Resumo
A pílula anticoncepcional feminina é um dos principais métodos contraceptivos utilizados na atualidade; já a pílula anticoncepcional masculina, apesar de ter sido pensada há mais de 50 anos, ainda não é comercializada. O objetivo do presente trabalho é compreender aspectos psicossociais da dinâmica da sociedade em relação a novas formas contraceptivas e examinar se novas formas contraceptivas direcionadas ao corpo do homem seriam acatadas. Em março de 2018, a revista Superinteressante postou em sua página do Facebook uma reportagem sobre uma pílula anticoncepcional masculina que foi bem-sucedida em sua primeira fase de teste. A postagem gerou grande comoção e surgiram muitos comentários expressando diferentes opiniões sobre o assunto. Foram submetidos à análise de conteúdo temático-categorial 294 comentários feitos nessa postagem. Os resultados revelam que esse método contraceptivo masculino aparece inscrito em um sistema representacional que salienta discussões sobre: efeitos colaterais da medicalização, a liberdade feminina, a ampliação da responsabilidade masculina na contracepção/cuidado com os filhos, a desconfiança em relação à postura feminina e outros aspectos que remetem a possíveis avanços científicos e sociais. Os dados analisados não podem ser generalizados, mas apontam para a aceitação de novas formas contraceptivas direcionadas ao corpo masculino.
Palavras-chave:
Pílula anticoncepcional; Pílula anticoncepcional masculina; Facebook; Representações sociais; Planejamento familiar.
ABSTRACT
The female contraceptive pill is one of the main contraceptive methods used today, while the male contraceptive pill, despite being thought of more than 50 years ago, is not yet commercialized. This work aims to understand psychosocial aspects of the dynamics of society in relation to new forms of contraception and to examine whether new forms of contraception directed to the male body would be accepted. In March 2018, the magazine Superinteressante posted on Facebook a report about a male contraceptive pill that was successful in its first test phase ; the post generated great commotion and many comments emerged expressing different opinions on the subject. 294 comments made on this post were submitted to thematic-categorical content analysis. The results indicate that this male contraceptive method appears inscribed in a representational system that highlights discussions about: side effects of medicalization, female freedom, the expansion of male responsibility in contraception/child care, distrust of the female posture and other aspects that refer to possible scientific and social advances. The analyzed data cannot be generalized, but point to the acceptance of new forms of contraception aimed at the male body.
Keywords:
Contraceptive pill; Male contraceptive pill; Facebook; Social représentations; Family planning.
Introdução
Desde sua criação na década de 60, a pílula anticoncepcional tem sido retratada no senso comum e nas produções acadêmicas como sinônimo de contracepção reversível feminina. Apesar de ser pensada há cerca de 50 anos, a pílula anticoncepcional masculina ainda não é comercializada e tem suscitado posicionamentos diferentes entre homens e mulheres, tornando-se, portanto, um assunto polêmico (PEREIRA; AZIZE, 2019aPEREIRA, G. M. C.; AZIZE, R. L. Quem tomará a “pílula masculina”? Reflexões sobre a construção do usuário de contraceptivos para homens. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro), n. 32, p. 20-39, 2019a. ).
Em comparação às possibilidades de uso para mulheres, os contraceptivos masculinos reversíveis ou temporários apresentam menor número de opções, tendo apenas a camisinha como possível escolha. Este descompasso de oferta remete a questões de gênero, uma vez que socialmente se atribui à mulher a responsabilidade pelo controle de fecundidade (CABRAL, 2017CABRAL, C. da S. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saúde e Sociedade, v. 26, p. 1093-1104, dez. 2017.; CARVALHO; PIROTTA; SCHOR, 2001CARVALHO, M. L.; PIROTTA, K. C.; SCHOR, N. Participação masculina na contracepção pela ótica feminina. Revista de Saúde Pública, v. 35, p. 23-31, fev. 2001. ), especialmente nos casos de gravidez indesejada (PADILHA; SANCHES, 2020PADILHA, T.; SANCHES, M. A. Participação masculina no planejamento familiar: revisão integrativa da literatura. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. Botucatu, v. 24, p. e200047, 20 nov. 2020.).
