Estigmas relacionado à Covid-19 e sua prevenção

Tyciana Paolilo Borges Renata da Silva Schulz Júlia Barbosa de Magalhães Luana Moura Campos Karla Ferraz dos Anjos Darci de Oliveira Santa Rosa Sobre os autores

O coronavírus (SARS-CoV-2) é um vírus que pertence à ordem dos Nidovirales, família Coronaviridae, que foi notificado pela primeira vez em humanos na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, em 2019 (WHO, 2020a). Por provocar doença respiratória de caráter infectocontagioso que requer distanciamento social e outras medidas preventivas, as pessoas que foram acometidas pela doença têm sido alvo de estigma social.

A Covid-19 foi atestada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020, e os países mais afetados são Estados Unidos, Brasil e México. No Brasil, estima-se que 8.697.368 pessoas já contraíram o novo coronavírus, sendo 59.119 casos novos da doença, o qual resulta em um total de 214.147 óbitos até o dia 21 de janeiro de 2021 (BRASIL, 2021). O crescente aumento do número de casos preocupa as autoridades da saúde, uma vez que o aparato de recursos humanos e materiais para promover a recuperação, sobretudo dos casos mais graves, é considerado de alta complexidade, o que pode culminar no colapso do sistema de saúde (WHO, 2020b).

Para assegurar leitos de alta complexidade, utilizados para os cuidados necessários às pessoas infectadas, entidades governamentais se mobilizaram para ampliar o número desses leitos estruturados nos modelos de hospitais de campanha. Estes centros de atenção especializada atendem exclusivamente aos casos de Covid-19, a fim de evitar contágio em pacientes internados por outros motivos, os quais obedecem rigorosamente ao isolamento de contato e por aerossol (BRASIL, 2020).

Nesse contexto surge o termo “covidário”, utilizado para se referir a esses centros e serviços especializados que acolhem pessoas com Covid-19. Outro exemplo são os serviços de menor complexidade que atendem casos leves da doença, como a Estratégia de Saúde da Família. Assim, o termo faz alusão aos “leprosários” - hospital, asilo e sanatório que tinham como finalidade o isolamento obrigatório de pessoas acometidas pela hanseníase (SINGER; CAMPOS; OLIVEIRA, 1978). Tal estigma abrange pacientes e profissionais de saúde que frequentam os espaços direcionados ao tratamento dos casos de Covid-19, podendo interferir nas relações sociais dessas pessoas, assim como na sua saúde psicológica.

De modo semelhante, as estigmatizações relacionadas à pessoa acometida pela doença abrangem familiares, cuidadores e amigos que estão em contato, profissionais de saúde que trabalham na linha de frente e os centros de tratamento da Covid-19, o que pode gerar resultados danosos e desfavoráveis no âmbito psicossocial. Somam-se os prejuízos ao sistema de saúde pública, devido à não aderência e desconfiança dessa população potencialmente estigmatizada, o que aumenta o risco de transmissibilidade e dificulta o rastreamento dos contatos e monitoramentos dos casos (BUDHWANI; SUN, 2020BUDHWANI, H.; SUN, R. Creating COVID-19 Stigma by Referencing the Novel Coronavirus as the “Chinese virus” on Twitter: quantitative analysis of social media data. Journal of Medical Internet Research, v. 22, n. 5, 2020. Available at: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7205030/?report=reader>. Retrieved: 22 July 2020.
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).

O estigma associado à Covid-19 está associado ao uso de terminologias inadequadas para segregar pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 e os espaços em que se encontram (NASCIMENTO; LEãO, 2019NASCIMENTO, L. A.; LEãO, A. Estigma social e estigma internalizado: a voz das pessoas com transtorno mental e os enfrentamentos necessários. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p. 103-121, mar. 2019. Available at: <https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v26n1/0104-5970-hcsm-26-01-0103.pdf>. Retrieved: 23 July 2020.
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). Desse modo, torna-se essencial compreender a maneira como a segregação impacta na sociedade. A preocupação com a estigmatização acompanha a descoberta Covid-19 iniciada na China em 2019. Com o surgimento dessa doença, as autoridades mundiais da saúde ficaram receosas com o uso inadequado de termos, pois este poderia gerar estigma atrelado às regiões geográficas acometidas ou populações específicas (BRUNS; KRAGULJAC; BRUNS, 2020BRUNS, D. P.; KRAGULJAC, N. V.; BRUNS, T. R. COVID-19: facts, cultural considerations, and risk of stigmatization. Journal of Transcultural Nursing, v. 31, n. 4, p. 326-332, 2020. Available at: <https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1043659620917724>. Retrieved: 23 jul. 2020.
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).

