Desabastecimento de medicamentos na literatura científica da saúde: uma revisão narrativa

Medicines shortage in medical scientific journals: a literature review

Luisa Arueira Chaves Gabriela Costa Chaves Mariani Nunes Sadock Vianna Maria Auxiliadora Oliveira Sobre os autores

Resumo

O desabastecimento de medicamentos já é considerado um problema de saúde pública e representa um obstáculo importante para a garantia do acesso a eles e, consequentemente, do direito à saúde. Sendo assim, com o intuito de compreender melhor esse fenômeno, este artigo buscou identificar, descrever e caracterizar as publicações científicas da saúde que versam sobre o tema de desabastecimento de medicamentos e identificar as lacunas de pesquisa. Para tanto, realizou-se revisão narrativa da literatura científica na base de dados PubMed. Os resultados foram selecionados de acordo com o título e resumo, e os dados foram extraídos do texto completo. Além de uma análise quantitativa, também foi realizada uma síntese qualitativa dos estudos, explicitando as principais causas, estratégias de enfrentamento, discussões conceituais e a descrição do problema contido nas publicações incluídas. Foram analisados 98 artigos, a maioria foi publicada a partir do ano de 2011, nos EUA, citando diversos medicamentos e com o foco na descrição do problema. Os resultados deste estudo sugerem a contemporaneidade do problema, o uso da literatura científica como denúncia e a falta de estudos sobre o tema em países de baixa e média renda e que se voltem a compreender suas causas.

Palavras-chave:
preparações farmacêuticas; revisão; acesso aos serviços de saúde

Abstract

The shortage of medicines is already considered a public health problem that affects several regions worlwide and is a major obstacle to ensure access to medicines and, consequently, the right to health. Thus, in order to better understand this phenomenon, this article sought to identify, describe and characterize the medical scientific publications that deal with the issue of medicines shortages and to identify the gaps on this theme. For that, a narrative review of the medical scientific literature was carried out in the PubMed database. The results were selected according to the title and abstract, and the data were extracted from the full text. In addition to quantitative analysis, a qualitative synthesis of the studies was also performed, identifying the mentioned causes, coping strategies, conceptual discussions and problem description. We analyzed 98 papers, most of them published since the year 2011, in the United States, citing various drugs and with a focus on describing the problem. The results of this study suggest the contemporaneous of the problem, the use of scientific literature as drug shortages denunciation, the lack of studies in low- and middle-income settings, and a gap in studies that investigates the causes of medicines shortages.

Keywords:
pharmaceutical preparations; review; health services accessibility

Introdução

Em 2016, a falta do medicamento penicilina cristalina foi tema dos principais jornais brasileiros (BOM DIA BRASIL, 2016; MARTINS, 2016MARTINS, T. Falta de matéria-prima compromete tratamento de sífilis congênita no Brasil. Rio de Janeiro, 30 jun. 2016. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2016/06/30/falta-de-materia-prima-compromete-tratamento-de-sifilis-congenita-no-brasil.htm>.
https://noticias.uol.com.br/saude/ultima...
). Este medicamento é um dos principais tratamentos para sífilis em gestantes e neonatos e sua falta apresentou efeitos importantes no controle e tratamento dessa doença (BRASIL, 2015). Este problema, no entanto, não está limitado a um medicamento, tampouco a um grupo específico de medicamentos ou ao cenário nacional.

Ele tem transcendido fronteiras nacionais e já vem sendo debatido em arenas internacionais, sendo tema de discussão da Assembleia Mundial da Saúde (AMS) de 2016 (WHO, 2016a) e de reuniões do Conselho Executivo em 2015, 2017 e 2018 (WHO, 2015; 2017; 2018). As discussões no âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS) significam, portanto, que o desabastecimento de medicamentos tornou-se um problema de amplitude mundial.

Considerando que a falta do medicamento no ponto da dispensação decorrente do desabastecimento diferencia-se da baixa disponibilidade por conta de financiamento insuficiente e/ou problemas da gestão local da assistência farmacêutica, é necessário definir o conceito de desabastecimento. O dicionário define desabastecimento como “Ato ou efeito de eliminar o fornecimento de algo”; ou, ainda, “Falta de produtos no mercado” (MICHAELIS, [s.d.]). A OMS, por outro lado, diferencia “shortage” de “stock out” e conceitua desabastecimento tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado da oferta. Segundo esta definição, desabastecimento (“shortage”), pelo lado da oferta, seria quando a produção é insuficiente para atender à demanda da população. Convém ressaltar que só vale para produtos que já estejam aprovados e registrados. Já o desabastecimento pelo lado da demanda (“shortage”) refere-se a um aumento abrupto da demanda, resultando em indisponibilidade no ponto de dispensação (WHO, 2016b).

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceituou descontinuação temporária e definitiva de produção ou importação de medicamentos (BRASIL, 2014b). Na prática, esta definição considera a iminência de desabastecimento a partir do potencial de descontinuação, e não a falta propriamente dita. Desta forma, pode-se dizer que não foi encontrada uma definição oficial para desabastecimento. O que se sabe é que quando ocorre um desabastecimento de medicamentos, tem-se como consequência disponibilidade baixa ou indisponibilidade total nos pontos de dispensação, podendo comprometer, portanto, o cuidado em saúde. Considerando que a disponibilidade é uma das dimensões do acesso a medicamentos (FROST; REICH, 2008FROST, L. J.; REICH, M. Access: how do good health technologies get to poor people in poor countries? Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2008. ), pode-se dizer que o desabastecimento de medicamentos é um de seus obstáculos, afetando diretamente este acesso.