Uma das justificativas para a inexistência da pílula masculina reside na concepção do corpo feminino como mais apto a intervenções farmacológicas do que o corpo masculino, representado como mais “complexo” (PEREIRA; AZIZE, 2019aPEREIRA, G. M. C.; AZIZE, R. L. Quem tomará a “pílula masculina”? Reflexões sobre a construção do usuário de contraceptivos para homens. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro), n. 32, p. 20-39, 2019a. ). No escopo dos argumentos que sustentam a desigualdade de gênero respaldados na biologia, a concepção de que o ciclo menstrual e a produção de óvulos, por exemplo, seriam processos considerados mais simples quando comparados à espermatogênese, facilitaram o desenvolvimento de anticoncepcionais femininos (LEAL; BAKKER, 2017LEAL, T.; BAKKER, B. A mulher bioquímica: invenções do feminino a partir de discursos sobre a pílula anticoncepcional. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/22743 >. Acesso em: 7 jul. 2019.
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict... ; PEREIRA; AZIZE, 2019bPEREIRA, G. M. C.; AZIZE, R. L. “O problema é a enorme produção de espermatozoides”: concepções de corpo no campo da contracepção masculina. Saúde e Sociedade, v. 28, p. 147-159, 1 jul. 2019b. ).
Não se pode esquecer que, historicamente, o corpo da mulher é alvo do saber médico, sendo este esquadrinhado, analisado e patologizado desde o processo de planejamento familiar (refletindo as desigualdades de acesso a métodos contraceptivos e à interrupção da gravidez), passando pelas tecnologias de reprodução e pela assistência ao parto (PEREIRA; AZIZE, 2019aPEREIRA, G. M. C.; AZIZE, R. L. Quem tomará a “pílula masculina”? Reflexões sobre a construção do usuário de contraceptivos para homens. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro), n. 32, p. 20-39, 2019a. ). Nesse contexto, “os homens se tornaram espectadores passivos das decisões contraceptivas, pelos mesmos processos (sociais e tecnológicos) que tornaram as mulheres agentes por excelência do processo reprodutivo” (CABRAL, 2017CABRAL, C. da S. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saúde e Sociedade, v. 26, p. 1093-1104, dez. 2017., p. 1095).
Remontando aos estudos iniciais sobre os hormônios, Nelly Oudshoorn (1998OUDSHOORN, N. Hormones, technique et corps. L’archéologie des hormones sexuelles (1923-1940). Annales, v. 53, n. 4, p. 775-793, 1998.; 2003OUDSHOORN, N. The Male Pill. Durham: Duke University Press, 2003. ) mostra como processos históricos e sociais complexos colocam o corpo feminino como central na pesquisa hormonal, desde o início do século XX. Para a autora, é a aliança entre laboratórios de biologia e química, hospitais (a ginecologia em especial) e a indústria farmacêutica que transforma os estudos hormonais em sinônimo de estudos sobre a mulher. A andrologia surge apenas nos anos sessenta, em um contexto marcado por uma ideia socialmente partilhada de que os hormônios seriam agentes químicos duais da masculinidade e da feminilidade. Os estudos sobre pílula anticoncepcional masculina perdurariam assim tímidos, face ao investimento e à discussão em torno da pílula anticoncepcional feminina.
