Resumo
Estudo de abordagem socioantropológica, analisa a experiência de mulheres com reações hansênicas, quadro agudo de evolução crônica que acomete cerca da metade das pessoas que têm hanseníase. Foram entrevistadas sete mulheres com reações, acompanhadas por um serviço de referência em Cuiabá-MT, região com maior número de casos no Brasil. A análise foi realizada na modalidade temática e os resultados abrangem o contexto em que vivem, o aparecimento e interpretação das reações, as repercussões e dilemas de um “tratamento que adoece”. As reações imbricam-se na trajetória da hanseníase e são marcadores do adoecimento por intensificarem a dor ou por causarem marcas e eritemas pelo corpo. Ao explicarem sua origem, as reações são inseridas em contextos abrangentes e situações de estresse ou tristeza. O tratamento torna-se um problema na medida em que afeta como elas se veem, processo que é acrescido e incorporado à situação estigmatizante causada pela hanseníase. Ter reações pode ser considerado “pior” do que ter hanseníase, pois nem sempre é possível prevê-las ou controlá-las; por isso, assume-se que a noção de cura requer outros sentidos, baseados na reconstrução cotidiana. Reitera-se a importância de abordar o problema em perspectiva que favoreça uma atenção integral aos adoecidos.
Palavras-chave:
hanseníase; reações hansênicas: experiência de adoencicmento; estigma
Abstract
Study of socio-anthropological approach on the experience of women with leprosy reactions, an acute chronic evolution that affects half of those who have leprosy. Seven women with reactions were interviewed, accompanied by a reference service in Cuiabá-MT, the region with the highest number of cases in Brazil. The analysis was carried out in the thematic modality and the results cover the context in which they live, the appearance and interpretation of the reactions, the repercussions and dilemmas of a "treatment that gets sick". Reactions are embedded in the trajectory of leprosy and are markers of illness by intensifying pain or causing bruising and erythema throughout the body. In explaining their origin, reactions are inserted into broad contexts and situations of stress or sadness. Treatment becomes a problem as it affects how they look, a process that is added and incorporated into the stigmatizing situation caused by leprosy. Having reactions can be considered "worse" than having leprosy, since it is not always possible to predict or control them and therefore, it is assumed that the notion of cure requires other senses, based on daily reconstruction. It reiterates the importance of approaching the problem in a perspective that favors a comprehensive care for the patients.
Keywords:
leprosy; leprosy reactions; experience of illness; stigma
A hanseníase é uma doença infecciosa, transmitida pelas vias aéreas, no convívio prolongado de pessoas com a doença em sua forma multibacilar sem tratamento (TALHARI et al., 2006TALHARI, S. et al. Manifestações cutâneas e diagnóstico diferencial. In: TALHARI, S. et al. (Eds.). Hanseníase. Manaus: Editora Lorena, 2006. p. 21-58.a). Considerada uma condição crônica por requerer longo período de acompanhamento pelos serviços de saúde (MENDES, 2012MENDES, E. V. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: OPAS, 2012.), vem sendo apontada como uma das principais causas de incapacidades físicas entre as doenças infectocontagiosas (BRASIL, 2018a). Embora os dados apontem significativa redução do número de casos no Brasil nas últimas décadas, a hanseníase ainda é considerada um problema de saúde pública (BRASIL, 2018a) e uma Doença Tropical Negligenciada (DTN) por afetar, predominantemente, populações pobres, com pouca visibilidade e voz política (WHO, 2010).
Em 2017, segundo dados do Ministério da Saúde, foi registrado 1,35 caso para cada 10.000 habitantes no Brasil, o que indica alta carga para a doença; contudo, focos de elevada endemicidade são ainda mais preocupantes, como no estado de Mato Grosso, que registrou no mesmo ano 10,85 casos para cada 10.000 habitantes, figurando como a maior prevalência do país (BRASIL, 2018b).
No curso da doença, podem ocorrer episódios reacionais ou reações hansênicas, considerados pela literatura médica como eventos inflamatórios agudos, causados pela ação do sistema imunológico do hospedeiro, que ataca o Mycobacterium leprae, precisando de cuidado e tratamento específicos. Isso é necessário para evitar danos neurais que resultem em incapacidades físicas que contribuem para a perpetuação da estigmatização dos adoecidos (TALHARI et al., 2006TALHARI, S. et al. Manifestações cutâneas e diagnóstico diferencial. In: TALHARI, S. et al. (Eds.). Hanseníase. Manaus: Editora Lorena, 2006. p. 21-58.). Entre os sinais e sintomas, as reações provocam marcas corporais típicas como manchas, descamações, caroços, inflamações neurais, além de dor neural (TALHARI et al., 2006). Estima-se que, durante o tratamento de hanseníase, aproximadamente 50% das pessoas apresentem alguma reação, e 30% após o tratamento (GONÇALVES et al., 2006GONÇALVES, H. S. et al. Tratamento. In: TALHARI, S. et al. Hanseníase. Manaus: Editora Lorena, 2006. p. 133-153.), podendo haver serviços de saúde voltados, especificamente, ao acompanhamento de tais reações.
Esse adoecimento específico conforma uma experiência extremamente complexa e ambígua porque, não raro, as pessoas continuam a sentir limitações corporais e sofrimentos, mesmo após o tratamento de 6, 12 ou 24 meses, quando são consideradas curadas de hanseníase. Enfocar as reações pelos relatos em primeira pessoa, pelo estudo da experiência, abre um leque de questões pertinentes e desafiadoras a explorar, pois refere-se à identidade dos adoecidos, deteriorada por uma condição social estigmatizante (GOFFMAN, 1988GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988. 158p.).
