Uma explosão de vulnerabilidades
A população de jovens vivendo com HIV/Aids (JVHA) normalmente já enfrenta muitos desafios no convívio com a infecção pelo HIV. O estigma da doença, seja ela adquirida de forma vertical (da mãe para o bebê) ou de forma horizontal, muitas vezes gera a necessidade de manejo de um segredo nos grupos sociais de pertença, somada às dificuldades próprias à terapia antirretroviral (TARV) como os efeitos colaterais das medicações, implicando uma readequação da rotina, de estudo e/ou trabalho, mudança de hábitos alimentares e de sono, cuidados com o corpo e com a sexualidade, entre outros. Esses fatores podem ser agravados pela sinergia da condição sorológica com determinados marcadores sociais da diferença, impactando a adesão ao tratamento e promovendo quadros de adoecimento psíquico (CUNHA, 2011)CUNHA, C. C. “Jovens Vivendo” com HIV/AIDS: (Con)formação de sujeitos em meio a um embaraço. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia). Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011..
Em pesquisas etnográficas com JVHA, com trabalho de campo de 2007 a 2016 (CUNHA, 2012CUNHA, C. C. “Os muitos reveses de uma ‘sexualidade soropositiva’: o caso dos jovens vivendo com HIV/AIDS”. Sexualidad, Salud y Sociedad . Rio de Janeiro, v. 1, p. 70-99, 2012., 2014CUNHA, C. C. “Modos de fazer Sujeitos na política de AIDS: a gestão de jovens vivendo com HIV/AIDS”. Século XXI: Revista de Ciências Sociais, v. 4, n. 2, p. 91-132, 2014., 2018)CUNHA, C. C. Configurações e reconfigurações do movimento de jovens vivendo com HIV/AIDS no Brasil: Identidades e prevenções em jogo. Sexualidad, Salud y Sociedad , Rio de Janeiro, n. 29, p. 294-312, 2018., não foram raros os relatos de abandono de tratamento e de ansiedade e depressão, associados à rejeição familiar e/ou de parceiros sexuais pela sorodiferença. Há, ainda, o cansaço de ter de lidar com uma doença crônica e sem cura, com a dificuldade de manejo de uma identidade social e suas marcas negativas em plena juventude. Por esses motivos, é frequente a busca por apoio em redes sociais, sobretudo virtuais, e tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, sendo comum o uso de psicotrópicos associado à TARV.
Observa-se que na atualidade os JVHA transitam entre “dois mundos da Aids”. Um mundo tecnológico, que contempla a existência de grupos e redes virtuais de suporte, apoio e encontros nas redes sociais, com ampla difusão de tecnologias de comunicação, prevenção e tratamento de cunho biomédico, capazes de intermediar os cuidados à saúde, o exercício da sexualidade e da reprodução, além de forjar biossocialidades (RABINOW, 1999)RABINOW, P. Artificialidade e iluminismo: da sociobiologia à biossocialidade. In: RABINOW, P Antropologia da razão: ensaios de Paul Rabinow. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999. p.135-57.. E um outro mundo, que, apesar da existência dessas novas tecnologias, permanece mergulhado em questões básicas relacionadas ao diagnóstico, tratamento e prevenção, resultado das profundas desigualdades sociais, com desfechos indesejáveis como adoecimento e até mesmo a morte prematura.
A entrada da Covid-19 no cenário brasileiro trouxe o medo da infecção, adoecimento e morte, sobretudo para as pessoas que já possuem algum comprometimento imunológico (FARO ., 2020)FARO, A. et al. Adaptação e validação da Escala de Medo da Covid-19. Preprint / Version 1, 2020.. Atravessados por essas questões, empreendemos uma pesquisa de cunho qualitativo e quantitativo, realizada em uma rede ativista de JVHA, a partir da sua organização virtual, no período de setembro a novembro de 2020, com vistas a compreender o impacto do novo coronavírus no acesso ao cuidado e na adesão ao tratamento, considerando a possibilidade de agravamento de dificuldades emocionais prévias e/ou a emergência de novas, com consequências à saúde física e mental desse grupo.
