O ano de 2018 marcou alguns aniversários significativos para a democracia e o Estado de Bem-Estar Social: setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do início do National Health Service do Reino Unido, e quarenta anos da conferência de Alma-Ata. Mas também trouxe à lembrança tempos tristes, marcando cinquenta anos da edição do AI-5 e o endurecimento da ditadura no Brasil, bem como a violenta repressão à Primavera de Praga.
A chegada de 2019, por sua vez, encontra o mundo numa certa encruzilhada política. Os resultados de referendos ou eleições recentes parecem sinalizar certa fadiga do status quo na política, dando a vitória a candidatos ou ideias que se apresentaram como outsiders, mesmo que não o fossem. Os eventos citados no primeiro parágrafo também marcaram à sua época rupturas importantes com a politics as usual, embora nem sempre na direção de maior liberdade, direitos ou segurança. Em que direção nos levará a história nos meses e anos à frente?
O triunfo global da ideologia neoliberal trouxe, nos seus rastros, crises frequentes por si só desestabilizadoras não só da economia como da política. Na observação arguta do jornalista Georges Monbiot:
[t]alvez o impacto mais perigoso do neoliberalismo não seja a crise econômica que causou, mas a crise política. […] [N]a grande democracia do consumidor ou do acionista, os votos não são distribuídos igualmente. O resultado é uma falta de poder dos pobres e da classe média. Como os partidos da direita e da esquerda adotam políticas neoliberais semelhantes, a falta de poder se transforma em privação de direitos. Chris Hedges observa que “os movimentos fascistas constroem sua base não dos politicamente ativos, mas dos politicamente inativos, os ‘perdedores’ que sentem, muitas vezes corretamente, que não têm voz ou papel a desempenhar no establishment político”. (MONBIOT, 2016MONBIOT. G. Neoliberalism - the ideology at the root of all our problems. The Guardian, edição online de 15 abr. 2016. Disponível em: <https://www.theguardian.com/books/2016/apr/15/neoliberalism-ideology-problem-george-monbiot>. Acesso em: dez 2018.
https://www.theguardian.com/books/2016/a... ).
A corrosão da confiança se estende, com ou sem razão, não apenas à classe política, mas a tudo aquilo que é percebido como “elite”: a mídia tradicional e mesmo a ciência em geral são engolfadas pela crise de credibilidade. Não foi à toa que a organização Oxford Dictionaries declarou, à mesma época do comentário de Monbiot, “” (pós-verdade) como a palavra do ano de 2016MONBIOT. G. Neoliberalism - the ideology at the root of all our problems. The Guardian, edição online de 15 abr. 2016. Disponível em: <https://www.theguardian.com/books/2016/apr/15/neoliberalism-ideology-problem-george-monbiot>. Acesso em: dez 2018.
https://www.theguardian.com/books/2016/a... .
Essa conjunção de desesperança e cinismo que estilhaça a própria ideia de verdade, ainda que contingente, traz ressonâncias desconfortáveis com um momento ainda mais dramático na História. Benjamin Hett, na sua magistral análise da derrocada da República de Weimar, sintetiza essa dimensão da seguinte forma: “
[a] hostilidade à realidade traduziu-se em desprezo pela política, ou melhor, desejo por uma política que, de alguma forma, não era política: algo impossível de existir. O funcionamento da democracia visto de perto - os acordos necessários, favores, compromissos - raramente são inspiradores. […] Para que uma democracia funcione, todas as partes têm que reconhecer que têm pelo menos algum ponto em comum e que os compromissos são possíveis e necessários. Na década de 1930, no entanto, restava muito pouco desse espírito, à medida que a sociedade alemã se tornava cada vez mais amargamente dividida. Defensores da República muitas vezes pareciam pouco mais do que defensores de um sistema corrupto. Os opositores da democracia, pregando uma “antipolítica” de unidade e ressurreição, poderiam parecer que estavam operando em uma base moral mais elevada. (HETT, 2018HETT, B. C. The Death of Democracy. New York: Henry Holt & Co., 2018 (online)., índice 49-50/698)
Face a tais tendências presentes em todo o mundo, inclusive em nosso meio, cabe a todos nós, pesquisadores, professores, profissionais e estudantes da Saúde Coletiva, defender os ideais democráticos, solidários e inclusivos que caracterizam nosso campo. Em particular e especificamente, a defesa do financiamento do SUS, da pesquisa e da universidade pública e gratuita como instituições que asseguram a formulação e implementação de políticas coerentes com esses ideais.
