Educação problematizadora em curso técnico para agentes comunitários de saúde: experiência de produção de significados no trabalho em saúde

Helena Pereira Rodrigues da Silva Ramona Fernanda Ceriotti Toassi Sobre os autores

Resumo

Este estudo de caso de abordagem qualitativa analisou o significado da experiência de formação do agente comunitário de saúde (ACS) em município do Sul do Brasil, a partir do referencial teórico da educação problematizadora de curso técnico dos Ministérios da Educação e Saúde. Foram realizadas entrevistas com ACS que finalizaram o curso e gestores da saúde e educação envolvidos com o desenvolvimento e acompanhamento pedagógico do curso (n=17), análise dos portfólios dos educandos e Projeto Pedagógico de curso. Material textual foi interpretado pela análise de conteúdo apoiada pelo software Visual Qualitative Data Analysis (ATLAS.ti). As aprendizagens no curso agregaram conhecimentos que facilitaram a abordagem/orientação do ACS às famílias, melhoraram sua habilidade de comunicação e interpessoais, ampliaram o entendimento de saúde incluindo determinantes sociais do processo saúde-doença, preparando-os para lidar com problemas complexos, o que trouxe segurança, confiança e tranquilidade ao processo de trabalho. Educação problematizadora, valorizando metodologias ativas de ensino-aprendizagem-avaliação, produziu aprendizados conectados com as vivências desses profissionais. O curso também qualificou o pertencimento do ACS à equipe. Desafios foram observados em relação ao entendimento/execução dessas metodologias ativas. Pesquisas sobre o tema da formação e avaliação do trabalho do ACS que envolvam a percepção da equipe e usuários são recomendadas.

Palavras-chave:
Agentes Comunitários de Saúde; Educação Continuada; Saúde da Família; Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde.

Introdução

O trabalho em saúde é marcado pela interação de saberes, práticas e tecnologias que exige de seus profissionais uma formação de qualidade, educação permanente e competências específicas para entender/atender as necessidades da população usuária (MERHY; FRANCO, 2009MERHY, E. E.; FRANCO, T. B. Trabalho em saúde. In: FIOCRUZ. Dicionário da Educação Profissional em Saúde, 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trasau.html . Acesso em: 13 set. 2020.
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; MACHADO; XIMENES NETO, 2018MACHADO, M. H.; XIMENES NETO, F. R. G. Gestão da Educação e do Trabalho em Saúde no SUS: trinta anos de avanços e desafios. Ciênc. saúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p. 1971-1979, jun. 2018.).

A profissão de agente comunitário de saúde (ACS) é recente, com regulamentação em 5 de outubro de 2006 (BRASIL, 2006BRASIL. Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006. Regulamenta o § 5o do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2o da Emenda Constitucional no 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 2006. ). Tornou-se um trabalhador do Sistema Único de Saúde (SUS) essencial na equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF), modelo prioritário de organização da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil, por trazer uma concepção mais ampliada do entendimento de saúde e cuidado, considerando o território no qual a pessoa está inserida e sua realidade de vida (PAIM , 2011PAIM, J. et al. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet. London, v. 377, n. 9779, p. 1778-1797, 2011. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/artigo_saude_brasil_1.pdf . Acesso em: 10 jan. 2020.
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; LAVOR, 2010LAVOR, A. C. H. O Agente Comunitário: um novo profissional da saúde. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à saúde. Departamento da Atenção Básica. Memórias da saúde da família no Brasil. Brasília, 2010.; SILVA; DALMASO, 2004SILVA, J. A.; DALMASO, A. S. W. Agente de saúde comunitário: o ser, o saber, o fazer. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1433-1434, set./out. 2004. ). Na organização da APS, é, ao mesmo tempo, ator da promoção à saúde e sujeito participante da dinâmica do território de abrangência da Unidade de Saúde (LOSCO; GEMMA, 2019LOSCO, L. N.; GEMMA, S. F. B. Sujeitos da saúde, agentes do território: o agente comunitário de saúde na Atenção Básica ao imigrante. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 23, e180589, 2019. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v23/1807-5762-icse-23-e180589.pdf . Acesso em: 10 jan. 2020.
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).

Por serem os primeiros profissionais da equipe a tomarem conhecimento da realidade das famílias e de seus problemas de saúde, além das questões sociais e ambientais que influenciam a saúde da população, criam um estreito contato com os usuários da Unidade (COSTA , 2013COSTA, S. M. et al. Agente Comunitário de Saúde: elemento nuclear das ações em saúde. Ciênc. Saúde Colet. , Rio de Janeiro, v. 18, n. 7, p. 2147-2156, jul. 2013. ; NASCIMENTO; CORREA, 2008NASCIMENTO, E. P. L.; CORREA, C. R. S. O agente comunitário de saúde: formação, inserção e práticas. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 24, n. 6, p. 1304-1313, 2008.). Suas atribuições transcendem, assim, o setor saúde, atuando na interface da assistência social, educação e meio ambiente, pressupondo, também, conhecimentos relacionados às Ciências Humanas, Sociais e Políticas (REIS; BORGES, 2016REIS, J. R. F.; BORGES, C. F. Contribuições históricas e políticas para a formação de agentes comunitários. Revista Contemporânea de Educação. Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 98-120, 2016.).

Entendendo a complexidade relacionada ao processo de trabalho dos ACS e a necessidade de qualificar e valorizar sua prática profissional para atuarem de acordo com as diretrizes da ESF, sem que sejam sobrecarregados, conhecendo seu papel e atribuições (ALMEIDA; BAPTISTA; SILVA, 2016ALMEIDA, M. C. S.; BAPTISTA, P. C. P.; SILVA, A. Cargas de trabalho e processo de desgaste em Agentes Comunitários de Saúde. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 5050, n. 11, p. 95-103, 2016. ; MOTA; DOSEA; NUNES, 2014MOTA, C. M.; DOSEA, G. S.; NUNES, P. S. Avaliação da presença da Síndrome de Burnout em Agentes Comunitários de Saúde no município de Aracaju, Sergipe, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. , Rio de Janeiro, v. 19, n. 12, p. 4719-4726, dez. 2014.; COSTA , 2013COSTA, S. M. et al. Agente Comunitário de Saúde: elemento nuclear das ações em saúde. Ciênc. Saúde Colet. , Rio de Janeiro, v. 18, n. 7, p. 2147-2156, jul. 2013. ; WAI; CARVALHO, 2009WAI, M. F. P.; CARVALHO, A. M. P. O trabalho do agente comunitário de saúde: fatores de sobrecarga e estratégias de enfrentamento. Rev. Enfermagem. UERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 563-568, out-dez. 2009.), os Ministérios da Saúde e da Educação estabeleceram o referencial para cursos técnicos voltados à formação dos ACS (BRASIL, 2004ALMEIDA, M. C. S.; BAPTISTA, P. C. P.; SILVA, A. Cargas de trabalho e processo de desgaste em Agentes Comunitários de Saúde. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 5050, n. 11, p. 95-103, 2016. ). Em 2015, por meio da Portaria 243 do Ministério da Saúde, também foi instituído o Curso Introdutório para o ACS, padronizando a carga horária mínima e definindo componentes curriculares básicos para essa formação (BRASIL, 2015ALONSO, C. M. C.; BÉGUIN, P. D.; DUARTE, F. J. D. M. Trabalho dos agentes comunitários de saúde na Estratégia Saúde da Família: metassíntese. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 52, n. 14, p. 1-13, 2018.).