Assim, a OMS se posiciona quanto à adoção do uso de palavras adequadas e recomendadas, uma vez que os pesquisadores dessa organização foram cuidadosos ao escolherem um nome para o novo coronavírus no intuito de evitar qualquer tipo de estigma. Desse modo, os termos “vírus chinês”, “vírus Wuhan” ou “vírus asiático” não devem ser utilizados, por prejudicar o enfrentamento da pandemia, especialmente no que se refere aos esforços para conter a disseminação da doença e na busca pelos cuidados em saúde (WHO, 2020b).

Apesar desse posicionamento, pessoas de etnias asiáticas passaram a ser evitadas ou serem alvo de discriminação e hostilidades associadas ao coronavírus. Considerando que essa estrutura deletéria à sociedade pode ocorrer pessoalmente ou on-line, produzindo resultados negativos à saúde (BUDHWANI; SUN, 2020BUDHWANI, H.; SUN, R. Creating COVID-19 Stigma by Referencing the Novel Coronavirus as the “Chinese virus” on Twitter: quantitative analysis of social media data. Journal of Medical Internet Research, v. 22, n. 5, 2020. Available at: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7205030/?report=reader>. Retrieved: 22 July 2020.
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), campanhas com imagens com a hashtag “Eu não sou um vírus”, passaram a ser veiculadas nas mídias sociais, na tentativa de sensibilização sobre o preconceito. A xenofobia possibilitou a segregação dos asiáticos e seus descendentes em um contexto internacional, dificultando a comercialização de produtos de origem e relações pessoais (SHU, 2020SHU, Le. Avoid stigmatizing names for 2019 novel coronavirus. Nature, v. 578, n. 7795, p. 363-363, 2020. Available at: <https://www.nature.com/articles/d41586-020-00458-x?proof=trueMay.>. Retrieved: 23 July 2020.
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). O uso de frases com referência a territórios chineses e a sua população podem excitar o medo e aumentar o descrédito nos sistemas de saúde do país. Alerta-se que se houver persistência do uso desses termos estigmatizantes e maliciosos, será necessário restaurar a confiança das populações marginalizadas (BUDHWANI; SUN, 2020).

Vale destacar que o estigma passa a transpor a associação exclusivamente regional quando o vírus se dissemina mundialmente, de modo que as pessoas que se encontram em quarentena passam a ser o principal alvo de estereótipos. Ao serem acometidas por ações negativas associadas à nova doença, como cancelamento de convites sociais e comentários pejorativos (BRUNS; KRAGULJAC; BRUNS, 2020BRUNS, D. P.; KRAGULJAC, N. V.; BRUNS, T. R. COVID-19: facts, cultural considerations, and risk of stigmatization. Journal of Transcultural Nursing, v. 31, n. 4, p. 326-332, 2020. Available at: <https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1043659620917724>. Retrieved: 23 jul. 2020.
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), as pessoas passam a ser vulneráveis aos efeitos sociais e psicológicos decorrentes do distanciamento. Por esse motivo, não é incomum aflorar sentimentos associados a rejeição, solidão e medo (WASSERMAN; GAAG; WISE, 2020WASSERMAN, D.; VAN DER GAAG, R.; WISE, J. The term “physical distancing” is recommended rather than “social distancing” during the COVID-19 pandemic for reducing feelings of rejection among people with mental health problems. European Psychiatry, v. 63, n. 1, p. 1-2, 2020. Available at: <https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/30114ACB22AC710074F59BCF5C5ADCE2/S0924933820000607a.pdf/term_physical_distancing_is_recommended_rather_than_social_distancing_during_the_covid19_pandemic_for_reducing_feelings_of_rejection_among_people_with_mental_health_problems.pdf>. Retrieved: 23 July 2020.
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).

Quando essas repercussões atingem pessoas já consideradas de grupos vulneráveis - como idosos, pacientes crônicos, pessoas com deficiência, comunidades indígenas e presidiários -, os impactos de origem psicológica e social podem ser ainda maiores. Tais impactos podem contribuir ainda para exacerbação de atitudes discriminatórias, excludentes e estigmatizantes, se não existirem ações de promoção da saúde eficazes (SMITH; JUDD, 2020SMITH, J. A.; JUDD, J. COVID-19: vulnerability and the power of privilege in a pandemic. Health Promotion Journal of Australia, v. 31, n. 2, p. 158-160, 2020. Available at: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/hpja.333>. Retrieved: 22 July 2020.
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). Nesse sentido, os profissionais da saúde devem estar inteirados do potencial de estigmatização dessas pessoas, no intuito de sensibilizar a comunidade para a utilização de uma linguagem inclusiva e respeitosa (BRUNS; KRAGULJAC; BRUNS, 2020BRUNS, D. P.; KRAGULJAC, N. V.; BRUNS, T. R. COVID-19: facts, cultural considerations, and risk of stigmatization. Journal of Transcultural Nursing, v. 31, n. 4, p. 326-332, 2020. Available at: <https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1043659620917724>. Retrieved: 23 jul. 2020.
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; OPAS/OMS, 2020b).