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Com o encerramento de mais um ano, é o momento de reconhecermos mais uma vez o trabalho essencial dos nossos revisores, sem o qual nenhum periódico científico existiria. Destacamos como revisor do ano o professor Carlos Alberto Ribeiro Costa, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense, campeão de 2018 no número de pareceres; homenageamos por seu intermédio todas as pessoas que colaboraram com a Physis, que têm seus nomes listados em ordem alfabética ao final deste editorial.
Que tenhamos todos um feliz 2019, e que a chama da ciência e da Saúde Coletiva continue sempre a brilhar em nosso país.
ADRIANA CASTRO
AGLEILDES QUEIRÓS
ALAN SILVA
ALDEN NEVES
ALESSANDRA MENDES
ALEXANDRA PENA
ALEXANDRE COSTA LEAL
ALEXANDRE COSTA-VAL
ALEXANDRE PALMA
ALICE MENEZES
ALTAMIRA PEREIRA
ANA CLÁUDIA FIGUEIRÓ
ANA LUIZA VILLASBÔAS
ANA PAULA HEMMI
ANDRÉ FENNER
ANDRÉ LUIZ DA SILVA
ANTONIO ROSSELLO
BÁRBARA FONSECA C.C. ANDRADA
BIANCHA ANGELUCCI
CARLA PEREIRA
CARLOS ANDRÉ ARRUDA
CARLOS ALBERTO R. COSTA
CARLOS GONÇALVES SERRA
CARLOS GUILHERME DO VALLE
CARLOS MOREIRA
CARLOS PAIXÃO JUNIOR
CAROLINA NOGUEIRA
CESAR AUGUSTO FAVORETO
CHARLES DALCANALE TESSER
CIRLENE CHRISTO
CLAUDIA BOCCA
CLAUDIA HENSCHEL DE LIMA
DANIELA AMADOR
DANIELLE BORDIN
DEBORAH DE AZEVEDO
DEIDVID ABREU
DENISE PIMENTA
DIEGO ANDRADE
EDINALDO CARMO
EDUARDO MELO
EDUARDO WERMELINGER
EFIGÊNIA FERREIRA
ELAINE MIRANDA
ELISANGELA COSTA
ELISETE CASOTTI
ELIZABETHE CRISTINA SOUZA
ENRIC NOVELLA
EUGENIE NERI
FABIANA BOLELA
FABIANA KRAEMER
FABIOLA STOLF BRZOZOWSKI
FERNANDA ALZUGUIR
FERNANDA FERNANDES
FERNANDA LOPES
FERNANDA MONTES
FLAVIA CAMPOS
FLAVIA RAMOS
FRANCISCO INÁCIO BASTOS
GABRIELE CARVALHO
GISELE O’DWYER
GRACIELA SEHNEM
HENRIQUE NARDI
ILVANA GOMES
ISABELA SANTOS
ISABELLA MARTINS
ISSA DAMOUS
JAIME NEIRA
JOÃO SCATENA
JORGE MACHADO MESQUITA
JOSÉ ANTONIO VÁSQUEZ-MEDINA
JOSÉ JUNGES
JOSÉ MARÇAL JACKSON FILHO
JOSÉ RICARDO AYRES
JOSÉ RIVALDO FRANÇA
JOSENAIDE ENGRACIA DOS SANTOS
JUAREZ FURTADO
JULIANA CASEMIRO
JÚLIO ASSIS SIMÕES
KALLINE DE SOUZA
KALLINE FLÁVIA SILVA DE LIRA