Um momento exploratório do campo indicou importantes aspectos para a realização da pesquisa, tais como: a) aumento de crises de ansiedade entre JVHA, pela percepção de maior vulnerabilidade à infecção, com acrescido temor de morte pela debilidade imunológica; b) aumento da ansiedade pelo distanciamento social; c) medo da falta de medicação nos serviços de saúde, no caso de remédios que são importados; d) temor de desabastecimento de algum medicamento antirretroviral cujo uso pudesse ser estendido para o tratamento de Covid-19; e) precarização ainda maior da situação socioeconômica, pelo desemprego ou perda de trabalhos informais; f) dificuldades com a logística para retirar a medicação antirretroviral por falta de circulação de ônibus intermunicipais, impactando as pessoas que moram em uma cidade e se tratam em outra; g) desenvolvimento de sintomas da doença (Aids) e dificuldade de acesso à internação pela destinação majoritária de leitos de unidades de saúde de referência ao cuidado de pacientes com Covid-19.
Tais questões apontam para a vulnerabilidade em seus diversos níveis (AYRES, 2009)AYRES, J. R. C. M. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Sociedade, v.18, supl 2, p. 11-23, 2009., com um quadro que tende a se agravar, uma vez que passados 27 meses da pandemia de Covid-19, o Brasil acumula oficialmente 32.358.018 casos e mais de 671 mortos até o final de junho de 2022.
A noção de vulnerabilidade, emergente no cenário da saúde pública mundial, a partir da experiência da pandemia de HIV/Aids (MANN, 1993MANN, J.; TARANTOLA, D.; NETTER, T. (Orgs.). A aids no mundo: história social da Aids. Rio de Janeiro: Relume Dumará: ABIA, IMS, UERJ, 1993.; AYRES, 2009)AYRES, J. R. C. M. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Sociedade, v.18, supl 2, p. 11-23, 2009., refere-se aos diferentes graus e naturezas da suscetibilidade de indivíduos e coletividades à infecção, adoecimento ou morte pela doença, considerando aspectos sociais, programáticos e individuais que resultam na presença ou na escassez de recursos para lidar com o problema e enfrentá-lo.
Essas dimensões analíticas conformam três níveis de vulnerabilidades: individual, social e programática. A primeira diz respeito aos aspectos individualizáveis (biológicos, comportamentais, afetivos) que originam exposição e suscetibilidade ao agravo em questão. A segunda é relativa aos contextos sociais e às relações socialmente configuradas que impactam os aspectos individuais. Já a terceira refere-se ao modo e ao sentido em que as tecnologias já operantes nestes contextos (políticas, programas, serviços, ações) interferem sobre a situação individual e coletiva (AYRES, 2009)AYRES, J. R. C. M. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Sociedade, v.18, supl 2, p. 11-23, 2009.. Os aspectos sociais, programáticos e individuais são indissociáveis, portanto, as redes de apoio social e as políticas de auxílio econômico perpassam os três níveis de vulnerabilidade.
Ainda que a Aids e a Covid-19 apresentem características e aspectos distintos, que vão desde o modo de infecção até a maneira como sociedades e governos respondem à pandemia do novo coronavírus ao redor do mundo, existem muitas lições da primeira para a segunda, além de pontos em comum quando considerados os determinantes sociais da saúde, com consequências nefastas de adoecimento e morte evitáveis (ABIA, 2021)ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS (ABIA). Dossiê HIV/AIDS e COVID-19 no Brasil. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://abiaids.org.br/dossie-abia-hiv-aids-e-covid-19-no-brasil/34379
https://abiaids.org.br/dossie-abia-hiv-a... .
Neste sentido, elegemos como central aqui a noção de apoio social. Este, quando reportado às relações sociais e às ligações entre pessoas e grupos, envolve a família, os grupos informais (autoajuda) e os formais institucionalizados, como as organizações da sociedade civil, que podem compor outras redes de apoio (CANESQUI; BARSAGLINI, 2012)CANESQUI, A. M.; BARSAGLINI, R. A. Apoio social e saúde: pontos de vista das ciências sociais e humanas. Ciência e Saúde Coletiva, v. 17, n. 5, p. 1103-1114, 2012.. No espaço societário, essas organizações, a exemplo da experiência da Aids, reforçam a face política e coletiva de certas doenças, reunindo reivindicações, participação social, estabelecendo conexões e aprendizagem entre os participantes (ADAM; HERZLICH, 2001)ADAM, P.; HERZLICH, C. Sociologia da doença e da medicina. Bauru: Edusc, 2001..