Também se destacam nessa experiência as noções causais atribuídas, porque remetem às conexões entre os acontecimentos vivenciados, imprimindo coerência e sentido a eles, participando da constituição da doença (ZEMPLÉNI, 1994ZEMPLÉNI, A. A “doença” e suas “causas”. Cadernos de Campo. São Paulo, n. 4, p. 137-163, 1994.). Assim, é pertinente abordar as interpretações e significados destes termos (causa/conceito, hanseníase/reações hansênicas) desassociada e articuladamente considerando, ainda, sua cronicidade no conjunto dos adoecimentos que podem ameaçar a vida, estigmatizar, causar incertezas e serem deslegitimados pelo saber biomédico (CANESQUI, 2007CANESQUI, A. M. Estudos antropológicos sobre os adoecidos crônicos. In: CANESQUI, A. M.(Org.). Olhares socioantropológicos sobre os adoecidos crônicos. São Paulo: Hucitec, 2007. p. 19-51.).
Adota-se, para tanto, o referencial teórico e metodológico compreensivo, entendendo que o adoecimento mobiliza interpretações cotidianas com base no conhecimento prático do senso comum, intersubjetivamente partilhado; e a doença, mais que entidade biológica, “é experiência que se constitui e adquire sentido no curso de interações entre indivíduos, grupos e instituições” (ALVES; RABELO, 1999ALVES, P. C. B.; RABELO, M. C. M. Significação e metáforas na experiência da enfermidade. In: ALVES, P. C. B.; RABELO, M. C. M.; SOUZA, I. M. A. (Orgs.). Experiência da doença e narrativa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. p. 171-85., p. 173). Assim, pode-se conceber o adoecimento crônico como uma experiência singular, conformada por reinterpretações das adoecidas de acordo com o percurso da enfermidade, a persistência de ideias e crenças, a mudança dos sintomas, as respostas ao tratamento, a satisfação com o cuidado, o ambiente social em que a pessoa está inserida, incluindo a estrutura social (HUNT et al., 1989HUNT, L. M.; JORDAN, B.; IRWIN, S. Views of what’s wrong: diagnosis and patient’s concepts of illness. Social Science & Medicine, v. 28, n. 9, p. 945-956, 1989. , 1998). Tais (re)interpretações não apresentam caráter estático, são provisórias e mobilizam, diante de mudanças ao longo do adoecimento, constantes contradições e incoerências que permitem ressignificar essa experiência (BARSAGLINI, 2011BARSAGLINI, R. A. As representações sociais e experiência com o diabetes: um enfoque socioantropológico. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011. 248p.).
Embora seja possível identificar significados compartilhados, a experiência de adoecimento não é homogênea, sendo crivada por elementos sociais mais estruturais como o gênero. Por isso, optou-se por investigar a experiência de mulheres, reconhecendo diferenciais na sua relação com o corpo (SILVA, 2008SILVA, L. F. Saber prático de saúde: as lógicas do saudável no quotidiano. Porto: Edições Afrontamento, 2008. ). Normas, expectativas e estereótipos influenciam a maneira como as marcas corporais impressas pelo adoecimento são sentidas, vivenciadas, gerenciadas e expressas, o que se deve, em parte, às categorias sociais pelas quais o corpo é conhecido, sentido e utilizado (BENDELOW, 1993BENDELOW, G. Pain, perceptions, emotions and gender. Sociology of Health & Illness, v. 15, p. 273-94, 1993.; BOLTANSKI, 1989BOLTANSKI, L. As classes sociais e o corpo. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1989. 191p.; LE BRETON, 1995LE BRETON, D. Antropología del cuerpo y modernidad. Buenos Aires: Nueva Visión, 1995. 254p.).
Diante do exposto, este artigo, que decorre de pesquisa mais ampla de mestrado em Saúde Coletiva (ÁVILA E SILVA, 2014ÁVILA e SILVA, L. M. Marcas corporais, marcas sociais: experiência de mulheres com reações hansênicas. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, 2014. 111p. ), tem por objetivo analisar a experiência de mulheres com reações hansênicas, com enfoque nas interpretações quanto ao processo de descoberta, origem e significado desse adoecimento (em que conceito e noções causais se imbricam), bem como nas contradições e ambiguidades diante do diagnóstico e tratamento.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi realizada com mulheres que apresentavam reações hansênicas e faziam acompanhamento em um hospital público de referência para o tratamento de hanseníase, em Cuiabá (MT). Foram incluídas aquelas que possuíam o diagnóstico médico formal desta condição, idade acima de 18 anos, residentes na mesma cidade. A produção dos dados foi composta por entrevistas com roteiro semiestruturado, que propiciou uma conversa dirigida entre informante e pesquisadora (QUEIROZ, 1987QUEIROZ, M. I. P. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”. Ciência e cultura. Campinas, v. 39, n. 3, p. 272-288, 1987. ). As entrevistas, com duração média de 60 minutos, foram realizadas com sete mulheres, em suas próprias residências, em dois ou três encontros com cada uma.
A análise dos dados foi feita na perspectiva da análise de conteúdo, em modalidade temática, sintetizada como um conjunto de expressões e falas que podem ser identificados por um tema que possua um núcleo de sentido (MINAYO, 2010MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 2010.). Inicialmente, foram feitas a transcrição e a leitura flutuante do material produzido nas primeiras entrevistas, organizando-o em consonância com os objetivos do estudo. Isso permitiu a reorganização do roteiro de entrevista e a inclusão de questões para aprofundamento de determinados temas. Por isso, os intervalos de uma entrevista a outra foram fundamentais para apontar as lacunas existentes e as questões a serem retomadas no próximo encontro.
O tratamento dos dados efetivou-se de acordo com abordagem sócioantropológica, na perspectiva de identificar a coerência interna que dá sentido à experiência de adoecimento. Essa compreensão da experiência aqui realizada reflete uma posição parcial da realidade e as fases do processo analítico não se constituíram de modo estanque, tratando-se, como defende VÍCTORA et al. (2000VÍCTORA, C. G.; KNAUTH, D. R.; HASSEN, M. N. Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução ao tema. Porto Alegre: Porto Editorial, 2000.), de um processo não linear, que teve início na fase exploratória e percorreu toda a investigação.
Foram observados os aspectos éticos da pesquisa em saúde conforme Resolução CNS/MS 466/2012, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller (Parecer nº 230.975). Vale ressaltar que os nomes das mulheres entrevistadas foram substituídos a fim de preservar o anonimato de suas identidades.