Apesar desses movimentos voltados à qualificação do ACS e do papel estratégico desse profissional na expansão e consolidação da APS do país, revisão sistemática sobre o trabalho dos ACS no Brasil mostrou que os agentes consideram sua formação insuficiente, com fragilidades relacionadas ao excesso de padronização de conteúdos que abordam temas predominantemente técnico-científicos e que não incluem dados da realidade local, enfoque insuficiente em aspectos teórico-práticos que poderiam auxiliá-los no enfrentamento de questões do cotidiano do trabalho (manejo de problemas familiares e de ordem social) e a restrição da carga horária oferecida para tais atividades (ALONSO; BÉGUIN; DUARTE, 2018ALONSO, C. M. C.; BÉGUIN, P. D.; DUARTE, F. J. D. M. Trabalho dos agentes comunitários de saúde na Estratégia Saúde da Família: metassíntese. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 52, n. 14, p. 1-13, 2018.).

Esta pesquisa analisa o significado da experiência de formação do ACS, baseada na proposta de educação problematizadora prevista no referencial teórico de curso técnico dos Ministérios da Educação e da Saúde em um município do Sul do Brasil, na perspectiva dos educandos e de gestores da Secretaria Municipal de Saúde e das instituições de ensino envolvidos com a implantação, desenvolvimento e acompanhamento pedagógico do curso.

Metodologia

Pesquisa de abordagem qualitativa de abordagem fenomenológica (MERLEAU-PONTY, 2006MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006.) que teve como estudo de caso a formação do ACS a partir de curso técnico baseado na proposta de educação problematizadora. A proposta pedagógica do curso está apresentada no quadro 1.

Quadro 1
Proposta pedagógica do curso técnico para a formação do ACS

O estudo foi realizado em um município do Sul do Brasil onde ocorreram todas as etapas do curso técnico, entre 2015 e 2017. Dos 136 ACS do município, 45 concluíram o curso, divididos em duas turmas. Foram convidados a participar da pesquisa os ACS que finalizaram o curso técnico, trabalhadores das 14 Unidades de Saúde da Família do município (n=45); gestores da saúde vinculados à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) que participaram da implantação e do desenvolvimento do curso técnico (n=2) e da educação, vinculado às instituições de ensino que acompanharam o percurso pedagógico do curso (n=1).

Os ACS foram selecionados intencionalmente, levando em consideração a representatividade das 14 Unidades de Saúde em que atuavam. O critério de inclusão foi ter terminado o curso técnico. Foram excluídos da pesquisa os ACS que estavam em período de férias ou outro tipo de afastamento na etapa de realização das entrevistas. Já os gestores foram selecionados por seu envolvimento com o curso, ou seja, foram incluídos os gestores da saúde que estiveram presentes desde a contratualização do curso e que também atuaram como docentes-facilitadores e o gestor da educação que participou do treinamento dos facilitadores do município e manteve o apoio pedagógico durante todo o curso.

Tanto os docentes-facilitadores do curso (responsáveis pelos encontros teóricos) quando os supervisores (coordenadores dos ACS que supervisionavam as atividades teórico-práticas de campo) eram ligados à SMS e foram capacitados pelas instituições de ensino parceiras (Hospital Público de Ensino e Instituto Federal de Educação).

Foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas (quadro 2), gravadas e transcritas, além da análise documental dos portfólios dos ACS educandos e do Projeto Pedagógico de Curso (PPC). Os portfólios foram solicitados aos ACS no momento do convite para participação na pesquisa.

Quadro 2
Questões norteadoras do roteiro de entrevistas

Nas entrevistas, o tamanho da amostra para os ACS foi determinado pela avaliação da densidade do material textual de pesquisa aliado ao critério da saturação teórica, ou seja, as entrevistas foram encerradas quando se entendeu que novas falas passaram a ter acréscimos pouco significativos em vista dos objetivos propostos pela pesquisa, (FONTANELLA , 2011FONTANELLA, B. J. B. et al. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 27, n. 2, p. 389-394, fev. 2011.). Ao final, 17 entrevistas foram realizadas, de dezembro de 2017 a janeiro de 2018. Cada entrevista teve duração aproximada de 40 minutos, totalizando 13 horas de gravação.

O material produzido foi interpretado pela análise temática de conteúdo (BARDIN, 2011BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.), com o apoio do software Visual Qualitative Data Analysis (ATLAS.ti). Essa análise seguiu as etapas de pré-análise (corpus), exploração do material (dados brutos codificados em temas e depois em categorias) e tratamento dos dados obtidos e, por fim, a interpretação de acordo com o quadro teórico e os objetivos propostos (BARDIN, 2011BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer no 2.421.138) e pelo Núcleo Municipal de Educação e Saúde Coletiva do município. Para preservar o sigilo na identificação dos participantes de pesquisa nas entrevistas, cada um recebeu um número de E1 a E17 com a seguinte codificação: EE - Entrevista Educandos (ACS); EGS - Entrevista Gestor da Saúde; EGE - Entrevista Gestor da Educação. O material textual analisado referente aos portfólios e Projeto Pedagógico de Curso foi identificado nos resultados como AP (para análise do Portfólio) e APPC (para análise do Projeto Pedagógico de Curso).

Resultados

Participaram da pesquisa 14 ACS e três gestores (tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos participantes da pesquisa

Temas principais foram identificados e, após, categorias - unidades de codificação de significados - emergiram. Essas categorias expressam a forma de organização e apresentação dos resultados (quadro 3).