Mesmo diante do potencial do profissional de saúde para a minimização do estigma provocado pela Covid-19, alguns estudos já vêm sinalizando que tal grupo também se encontra vulnerável. Pesquisa sinaliza para casos de estigmatização e discriminação sofrida por esses profissionais, especialmente na Índia, México e Estados Unidos da América, em que foram proibidos de usar o transporte público, despejados de apartamentos alugados, além de sofrerem ostracismo social, serem insultados nas ruas e vítimas de agressões físicas (BAGCCHI, 2020BAGCCHI, S. Stigma during the COVID-19 pandemic. The Lancet Infectious Diseases, v. 20, n. 7, p. 782-782, 2020. Available at: <https://www.thelancet.com/pdfs/journals/laninf/PIIS1473-3099(20)30498-9.pdf>. Retrieved: 23 July 2020.
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)

Ao reconhecer o caráter danoso oriundo do estigma provocado pela Covid-19, percebe-se a necessidade do uso de termos que colaborem para a inclusão social e impeçam as manifestações de ações e atitudes estigmatizantes no intuito de minimizar as implicações para a saúde mental das pessoas com a Covid-19. Com isso, foi proposto o uso do termo “distanciamento físico” em vez do termo “distanciamento social” (BAGCCHI, 2020BAGCCHI, S. Stigma during the COVID-19 pandemic. The Lancet Infectious Diseases, v. 20, n. 7, p. 782-782, 2020. Available at: <https://www.thelancet.com/pdfs/journals/laninf/PIIS1473-3099(20)30498-9.pdf>. Retrieved: 23 July 2020.
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). Em posse dessa nova terminologia, atrelada aos processos educativos em saúde com relação à indicação da quarentena, espera-se favorecer ações antiestigmatizantes.

A educação em saúde favorece o conhecimento das pessoas, contribui para a melhoria da saúde, modificando seus comportamentos e atitudes (SOTGIU et al., 2020SOTGIU, G. et al. How to demystify COVID-19 and reduce social stigma. The International Journal of Tuberculosis and Lung Disease, v. 24, n. 6, p. 640-642, 2020. Available at: <https://www.ingentaconnect.com/content/iuatld/ijtld/2020/00000024/00000006/art00022;jsessionid=20gleqjrof588.x-ic-live-01#>. Retrieved: 23 July 2020.
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), consequências desejadas e necessárias no contexto da nova pandemia, sobretudo quando se pretende evitar estigmas. Recentemente, o diretor geral da OMS declarou que todos os países devem buscar um equilíbrio entre proteger a saúde, prevenir rupturas nos setores sociais e econômicos e respeitar os direitos humanos (WHO, 2020b).

Nesse ínterim, o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) iniciaram campanhas através de propagandas e vídeos no intuito de promover saúde mental das pessoas no contexto da Covid-19 e seus familiares. Como produto de veiculação midiática, foi estruturado um vídeo intitulado “Covid-19: uma mensagem para você”, o qual apresenta informações de que o vírus atinge as pessoas independentemente dos marcadores de gênero, raça, nacionalidade e faixa etária, trazendo elementos de caráter psicossocial, dentre os quais o estigma, que pode ser amenizado por meio do estímulo a humanização e empatia aos afetados pela doença, além de servir de apoio e incentivo aos profissionais que estão na linha de frente (OPAS/OMS, 2020a).

Os esforços para modificar o cenário relacionado ao estigma pela Covid-19 podem também partir de líderes governamentais e religiosos, mídias, influenciadores, celebridades, comunidades e cidadãos, por meio da divulgação de ideias simples, compreendendo ser esta uma necessidade a ser assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que além de fornecer orientações éticas, também estabelece bases para respostas às crises de saúde pública no futuro (WHO, 2020b). Diante disso, é essencial apoiar as classes sociais mais vulneráveis e com acesso restrito aos serviços de saúde, bem como viabilizar a informação, sendo essa uma mobilização do ponto de vista individual, coletivo e, com isso, estrutural.11 T. P. Borges e R. S. Schulz: construção do texto. J. B. de Magalhães: construção e revisão do texto. L. M. Campos e K. F. dos Anjos: construção e revisão final do texto. D. O. Santa Rosa: revisão final do texto e aprovação para publicação.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
  • Revisado
    05 Jan 2021
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