Os dados selecionados neste texto enfocam o processo de adoecimento por reações hansênicas (não dissociado do adoecimento por hanseníase), de forma que os conceitos e noções causais oscilam entre uma e outra classificação quando pautados pela experiência. Foram assim organizados em três tópicos para fins de apresentação. Inicialmente, são descritos os contextos em que vivem as mulheres adoecidas e suas famílias, bem como os primeiros sinais atribuídos à hanseníase e ao início das reações. Em segundo momento, analisa-se como o adoecimento é interpretado a partir de conceitos, significados e causas. No terceiro tópico, discutem-se as repercussões e dilemas de um “tratamento que adoece”, seguido de considerações que trazem questões e implicações do adoecimento à vida dessas mulheres, ampliando-se às pessoas com hanseníase e reações.
Contextos similares, experiências singulares: os primeiros sinais e a descoberta da hanseníase e das reações hansênicas
As mulheres entrevistadas têm idades entre 26 e 55 anos, sendo quatro delas casadas, duas separadas e uma divorciada. Declaram-se de cor branca (três), parda (três) e negra (uma). Nota-se haver similaridades entre os contextos e espaços, porque a maioria delas é de família de baixa renda e vive com meio salário mínimo por pessoa, em média. Quanto aos serviços de infraestrutura, como a água, por exemplo, todas as entrevistadas relataram ter acesso à rede canalizada. Porém, o fornecimento em alguns bairros é em dias alternados.11Em 12 de maio de 2015, foi veiculada em site jornalístico a notícia de que o contrato da Prefeitura de Cuiabá com a empresa fornecedora de água não prevê seu acesso universal. Disponível em: <http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2015/05/cab-alega-que-contrato-nao-preve-universalizacao-da-agua-em-cuiaba.html>. Também o serviço de esgoto é restrito e, na maioria dos casos, o escoamento é por fossas rudimentares, comuns nas regiões periféricas da cidade (PETRUCCELLI; SABOIA, 2013PETRUCCELLI, J. L.; SABOIA, A. L. (Orgs.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. 208p.). Além disso, a maioria das famílias vive em ruas não asfaltadas e convive com poças d’água e esgoto a céu aberto. As casas têm poucos cômodos, com um ou dois quartos, no máximo, e algumas não possuem piso, pintura ou portão.
Esses dados vêm ao encontro de outros estudos ao apontarem que pessoas acometidas por doenças negligenciadas, como hanseníase, tuberculose, entre outras, vivem em condições de pobreza (PETRUCCELLI; SABOIA, 2013PETRUCCELLI, J. L.; SABOIA, A. L. (Orgs.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. 208p.), estão expostas às iniquidades e, embora possam existir financiamentos públicos específicos para indução das pesquisas, o conhecimento produzido não tem se revertido, proporcionalmente, em avanços terapêuticos, o que é justificado, em parte, pelo baixo interesse das indústrias farmacêuticas (MOREL, 2006MOREL, C. M. Inovação em saúde e doenças negligenciadas. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 22, n. 8, p. 1522-1523, 2006. ; SOUZA, 2010SOUZA, W. Doenças negligenciadas. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2010. 56p.).
Quanto à escolaridade, as mulheres têm oito anos de estudo em média, e a maioria trabalha em atividades em que, comumente, não são exigidas formações específicas, como serviços de limpeza, de cuidados com crianças (babá) e cozinha. É comum nestes casos a predominância de vínculos informais de trabalho e, assim, a ausência de benefícios como auxílio-doença, afastamento do trabalho remunerado, seguro-desemprego, entre outros. Quanto à religião, todas se declararam cristãs, sendo que quatro delas participam atualmente das igrejas católica, evangélica e Testemunhas de Jeová.
Além da hanseníase e das reações, as mulheres entrevistadas convivem com uma série de comorbidades. Foram referidas enfermidades como depressão, lúpus, asma, hipertensão, colesterol alterado, problemas na vesícula e varizes, que também requerem acompanhamento pelo serviço de saúde, sendo várias condições a serem gerenciadas simultaneamente. Trata-se de contextos sociais que evidenciam precariedades e fragilidades que podem gerar ou exacerbar impactos, causando sofrimento e exclusão sociais (BARSAGLINI, 2015BARSAGLINI, R. A. Adoecimentos crônicos, condições crônicas, sofrimentos e fragilidades sociais: algumas reflexões. In: CANESQUI, A. M. (Org.). Adoecimentos e sofrimentos de longa duração. São Paulo: Hucitec, 2015. ).
O processo de descoberta da hanseníase e início das reações não ocorreu de forma linear ou cronológica, em que inicialmente obteve-se o diagnóstico de hanseníase e, durante o tratamento, surgiram as reações. Tal separação parece abstrata e não se coaduna com a experiência que integra os acontecimentos, porque o tempo da experiência é muito diverso do cronológico e o adoecimento assume temporalidade própria, “ressignificada e rememorada numa lógica afetiva” (DOLINA; BELLATO; ARAUJO, 2014, p. 82).
É possível notar duas principais formas de identificação: a primeira se caracterizou por uma transição, em que determinados sinais e sintomas foram aos poucos sendo identificados e, de alguma forma, interpretados. Não houve logo no início um momento crítico ou agudo, mas sinais que foram adquirindo significado no curso e na “evolução” do adoecimento.