Quadro 3
Temas e categorias de análise

Expectativas em relação à formação: oportunidade de qualificação profissional, capacitação e aprendizado técnico

Todos os ACS que integravam as equipes de Saúde da Família do município foram convidados a se inscrever e participar do curso técnico (critério único de seleção), porém, nem todos o fizeram. Se por um lado havia a expectativa dos ACS em relação ao curso de uma formação que ultrapassasse ‘a capacitação’, trazendo a possibilidade de “descobrir o que é ser ACS” (EE5), também havia a percepção de um curso que “fosse ser mais uma capacitação que as pessoas fossem lá e fossem falar tudo que a gente já sabe” (EE9), “que não valeria a pena fazer depois de tanto tempo trabalhando como agente comunitária, o que eu vou aprender lá no curso?” (EE3). Parte dos ACS, por esse motivo, não demonstrou interesse em se inscrever no curso. “Muitos ACS não quiseram fazer. [...] Eles diziam, ‘Ah, isso, para nós, não vai fazer diferença, não vai acrescentar nada porque a gente já está trabalhando na área” (EE4).

Os ACS também relataram uma expectativa de que o curso fosse agregar aprendizados relacionados a “coisas mais palpáveis para o meu trabalho”, como “ver a pressão em casa” (EE10EE11), “ver glicemia”, “ganhar um curso técnico de Enfermagem” (EE1), o que poderia trazer maior respeito e valorização à profissão. “[...] meu Deus, quanto a gente ia ser mais valorizado!” (EE1).

ACS reconheceram a importância das explicações sobre os objetivos do curso técnico que ocorreram nas primeiras aulas, tornando-os receptivos para novas aprendizagens. “[...] foram aprendidas muitas coisas bem interessantes que nós nem imaginávamos” (EE11).

Mais do que aulas, encontros: do ensino de “sentar e copiar do quadro” ao desafio do aprendizado compartilhado

Entendendo que a formação era voltada para trabalhadores cuja identidade profissional vai se constituindo a partir do cotidiano do trabalho - “formação na prática” -, o curso buscou valorizar esta experiência de trabalho do ACS, em um processo educativo participativo.

Estamos falando da educação de trabalhadores. Esse ACS é um trabalhador que tem a formação na prática. [...] Ele não é como todos os profissionais de saúde que, antes de chegar no seu local de trabalho, já tem uma formação profissional. O processo de formação é a partir do cotidiano, pensando no trabalhador que já tem conteúdo, experiência, vivência e o que a gente tem que fazer é colocar esse cotidiano no âmbito de uma reflexão. É um processo educativo participativo (EGE17).

Tratava-se de uma proposta pedagógica cuja intencionalidade era incentivar o uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem-avaliação que valorizassem as experiências de vida e de trabalho dos educandos, estimulando uma “[...] postura de pesquisa, curiosidade, reflexão, cooperação e solidariedade, estabelecendo relação com o meio em que está inserido, as quais auxiliam na formação humana e sua atuação no mundo” (APPC).

Esta estratégia pedagógica de “metodologias que relacionassem a prática do dia a dia com o conhecimento teórico apresentado” (EGS16), “sobre aquilo que tu estás fazendo”, valorizando as “experiências dos ACS” (EE9), mostrou-se facilitadora das aprendizagens.

O curso foi organizado em regime semestral por disciplinas, com carga horária de 1300 horas distribuídas em três semestres. As aulas teóricas aconteciam em dois dias da semana (16 horas semanais/96 semestrais) e contemplavam momentos de atividades individuais, mas predominavam atividades coletivas, em grupos. As aulas teóricas eram bastante participativas e sempre partiam de um filme ou uma leitura em grupo sobre tema de interesse do ACS (dinâmica de grupo inicial). A seguir, iniciava-se a discussão disparadora sobre o assunto em questão, onde todos tinham a liberdade de falar e se expressar, trocar ideias. Após a discussão, produções textuais em grupo, oficinas, teatros ou paródias eram desenvolvidas pelos ACS. Os ACS eram liberados da carga horária de trabalho para participarem das aulas teóricas. A carga horária prática do curso estabelecia-se no contexto do trabalho do ACS, junto às equipes e usuários-famílias-comunidade e incluíram desde entrevistas com usuários e profissionais da equipe até temas específicos trabalhados no curso a serem discutidos em reuniões de equipe (APPC).

A metodologia foi percebida como não “tradicional”, que ao invés do “sentar e copiar do quadro” (EE5) apresentava “aulas bem participativas, se tinha alguma dúvida já parava e perguntava, todos juntos” (EE9), “não era uma coisa cansativa, não era aquela coisa que a gente ia para lá e lia, lia, lia, não. [...] sempre a gente tinha toda a oportunidade de falar e de conversar e de se expressar” (EE10). As oficinas e dinâmicas que traziam o conhecimento teórico, também estimulavam o desenvolvimento de “habilidades humanas dos Agentes” (EGS16), o que foi importante para que os ACS conseguissem “acompanhar” e “fixar os conteúdos” (EE5EE8) e se mantivessem estimulados e interessados no curso.

A maioria dos ACS já tem uma determinada idade, faz algum tempo que deixou de estudar naquele ensino tradicional, de sentar e copiar do quadro. Essa maneira nova, diferente, ajudou demais, não só a mim, aos meus colegas também. Se fosse para sentar numa classe e copiar as matérias no quadro, acho que a maioria tinha desistido, não ia conseguir acompanhar. Foi muito importante essa metodologia utilizada (EE5).

Na percepção dos ACS, as dinâmicas, relatos de experiência, trocas de saberes e encenações do cotidiano de trabalho, permitiam a identificação com “situações do dia a dia da Unidade” (EE12), fazendo com que o ACS olhasse “com outros olhos para a realidade” (EE13) e buscasse “mais de uma maneira de resolver os problemas” (AP).

[...] Mais do que aulas, foram ENCONTROS, e gostamos do que foi feito. Muitas coisas ficarão esquecidas, mas a aprendizagem usando os objetos, com certeza não vamos esquecer. [...] O que mais vai ficar na memória são as coisas que hoje enxergamos de outra forma (AP).

ACS perceberam a potência do aprendizado compartilhado, em grupos de discussão com diferentes composições, onde todos se ajudavam a entender o que estava sendo discutido. Era uma construção coletiva “completamente nova” para esses educandos, que se propunha ao entendimento e à discussão, favorecendo o surgimento de outras ideias. “Muitas coisas nós aprendemos juntos, foi uma construção junta” (EE5).

Princípios da educação popular de explorar a criatividade e o pensamento livre trouxeram um sentimento de empoderamento ao educando, pela capacidade de criação vivenciada. “Isso empodera o aluno, vê que é capaz de muitas coisas, inclusive de criar, que é algo que a gente vai sendo podado ao longo da vida” (EGE17).