O desabastecimento é, portanto, um dos obstáculos para o acesso a medicamentos que necessitam de novas estratégias de enfrentamento para a garantia do direito à saúde das populações. Em um momento no qual se comemoram os grandes avanços da ciência e novas entidades moleculares capazes de tratar diversas patologias, chama a atenção que os medicamentos que já existem e que são consagrados na assistência à saúde estão, literalmente, sumindo do mercado (GEHRETT, 2012GEHRETT, B. K. A prescription for drug shortages. JAMA, v. 307, n. 2, p. 153-154, 2012. ). Adicionalmente, para o campo do acesso a medicamentos, este problema traz a necessidade de se pensar em novas formas de análise e de atuação, uma vez que a garantia do financiamento, os sistemas de informação, a capacitação de recursos humanos e os sistemas logísticos eficientes não parecem ser suficientes para o enfrentamento desta situação.

Este artigo tem por objetivo identificar, descrever e caracterizar as publicações científicas da área biomédica que versam sobre o tema de desabastecimento de produtos farmacêuticos e identificar as lacunas sobre o tema na literatura científica.

Método

Este é um estudo de revisão narrativa com o tema de desabastecimento de produtos farmacêuticos. Foi escolhida a revisão narrativa como método no intuito de mapear a literatura indexada em bases científicas sobre o tema, propiciando, portanto, realizar uma revisão ampliada sobre o tema e identificar o “estado da arte” da literatura e suas lacunas (CORDEIRO et al., 2007CORDEIRO, A. M. et al. Systematic review: a narrative review. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 34, n. 6, p. 428-431, dez. 2007. ).

Sendo assim, realizou-se busca no PubMed no dia 27 de maio de 2016, com a seguinte chave de busca: (drug[Title/Abstract] AND shortage[Title/Abstract]). Os resultados foram exportados para o software de gerenciamento bibliográfico Zotero. O PubMed foi escolhido por ser a principal base de dados da área da saúde.

A bibliografia exportada para o software foi inicialmente selecionada pela leitura do título e resumo com o intuito de retirar os itens que não versavam sobre o tema do desabastecimento. Após essa seleção, foram buscadas, via Periódicos Capes, o texto completo dos artigos selecionados. Os itens para os quais não houve acesso ao texto completo foram excluídos desta revisão.

Os textos completos recuperados foram lidos e extraídas em planilha do Libreoffice as seguintes informações: ano de publicação, objetivo e país de realização do estudo, método, medicamento(s) citado(s) como casos de desabastecimento, principais resultados e conclusões. Quando o artigo era editorial, carta ao editor, comentário, ou seja, não era um estudo com o uso de dados empíricos, esta caracterização foi registrada no campo de “método”. Ainda, ao longo da fase de seleção, foi possível perceber que se podia classificar os artigos segundo seu foco principal, permitindo relacioná-los às seguintes categorias: consequência, causa do desabastecimento, estratégias de enfrentamento frente a esta situação ou discussão conceitual do problema. Embora um mesmo artigo possa abranger mais de uma dessas dimensões, eles foram classificados em apenas uma dimensão, de acordo com seu foco principal. Tal decisão foi tomada baseada, principalmente, no título e no objetivo do estudo.

As referências retidas foram descritas de maneira quantitativa obtendo frequências de acordo com o ano de publicação, país de realização, produtos para a saúde citados e foco principal. Ademais, os medicamentos citados nos estudos retidos foram categorizados até o nível 2 da classificação ATC (Anatomical Therapeutic Chemical) da OMS (WHO COLLABORATING CENTRE FOR DRUG STATISTICS METHODOLOGY, 2012). Foi realizada, também, uma descrição dos estudos incluídos, buscando relatar seus principais resultados e conclusões.

Resultados

A busca resultou em 791 itens, dos quais foram selecionados 151 após a leitura do título e, caso fosse necessário, resumo dos mesmos. Após a busca pelo texto completo, restaram 98 itens. A árvore da busca e seleção com o detalhamento dessas etapas está ilustrada pela figura 1.

Figura 1
Árvore de busca

O gráfico 1 apresenta os artigos por ano de publicação. Percebe-se que o número de publicações neste campo é recente, com a grande maioria concentrada nos últimos seis anos (2011-2015). É importante ressaltar que o dado referente a 2016 não representa a totalidade dos artigos publicados nesse ano, e sim aqueles indexados na base de dados até a data da busca (27/05/2016).

Gráfico 1
Número de itens por ano de publicação

Em relação ao país no qual o estudo foi realizado, a maioria está concentrada nos EUA e, principalmente, nos países de alta renda (gráfico 2).

Gráfico 2
Número de itens por país foco da publicação

A tabela 1 demonstra os produtos para a saúde citados nas publicações retidas. Há uma clara predominância de artigos que abordam diversos medicamentos, sem focar em uma classe ou medicamento específico. Considerando o código ATC, a classe mais citada (L) refere-se a agentes antineoplásicos e imunomoduladores, sendo o antineoplásico (L01) o mais citado dentro da classe. Aproximadamente 12% dos medicamentos citados referem-se a substâncias que atuam no sangue e órgãos hematopoiéticos (B) e sistema nervoso (N). Dentro da classe B, os agentes que atuam como substitutos do sangue e soluções de perfusão (B05) são os principais medicamentos citados nas referências, principalmente quanto à nutrição parenteral e seus componentes. Na classe N, a distribuição não é tão concentrada em uma subclasse como na B; no entanto, é possível observar uma prevalência dos anestésicos (N01) como os medicamentos mais citados. Vale ressaltar o grande número de citações relacionadas a medicamentos oncológicos para a população pediátrica e injetáveis em geral.

Tabela 1
Frequência simples dos medicamentos citados nas publicações incluídas na revisão segundo seu código ATC/OMS

Observam-se as diferenças nas abordagens adotadas. Há uma predominância de artigos que apresentam a descrição do desabastecimento, suas consequências e estratégias de enfrentamento; entretanto, são poucos os artigos que discutem as causas do desabastecimento ou até mesmo façam uma discussão conceitual do tema (Tabela 2). Importante ressaltar, também, o grande número de publicações (27) que são notas, cartas ao editor, comentários, artigos de opinião, comunicação, entre outros.