Nesses casos, as primeiras mudanças corporais foram sinais objetivos ou sensações incômodas como uma pequena mancha na pele, alterações na sensibilidade, uma dor amena nos nervos. Tomados isoladamente e no primeiro momento, pareceram indicar algo trivial, qual problemas de pele ou alergia, por não inviabilizarem o desempenho de tarefas cotidianas:
Em 2003 apareceu uma manchinha branca aqui, né [mostra o braço]. Foi o que de visível apareceu, mas é claro que eu tava sentindo, mas eu tava em pleno, eu tava trabalhando [...] A gente nunca vai achar que uma mancha pode ser alguma coisa [...] Eu não tinha muito tempo de olhar para mim. [Nicole]
O médico falou assim: “o que que a senhora tem mais?” [em uma consulta de rotina] Eu falei “eu também sinto dor nos pés e queimação, nos pés e na perna”. Aí o médico falou assim: “a senhora tem alguma mancha no corpo?” Falei: “tenho”. Ele falou: “acho bom a senhora fazer o exame de hanseníase” [...]. [Esmeralda]
Nesse primeiro momento, as mulheres compreenderam que não deveriam se ocupar de uma pequena mancha e mobilizaram soluções caseiras como uso de cremes e pomadas, visto que não era possível deixar afazeres domésticos ou afastar-se do trabalho para ir em busca de tratamento frente àqueles sinais corporais. Tal postura parece remeter ao papel da mulher, construído socialmente, como a responsável pelos cuidados dos filhos e da casa antes do cuidado individual (SARTI, 2011SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. São Paulo: Editora Cortez, 2011. 152p.).
Além desses elementos, os sinais em questão também não indicaram a necessidade de busca por um serviço de saúde, uma vez que há uma pluralidade de fatores que se entrecruzam na escolha e busca por um tratamento, como a gravidade da situação e as explicações aceitas pelo grupo ao qual se pertence (GERHARDT, 2006GERHARDT, T. E. Itinerários terapêuticos em situações de pobreza: diversidade e pluralidade. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, p. 2449-2463, 2006. ).
A segunda forma identificada no processo de descoberta da hanseníase foi marcada justamente pela presença das reações. Ela se caracteriza por dor intensa nos nervos, pernas, pés, caroços, dor no estômago, entre outros. Isso reforça estudos como o de Luz e Basto (2013LUZ, E. L.; BASTO, M. L. The opinion of patients with COPD: the process of becoming chronically sick. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 18, n. 8, p. 2221-2228, 2013. ), ao afirmarem que a percepção de uma alteração na saúde em geral acontece em momentos de crise:
Dor, assim, dor nas pernas [...] Ah, estava sentindo dor, né? Nos nervos, tudo. Daí a minha mãe falou que não estava certo, ela pegou e me levou na campanha. [Vitória]
Ah, quando começou foi muito difícil, deu coceira, muita coceira, caroço, muita dor, doía demais. Também fiquei com muita dor no estômago e teve que fazer biópsia, tinha febre, falta de apetite, dor nos ossos, emagreci muito [...] [Luzia]
As suspeitas levantadas pelos sintomas que “pioraram” ou não cessaram com outros tratamentos levaram as mulheres a buscarem um diagnóstico formal.22O diagnóstico é clínico, baseado nas alterações cutâneomucosas e neurais decorrentes da reação imunológica à infecção. De forma complementar, podem ser realizados exame baciloscópico, que consiste na retirada de material dos lóbulos auriculares, cotovelos, áreas infiltradas ou lesões cutâneas; ou biópsia, em casos de difícil diagnóstico, em que é coletada parte da lesão na pele, passível de mudanças estruturais nas células que apontam a presença do bacilo de Hansen (TALHARI et al., 2006). Nesse processo, fizeram uma longa trajetória de idas e vindas a várias unidades de saúde, gerando uma situação de sofrimento, vivenciada pela maioria delas.
O diagnóstico formal levou meses ou anos para ser confirmado:
Ah, eu fiquei bastante tempo que nem lembro mais [...][silêncio] Eu acho que dois anos, menina, sofrendo desse jeito aí. Nossa! Eu fiquei bastante tempo [Luzia].
Em alguns casos, hanseníase e reações foram diagnosticadas juntas; em outros, as reações vieram após o início do tratamento e até em decorrência dele. Em outros ainda, reações permaneceram após a “alta por cura”. Muitas vezes, os sintomas das reações foram o ponto crucial para a descoberta da própria hanseníase. A experiencia de adoecimento tem início antes do diagnóstico formal, o qual compõe o processo de descoberta (BARSAGLINI, 2015BARSAGLINI, R. A. Adoecimentos crônicos, condições crônicas, sofrimentos e fragilidades sociais: algumas reflexões. In: CANESQUI, A. M. (Org.). Adoecimentos e sofrimentos de longa duração. São Paulo: Hucitec, 2015. ), que é marcado pela percepção de que algo não vai bem. Diante do estranhamento de sensações e sinais no momento em que surgem, empreendem-se interpretações na construção de sentido e soluções que não excluem as contribuições do saber biomédico, ao atribuir um nome ao conjunto de acontecimentos que faculta um tratamento como possibilidade de solução. Por isso, compreender o que são (conceito) e por que ocorrem as reações na perspectiva das adoecidas é parte fundamental da experiência de adoecimento, como versará o tópico a seguir.
Conceitos, significados e causas atribuídos às reações hansênicas
Ao serem perguntadas sobre o que são ou de onde vêm as reações, as mulheres descreveram como atuam em seus corpos, buscando diferenciá-las da hanseníase, imprimindo-lhes sentido na tentativa de organizar os acontecimentos. As interpretações do conceito e das causas das reações partem da realidade da vida cotidiana, que se organiza “em torno do ‘aqui’ de meu corpo e do ‘agora’ do meu presente” (BERGER; LUCKMANN, 2011BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Editora Vozes, 2011. 248 p. , p.38), porque a vida possui sentido na medida em que se organiza coerentemente. Essa compreensão parte do que as mulheres sentem, das alterações no corpo e no cotidiano, por exemplo, quanto ao impacto na mobilidade, decorrente de inflamações nos nervos. Há uma apreensão parcial do discurso médico (quando no exame clínico, são apalpados os nervos do corpo), que é ressignificado de acordo com a própria experiência e o estoque de conhecimentos anteriores.