Nesse processo educativo, a relação entre os docentes-facilitadores e educandos não pode ser uma relação hierárquica vertical, mas uma relação horizontal de cooperação e compreensão mútua. De modo geral, a percepção foi de que a interação entre os docentes-facilitadores e ACS era marcada pela “troca de ideias” (EE3), onde o educando questionava e contribuía com seu próprio conhecimento e vivências prévias e os facilitadores também aprendiam com os educandos, “eles mesmos disseram mais de uma vez, que estavam aprendendo junto conosco determinados assuntos” (EE5).

Mesmo os ACS mais tímidos, mostraram evolução a cada apresentação em sala de aula, adquirindo um “jogo de cintura” importante para o seu trabalho diário.

A cada dia que tinha uma apresentação ou para ler em voz alta, inventar um verso, conseguimos ver a melhora de cada um [...]. A gente precisa disso, a gente lida com o povo, a gente está em tudo que é situação, então tem que ter um jogo de cintura, e não pode ser muito tímido, senão na primeira vez que disserem ‘não’ para ti, tu nunca mais voltas naquela casa (EE9).

Expressões de um processo educativo para o trabalho e para a vida

Na percepção dos ACS, a formação no curso técnico agregou conhecimentos que facilitaram a “abordagem às famílias”, o que trouxe “segurança e confiança” ao trabalho na APS, “dentro e fora da Unidade” (AP).

[...] te preparam para abuso de criança, para mulher que apanha, mulher que tem violência doméstica. Onde levar, orientar a pessoa aonde ir. Isso foi muito rico, porque a gente vai debatendo, crescendo e descobrindo formas de como melhorar o nosso atendimento. [...] carteirinhas de idoso, da criança, Hiperdia, curvatura da evolução do bebê, eu não tinha muita noção. Até explicar para as mamães que o filho está evoluindo bem, está dentro do peso (EE2).

A partir do curso, o entendimento de saúde dos ACS é “ampliado” (EE7), incluindo “aspectos de legislação, de direitos das pessoas” (EE1), percebendo a doença das pessoas “a partir de problemas sociais, psicológicos, do ambiente de trabalho” (EE1), a “singularidade de cada casa” (AP), “onde tinha que focar mais, observar, perguntar, olhar” (EE12), “o que pode estar por trás daquela doença, daquela pessoa e trazer isso para os profissionais aqui da Unidade para daí sim, juntos, podermos traçar o plano terapêutico” (EE5). Assim, a visita domiciliar passou a ser um “universo de possibilidades” (AP), não “simplesmente uma visita formal, vai ter que fazer um olhar em todo o contexto, as questões do meio ambiente, as questões sociais, as questões do sistema familiar o que está implicado ali, quais são os emaranhamentos que tem naquele contexto e que está influenciando no processo saúde/doença” (EGE17).

Apesar de terem a equipe para compartilhar, os ACS entendem que seu trabalho é “solitário” (EE14), são eles que estão na casa da pessoa, em contato próximo com as famílias. “Tu és uma pessoa só, às vezes, para lidar com 500, 600 pessoas, e cada um tem um problema, e eles querem que tu dê a solução (EE3).

Após a conclusão do curso, esses profissionais se sentem mais “tranquilos” (EE3EE14), sabendo lidar melhor com as frustrações, evitando “entrar em sofrimento” (EE14), pois entenderam as limitações de seu trabalho (EE2) e não se sentem mais culpados quando não conseguem, sozinhos, a resolução dos problemas das pessoas. “[...] eu tenho que compartilhar, eu tenho que buscar ajudar e não entrar em sofrimento por conta desses problemas” (EE14).

Outro aspecto que merece destaque no significado dessa formação, foi a compreensão do papel e atribuições do ACS na equipe da ESF, o que era uma das intencionalidades pedagógicas do curso.

Partimos do pressuposto de que eles [ACS] tinham que se entender como profissionais de saúde e daí entender seu papel. [...] A ideia do curso era isso: profissionalizar esses profissionais, eles se entenderem como trabalhadores da saúde (EGS15).

Antes de realizarem o curso, os ACS acreditavam que suas atribuições eram “cadastrar os usuários e oportunizar o acesso das pessoas à Unidade de Saúde”, um “carregador de informações” do serviço aos usuários (EE5). Com a formação no curso técnico, a percepção ACS sobre seu trabalho se transforma, passa a envolver atividades de educação e promoção da saúde das pessoas, famílias e comunidade - alimentação mais saudável, práticas de exercícios, cuidar do seu ambiente, fazer com que a comunidade se integre mais em cuidar determinados fatores de risco que possam ter no seu território (EE5) -, evitando práticas vistas como “paternalistas”, de ir “com as pessoas ao médico, fazer exames”, do “fazer pelo outro” (EE3EE9).

Esse entendimento de competências gera nos ACS um sentimento de que fazem “parte da equipe” (EE3), com maior “abertura para falar, dar opinião, trazer o ponto de vista do usuário” (EE8), onde “não tem ninguém melhor do que ninguém” (EE5). Os ACS perceberam que os colegas da equipe também conseguiram vê-los como “profissionais da saúde” e não mais “como um menino de recados” (EE5), valorizando o conhecimento trazido pelo Agente e o papel desse profissional no processo de cuidado em saúde.

O conhecimento adquirido no curso tornou os ACS profissionais mais críticos e questionadores, o que trouxe repercussões ao próprio funcionamento dos serviços por meio da utilização de novas “ferramentas de trabalho”, contribuindo com as “reuniões de equipe, na organização do plano de ação da Unidade, na interação com a comunidade” (EE3).

[...] na medida em que o Agente está mais qualificado, está profissionalizado, tem consciência da importância do seu trabalho, sabe o seu lugar, seu papel... com certeza ele vai influenciar na mudança de todo o modelo de atenção e saúde da equipe (EGS16).

Para os ACS, o curso extrapolou os ganhos técnicos com o fazer relacionado à profissão, qualificando suas habilidades interpessoais, pois se tornaram “seres humanos melhores” (EE2), com maior capacidade de tentar se “colocar no lugar do outro” (EE9). “[Antes do curso] eu acabava afastando as pessoas com o meu jeito de ser, brigava muito com as pessoas” (EE11).

As reflexões trazidas pelo curso sobre temas complexos - usuários de drogas, violência contra mulher, machismo, feminismo, bolsa família - foram decisivas para que os ACS se despissem de seus “preconceitos”, do “pré-julgar” e, por isso, sentiram mais facilidade em lidar com as pessoas, a “ver o outro, humano” (EE2EGS15).