Tabela 2
Número de publicações por abordagem

Das 40 publicações que focaram na descrição do desabastecimento, metade foi composta de comunicações, editoriais, artigos de opinião, entre outras, que, em geral, clamam por ações para sua solução, comunicam o desabastecimento ou propõem alternativas terapêuticas para substituição ao item desabastecido (ALSPACH, 2012bALSPACH, J. G. Is the drug shortage affecting patient care in your critical care unit? Critical Care Nurse, v. 32, n. 1, p. 8-13, fev. 2012b. ; BUTLER, 2013BUTLER, D. Iran hit by drug shortage. Nature, v. 504, n. 7478, p. 15-16, 5 dez. 2013. ; CARTER, 2011CARTER, D. Drug shortage crisis affects patients and nurses. The American Journal of Nursing, v. 111, n. 11, p. 14, nov. 2011. ; CDC, 2013; DAL MORO, 2013DAL MORO, F. BCG shortage in Europe. Preventive Medicine, v. 57, n. 2, p. 146, ago. 2013. ; ELZAWAWY; KERR, 2013ELZAWAWY, A. M.; KERR, D. J. Variation in the availability of cancer drug generics in the United States of America. Annals of oncology: official journal of the European Society for Medical Oncology, v. 24, suppl. 5, p. v17-22, set. 2013. ; FDA, 1993; FOX; TYLER, 2013FOX, E. R.; TYLER, L. S. Call to action: finding solutions for the drug shortage crisis in the United States. Clinical Pharmacology and Therapeutics, v. 93, n. 2, p. 145-147, fev. 2013. ; GOMELLA, 2012GOMELLA, L. G. Can anyone spare a little indigo carmine? The drug shortage crisis. The Canadian Journal of Urology, v. 19, n. 3, p. 6238, jun. 2012. ; KAPOSY, 2014KAPOSY, C. Drugs, money, and power: the Canadian drug shortage. Journal of Bioethical Inquiry, v. 11, n. 1, p. 85-89, mar. 2014. ; MAYER, 2012MAYER, D. K. Anatomy of a drug shortage. Clinical Journal of Oncology Nursing, v. 16, n. 2, p. 107-108, abr. 2012. ; MIRTALLO, 2011MIRTALLO, J. M. The drug shortage crisis. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 35, n. 4, p. 433, Jul. 2011. ; MORRISON, 1995MORRISON, G. Malaria prophylaxis. 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Morbidity and Mortality Weekly Report, v. 62, p. 1014-1015, 13 dez. 2013. ; WENZEL, 2015WENZEL, R. Drug Shortages and Tipping Points. Headache: The Journal of Head and Face Pain, v. 55, n. 9, p. 1294-1295, out. 2015. ). As demais ressaltam a gravidade do problema, demonstrando que o mesmo é crescente ao longo dos últimos anos e já faz parte do cotidiano dos profissionais de saúde, e relatam casos em unidades de saúde e seus impactos na saúde dos pacientes (ALSPACH, 2012a; BAUTERS et al., 2015BAUTERS, T. et al. Chemotherapy drug shortages in paediatric oncology: A 14-year single-centre experience in Belgium. Journal of Oncology Pharmacy Practice, p. 1078155215610915, 6 out. 2015. ; CHOMBA et al., 2010CHOMBA, E. N. et al. The current availability of antiepileptic drugs in Zambia: implications for the ILAE/WHO “Out of the shadows” campaign. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v. 83, n. 3, p. 571-574, set. 2010. ; COSTELLOE et al., 2015COSTELLOE, E. M. et al. An audit of drug shortages in a community pharmacy practice. Irish Journal of Medical Science (1971 -), v. 184, n. 2, p. 435-440, jun. 2015. ; GHOLAMI et al., 2012GHOLAMI, K. et al. Three Years Evaluation of Drug Shortages from Educational Pharmacies in Tehran. Iranian Journal of Pharmaceutical Research, v. 11, n. 2, p. 565-572, 2012. ; GUNDLAPALLI et al., 2013GUNDLAPALLI, A. V. et al. Perspectives and concerns regarding antimicrobial agent shortages among infectious disease specialists. Diagnostic Microbiology and Infectious Disease, v. 75, n. 3, p. 256-259, mar. 2013. ; HAWLEY et al., 2016HAWLEY, K. L. et al. Longitudinal trends in U.S. drug shortages for medications used in emergency departments (2001-2014). Academic Emergency Medicine, v. 23, n. 1, p. 63-69, jan. 2016. ; HVISDAS et al., 2013HVISDAS, C. et al. US Propofol drug shortages: a review of the problem and stakeholder analysis. American Health & Drug Benefits, v. 6, n. 4, p. 171-175, 2013. ; KAFANTARIS, 2012KAFANTARIS, A. 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Copper and zinc deficiency in a patient receiving long-term parenteral nutrition during a shortage of parenteral trace element products. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 39, n. 8, p. 986-989, 1 nov. 2015. ; PAUWELS et al., 2014PAUWELS, K. et al. Drug shortages in European countries: a trade-off between market attractiveness and cost containment? BMC health services research, v. 14, p. 438, 2014. , 2015; QUADRI et al., 2015QUADRI, F. et al. Antibacterial drug shortages from 2001 to 2013: implications for clinical practice. Clinical Infectious Diseases, v. 60, n. 12, p. 1737-1742, 15 Jun. 2015. ; REED et al., 2016REED, B. N. et al. The impact of drug shortages on patients with cardiovascular disease: causes, consequences, and a call to action. American Heart Journal, v. 175, p. 130-141, May 2016. ; VENTOLA, 2011VENTOLA, C. L. The drug shortage crisis in the United States: causes, impact, and management strategies. Peer-Reviewed Journal for Formulary Management, v. 36, n. 11, p. 740-757, Nov. 2011. ).