KAREN ATHIÉ
KELLEM VINCHA
KHALED ALMAHNOUD
LEILA SENNA MAIA
LENIR SILVA
LEONARDO SAVASSI
LEONILDO SILVA
LÍGIA MARIA VIEIRA-DA-SILVA
LILIAN KOIFMAN
LILIAN MIRANDA
LUCAS MELO
LUCIANA SIMAS
LUCIENE JIMENEZ
LUCIENE ROCINHOLI
LUCILA NASCIMENTO
LUIZ FERNANDO ROJO
LUIZ TEIXEIRA
LUIZA CAZOLA
LUIZA COSTA
LUIZA MARIA CUNHA
LUNA FREITAS SILVA
MAGDA CHAGAS
MAGDA RIBEIRO DE CASTRO
MAGDA SCHERER
MÁNCEL MARTÍNEZ
MARCELA LÓPEZ
MARCIA AGOSTINI
MARCOS ANDREI
MARCOS NASCIMENTO
MARCOS VIRMOND
MARCUS TEIXEIRA
MARI LUZ ESTEBAN
MARÍA INÉS BRINGIOTTI
MARIA LUCIA BOARINI
MARIANE PANSERA
MARILENA D. V. CORREA
MARINA NUCCI
MARIO JORGE SOBREIRA
MARTINHO BRAGA BATISTA E SILVA
MOÊMIA MIRANDA
MONICA DANTAS
NATÀLIA MAICAS CARCELLER
NEIDE EMY KUROKAWA E SILVA
NEUSA COLLET
NILIA PRADO
NINA SOALHEIRO PRATA
NURIA MALAJOVICH
PABLO DI LEO
PATRICIA BRAGA
PATRÍCIA CAVALCANTI
PAULA GAUDENZI
PAULA LAND
PAULO HENRIQUE ALMEIDA RODRIGUES
PILAR BELMONTE
PRISCILA ALVES
PRISCILA ARAGÃO
RAFAEL LIMA
RAPHAELLA DAROS
REGINA FLAUZINO
REGINALDO MENDONÇA
RENATA MONTEIRO
RICARDO PENA
RITA HELENA FERREIRA GOMES
ROBERTA OLIVEIRA
RODRIGO MONTEIRO
ROGERIO AZIZE
RONALDO TEODORO DOS SANTOS
ROSANA ONOCKO CAMPOS
ROSÂNGELA GUERRINO
ROSENI PINHEIRO
ROSSANO CABRAL LIMA
SANDRA CAPONI
SELMA FRANCO
SHIRLEY DONIZETE PRADO
SIMONE MONTEIRO
SIMONE PAULON
STELLA TAQUETTE
SUELY MARINHO
SUZANA CANEZ
TERESA TONINI
TÚLIO BATISTA FRANCO
VANESSA MAIA RANGEL
VANIRA PESSOA
VARLEY DIAS SOUSA
VERONICA ALCOFORADO
VERUSKA ALEXANDRE
VILMA DIUANA
VIRGINIA MOREIRA
WILLIAM WAISSMANN
WILLIAN SANTOS
XAVIER MEDINA
XIMENA BERMUDEZ
YOLANDA BODOQUE
Referências
- HETT, B. C. The Death of Democracy. New York: Henry Holt & Co., 2018 (online).
- MONBIOT. G. Neoliberalism - the ideology at the root of all our problems. The Guardian, edição online de 15 abr. 2016. Disponível em: <https://www.theguardian.com/books/2016/apr/15/neoliberalism-ideology-problem-george-monbiot>. Acesso em: dez 2018.
» https://www.theguardian.com/books/2016/apr/15/neoliberalism-ideology-problem-george-monbiot
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
25 Fev 2019