Assim, nossa proposta neste trabalho é realizar uma discussão inicial a partir de resultados preliminares da pesquisa, refletindo sobre o papel das redes de apoio social na experiência de jovens e adultos vivendo com HIV/Aids, pertencentes à Rede Jovem Rio+, e seus reflexos na saúde mental no contexto da Covid-19.
A pesquisa, os seus sujeitos e os marcadores sociais
O trabalho apoia-se em um estudo transversal cujo campo de investigação foi uma rede social e ativista (Rede Jovem Rio+) que reúne ativamente cerca de 300 jovens e adultos que vivem com HIV/Aids do estado do Rio de Janeiro, organizados em um grupo fechado para membros da Rede no Facebook. As informações foram coletadas via questionário on-line, anônimo, e a coleta de dados cobriu os meses de setembro a novembro de 2020, momento de flexibilização do distanciamento social. Através de questões objetivas e abertas, foram aferidas variáveis sociodemográficas e sobre apoio psicológico e/ou psiquiátrico, social e financeiro durante a pandemia.
O perfil da amostra e as demais questões objetivas estão distribuídas nas Tabelas 1 e 2, apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas. O software R versão 4.0.4 foi utilizado para essas análises. Trechos das respostas abertas foram selecionados para compor a discussão. Tendo em vista o anonimato dos participantes da pesquisa, utilizamos a nomenclatura P para participante, seguido do número ordinal referente à ordem de respostas obtidas (exemplo: P1, P2). Após as citações, apresentamos um quadro de características sociodemográficas dos participantes relacionados aos depoimentos.
A análise qualitativa compreendeu as respostas como “práticas discursivas”, isto é, “maneiras a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas” (SPINK; FEEZZA, 2013)SPINK, M. J. P.; FREZZA, R.M. Práticas discursivas e produção de sentidos: a perspectiva da psicologia social. In: SPINK, M. J. P. (org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez ; 2013. p.1-22.. O termo prática refere-se à ideia de ação. Neste sentido, o interesse da análise está em compreender como as noções mentalizadas são construídas e utilizadas. Esse conhecimento permite a produção do sentido. Relacionar práticas discursivas como produção de sentidos é assumir que os sentidos não estão na linguagem como materialidade, mas no discurso que faz da linguagem uma ferramenta para a construção da realidade (PINHEIRO, 2013)PINHEIRO, O. de G. Entrevista: uma prática discursiva. In: SPINK, M. J. P. (org.) Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez; 2013. p.156-187..
O processo de interpretação foi inspirado no trabalho de Spink e Lima (2013)SPINK, M. J. P; LIMA, H. A pesquisa como prática discursiva: superando os horrores metodológicos. In: SPINK, M.J.P. (org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez ; 2013. p. 71-99.. A análise inicia-se com uma imersão no conjunto de informações coletadas, procurando deixar aflorar os sentidos, sem encapsular os dados em categorias, classificações e tematizações definidas a priori. Há um confronto possível entre os sentidos construídos no processo de pesquisa e de interpretação e aqueles decorrentes da familiarização prévia com nosso campo de estudo (revisão bibliográfica) e de nossas teorias de base.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, tendo o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 32708720.8.0000.5282. Os participantes registraram a sua concordância em participar da pesquisa através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
O número de participantes do estudo foi de 108 e a idade média, 34,9 anos. A maioria declarou ser de raça/cor negra (pardos e pretos), seguidos da branca. Quanto à situação de residência, 30,6% moravam sozinhos(as), seguidos daqueles que moravam com um dos genitores (20,4%) e com o cônjuge (15,7%). Cerca de 70% referiram ter ensino superior completo ou incompleto, enquanto 10,2% referiram ter o ensino fundamental. Quase 80% dos participantes reportaram ser do sexo masculino e 18,5% do feminino. Em relação à identidade sexual, gays representam cerca de 66% da população de estudo, depois em menor número aparecem os heterossexuais e bissexuais e apenas uma mulher se declarou lésbica (Tabela 1).