As publicações com foco nas consequências do desabastecimento, diferentemente das pertencentes às demais categorias, são em sua maioria estudos empíricos, com apenas uma exceção (RUKTANONCHAI et al., 2014RUKTANONCHAI, D. et al. Zinc deficiency-associated dermatitis in infants during a nationwide shortage of injectable zinc - Washington, DC, and Houston, Texas, 2012-2013. Morbidity and mortality weekly report, v. 63, n. 2, p. 35-37, 17 Jan. 2014. ).11Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos (EUA) sobre eventos adversos na falta de um suplemento de zinco. São citadas como consequências: a substituição para terapias menos eficazes e mais tóxicas aos pacientes (BECKER et al., 2013BECKER, D. J. et al. Impact of oncology drug shortages on patient therapy: unplanned treatment changes. Journal of Oncology Practice, v. 9, n. 4, p. e122-128, jul. 2013. ; KEHL et al., 2015KEHL, K. L. et al. Oncologists’ experiences with drug shortages. Journal of Oncology Practice, v. 11, n. 2, p. e154-162, mar. 2015. ; KOSAREK et al., 2011KOSAREK, L. et al. Increase in venous complications associated with etomidate use during a propofol shortage: an example of clinically important adverse effects related to drug substitution. The Ochsner Journal, v. 11, n. 2, p. 143-146, 2011. ); maiores custos (BIBLE et al., 2014BIBLE, J. R. et al. Impact of drug shortages on patients receiving parenteral nutrition after laparotomy. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 38, n. 2, supl., p. 65S-71S, nov. 2014. ; DORSEY et al., 2009DORSEY, E. R. et al. Selegiline shortage: Causes and costs of a generic drug shortage. Neurology, v. 73, n. 3, p. 213-217, 21 jul. 2009. ; HAVRILESKY et al., 2012HAVRILESKY, L. J. et al. Economic impact of paclitaxel shortage in patients with newly diagnosed ovarian cancer. Gynecologic Oncology, v. 125, n. 3, p. 631-634, jun. 2012. ; HAYES et al., 2014HAYES, M. S. et al. Lessons from the leucovorin shortages between 2009 and 2012 in a medicare advantage population: where do we go from here? American Health & Drug Benefits, v. 7, n. 5, p. 264-270, ago. 2014. ; McLAUGHLIN et al., 2013; RALLS et al., 2012RALLS, M. W. et al. Drug shortage-associated increase in catheter-related blood stream infection in children. Pediatrics, v. 130, n. 5, p. e1369-1373, Nov. 2012. ); piora de parâmetros bioquímicos (CORRIGAN; KIRBY, 2012CORRIGAN, M.; KIRBY, D. F. Impact of a national shortage of sterile ethanol on a home parenteral nutrition practice: a case series. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 36, n. 4, p. 476-480, jul. 2012. ; DAVIS; JAVID; HORSLEN, 2014DAVIS, C.; JAVID, P. J.; HORSLEN, S. Selenium deficiency in pediatric patients with intestinal failure as a consequence of drug shortage. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 38, n. 1, p. 115-118, jan. 2014. ; PRAMYOTHIN et al., 2013PRAMYOTHIN, P. et al. Anemia and leukopenia in a long-term parenteral nutrition patient during a shortage of parenteral trace element products in the United States. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 37, n. 3, p. 425-429, Jun. 2013. ); atraso em ensaios clínicos (SALAZAR et al., 2015SALAZAR, E. G. et al. The impact of chemotherapy shortages on COG and local clinical trials: A report from the Children’s Oncology Group: COG Chemotherapy Shortage Study. Pediatric Blood & Cancer, v. 62, n. 6, p. 940-944, Jun. 2015. ) e aumento na taxa de eventos adversos (HALL et al., 2013HALL, R. et al. Drug shortages in Canadian anesthesia: a national survey. Canadian Journal of Anaesthesia, v. 60, n. 6, p. 539-551, jun. 2013. ; HOLCOMBE, 2012HOLCOMBE, B. Parenteral nutrition product shortages: impact on safety. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 36, n. 2, suppl, p. 44S-47S, mar. 2012. ; McLAUGHLIN et al., 2013; SHETH et al., 2005SHETH, H. S. et al. Promethazine adverse events after implementation of a medication shortage interchange. The Annals of Pharmacotherapy, v. 39, n. 2, p. 255-261, Feb. 2005. ; WUERZ; BOW; SEFTEL, 2013WUERZ, T. C.; BOW, E. J.; SEFTEL, M. D. Potential consequences of essential drug shortages in Canada: Brain abscess due to Nocardia farcinica associated with dapsone prophylaxis for Pneumocystis jirovecii pneumonia. The Canadian Journal of Infectious Diseases & Medical Microbiology, v. 24, n. 3, p. 159-161, 2013. ); e piores desfechos clínicos devido à suspensão da terapia (RUKTANONCHAI et al., 2014). Em contraste com esses resultados, oito artigos não encontraram diferenças importantes ou, inclusive, observaram melhores desfechos clínicos de pacientes na suspensão do tratamento ou redução da dose da terapia (DEROMA et al., 2012DEROMA, L. et al. Did the temporary shortage in supply of imiglucerase have clinical consequences? Retrospective observational study on 34 italian Gaucher type I patients. JIMD reports, v. 7, p. 117-122, 2012. ; GOLDBLATT et al., 2011GOLDBLATT, J. et al. Enzyme replacement therapy “drug holiday”: Results from an unexpected shortage of an orphan drug supply in Australia. Blood Cells, Molecules and Diseases, v. 46, n. 1, p. 107-110, jan. 2011. ; HUGHES; GOSWAMI; MORRIS, 2015HUGHES, K. M.; GOSWAMI, E. S.; MORRIS, J. L. Impact of a Drug Shortage on Medication Errors and Clinical Outcomes in the Pediatric Intensive Care Unit. The Journal of Pediatric Pharmacology and Therapeutics, v. 20, n. 6, p. 453-461, 2015. ; ROBERTS et al., 2012ROBERTS, R. et al. Impact of a national propofol shortage on duration of mechanical ventilation at an academic medical center*. Critical Care Medicine, v. 40, n. 2, p. 406-411, Feb. 2012. ; STOREY et al., 2016STOREY, M. A. et al. Evaluation of parenteral nutrition errors in an era of drug shortages. Nutrition in Clinical Practice, v. 31, n. 2, p. 211-217, 1 abr. 2016. ; THOMA et al., 2014THOMA, B. N. et al. Clinical and economic impact of substituting dexmedetomidine for propofol due to a US Drug Shortage: Examination of Coronary Artery Bypass Graft Patients at an Urban Medical Centre. PharmacoEconomics, v. 32, n. 2, p. 149-157, 1 Feb. 2014. ; TOLIA et al., 2014TOLIA, V. N. et al. The Effect of the National Shortage of Vitamin A on Death or Chronic Lung Disease in Extremely Low-Birth-Weight Infants. JAMA Pediatrics, v. 168, n. 11, p. 1039, 1 Nov. 2014. ). Um achado interessante foi o de Liang e Mackey (2012LIANG, B. A.; MACKEY, T. K. Online Availability and Safety of Drugs in Shortage: A Descriptive Study of Internet Vendor Characteristics. Journal of Medical Internet Research, v. 14, n. 1, p. e27, 9 fev. 2012. ), que encontraram os medicamentos que estavam em falta sendo vendidos na internet a preços exorbitantes, sustentando a afirmação de que o desabastecimento fomenta um mercado paralelo de vendas desses medicamentos.