Fundamental é destacar aqui a diferenciação dos conceitos disease, illness e sickness, que na literatura norte-americana tornaram-se relevantes por expressarem um processo patológico e fisiológico (disease), a percepção subjetiva e a experiência da enfermidade, vivida pelo sujeito (illness) e um estado menos grave, de sentir-se mal (sickness) (ALVES, 1993ALVES, P. C. B. A experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 239-262, 1993.; LAPLANTINE, 2010LAPLANTINE, F. Antropologia da doença. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 274p.). Neste sentido, reações seriam entendidas pelo conceito de illness:
Ah, eu nunca tive dores, nunca tive dores assim. Entortou o meu pé, deu problema na minha coluna, então foi uma destruição muito grande, são coisas que eu nunca tinha tido na vida, dores de chorar de dor [...] Eu não sei como é que é dá reação com as outras pessoas, mas no meu caso, para mim foi uma destruição [Maria Clara].
Reação é esse... seria essas dores que eu estou sentindo. Esses caroços que estão saindo na minha pele, os inchaços, essas dores que dá queimação. Tem uma hora que você fica na cama rolando, de todo jeito dói, se você anda, dói, você fica parada, dói, eu estou sentada aqui, começa a queimar aqui também, a doer aqui [...] Então a reação seria isso, para mim, no meu modo de ver, eu acho que isso [Nicole].
Olha, pra dizer a verdade, eu lidei com a doença tanto, mas eu não sei te explicar [...] Sei lá, eu acho que é uma doença muito perigosa, muito assim, maltrata muito a gente, não tem? Porque olha pra você ver, a reação dela até hoje, né [Luzia].
Nota-se nessas falas que há um grande destaque para a dor, em que as mulheres expressam a confluência de aspectos objetivos e subjetivos. Elas traduzem a reação como “dor nos nervos”, por ser o que de concreto sentem e, por outro lado, essa dor invisível é em alguns momentos de difícil comunicação, podendo ser deslegitimada, tornando-se fonte de mais sofrimento e aflição (PALMEIRA, 2015PALMEIRA, A. T. Experiência de enfermidade em pessoas com dor crônica atendidas em um serviço especializado de saúde. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, 2015. 212p. ). Na tentativa de comunicar sua experiência singular ao outro, são feitas alusões à intensidade e localização e comparações com outras dores (possivelmente já vivenciadas): “é uma dor assim, às vezes, é aquela dor que dói mesmo, sabe? Está lá dentro, não aguento. É uma dor que você não aguenta. É pior que dor de dente” [Vitória].
A linguagem conotativa, subsidiada pela cultura, expressa por meio de significados compartilhados numa experiência que, mesmo privada, é acessível, por exemplo, por meio de metáforas (ALVES; RABELO, 1999ALVES, P. C. B.; RABELO, M. C. M. Significação e metáforas na experiência da enfermidade. In: ALVES, P. C. B.; RABELO, M. C. M.; SOUZA, I. M. A. (Orgs.). Experiência da doença e narrativa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. p. 171-85.). Para esses autores, ao narrar uma aflição, as pessoas buscam estabelecer pontes entre a “singularidade da experiência e a objetividade da linguagem” (p.173), por isso, o recurso metafórico permite dar concretude física à abstração da dor, que causa o “enrijecimento”, “endurecimento” ou a “diminuição” do nervo.
Não obstante, ao narrar a dor, atribuindo-lhe impacto e materialidade, busca-se reconhecer a aflição que ela causa e legitimá-la, tornando conhecida sua existência, mas também sua proporção e repercussão (PALMEIRA, 2015PALMEIRA, A. T. Experiência de enfermidade em pessoas com dor crônica atendidas em um serviço especializado de saúde. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, 2015. 212p. ): “de todo jeito dói, se você anda, dói, você fica parada, dói, eu estou sentada aqui, começa a queimar aqui também, a doer aqui” [Nicole].
Ao explicarem a origem ou as causas das reações, as mulheres conduzem uma (re)construção narrativa que as insere em contextos mais abrangentes. São estabelecidas conexões entre as reações e os momentos da vida que as antecederam, em que se destaca a debilidade do corpo, causada pela hanseníase, pela medicação ou por questões emocionais (estresse, depressão, baixa imunidade, tristeza) e questões sociais, como a intensa dedicação ao trabalho. Ou seja, eventos biológicos e não biológicos, cujas interpretações extrapolam aquelas oferecidas pelo saber biomédico, reforçando que o processo de adoecimento não se constitui como um fenômeno alheio à vida da pessoa (WILLIAMS, 1984WILLIAMS, G. The genesis of chronic illness: narrative re-construction. Sociology of Health and Illness, v. 6, n. 2, p. 175-200, 1984 ). Como pode-se notar:
Depressão sempre eu tenho, né [...] Quando vem muita coisa... Acho que a minha depressão, aí vem esses problema (sic) de pele também. Aí, cada hora vem uma coisa. Quando ataca a depressão, vem uma coisa de pele na minha vida, eu já notei isso, desde pequena [Nicole].
Aquele calorzão por dentro, né! Não estava bom para mim, nada estava bom para mim. E, graças a Deus, eu pensei que ia sair as bolinhas, mas não saiu, porque às vezes, de vez em quando saem, né! Quando eu fico emocionada demais [tristeza devido à separação conjugal]. Aí saem as bolinhas vermelhas, e não saiu, graças a Deus. Só fiquei mesmo com aquele calor [Vitória].
Essas compreensões aproximam-se da categoria de “nervoso”, descrita por Duarte (1986DUARTE, L. F. D. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1986. 290p.), por estarem muito ligadas aos aspectos emocionais. Para o autor, há uma inter-relação das dimensões corporal e social, que englobam um núcleo de sintomas físicos e morais decorrentes das perturbações da vida social expressas na corporalidade, integrados pela lógica relacional de pessoa, em contraste com a lógica individual. Algumas mulheres hesitam em endossar a explicação médica de que as reações vêm do tratamento, que deveria, na verdade, deixá-las curadas: “a reação, segundo os médicos falam, é dos remédios que começa a mexer com a doença” [Esmeralda].