A Tabela 2 mostra a distribuição de respondentes que mantiveram contato com amigos, familiares, Rede Rio+ ou outras redes, durante a quarentena. Os contatos foram através de pelo menos um meio de comunicação como, WhatsApp, Facebook, outras redes sociais, outras formas de comunicação ou contato presencial. Com as pessoas da Rede Rio+, percebemos que o contato foi realizado por cerca de 60% dos participantes; já o contato com amigos e familiares foi menor. Em torno de 82% dos respondentes referiu participar em outras redes de apoio. Com relação ao tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, vimos que 70% dos participantes não faziam nenhum tratamento antes da pandemia, com a Covid-19, 22,4% recorreram a algum tipo de apoio psicológico e/ou psiquiátrico. Durante a pandemia, pouco mais da metade dos participantes mencionaram ter precisado de algum tipo de apoio social e/ou financeiro e cerca de 34% ficaram desempregados.
As redes de apoio e o lugar central do ativismo
A caracterização dos participantes da pesquisa aponta para o perfil epidemiológico que passou a vigorar na Aids desde a primeira década dos anos 2000 no Brasil, com a infecção atingindo predominantemente jovens, homossexuais masculinos, mais escolarizados (CUNHA, 2018)CUNHA, C. C. Configurações e reconfigurações do movimento de jovens vivendo com HIV/AIDS no Brasil: Identidades e prevenções em jogo. Sexualidad, Salud y Sociedad , Rio de Janeiro, n. 29, p. 294-312, 2018.. Algumas possibilidades para a predominância desse perfil são o recrudescimento do HIV nessa população, resultado da escassez de políticas de prevenção voltadas aos gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) (CALAZANS , 2008)CALAZANS, G. J.; PINHEIRO, T. F; AYRES, J. R. C. M. Programmatic vulnerability and public care: Overview of HIV and Aids prevention policies for gay and other MSM in Brazil. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, n. 29, p. 263-293, 2018., do impacto de programas governamentais que estimularam a entrada de jovens de camadas mais baixas na universidade, aliadas às ações de inclusão no ensino superior através das cotas raciais. Além disso, os integrantes que acessam a RJR+ através do Facebook, são os que possuem recursos para o acesso à internet e, portanto, socioeconomicamente privilegiados.
A RJR+ é composta majoritariamente por jovens e adultos homossexuais masculinos. Historicamente, este grupo ocupa os espaços de ativismo e apoio social das Organizações Não-Governamentais (ONG)-Aids e da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP+), criando uma prática de solidariedade, muitas vezes, alicerçada em uma linguagem e sociabilidade identificadas com o universo gay e de outros HSH. A menor participação de pessoas do sexo feminino na rede reflete este perfil. As poucas mulheres presentes na RJR+, em sua maioria, se infectaram por transmissão vertical (da mãe para o bebê), com uma experiência com a doença e tratamento bem diferenciada. Com a idade adulta, algumas migram para o Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas (MNCP), uma rede voltada exclusivamente para mulheres, que visa contemplar as “especificidades do feminino” na vivência com o HIV/Aids. A ausência de mulheres mais velhas das redes em geral se relaciona ao estigma da doença e ao segredo do diagnóstico, seja pelas dimensões morais, seja pelo temor da violência em casos de relacionamentos afetivo-sexuais.
Chama a atenção que a maior parte dos respondentes não se enquadraria mais na categoria de “jovens” (se considerada a idade até 29 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde), o que revela fronteiras próprias à Rede para a classificação de “jovem” (CALAIS, 2018)CALAIS, L. B. Entre ser... Rede, jovem e sujeito político: possibilidades de subjetivação política nos cenários do HIB/AIDS no Brasil. 2018. Tese (Doutorado em Psicologia). Instituto de Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2018. e o potencial da Rede Jovem Rio+ (RJR+) como um lugar de apoio social longitudinal para os seus participantes.