As publicações que trataram das estratégias de enfrentamento relataram casos nos quais as mesmas foram empregadas; apresentaram também consenso de especialistas sobre o manejo do desabastecimento, mostraram as percepções dos profissionais quanto às ações necessárias ou, nos casos dos editorais e comentários, advogaram por determinadas ações para o manejo do desabastecimento (BARLAS, 2013BARLAS, S. FDA Strategies to prevent and respond to drug shortages. Pharmacy and Therapeutics, v. 38, n. 5, p. 261-263, maio 2013. ; 2014; CDC, 2007; EGGERTSON, 2011EGGERTSON, L. Drug shortage registry under discussion. Canadian Medical Association Journal, v. 183, n. 10, p. E637-E638, 12 jul. 2011. ; SIRRS, 2011SIRRS, S. The Fabrazyme shortage: a call to action for metabolic physicians. Molecular Genetics and Metabolism, v. 102, n. 1, p. 4-5, jan. 2011. ; VOGEL, 2012VOGEL, L. Online drug shortage registry limited in application. Canadian Medical Association Journal, v. 184, n. 3, p. E165-E166, 21 fev. 2012. ). As principais estratégias de enfrentamento citadas são incentivos fiscais e sanitários às empresas em troca de produção continuada e alteração do sistema de fiscalização (SCHWEITZER, 2013SCHWEITZER, S. O. How the US Food and Drug Administration Can Solve the Prescription Drug Shortage Problem. American Journal of Public Health, v. 103, n. 5, p. e10-e14, May 2013. ); garantia de informação para prescritores, pacientes e farmácia sobre o desabastecimento (HSIA et al., 2015HSIA, I. K.-H. et al. Survey of the national drug shortage effect on anesthesia and patient safety: a patient perspective. Anesthesia & Analgesia, v. 121, n. 2, p. 502-506, ago. 2015. ; MIRTALLO et al., 2012MIRTALLO, J. M. et al. Parenteral nutrition product shortages The A.S.P.E.N. Strategy. Nutrition in Clinical Practice, v. 27, n. 3, p. 385-391, 1 Jun. 2012. ); garantia de um estoque de emergência de medicamentos críticos (PETER, 2006PETER, G. Tailoring the Strategies to Specific Shortages: Pneumococcal Conjugate Vaccine. Clinical Infectious Diseases, v. 42, n. suppl. 3, p. S138-S140, 3 Jan. 2006. ); elaboração de um plano de ação para casos de desabastecimento, elencando prioridades de atendimento, estratégias de gestão e possíveis alternativas terapêuticas (BECK et al., 2015BECK, J. C. et al. An ethical framework for responding to drug shortages in pediatric oncology: Ethical Framework for Drug Shortages. Pediatric Blood & Cancer, v. 62, n. 6, p. 931-934, jun. 2015. ; DECAMP et al., 2014Chemotherapy Drug Shortages in Pediatric Oncology: A Consensus Statement DECAMP, M. et al. Chemotherapy Drug Shortages in Pediatric Oncology: A Consensus Statement. Pediatrics, v. 133, n. 3, p. e716-e724, mar. 2014. ; KRISL; FORTIER; TABER, 2013KRISL, J. C.; FORTIER, C. R.; TABER, D. J. Disruptions in the Supply of Medications Used in Transplantation: Implications and Management Strategies for the Transplant Clinician: Critical Drug Shortages in Solid Organ Transplant. American Journal of Transplantation, v. 13, n. 1, p. 20-30, jan. 2013. ; PLOGSTED et al., 2016aPLOGSTED, S. et al. Parenteral nutrition electrolyte and mineral product shortage considerations. Nutrition in Clinical Practice, v. 31, n. 1, p. 132-134, 1 Feb. 2016a. , 2016b; SINGLETON et al., 2013SINGLETON, R. et al. From framework to the frontline: designing a structure and process for drug supply shortage planning. Healthcare Management Forum, v. 26, n. 1, p. 41-45, Apr. 2013. ; VALGUS et al., 2013VALGUS, J. et al. Ethical challenges: managing oncology drug shortages. Journal of Oncology Practice, v. 9, n. 2, p. e21-e23, mar. 2013. ); uso de alternativas terapêuticas, mesmo que sejam off-label (BERTHE-AUCEJO et al., 2014BERTHE-AUCEJO, A. et al. Traitement de la gale et rupture d’Ascabiol® : quid de la population pédiatrique ? Gale chez l’enfant et rupture d’Ascabiol®. Archives de Pédiatrie, v. 21, n. 6, p. 670-675, jun. 2014. ; LEMOS; WAIGNEIN; HAAN, 2016LEMOS, M. L. de; WAIGNEIN, S.; HAAN, M. DE. Evidence-based practice in times of drug shortage. Journal of Oncology Pharmacy Practice, v. 22, n. 3, p. 566-570, 1 jun. 2016. ); estabelecimento de parceria com as empresas (JENSEN; THROCKMORTON, 2015JENSEN, V.; THROCKMORTON, D. C. Shortage of peritoneal dialysis solution and the Food and Drug Administration’s response. Clinical Journal of the American Society of Nephrology, v. 10, n. 8, p. 1484-1486, 8 jul. 2015. ); contratação de farmacêuticos especificamente para monitorar os estoques e manejar situações de desabastecimento (CAULDER et al., 2015CAULDER, C. R. et al. Impact of Drug Shortages on Health System Pharmacies in the Southeastern United States. Hospital Pharmacy, v. 50, n. 4, p. 279-286, abr. 2015. ); treinamento de profissionais de saúde (EGGERTSON, 2011; JAGSI et al., 2014JAGSI, R. et al. Ethical considerations for the clinical oncologist in an era of oncology drug shortages. The Oncologist, v. 19, n. 2, p. 186-192, fev. 2014. ); discussão sobre o uso de medicamentos vencidos em casos críticos (LEMOS et al., 2012); uso de sistemas de informação para monitoramento dos eventos adversos decorrentes do desabastecimento (McLAUGHLIN et al., 2014); e uso de técnicas alternativas de infusão para redução da dose necessária (McHUGH; IBINSON, 2013; PARBHOO et al., 2014PARBHOO, R. K. et al. Innovative approach to preparing radial artery cocktails in response to manufacturer shortages of nitroglycerin and verapamil. Hospital Pharmacy, v. 49, n. 7, p. 628-633, Jul. 2014. ).