Para os gestores, foi muito gratificante participar desse crescimento dos educandos enquanto pessoas. Fazer parte desse processo também os fez aprender.

Muitos me falaram que esse curso não foi para trabalho, foi para a vida, então, para minha vida também. [...] [Vimos] a evolução das pessoas. Todos nós aprendemos. [...] eu posso te dizer que eu evoluí enquanto ser humano, enquanto pessoa (EGS15).

Desafios que marcaram o processo educativo: o que pode qualificar uma proposta de formação para o ACS

Desafios fizeram parte do desenvolvimento do curso. Ao serem apresentados às metodologias ativas organizadas em grupos de trabalho, os ACS sentiram dificuldades e estranhamentos com a proposta. A presença de um docente-facilitador, da mesma forma, precisou de um tempo de adaptação, uma vez que os ACS tinham a expectativa de que os educadores tivessem características de um professor transmissor de conhecimentos, relatando que “a pessoa que está lá na frente precisa passar segurança para quem está lá atrás” e que os docentes, por vezes, “pareciam não ter preparado a aula” (EE11). Conforme as atividades se desenvolveram, as metodologias ativas foram sendo assimiladas pelo grupo.

Até o convívio com os colegas [foi um aprendizado], a gente trabalhava bastante em grupo. Foi difícil, mas acho que ajudou bastante (EE4).

Gestores e ACS também perceberam situações nas quais havia dificuldades com os docentes-facilitadores na compreensão da metodologia das aulas propostas - “como fazer” -, aulas essas que, inicialmente, se mostraram desorganizadas, apesar do auxílio pedagógico recebido da gestão do curso.

[...] a gente sempre capacitava os facilitadores antes de um novo livro, mas sentia uma dificuldade muitas vezes maior dos profissionais do que dos ACS em determinadas atividades, na compreensão do como fazer (EGS15).

Tinha professores que às vezes não sabiam o que iam fazer lá na frente... davam uma lida ali na apostila e falavam para a gente, foi desorganizado no começo. [...] primeiro falam uma coisa depois falam outra, aí tu começas a fazer do jeito que foi falado, quando vê é descontado ponto porque tu estás fazendo errado, [...] e não é uma pessoa que fez errado, foi a sala inteira (EE11).

Essa dificuldade dos docentes-facilitadores se refletia nas experiências de ensino do curso. Em determinados momentos da formação, os ACS perceberam que houve um tempo excessivo de discussões de determinadas temáticas sem uma finalização ou ausência de entendimento do objetivo do uso da metodologia ativa.

[...] Ficar muito tempo debatendo uma coisa, discutindo um assunto que não vai te levar a nada... Não levada a nenhuma solução, nenhuma ideia nova (EE3).

Também os supervisores que acompanhavam os ACS nas Unidades de Saúde mostraram dificuldades no entendimento das atividades propostas pelo curso, o que levou a situações de conflito entre supervisores e ACS.

[...] os agentes imergiam tanto no assunto, tinham vontade de fazer, por vezes os supervisores não tinham o mesmo entendimento, então, dava um certo conflito (EGS15).

Os supervisores ainda deveriam acompanhar a construção dos portfólios dos ACS, o que nem sempre ocorria. Houve relatos em que os supervisores “nunca olharam” (EE6), o que gerou um sentimento de tristeza nesses ACS.

Curso técnico enquanto experiência e a perspectiva da educação permanente

A formação no curso técnico durou um ano e meio, constituindo-se em uma experiência que marcou seus participantes. Uma das marcas dessa experiência foi a solenidade de formatura que ocorreu ao final do curso. Foi um momento que afetou não só a vida profissional desses educandos, mas também a pessoal.

A formatura com toga, que eu jamais imaginei que fosse usar uma toga na minha vida! Eu vi minha filha e minha netinha gritando “Dá-lhe minha vó, essa é minha vó!” [chorando]. Foi um dos momentos mais bonitos da minha vida toda! (EE2).

As atividades de campo em diferentes territórios, também foi trazida como marcante na experiência.

O que marcou foi a visita de campo que a gente foi em outros territórios, que a gente trocou. Teve uma equipe que veio aqui um dia e a gente foi lá e daí a gente conheceu toda a Unidade e conheceu o território delas, isso marcou (EE9).

Para os ACS que estavam ingressando na profissão, fazer o curso trouxe a possibilidade da descoberta pela “paixão” que esses profissionais tinham por seu trabalho na ESF, que não era inicialmente compreendido por esse grupo. “Para mim era só mais um serviço que eu recebia o salário. Depois que fiz o curso, eu comecei a sentir essa paixão pela Saúde da Família que eu vejo nas pessoas” (EE8).

Os gestores trouxeram como significativa a sensação de “missão cumprida, de ter apoiado, contribuído de certa forma, poder ter tornado viável o projeto, ter acreditado que o projeto seria possível”, pois mesmo com as dificuldades que encontraram no percurso, o entusiasmo dos ACS os fez seguir em frente sempre, tornando-se um “projeto muito contagiante” (EGE17).

A “parceria” entre os colegas de curso e desses com os docentes-facilitadores (EE10), e também a “troca de conhecimento entre as pessoas” (EE7), marcaram a experiência da formação.

Os ACS relatam que gostariam de continuar a educação permanente, para que não fiquem no ato “mecânico” da repetição de tarefas (EE6) ou “só falar sobre casos” e sigam “trocando ideias”, “aprimorando” seu trabalho (EE3) e “mudando o dia a dia” (EE10). Fazer o curso trouxe “aprendizado” e abriu um “leque” de possibilidades, despertando desejos e perspectivas. “Quero, a partir desse ano, começar a ler as obras do Paulo Freire [...] Vou fazer o ENEM, quero continuar estudando!” (EE2).

Ao final da formação, o sentimento dos ACS foi de “gratidão aos professores e colegas” por terem vivenciado essa experiência educativa, marcada pelo aprender com “prazer” e “significado”, que se refletiu no querer melhorar o fazer profissional (EE14).

Discussão

Esta pesquisa teve como tema central a análise do significado da experiência do processo educativo baseado na educação problematizadora em curso técnico para Agentes Comunitários de Saúde, a partir da percepção de educandos e gestores. A perspectiva teórica utilizada para a análise foi a da fenomenologia enquanto estudo da significação e das essências (MERLEAU-PONTY, 2006MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006.), baseada nos conceitos de percepção, experiência e vivência.