De acordo com a Tabela 2, podemos observar que a maioria dos participantes manteve contato com integrantes da RJR+, outras redes de apoio ONGs-AIDS e grupos de sociabilidade, refletindo um suporte psicossocial do ativismo já registrado na história da Aids (SILVA, 1998SILVA, C. L. Câmara da ONGs/Aids, intervenções sociais e novos laços de solidariedade social. Cadernos de Saúde Pública, v.14, supl. 2, p. S129-S139, 1998.; GALVÃO, 2000GALVÃO, J. AIDS no Brasil: a agenda de construção de uma epidemia. Rio de Janeiro: ABIA; São Paulo: Ed. 34, 2000.; BASTOS, 2002BASTOS, C. Ciência, poder, ação: as respostas à Sida. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, 2002.; VALLE,2002)VALLE, C. G. do. Identidades, doença e organização social: um estudo das “pessoas vivendo com HIV e Aids”. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, n. 17, p. 179-210, 2002.. Esses dados mostram o lugar central do suporte que as redes de apoio social, em especial a RJR+, têm para os jovens e adultos vivendo com HIV/Aids, sobretudo em situações agudas como as experienciadas com a Covid-19.
A considerável busca por apoio psicológico e/ou psiquiátrico demonstra que, em termos psicossociais, a pandemia do novo coronavírus atuou como um elemento estressor adicional, piorando em alguma medida a saúde mental dos participantes da RJR+, a exemplo de alguns depoimentos: “[Me sinto] mais solitário, triste e com questões existenciais mais expostas que latentes antes da Pandemia” (P78); “[isso tudo é] desgastante, preocupante, ansiedade a mil” (P90); “[fico] deprimido, preciso me reerguer” (P92).
Além do impacto da perda do emprego de algum familiar durante a pandemia, e de seus possíveis encargos, os participantes reconhecem um aumento do custo de vida e a necessidade de um suporte adicional para a manutenção das despesas ordinárias. Para aqueles que perderam o emprego no período, o agravamento do sofrimento psíquico foi notório: “no começo foi bem difícil, a empresa onde eu trabalhava fechou, tive sorte que uma outra me chamou, mas no começo ficava pensando no depois que o seguro acabasse o que eu iria fazer” (P29); “ando muito depressiva, perdi trabalhos, quase não saio, me sinto cansada e desanimada” (P22); “essa sensação de impotência... já não bastava o desemprego” (P6).
Sobre a necessidade de apoio financeiro adicional, percebemos que o suporte majoritário veio do auxílio emergencial de 600 reais mensais pago àquela época pelo governo federal. Esse tipo de apoio demonstra a importância de políticas públicas que minimizem os efeitos da precarização da vida provocada pela Covid-19, e que impactam diretamente no bem-estar e nos cuidados de saúde. Retomando o conceito de vulnerabilidade, tais políticas favorecem diretamente grupos ou indivíduos fragilizados, jurídica ou politicamente, na promoção, proteção ou garantia de seus direitos de cidadania (AYRES, 2009)AYRES, J. R. C. M. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde e Sociedade, v.18, supl 2, p. 11-23, 2009..
Concluindo, o pertencimento dos jovens e adultos vivendo com HIV/Aids à RJR+ e a grupos formais (ONGs) e informais, presenciais e virtuais, funciona como dispositivo adicional de suporte emocional, social, e até econômico. Esse resultado sugere o importante papel do apoio mútuo e da solidariedade nas respostas a pandemias, como a de HIV/Aids e agora a Covid-19 (ABIA, 2021)ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS (ABIA). Dossiê HIV/AIDS e COVID-19 no Brasil. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://abiaids.org.br/dossie-abia-hiv-aids-e-covid-19-no-brasil/34379
https://abiaids.org.br/dossie-abia-hiv-a... . Entretanto, essas redes não são suficientes para determinadas situações de sofrimento, demandando a necessidade de cuidado psicológico e/ou psiquiátrico e de políticas públicas voltadas à redução das desigualdades sociais.11C. C. da Cunha e A. L. da Silva Junior: concepção, planejamento, análise, interpretação e redação do manuscrito. L. Stochero: análise, interpretação e redação do manuscrito. L. A. de Almeida: planejamento e interpretação dos resultados. W. L. Junger: concepção, planejamento, interpretação e redação do manuscrito.
Referências
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» https://abiaids.org.br/dossie-abia-hiv-aids-e-covid-19-no-brasil/34379 - ADAM, P.; HERZLICH, C. Sociologia da doença e da medicina Bauru: Edusc, 2001.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
24 Out 2022 - Data do Fascículo
2022
Histórico
- Recebido
11 Jun 2021 - Revisado
18 Nov 2021 - Aceito
09 Dez 2021