Dos três artigos que focaram nas causas do fenômeno, dois (LUFESI; ANDREW; AURSNES, 2007bLUFESI, N. N.; ANDREW, M.; AURSNES, I. Deficient supplies of drugs for life threatening diseases in an African community. BMC Health Services Research, v. 7, p. 86, 15 jun. 2007b. ; WOODCOCK; WOSINSKA, 2012WOODCOCK, J.; WOSINSKA, M. Economic and Technological Drivers of Generic Sterile Injectable Drug Shortages. Clinical Pharmacology & Therapeutics, 7 Nov. 2012. ) eram estudos empíricos, enquanto um era um editorial que enfatizava a importância de sua investigação (BLUM, 2014BLUM, F. C. “Doctor, we have no saline today”: the curious case of the generic injectable drug shortage. Academic Emergency Medicine, v. 21, n. 6, p. 699-700, jun. 2014. ). Dos estudos empíricos, Lufesi et al (2007bLUFESI, N. N.; ANDREW, M.; AURSNES, I. Deficient supplies of drugs for life threatening diseases in an African community. BMC Health Services Research, v. 7, p. 86, 15 jun. 2007b. ) identificam como causa do desabastecimento de medicamentos no Malawi a deficiência do sistema de distribuição local. O estudo de Woodcock e Wosinka (2012WOODCOCK, J.; WOSINSKA, M. Economic and Technological Drivers of Generic Sterile Injectable Drug Shortages. Clinical Pharmacology & Therapeutics, 7 Nov. 2012. ), ao analisarem o desabastecimento de injetáveis nos Estados Unidos, aponta como causa problemas relacionados à qualidade dos medicamentos que levam à interrupção de sua produção. Por meio de uma revisão bibliográfica, os autores apontam que a produção de injetáveis é mais complexa e mais cara e, adicionalmente, sua qualidade não pode ser aferida pelos consumidores finais. Assim, os produtores investem pouco em infraestrutura, ocasionando, eventualmente, problemas na fabricação que podem ter como consequência o desabastecimento. Este problema se agrava tendo em vista o pequeno número de produtores de injetáveis. Portanto, para eles, a fim de evitar futuros desabastecimentos, seria importante implantar um sistema que recompensasse os produtores pela qualidade de seus medicamentos, funcionando como um incentivo financeiro para a produção de injetáveis de maior qualidade, e tendo como consequência menos problemas de interrupção de fabricação e sua maior disponibilidade (WOODCOCK; WOSINSKA, 2012).

Em relação aos artigos que se detêm a uma discussão conceitual, um é um artigo de opinião (DUFFY, 2012DUFFY, E. Drug Shortage Crisis Resolution. Journal of Pharmacy Practice, v. 25, n. 6, p. 619-620, 1 dez. 2012. ) e dois são trabalhos empíricos (DE WEERDT et al., 2015DE WEERDT, E. et al. Toward a European definition for a drug shortage: a qualitative study. Frontiers in Pharmacology, v. 6, p. 253, 2015. ; REIS; PERINI, 2008). O trabalho de De Weerdt et al. (2015) busca, mediante revisão da literatura científica e cinzenta e entrevistas, definir o conceito de “drug shortage” (desabastecimento, em português) para a comunidade europeia. Para tanto, foram feitas buscas bibliográficas em duas bases e busca manual em sites de órgãos regulatórios e de representação de categorias profissionais. Os autores investigaram, ainda, qual seria o período de tempo no qual poderia se considerar que o produto esteja em desabastecimento. Como conclusões apontam que, na atualidade, há duas definições gerais de desabastecimento, uma referente a quando notificar as agências reguladoras e outra para a sua designação; assim, falta uma definição que articule essas duas perspectivas a fim de facilitar a comparação entre os diferentes sistemas de informação e estudos científicos. Já Reis e Perini (2008), autores do único estudo brasileiro sobre o tema, baseado em uma revisão de literatura, fazem uma discussão abrangente sobre a questão do desabastecimento, apontando possíveis causas, consequências para a assistência à saúde e analisando potenciais estratégias para seu enfrentamento. Por ser a única publicação encontrada na base de dados que considera o contexto brasileiro, o mesmo torna-se pioneiro na discussão do tema em nível nacional.