A percepção é a maneira como as coisas chegam até nós por meio dos nossos sentidos. As informações trazidas pela percepção deveriam estar em um lugar de destaque, pois elas permitem uma verdade mais autêntica do que aquilo que se constrói pelo pensamento, que é frequentemente o mais valorizado. A percepção não é uma construção, mas um modo de sentir o mundo (MATTHEWS, 2011MATTHEWS, E. Compreender Merleau-Ponty. 2. ed. Petrópolis: Vozes , 2011.). Já a experiência, segundo Larrosa (2002LARROSA, J. B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, 2002.), é “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (p. 21). As pessoas passam por muitos acontecimentos ao longo da vida, mas nem todos vão realmente tocá-las e tornar-se-ão experiências. A experiência é algo totalmente individual, sendo que o mesmo acontecimento pode ter ocorrido a diversas pessoas, no mesmo local, ao mesmo tempo, mas cada uma delas teve uma experiência distinta, única, particular, ou pode nem ter tido uma experiência (LARROSA, 2002LARROSA, J. B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, 2002.). Para que exista a experiência, é necessário, portanto, que exista a pessoa, já que a experiência é relacionada diretamente aos sentimentos e sensações. Para que ela ocorra, também é necessário tempo. Tempo para pensar, olhar, escutar e sentir (PIRES, 2014PIRES, E. G. Experiência e linguagem em Walter Benjamin. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 813-828, jul./set. 2014.).

Este estudo mostrou experiências vividas por um processo educativo com significados expressos pela qualificação do trabalho dos ACS, agregando conhecimentos e informações no que se refere à abordagem e orientação às famílias, no momento das visitas domiciliares e possibilitou a ampliação do entendimento do conceito de saúde desses profissionais. Os aprendizados trouxeram “mais segurança e confiança”, maior preparação para lidar com situações complexas e frustrações inerentes ao processo de trabalho.

A experiência de educação problematizadora no curso técnico também se mostrou potente para o reconhecimento das atribuições do ACS na equipe e nos limites das intervenções com os usuários, o que merece destaque pela falta de dimensionamento das atribuições desse profissional (ALONSO; BÉGUIN; DUARTE, 2018ALONSO, C. M. C.; BÉGUIN, P. D.; DUARTE, F. J. D. M. Trabalho dos agentes comunitários de saúde na Estratégia Saúde da Família: metassíntese. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 52, n. 14, p. 1-13, 2018.), as quais são amplas e pouco delimitadas (TOMAZ, 2002TOMAZ, J. B. C. O agente comunitário de saúde não deve ser um “super-herói”. Interface comun. saúde educ. Botucatu, v. 6, n. 10, p. 75-94, fev. 2002. ). Não é incomum o excesso de funções previstas ao ACS (QUEIRÓS; LIMA, 2012QUEIRÓS, A. A. L.; LIMA, L. P. A institucionalização do trabalho do agente comunitário de saúde. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 257-81, 2012. ), de modo que toda e qualquer ação relacionada às famílias e ao território lhe seja atribuída, além das atividades burocráticas e adicionais que deveriam ser compartilhadas entre os profissionais da equipe. Aliam-se a esse cenário de trabalho dos ACS, treinamentos pontuais e fragmentados, fora do contexto e sem uma sequência lógica, por essa falta de delimitação clara de suas atribuições e até entendimento de sua própria função (TOMAZ, 2002TOMAZ, J. B. C. O agente comunitário de saúde não deve ser um “super-herói”. Interface comun. saúde educ. Botucatu, v. 6, n. 10, p. 75-94, fev. 2002. ; WAI; CARVALHO, 2009WAI, M. F. P.; CARVALHO, A. M. P. O trabalho do agente comunitário de saúde: fatores de sobrecarga e estratégias de enfrentamento. Rev. Enfermagem. UERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 563-568, out-dez. 2009.; MOTA; DOSEA; NUNES, 2014MOTA, C. M.; DOSEA, G. S.; NUNES, P. S. Avaliação da presença da Síndrome de Burnout em Agentes Comunitários de Saúde no município de Aracaju, Sergipe, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. , Rio de Janeiro, v. 19, n. 12, p. 4719-4726, dez. 2014.; ALMEIDA; BAPTISTA; SILVA, 2016ALMEIDA, M. C. S.; BAPTISTA, P. C. P.; SILVA, A. Cargas de trabalho e processo de desgaste em Agentes Comunitários de Saúde. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 5050, n. 11, p. 95-103, 2016. ).

Esse reconhecimento das atribuições foi construído ao longo do curso, sendo estimulado pela proposta da educação baseada na teoria da pedagogia problematizadora de Paulo Freire (FREIRE, 2006FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra , 2006.; STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2010STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. Dicionário Paulo Freire. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.). A ação de problematizar, para Freire (2006)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra , 2006., acontece a partir da realidade que cerca o sujeito, a partir de sua práxis. Nessa ação, o sujeito busca soluções para a realidade em que vive, tornando-o capaz de transformá-la pela sua própria ação, ao mesmo tempo em que se transforma e vai identificando novos problemas num processo ininterrupto de busca e transformação (FREIRE, 1996FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.; BORDENAVE; PEREIRA, 2008BORDENAVE, J. D.; PEREIRA, A. M. Estratégias de ensino-aprendizagem. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.).

Agentes comunitários e gestores perceberam a metodologia problematizadora como um diferencial do curso, causando estranhamentos iniciais dos educandos, que esperavam pela metodologia ‘tradicional’ de ensino - “sentar e copiar do quadro” -, na qual o educando é um mero expectador, permanecendo em posição passiva de absorver e repetir conhecimentos transmitidos pelo professor, sem desenvolver a crítica e a reflexão (MITRE , 2008MITRE, S. M. et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Ciênc. Saúde Colet. Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 2133-2144, 2008.). Com métodos ativos, aulas dinâmicas e participativas os ACS se sentiram estimulados a seguir o curso até sua conclusão, tornando-os estratégicos para a satisfação com os momentos em sala de aula (BARBOSA; MOURA, 2013BARBOSA, E. F.; MOURA, D. G. Metodologias ativas de aprendizagem na educação profissional e tecnológica. B. Tec. Senac, Rio de Janeiro, v. 39, n. 2, p. 48-67, maio-ago. 2013.).