Em síntese, as interpretações de causalidade das reações demonstram vários elementos que, sem excluir, vão além das explicações do modelo biomédico. Para as mulheres, o que estaria na origem das reações seriam eminentemente situações relacionadas ao sofrimento, podendo, inclusive, o adoecimento ser um deles. As situações de sofrimento, por sua vez, advêm de contexto maior, que funciona como marcador e delimitador com imprecisas fronteiras na experiência, em que “além de tudo”, ou “devido a tudo isso”, é que as reações aparecem.
Assim, os conceitos, significados e noções causais expressos se pautam nas sensibilidades da relação eu-mundo, cujas interpretações evidenciam seu enraizamento sociocultural, refletindo e refratando as contradições que comportam.
Um “tratamento que adoece”: contradições e ambiguidades diante das reações hansênicas
Um premente aspecto na experiência de adoecimento diz respeito à relação das pessoas com o tratamento dispensado pelos serviços de saúde, suas repercussões e as expectativas de cura, pois a terapêutica constitui um meio com esta finalidade.
No momento em que os dados desta pesquisa foram produzidos, algumas entrevistadas estavam em fase de tratamento de hanseníase e reações; outras já haviam terminado, permanecendo em contato com os serviços de saúde devido às reações. Esses tratamentos demandam assiduidade aos serviços de saúde, em torno de uma vez ao mês, quando não há períodos de crise aguda. Demandam, também, o consumo de diferentes medicamentos, fisioterapia, sapatos e palmilhas específicos para o acometimento neural nos pés e cuidados quanto à perda de sensibilidade (para evitar ferimentos).
Entre os medicamentos utilizados33O tratamento compõe duas drogas principais: 1) Prednisona - pode causar síndrome de supressão, quando há uma administração prolongada e suspensa abruptamente. Também pode ocasionar gastrite e ulceração, fraqueza muscular, nervosismo, insônia, osteoporose, obesidade, síndrome de Cushing (face de lua cheia), acne cortisônica - com lesões eritematopapulosas. 2) Talidomida - anti-inflamatório utilizado nos casos de eritema nodoso hansênico. Os principais efeitos adversos são sonolência, cefaleia, irritabilidade, aumento do apetite, vertigens, secura da mucosa nasal, urticárias, náusea, vômitos, constipação intestinal (GONÇALVES et al., 2006). para as reações estão os corticosteroides, cuja retirada brusca do organismo provoca efeitos colaterais como febre, indisposição, entre outros mais graves, o que exige uma diminuição gradativa da dosagem a fim de que o organismo se adapte aos poucos, processo referido pelas pacientes como “desmame”.44O “desmame” é referenciado pela literatura médica como síndrome de supressão (TALHARI et al., 2006).
A grande dificuldade relatada nestes casos é que, quando a dose da droga chega a níveis mínimos, as reações voltam a ocorrer, dando início ao tratamento com doses elevadas, em um ciclo que parece não ter fim. Além da dependência, essas drogas causam mudanças no corpo, como o aumento do peso, que faz com que as mulheres se sintam mal. Os casos são evidenciados nas falas a seguir:
Que assim, eu fico tomando o remédio e aí a doutora falou: “ah, já está bom, né! Tome talidomida dia sim e dia não”. Aí tá, vai fazer, vai tirando, vai cortando, vai tomando só meia. Aí, tá, aí eu já vejo, né! Que eu fico deitada, meio triste, aí começa: ah, estou com isso doendo. E aí já vai batendo febre, tudo, né? Agora assim, tomando direto, não acontece nada. É a talidomida e a prednisona [Vitória].
Eu sinto assim, parece que eu tô fofa assim, não tem? Sabe como que é uma coisa assim, que parece que tá que nem pó Royal® assim, de bolo? Pra afofar? Assim que eu sinto meu corpo [...] parece que eu tô leve assim, igual uma bola com ar [...] Eu tô me achando muito gorda e feia! [risos] Por causa da gordura. Principalmente o meu rosto, olha [...] Ah é assim como eu tô me sentindo assim, com o rostão grande, muito inchado [Luzia].
Eu gosto de ser bonitinha, gosto de ser notada. Não sou gorda, tinha o corpo bonitinho, e hoje eu não tenho nada bonitinho mais [acha graça]. Engordei demais, está tudo feio, para mim, entendeu? Que ligo mais, é isso aí, vixe! As minhas roupas nada serve mais em mim, nada, nada serve. Por isso que eu não quero tomar prednisona mais” [Renata].
As falas acima mostram a relevância da aparência para essas mulheres e se referem à forma como acreditam serem vistas socialmente. O aspecto físico do corpo assume relevância porque “as qualidades morais e físicas atribuídas ao homem ou à mulher não são inerentes a atributos corporais, mas à significação social que lhes damos e às normas de comportamento implicadas” (LE BRETON, 2010______. A sociologia do corpo. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2010. 102p., p. 68), de forma que a sociedade estabelece os parâmetros do que é belo e do que não é. De forma especial, destaca esse autor, o rosto é a parte do corpo que carrega os valores mais elevados e alude a uma identidade pessoal e única. Sendo assim, as marcas no rosto são vividas como uma privação da própria identidade, uma profunda marca no “eu”, que faz “a aparência física de si [...] valer socialmente pela apresentação moral (LE BRETON, 2010, p. 78).
É compreensível que, para os serviços de saúde, a maior preocupação seja com a função neural nos casos de reação, mas elas também causam grandes mudanças no corpo, provocadas não só pela doença, mas pelo tratamento, cuja importância é deixada em segundo plano. Para elas, o tratamento constitui problema na medida em que afeta a forma como se veem, processo que é acrescido e incorporado à situação estigmatizante causada pela hanseníase.55O aprofundamento sobre os impactos corporais, materiais e simbólicos causados pela hanseníase serão objeto de outro artigo com base nesta mesma pesquisa.