Discussão

Os resultados demonstram a preponderância de estudos sobre o desabastecimento realizados nos EUA, focados na descrição do problema, publicados entre os anos 2011-2015 e que citam medicamentos variados, nutrição parenteral e seus componentes ou oncológicos. Ressalta-se o grande número de publicações que denunciam o desabastecimento de medicamentos através de editoriais, cartas ao editor etc. Tal revisão demonstrou que este é um problema emergente mas que apresenta importantes lacunas sobre o conhecimento de suas causas e conceito. Adicionalmente, são escassos os estudos que abordam o desabastecimento de medicamentos em países de baixa e média renda.

É importante ressaltar a grande quantidade de publicações tais como cartas, editoriais etc, sugerindo a utilização das revistas científicas como veículos para a denúncia do problema e, talvez, uma estratégia para sensibilizar pesquisadores, docentes e profissionais e, consequentemente, tornar visível um problema invisível que se manifesta no contexto dos serviços de saúde e podem estar sendo ignorados pelos trabalhos acadêmicos.

O grande número de estudos realizados nos EUA pode significar que o desabastecimento é um problema de grande impacto naquele país. No entanto, o mais provável é que este seja apenas o reflexo da tendência mundial de publicações, no qual os EUA se mantêm na primeira colocação (NATURE, 2016). A hipótese de que o desabastecimento de medicamentos seja um problema localizado não se sustenta pelas recentes discussões sobre o tema em arenas internacionais que o ratificam como um problema mundial (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015, 2016a, 2017, 2018) e nos relatos dos estudos que descrevem as causas do desabastecimento, derivados de problemas na produção dos medicamentos de um único produtor, sendo muitas dessas fábricas localizadas em outros países (LUFESI; ANDREW; AURSNES, 2007aLUFESI, N. N.; ANDREW, M.; AURSNES, I. Deficient supplies of drugs for life threatening diseases in an African community. BMC health services research, v. 7, p. 86, 2007a. ; WOODCOCK; WOSINSKA, 2013WOODCOCK, J.; WOSINSKA, M. Economic and technological drivers of generic sterile injectable drug shortages. Clinical Pharmacology and Therapeutics, v. 93, n. 2, p. 170176, Feb. 2013. ). Um dos estudos retidos nesta revisão questiona a falta de publicações neste tema provenientes da Europa (PAUWELS et al., 2014PAUWELS, K. et al. Drug shortages in European countries: a trade-off between market attractiveness and cost containment? BMC health services research, v. 14, p. 438, 2014. ), onde diversas ações regulatórias já foram implementadas.

A grande quantidade de artigos abordando o desabastecimento de constituintes da nutrição parenteral diverge do estudo do Institute for Healthcare Informatics (IMS, atualmente IQVIA) realizado nos EUA, que direcionava a problemática para oncológicos, antimicrobianos, cardiovasculares, medicamentos do sistema nervoso central e de controle da dor (IMS, 2011). De qualquer maneira, chama a atenção o cenário, uma vez que os medicamentos mais citados são os utilizados em situações críticas, como os anestésicos, oncológicos, nutrição parenteral e seus componentes e injetáveis. Esses medicamentos em si têm pouca possibilidade de substituição, colocando os pacientes em situação de maior vulnerabilidade. Ressalta-se que a população pediátrica já tem um rol mais restrito de opções (IVANOVSKA; MANTEL-TEEUWISSE; DIJK, 2013IVANOVSKA, V.; MANTEL-TEEUWISSE, A. K.; DIJK, L. V. Priority medicines for Europe and the world. “A Public Health Approach to Innovation”. Geneva, 2013. Disponível em: <http://www.who.int/medicines/areas/priority_medicines/BP7_1Children.pdf?ua=1>. Acesso em: 1 fev. 2017.
http://www.who.int/medicines/areas/prior...
), e também foi descrito como alvo de situações de desabastecimento.

Aprofundar o conhecimento sobre esse problema torna-se passo fundamental para a discussão de como resolvê-lo. Uma hipótese a ser investigada é se produtos antigos e clinicamente efetivos estão sendo retirados do mercado pelos fabricantes e sendo substituídos por outros mais novos e, muitas vezes, em situação de monopólio.

A concentração de publicações nos últimos anos sugere a contemporaneidade do problema. O aumento das publicações em 2011 coincide com a assinatura do ato executivo do presidente Barack Obama que permite que a agência regulatória americana requeira notificação de desabastecimento e faça uma revisão sanitária de instalações que poderiam produzir os medicamentos em falta (GEHRETT, 2012GEHRETT, B. K. A prescription for drug shortages. JAMA, v. 307, n. 2, p. 153-154, 2012. ). É possível fazer essa relação, uma vez que a maioria das publicações retidas é dos EUA. Este fato demonstra que 2011 foi o ano no qual o desabastecimento emergiu como um problema relevante naquele país.