Trata-se de assumir o caráter político da educação, estimulando a postura crítica do educando, já que os problemas/temas a serem estudados são intencionalmente obtidos a partir da observação da realidade, com todas as suas complexidades (CYRINO; TORALLES-PEREIRA, 2004CYRINO, E. G.; TORALLES-PEREIRA, M. L. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 780-788, maio/jun. 2004.; BERBEL, 1998BERBEL, N. A. N. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Interface comun. saúde educ., Botucatu, v. 2, n. 2, p. 139-154, 1998. ). Está apoiada no processo de aprendizagem pela descoberta, de forma que os conteúdos não são oferecidos aos educandos em sua forma final. Esses recebem os conteúdos em forma de problemas para que façam suas descobertas e construção de conhecimentos, sempre levando em conta suas vivências prévias. Estabelece-se, portanto, uma formação na premissa de que a construção do conhecimento ocorre a partir da vivência de experiências com aprendizados significativos (CYRINO; TORALLES-PEREIRA, 2004CYRINO, E. G.; TORALLES-PEREIRA, M. L. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 780-788, maio/jun. 2004.) que promovem mudanças (STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2010STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. Dicionário Paulo Freire. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.).

Além de aprender conhecimentos voltados às atribuições específicas da profissão, o curso técnico trouxe a preocupação de oportunizar aos educandos uma prática pedagógica capaz de educar um ser ético, histórico, reflexivo, transformador e humanizado (CYRINO; TORALLES-PEREIRA, 2004CYRINO, E. G.; TORALLES-PEREIRA, M. L. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 780-788, maio/jun. 2004.). Nos relatos sobre o curso, os ACS se perceberam seres humanos melhores, com maior capacidade de buscar a perspectiva do outro no processo de cuidado, caracterizando a empatia, o que pode influenciar na qualidade da relação profissional da saúde-usuário (STRECK, 2016STRECK, D. R. Metodologias participativas de pesquisa e educação popular: reflexões sobre critérios de qualidade. Interface comun. saúde educ. Botucatu, v. 20, n. 58, p. 537-547, 2016.) e na capacidade de produção do vínculo entre ambos. O vínculo, enquanto tecnologia relacional, destaca-se no processo de cuidado por favorecer a mudança do modelo de atenção centrado na doença para um modelo centrado na pessoa (PINHEIRO; OLIVEIRA, 2011PINHEIRO, P. M.; OLIVEIRA, L. C. A contribuição do acolhimento e do vínculo na humanização da prática do cirurgião-dentista no Programa Saúde da Família. Interface comun. saúde educ. Botucatu, v. 15, n. 36, p.187-198, jan./mar. 2011.).

A valorização das metodologias ativas de ensino-aprendizagem-avaliação presentes ao longo de todo o processo educativo permitiu aos ACS que ocupassem a posição de protagonistas em relação ao seu aprendizado, sendo estimulada a curiosidade (CARDOSO , 2017CARDOSO, M. L. M. et al. A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde nas Escolas de Saúde Pública: reflexões a partir da prática. Ciênc. Saúde Colet. , Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1489-1500, 2017.) e a tomada de decisões pela ação-reflexão-ação (FREIRE, 2006FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra , 2006.; BERBEL, 1998BERBEL, N. A. N. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Interface comun. saúde educ., Botucatu, v. 2, n. 2, p. 139-154, 1998. ). Além de ouvir, os ACS também falavam, perguntavam, discutiam, problematizavam, construindo e compartilhando conhecimentos, ao invés de absorvê-los de forma passiva (BARBOSA; MOURA, 2013BARBOSA, E. F.; MOURA, D. G. Metodologias ativas de aprendizagem na educação profissional e tecnológica. B. Tec. Senac, Rio de Janeiro, v. 39, n. 2, p. 48-67, maio-ago. 2013.).

Os estranhamentos dos ACS e a dificuldade na condução das atividades teóricas pelos docentes-facilitadores a partir do uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem-avaliação expressa os desafios dessa formação. Nessa proposta, há uma desconstrução do papel do professor como fonte única de informação e conhecimento, o que requer uma mudança de postura para um educador que orienta e facilita o processo da aprendizagem, conduzindo um trabalho reflexivo junto aos educandos (BARBOSA; MOURA, 2013BARBOSA, E. F.; MOURA, D. G. Metodologias ativas de aprendizagem na educação profissional e tecnológica. B. Tec. Senac, Rio de Janeiro, v. 39, n. 2, p. 48-67, maio-ago. 2013.). A partir de um problema surgem outros possíveis desdobramentos sobre o tema, exigindo do educador e educandos o contato com situações ou conteúdos que não foram previstos em um primeiro momento, mas que precisarão ser investigados por serem relevantes à compreensão do problema (CYRINO; TORALLES-PEREIRA, 2004CYRINO, E. G.; TORALLES-PEREIRA, M. L. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 780-788, maio/jun. 2004.).

Cabe destacar as diferentes expectativas que os ACS tinham com o curso. Ao contrário das esperadas capacitações pontuais e sem conexão com as necessidades do trabalho do ACS, os resultados evidenciaram que o curso possibilitou uma “experiência” de educação permanente em saúde (EPS) que promove e produz sentidos (CECCIM; FEUERWERKER, 2004CECCIM, R. B.; FEUERWERKER, L. C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004. ; MICCAS; BATISTA, 2014MICCAS, F. L.; BATISTA, S. H. S. S. Educação permanente em saúde: metassíntese. Rev. Saúde Pública , São Paulo, v. 48, n. 1, p. 170-85, 2014.; CARDOSO , 2017CARDOSO, M. L. M. et al. A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde nas Escolas de Saúde Pública: reflexões a partir da prática. Ciênc. Saúde Colet. , Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1489-1500, 2017.) por meio da valorização de vivências e conhecimentos prévios dos educandos, da busca por alternativas de solução para os problemas a partir da contribuição do conhecimento acumulado de cada profissional e da conexão entre a teoria e os cotidianos de trabalho do ACS (CECCIM; FEUERWERKER, 2004CECCIM, R. B.; FEUERWERKER, L. C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004. ; MERHY; FEUERWERKER; CECCIM, 2006MERHY, E. E.; FEUERWERKER, L. C. M.; CECCIM, R. B. Educación permanente en salud: una estrategia para intervenir en la micropolítica del trabajo en salud. Salud Colectiva, Buenos Aires, v. 2, n. 2, p. 147-160, 2006.; CARDOSO , 2017CARDOSO, M. L. M. et al. A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde nas Escolas de Saúde Pública: reflexões a partir da prática. Ciênc. Saúde Colet. , Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1489-1500, 2017.). Estes resultados positivos em relação ao trabalho e à vida dos educandos também foram observados por Souza (2014SOUZA, K. M. et al. Práticas pedagógicas de Educação Popular em Saúde e a formação técnica de Agentes Comunitários de Saúde no município do Rio de Janeiro, Brasil. Interface comun. saúde educ. Botucatu, n. 18, v. 2, p. 1513-1522, 2014.), ao estudarem a versão do curso técnico para a formação do ACS ocorrida na cidade do Rio de Janeiro.