Para os acometimentos neurais, os serviços recomendam que elas usem sandálias ou sapatos com palmilhas adaptadas para restabelecer a posição ereta do pé e protegê-los de ferimentos externos, uma vez que a sensibilidade da pele é alterada pela hanseníase. Esses calçados não são fornecidos pela rede de saúde e chegam a custar R$ 300,00 (quase a metade do salário mínimo vigente com o qual vivem algumas entrevistadas), o que se torna também um obstáculo ao tratamento e ao cuidado integral às adoecidas.
Com relação ao que se espera do adoecimento por reações, uma premente questão é que as mulheres entrevistadas relataram saber que “a hanseníase tem cura”, informação amplamente divulgada pelos serviços de saúde, panfletos educativos etc., mas que não inclui possíveis complicações, como as reações, incapacidades, efeitos dos medicamentos (KELLY-SANTOS; RIBEIRO; MONTEIRO, 2012KELLY-SANTOS, A.; RIBEIRO, A. P. G.; MONTEIRO, S. Hanseníase e práticas da comunicação: estudo de recepção de materiais educativos em um serviço de saúde no Rio de Janeiro. Interface. Botucatu, v. 16, n. 40, p. 205-218, 2012. ). Tal informação é complexa e ambígua porque a hanseníase, como outros adoecimentos crônicos, requer cuidados diante das incertezas e ameaça de sequelas (BARSAGLINI, 2015BARSAGLINI, R. A. Adoecimentos crônicos, condições crônicas, sofrimentos e fragilidades sociais: algumas reflexões. In: CANESQUI, A. M. (Org.). Adoecimentos e sofrimentos de longa duração. São Paulo: Hucitec, 2015. ), uma vez que muitos sintomas persistem na vida cotidiana devido às reações. Neste sentido, as reações podem ser expressas pelo conceito de epifania, por constituírem-se marcadores do adoecimento (MELLEIRO; GUALDA, 2003MELLEIRO, M. M.; GUALDA, D. M. R. O método biográfico interpretativo na compreensão de experiências e expressões de gestantes usuárias de um serviço de saúde. Rev Escola de Enfermagem USP. São Paulo, v. 37, n. 4, p. 69-76, 2003. ), ao causarem, acentuarem ou exacerbarem alterações corporais e seus significados que incidem na vida das adoecidas.
Diante da intermitência de sintomas como a dor, as mulheres não se sentem “curadas” (mesmo que o fim do tratamento aponte a cura da hanseníase), mas fora do período de crise, descrito anteriormente. Assim, ter reações pode ser considerado “pior” do que ter hanseníase, uma vez que não é sempre possível prevê-las e controlá-las:
Já vai pra dois anos que eu terminei o tratamento e tá dando essa reação... E qualquer coisa com dois, três dias já aparece e já deixa você doente do mesmo jeito [...]É pior do que ela [silêncio]. Essa reação é assim, traiçoeira [Luzia].
Não sei [...] Eles falam que é a doença que você toma remédio pra doença e vem a reação, mas eu não sei” [risos] [Esmeralda].
Nota-se haver uma incerteza com relação aos acontecimentos futuros, característica dos adoecimentos crônicos (CANESQUI, 2007CANESQUI, A. M. Estudos antropológicos sobre os adoecidos crônicos. In: CANESQUI, A. M.(Org.). Olhares socioantropológicos sobre os adoecidos crônicos. São Paulo: Hucitec, 2007. p. 19-51.), permeada pela incoerência de um tratamento que deveria curar e não adoecer ainda mais. Por outro lado, espera-se poder alcançar uma condição com a qual seja possível viver com o mínimo de sofrimento, restabelecendo nova norma de vida (CANGUILHEM, 1990CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. 307p.), sem as dores causadas pelas reações: “Aí eu pensei comigo assim, ‘se Deus me deixar em pé, assim, de pé, andar, eu já estou ótima’ [...] Eu vou me acostumar a ficar assim” [Esmeralda].
Concorda-se que se a normalização de um estado crônico pode ser dada por um conjunto de ações e interpretações que possibilitam construir uma nova atitude natural frente às imposições que as situações exigem (ADAM; HERZLICH, 2001ADAM, P.; HERZLICH, C. Sociologia da doença e da medicina. São Paulo: EDUSC, 2001. 144p.). E, se a cronicidade é um processo de significar e ressignificar alterações na vida cotidiana, pensar as reações hansênicas a partir de critérios objetivos e definitivos, pautados pelo modelo biomédico, pode ser um retrocesso ao desenvolvimento de estratégias de cuidado (LIRA et al., 2004LIRA, G. V.; NATIONS, M. K.; CATRIB, A. M. F. Cronicidade e cuidados de saúde: o que a antropologia da saúde tem a nos ensinar. Texto Contexto Enfermagem. Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 147-155m, jan-mar 2004. ).
Assume-se que a “cura” pode não ser um retorno ao estado anterior, uma vez que as reações podem voltar, mesmo após o fim do tratamento; pode ser que o “desmame” implique reiniciar o tratamento, até que as reações cessem. Ou ainda, essas mulheres podem ficar com marcas, dormências e fraquezas permanentes, o que requer, em qualquer caso, outros sentidos à ideia de cura (BARSAGLINI, 2015BARSAGLINI, R. A. Adoecimentos crônicos, condições crônicas, sofrimentos e fragilidades sociais: algumas reflexões. In: CANESQUI, A. M. (Org.). Adoecimentos e sofrimentos de longa duração. São Paulo: Hucitec, 2015. ), baseados na reconstrução cotidiana, empreendida pelo trabalho e criatividade destas mulheres potentes para retomarem suas vidas.
As contradições e ambiguidades de um “tratamento que adoece mais” e que oscila enquanto meio e/ou fim podem advir do cotejamento dos saberes biomédico e do senso comum, que guardam significados e critérios classificatórios diferentes quanto às noções de saúde, doença, tratamento e cura. Os parâmetros técnicos têm seu lugar, mas não satisfazem as explicações dos acontecimentos encarnados, vividos no cotidiano que as interlocutoras destacam pelos relatos.
Considerações finais
Este trabalho sobre a experiência de mulheres com reações hansênicas, longe de esgotá-la, pretendeu evidenciar e dar visibilidade aos seus aspectos marcantes, e cujos estudos são escassos, necessários e de significativa complexidade.
