNES, M. O. et al. O Agente Comunitário de Saúde: construção da identidade desse personagem híbrido e polifônico. Cad. Saúde Pública, v. 18, n. 6, p. 1639-46, 2002., p. 1640). Essa mediação também é cultural, e consiste em propiciar a entrada das múltiplas vozes do bairro nos corredores do serviço, mestiçando as práticas de saúde estabelecidas a outras produções menores.
A agente Júlia acompanhava dona Neusa, senhora deprimida que durante sua vida sofrera fortes violências do ex-marido e se via atormentada pela recente perda da filha, falecida após um aborto induzido e malsucedido, seguido de negligência hospitalar. Em meio à escuridão de seu apartamento, conseguiram juntas cavar dois caminhos de saída. A usuária, nos longos dias em que era trancada em casa pelo ex-marido, encontrou um escape na cozinha, desenvolvendo dons de doceira, vendendo secretamente seus produtos aos vizinhos. Após o divórcio, passou a exercer essa atividade profissionalmente, mas desde a morte da filha, havia parado. A ACS ficou impressionada com as fotos das tortas produzidas por ela e mostrou para diversos colegas na unidade, que logo começaram a fazer encomendas, motivando-a a voltar a confeitar.
Simultaneamente, notou que essa senhora ocupava as noites de insônia com a leitura de livros espíritas. Sendo Júlia também dessa religião, decidiu apresentá-la ao centro espírita do bairro, ao qual era ligada. As conversas com os médiuns e palestrantes do centro ajudaram bastante a usuária superar a culpa relacionada à perda da filha, além de ser um primeiro escape de seu cotidiano restrito ao domicílio. Neusa, após vários meses de difícil acompanhamento, com diversas tentativas de suicídio, conseguiu restabelecer-se e mudou-se para uma praia em Santa Catarina, onde voltou a ser confeiteira e - conforme conversa telefônica com a ACS - estaria aproveitando os banhos de mar e os bailes.
Os doces produzidos pela usuária adentraram o serviço de saúde, garantindo um reconhecimento ao que produzia e permitindo uma inclinação em sua trajetória. São elementos simples, da resistência de uma vida sendo visibilizados e multiplicados. Os diversos profissionais da US envolveram-se na divulgação das tortas confeitadas e alegravam-se bastante ao ver as melhoras de Neusa - simbólico de como podem ser potentes as ações da ESF quando se permite que produções distintas invadam o processo de cuidado, abrindo-se a afetos não protocolares.
O conhecimento dos recursos comuns a serem acionados em cada caso permite articular dinâmicas laterais, que favorecem as redes de produção de sentido existentes no território. Assim os ACS podem fazer corpos de passagem para diversos agenciamentos (GUATTARI; ROLNIK, 2005GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. 326p.), no qual acoplam pontos produtores de modos de vida singulares, menos aprisionados. Oferecem-se elásticos para construir junto aos usuários novas ligas com o mundo, facilitando sua articulação a espaços religiosos, práticas de vizinhança, pontos de convivência, ou mesmo novas amizades, efetivando a clínica como "conjunto complexo e ao mesmo tempo cotidiano e elementar, de estratégias indiretas e mediatas de enfrentamento de problemas" (PASSOS, 2009PASSOS, E.; BARROS, R. B. de. A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Org.). Pistas do método da cartografia. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 17-31., p. 153).
Considerações finais
Este estudo visou explorar as estratégias de cuidado em saúde mental dos ACS. Compreendeu-se que essas podem favorecer a construção do comum, fundando práticas do comum. Entretanto, a efetivação desses fazeres é um processo intrincado e artesanal, composto com afetos e saberes nem sempre harmônicos. Partindo da posição fronteiriça desse profissional, advém a possibilidade de reinventar, no contexto do serviço de saúde, práticas cotidianas, transformando-as em ferramentas de cuidado. Entretanto, as técnicas de composição entre vida pessoal, saber comunitário e prática profissional podem ter vários resultados além do buscado, gerando também práticas culpabilizantes.
Entende-se que a ênfase nos saberes e afetos que os ACS trazem de casa, instrumentalizando-os como ferramentas em uma perspectiva ética, possibilita modificar as práticas de saúde, aumentando a autonomia das comunidades sobre os processos de sofrimento psíquico. Cria-se uma epistemologia comum (NEGRI; HARDT, 2005NEGRI, A. A constituição do comum. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL CAPITALISMO COGNITIVO, .2, 2005, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://fabiomalini.files.wordpress.com/2007/03/a-constituicao-do-comum-traducao.doc>. Acesso em: 15 out. 2014.
http://fabiomalini.files.wordpress.com/2... ), na qual se buscam soluções para os problemas dos sujeitos na comunidade, a partir de saberes compartilháveis que efetivam uma melhora na situação de saúde.
A construção do comum passa a ser um desafio cotidiano, um exercício de apostar no mundo e no outro, evitando os arranjos falsos e insustentáveis que as idealizações nos propõem. Assim o dia a dia pode tornar-se o palco onde a vida é reinventada, levando à desinstitucionalização dos processos de saúde/doença.44D. E. Saffer e L. R. Barone participaram da análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final a ser publicada.
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Notas
- 1Em alguns momentos do texto, a palavra agentes será usada quando nos referirmos aos ACS.
- 2Parte-se do conceito de menor (GUATTARI; DELEUZE, 1977) como o que subverte a língua e os campos majoritários de expressão, dando visibilidade a discursos de coletividades minoritárias em um agenciamento necessário entre experiência individual e política.
- 3Trabalha-se aqui com a concepção de vida de Spinoza, a partir da leitura de Deleuze (2008), que aposta em uma vida imanente (e não A Vida transcendente, submissa a referentes externos), composta e decomposta nos encontros de corpos, que se afetam mutuamente e, com isso, efetuam uma potência pré-individual, ao construírem modos de existência singulares. Logo, nunca se sabe o que pode um corpo de antemão, a não ser a partir dos encontros e do modo singular como se apropria de sua potência.
- 4D. E. Saffer e L. R. Barone participaram da análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final a ser publicada.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2017
Histórico
- Recebido
18 Abr 2016 - Aceito
15 Jun 2017