A expectativa dos ACS investigados nesta pesquisa de aprender procedimentos técnicos do núcleo da Enfermagem que pudessem valorizá-los como profissionais pelos usuários tem sido uma tendência quando se pensa no fazer do ACS (SIMAS; PINTO, 2017SIMAS, P. R. P.; PINTO, I. C. M. Trabalho em saúde: retrato dos agentes comunitários de saúde da região Nordeste do Brasil. Ciênc. Saúde Colet. Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1865-1876, jun. 2017.; NUNES , 2002NUNES, M. O. et al. O agente comunitário de saúde: construção da identidade desse personagem híbrido e polifônico. Cad. Saúde Pública . Rio de Janeiro, v. 18, n. 6, p. 1639-1646, dez. 2002.), sendo reforçada pela atualização da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), em 2017 e pela Lei n. 13.595, de 2018, que dispôs sobre a reformulação das atribuições, jornada e condições de trabalho, grau de formação profissional, cursos de formação técnica e continuada e indenização de transporte dos ACS e Agentes de Combate às Endemias (BRASIL, 2018BRASIL. Lei nº 13.595, de 5 de janeiro de 2018. Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para dispor sobre a reformulação das atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 2018. ).

Ainda que as atividades individuais e coletivas de prevenção de doenças e de promoção da saúde por meio da Educação Popular estejam estabelecidas entre as atribuições do ACS, tanto a PNAB de 2017 quanto a Lei n. 13.595 incorporam novas atribuições ao ACS, como o executar, em caráter excepcional, a aferição de temperatura axilar e pressão, realizar medição de glicemia capilar e orientações/apoio relacionados à administração de medicamentos (BRASIL, 2017; BRASIL, 2018BRASIL. Lei nº 13.595, de 5 de janeiro de 2018. Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para dispor sobre a reformulação das atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 2018. ).

Essa tendência de valorização dos saberes biomédicos traz um deslocamento do eixo central do trabalho do ACS do processo educativo para o assistencial, podendo causar uma mudança importante no que diz respeito ao futuro da profissão que representa a categoria com maior contingente profissional na Atenção Básica e ao cuidado em saúde nos territórios (SILVA , 2018SILVA, J. A.; DALMASO, A. S. W. Agente de saúde comunitário: o ser, o saber, o fazer. Cad. Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1433-1434, set./out. 2004. ; SIMAS; PINTO, 2017SIMAS, P. R. P.; PINTO, I. C. M. Trabalho em saúde: retrato dos agentes comunitários de saúde da região Nordeste do Brasil. Ciênc. Saúde Colet. Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1865-1876, jun. 2017.).

O conhecimento característico e mais importante do ACS é justamente o saber popular e o conhecimento sobre a dinâmica social da sua comunidade, que lhes é genuíno (BORNSTEIN; STOTZ, 2008BORNSTEIN, V. J.; STOTZ, E. N. Concepções que integram a formação e o processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde: uma revisão da literatura. Ciênc. Saúde Colet., Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 259-268, jan./fev. 2008.). Existe, a partir dessas modificações, a preocupação sobre a possibilidade de retrocessos em relação ao modelo de atenção à saúde do país. Isso porque o ACS, além de possuir uma especificidade profissional de fazer o vínculo com a população, é sua voz dentro do sistema de saúde. É pelo trabalho do ACS que há a consolidação da relação saber e fazer popular em ato, valorizando questões culturais da comunidade, integrando o saber popular e o científico (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. O trabalho do agente comunitário de saúde. Brasília: Ministério da Saúde , 2009. 84p. ).

Argumenta-se, assim, pela necessidade do fortalecimento do papel desse profissional no SUS, qualificando suas ações na comunidade como um agente de promoção da saúde em um modelo que dialogue com as pessoas e que atue nas desigualdades em saúde. Para tanto, a formação do ACS, assim como a de todos os profissionais da saúde, deve pautar-se por processos educativos que garantam o que Almeida Filho (2011, p. 1.899)ALMEIDA FILHO, N. Higher education and health care in Brazil. Lancet, London, v. 377, p. 1898-1900, June 2011. considerou como “força de trabalho ideal para atendimento no SUS - ou seja, profissionais qualificados, orientados para evidência e bem treinados e comprometidos com a igualdade na saúde”.

Considerações finais

A proposta de educação problematizadora do curso técnico para ACS, valorizando metodologias ativas de ensino-aprendizagem-avaliação e experiências de vida e trabalho dos educandos trouxe aprendizagens relacionadas a sua habilidade de comunicação que facilitaram a abordagem/orientação do ACS às famílias e habilidades interpessoais, tornando-os seres humanos melhores, com maior capacidade de empatia pelo outro. Também ampliaram o entendimento destes profissionais sobre saúde, incluindo os determinantes sociais do processo saúde-doença, preparando-os para lidar com problemas complexos, o que trouxe segurança, confiança e tranquilidade ao processo de trabalho. Oportunizou, ao ACS, pensar e perceber suas atribuições profissionais na equipe da Saúde da Família para além do cadastro e facilitação no acesso à Unidade de Saúde aos usuários, envolvendo a responsabilização nas ações de educação e promoção da saúde das pessoas, famílias e comunidade. Os ACS passaram a sentir maior pertencimento à equipe. As atividades teórico-práticas desenvolvidas nas Unidades de Saúde desacomodaram as equipes, possibilitando um repensar do processo de trabalho até então estabelecido não só para os ACS que participaram do curso.

Se por um lado a metodologia do curso foi importante para que os ACS conseguissem acompanhar os conteúdos e se mantivessem estimulados e interessados no curso até sua conclusão, por outro, foi desafiadora em relação a sua compreensão e execução.

Pesquisas sobre o tema da formação e avaliação do trabalho do ACS que envolvam a percepção dos demais profissionais da equipe da Estratégia de Saúde da Família e usuários são recomendadas para o efetivo trabalho em equipe e a qualificação do SUS.11H. P. R. da Silva: idealização da pesquisa, construção do referencial teórico, produção e análise de dados, escrita do artigo. R.F.C. Toassi: idealização e coordenação da pesquisa, construção do referencial teórico, produção e análise de dados, escrita e revisão final do artigo.

Referências

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  • 1
    H. P. R. da Silva: idealização da pesquisa, construção do referencial teórico, produção e análise de dados, escrita do artigo. R.F.C. Toassi: idealização e coordenação da pesquisa, construção do referencial teórico, produção e análise de dados, escrita e revisão final do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2020
  • Revisado
    12 Dez 2020
  • Aceito
    10 Fev 2021
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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