Destaca-se que adoecer por reações causa alterações que repercutem na vida pessoal, familiar, conjugal e social das pacientes, porque são vividos de forma integrada pelas pessoas. Tanto é, como visto, que as compreensões sobre o conceito, a causalidade, o tratamento e as expectativas futuras interpenetram-se e, embora a análise se esforce em abstraí-las e organizá-las, percebe-se que as explicações se justapõem e se sobrepõem a todo momento.
Um aspecto que se destaca nas reações é o manejo da dor que, por se tratar de sensação, foge à racionalidade conceitual, mas é profundamente significativa para aquele que a sente, padece. Em estados em que a dor se faz presente amiúde (cronificada) e que se (con)funde com o próprio adoecimento, como no caso das reações hansênicas, é fundamental promover espaços de cuidado, expressão e discussão. A dor tem ligação imediata com o que se sente/vive, o que torna problemática sua representação objetiva, podendo ser deslegitimada pelos saberes assentes neste princípio, causando ou amplificando angústia e sofrimento aos adoecidos.
A compreensão da causa pressupõe o reconhecimento do adoecimento e o lugar significativo que ele ocupa para as pessoas que o experimentam e para as quais o diagnóstico médico, tradicionalmente, tem se mostrado limitado, ainda que sob o rótulo da etiologia “multifatorial”. Mais do que fatores estanques e estáticos, a causalidade enreda-se em uma história que dá sentido ao que acontece na vida e, neste processo, não recusa as explicações da racionalidade biomédica, mas as reinterpreta numa pluralidade integradora.
Dificuldades no acesso ao diagnóstico e ao tratamento não seriam esperadas quando o adoecimento por hanseníase apresenta tão altos índices no estado de Mato Grosso. Por isso, questionam-se quais aspectos contribuem para manter uma doença invisível e negligenciada, por ser evidente que não há somente um fator que explique esse problema. Reitera-se que “mais adequado é entender que não seria a doença negligenciada, mas pessoas com pertencimentos àqueles segmentos histórica e socialmente fragilizados, politicamente enfraquecidos e culturalmente discriminados” (BARSAGLINI; PAZ; LEMOS, 2015BARSAGLINI, R. A. Adoecimentos crônicos, condições crônicas, sofrimentos e fragilidades sociais: algumas reflexões. In: CANESQUI, A. M. (Org.). Adoecimentos e sofrimentos de longa duração. São Paulo: Hucitec, 2015. , p. 196).
Há premente necessidade em considerar e analisar a cronicidade envolvida na hanseníase e nas reações hansênicas, porque, embora haja uma previsão clínica de alta por cura para a primeira, dor no corpo, dormência, fraqueza nos nervos e outros, nas segundas, perpetuam a condição e a experiência de adoecimento. A experiência traz marcas de travessias íntimas e privadas, mas também é atravessada pelas contradições da coletividade da qual a pessoa faz parte, ao passo que recursivamente pode deixar ali suas marcas.
Aos trabalhadores da saúde é oportuno empenhar-se no apoio e na participação na produção partilhada de um novo modo de andar a vida, reconhecendo a legitimidade daqueles que sentem na pele o que lhes passa na existência mundana. Para tanto, é preciso refinar o olhar, o toque e a escuta a fim de compreender o idioma do adoecimento, interseccionado e forjado, em meio às heranças históricas das desigualdades que atravessam a sociedade, marcam biografias e reverberam, de alguma forma, na experiência.66L. M de Ávila e Silva coletou, organizou e analisou os dados da pesquisa, redigiu e revisou o artigo. R. A Barsaglini interpretou os dados da pesquisa, redigiu e revisou o artigo.
Agradecimentos
Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, que colaborou com o financiamento deste estudo por meio do edital Programa Nacional de Pós-doutorado da Capes - PNPD/2011 Processo nº 23038.007708/2011 Concessão Institucional, vigência 2012-2014, com Cadastro Propeq/UFMT - nº 173/CAP/2012; desenvolvido junto ao Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso.
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- 1Em 12 de maio de 2015, foi veiculada em site jornalístico a notícia de que o contrato da Prefeitura de Cuiabá com a empresa fornecedora de água não prevê seu acesso universal. Disponível em: <http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2015/05/cab-alega-que-contrato-nao-preve-universalizacao-da-agua-em-cuiaba.html>.
- 2O diagnóstico é clínico, baseado nas alterações cutâneomucosas e neurais decorrentes da reação imunológica à infecção. De forma complementar, podem ser realizados exame baciloscópico, que consiste na retirada de material dos lóbulos auriculares, cotovelos, áreas infiltradas ou lesões cutâneas; ou biópsia, em casos de difícil diagnóstico, em que é coletada parte da lesão na pele, passível de mudanças estruturais nas células que apontam a presença do bacilo de Hansen (TALHARI et al., 2006).
- 3O tratamento compõe duas drogas principais: 1) Prednisona - pode causar síndrome de supressão, quando há uma administração prolongada e suspensa abruptamente. Também pode ocasionar gastrite e ulceração, fraqueza muscular, nervosismo, insônia, osteoporose, obesidade, síndrome de Cushing (face de lua cheia), acne cortisônica - com lesões eritematopapulosas. 2) Talidomida - anti-inflamatório utilizado nos casos de eritema nodoso hansênico. Os principais efeitos adversos são sonolência, cefaleia, irritabilidade, aumento do apetite, vertigens, secura da mucosa nasal, urticárias, náusea, vômitos, constipação intestinal (GONÇALVES et al., 2006).
- 4O “desmame” é referenciado pela literatura médica como síndrome de supressão (TALHARI et al., 2006).
- 5O aprofundamento sobre os impactos corporais, materiais e simbólicos causados pela hanseníase serão objeto de outro artigo com base nesta mesma pesquisa.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
25 Fev 2019
Histórico
- Recebido
14 Jun 2017 - Revisado
28 Set 2018 - Aceito
08 Out 2018