Em termos regulatórios, inclusive nos artigos que abordam as estratégias de enfrentamento, é importante notar que, em sua maioria, os textos são reativos e dirigem-se ou a aumentar a informação sobre o desabastecimento ou a estratégias de gerenciamento farmacêutico (troca de medicamentos, estoque, reserva etc.). Por exemplo, no Brasil, a exemplo da regulação europeia, a resposta regulatória foi a exigência da notificação de interrupção de produção e/ou importação de medicamentos (BRASIL, 2014b) e a criação, em 2015, de um grupo de trabalho para “elaborar diagnóstico situacional dos medicamentos no país com risco de redução da oferta, e propor estratégias para mitigação e gestão dos riscos no âmbito do SUS” (BRASIL, 2015). No caso da L-asparaginase, quando a única empresa detentora do registro interrompeu a distribuição do medicamento no país, a resposta foi importar de fornecedores estrangeiros por cotação de menor preço (JORNAL DO BRASIL, 2017).

É interessante notar que, na maioria dos artigos revisados, há uma suposta responsabilização dos gestores pela falta de treinamento, programação e alternativas que visem evitar o desabastecimento. Porém, mesmo que haja planejamento interno que tente minimizar as causas de uma provável escassez de medicamentos, quando o desabastecimento ocorre, seja no mercado nacional ou internacional, nada pode ser feito pelo gestor local. Nesse sentido, é preocupante o grande número observado de referências que enfocam as estratégias de enfrentamento na regulação da demanda e garantia de disponibilidade em reação à reduzida oferta (ou, em alguns casos, nenhuma). Pois esse foco negligencia a necessidade de se pensar em estratégias que também se voltem para a garantia da oferta dos medicamentos no mercado, sendo esta, portanto, uma lacuna importante neste tema.

De certa forma, esta visão preponderante da demanda no tema de desabastecimento também se reflete nos achados desta revisão, no qual foi possível detectar a escassez de estudos que se voltem a pesquisar as causas deste fenômeno, sendo esta outra importante lacuna do tema. Assim, faltam estudos que ampliem o olhar, deslocando-se das questões logísticas e buscando, também, explicações na organização do setor farmacêutico, em como as decisões de produção são tomadas neste setor, em determinantes do setor regulatório, em sua estrutura de pesquisa e desenvolvimento, em suas relações com o sistema financeiro, e na própria distribuição de renda e carga de doenças pelo mundo.

Uma terceira lacuna encontrada é relativa à definição de “desabastecimento” de medicamentos. Este termo ainda carece de uma definição que permita o diálogo entre as publicações e, inclusive, de ações regulatórias mais precisas para seu enfrentamento (DE WEERDT et al., 2015DE WEERDT, E. et al. Toward a European definition for a drug shortage: a qualitative study. Frontiers in Pharmacology, v. 6, p. 253, 2015. ). Adicionalmente, é importante ter pesquisas que subsidiem a discussão desse problema em todos os âmbitos e em todos os países. No Brasil, é sabido que há problema de desabastecimento de medicamentos e relatórios do Ministério da Saúde (BRASIL, 2016; 2014; 2015) inclusive confirmam essa situação; no entanto, não há pesquisas que abordem a questão em âmbito nacional.

Por fim, é importante discutir as limitações deste estudo. Apesar de não ter utilizado critérios de seleção restritivos, este estudo usou apenas uma fonte de busca, o PubMed. Embora esta seja a principal base de dados da área da saúde, é possível que haja publicações do assunto em outras áreas e de outros países que não foram discutidas aqui. Ademais, a chave de busca, por ser muito específica, pode ter introduzido um viés de seleção, muito embora o termo “drug shortage” seja conhecido e muito utilizado para o problema do desabastecimento de medicamentos. Assim, os resultados aqui descritos referem-se a publicações desta base nas quais houve acesso ao texto completo (aberto ou disponível via Portal Capes). Ainda assim, esta pesquisa traz uma grande contribuição ao apontar lacunas nos estudos de desabastecimento de medicamentos.

Conclusão

O desabastecimento de medicamentos é um problema de saúde pública que vem atingindo os sistemas e afeta diretamente o cuidado em saúde, tendo consequências importantes para a qualidade de vida das populações. O presente estudo constatou que esse problema está afetando medicamentos usados para doenças prevalentes que afetam países de alta renda e que geralmente têm altos preços de mercado. Apesar de sua importância e impacto bem documentado nos cuidados de saúde, ainda existem lacunas importantes no estudo do desabastecimento de medicamentos. Especialmente importante é a pesquisa adicional que investigue as causas desse problema; que faça discussões conceituais para encontrar uma linguagem comum a fim de permitir a comparação entre estudos e estratégias regulatórias; pesquisas em países de baixa e média renda; e estudos que ampliem a perspectiva sobre o problema não se concentrando apenas no ciclo logístico dos serviços farmacêuticos e nas estratégias de enfrentamento das unidades de saúde. Ademais, é importante aprofundar a análise sobre a estratégia de direcionamento da produção de medicamentos para produtos de maior preço unitário no desabastecimento de medicamentos.

Lidar adequadamente com o desabastecimento de medicamentos provavelmente necessitará de estratégias de enfrentamento mais abrangentes. No entanto, tais estratégias só serão efetivas na resolução do problema se o conhecermos bem, se tivermos evidências robustas de suas causas e de como isso afeta diferentes lugares no mundo.22L.A. Chaves participou da concepção do estudo, busca, seleção e extração das referências, análise dos resultados, escrita, revisão e aprovação do manuscrito final. G. C. Chaves participou da concepção do estudo, escrita, revisão e aprovação do manuscrito final. M. N. S. Vianna participou da seleção e extração das referências, análise dos resultados, escrita, revisão e aprovação do manuscrito final. M. A. participou da concepção do estudo, escrita, revisão e aprovação do manuscrito final.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2018
  • Revisado
    19 Dez 2018
  • Aceito
    21 Dez 2018
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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