Em março de 2018, a revista Superinteressante publicou uma reportagem no Facebook com o seguinte título: “Anticoncepcional masculino tem sucesso no 1º mês de testes”. A reportagem se referia à pílula anticoncepcional masculina (DMAU), desenvolvida no Instituto Nacional de Saúde dos EUA, com funcionamento semelhante à pílula anticoncepcional feminina: precisa ser tomada uma vez ao dia e modula a quantidade de testosterona no corpo para evitar a produção de espermatozoides. Tratava-se de um medicamento que completou 30 dias de teste clínico com 83 homens saudáveis de 18 a 50 anos, se mostrou eficaz e com poucos efeitos colaterais (LEONARDI, 2018LEONARDI, A. C. Anticoncepcional masculino tem sucesso no 1o mês de testes. Superinteressante, [S.l.], 2018. Disponível em: <Disponível em: https://super.abril.com.br/saude/anticoncepcional-masculino-tem-sucesso-no-1o-mes-de-testes/ >. Acesso em: 18 jul. 2020.
https://super.abril.com.br/saude/anticon... ). A pesquisa mostrou um grande avanço no âmbito da contracepção hormonal direcionada a homens. A postagem desta reportagem sobre essa pílula anticoncepcional masculina gerou grande comoção. Sugiram comentários que expressaram diferentes opiniões sobre o assunto; pessoas sendo contra ou a favor em relação à possível nova forma de contracepção oral para homens. Esse contexto de expressão de opiniões, atitudes, crenças e representações acerca da contracepção foi explorado no presente estudo, buscando evidenciar as diferentes tomadas de posição.
Oliveira . (2017OLIVEIRA, F. Da C. et al. Novas páginas de pesquisa em Psicologia Social: o fazer pesquisa na/da internet. Psicologia e Saber Social, v. 6, n. 2, p. 186-204, 2017.) consideram a internet como um veículo de comunicação que tem a interatividade como característica marcante. De acordo com Miller e Slater (2004MILLER, D.; SLATER, D. Etnografia on e off-line: cibercafés em Trinidad. Horizontes Antropológicos, v. 10, p. 41-65, jun. 2004. ), os mundos on-line e off-line possuem uma relação complexa e nuançada, produzindo estruturas normativas, e não devem ser vistos como um sendo o contexto do outro. A interatividade pode ser entendida como uma transação de informações em um crescente contexto de plataformização. Segundo Helmond (2019HELMOND, A. A plataformização da web. In: OMENA, J. J. (Org.). Métodos Digitais: teoria-prática-crítica. Lisboa: ICNOVA, 2019. p. 49-62. , p 61), esse termo se refere “à emergência da plataforma como modelo econômico e infraestrutural dominante da web social, bem como às consequências da expansão das plataformas de mídias sociais em outros espaços on-line”. Assistimos, assim, à mudança dos sites de redes sociais para se constituírem plataformas de mídias sociais. Essas plataformas se caracterizam por permitir canais de dados com terceiros (HELMOND, 2019HELMOND, A. A plataformização da web. In: OMENA, J. J. (Org.). Métodos Digitais: teoria-prática-crítica. Lisboa: ICNOVA, 2019. p. 49-62. ), respondendo a demandas econômicas de mercantilização das atividades dos usuários, muitas vezes à sua revelia. As interações sociais na internet são capazes de gerar relações de solidariedade, afetividade, intimidade, sociabilidade, produção de conhecimento, mas podem gerar exclusão, violência e segregação (LÉVY, 1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999.).
Esse panorama de trocas é atualmente considerado um campo fértil para pesquisa sobre como as pessoas interpretam o mundo a sua volta e dão sentido aos acontecimentos de seu cotidiano. A plataforma Facebook, que tem mais de 1 bilhão de usuários ativos registrados, permite realizar pesquisas em que “representações sociais, crenças, sentimentos, valores e opiniões são amplamente repassados, construídos e discutidos” (OLIVEIRA , 2017OLIVEIRA, F. Da C. et al. Novas páginas de pesquisa em Psicologia Social: o fazer pesquisa na/da internet. Psicologia e Saber Social, v. 6, n. 2, p. 186-204, 2017., p. 193). As representações sociais são um sistema de interpretação que modula nossa relação com o mundo e com outros, orienta e organiza as condutas e as comunicações sociais, intervindo em processos como de difusão e assimilação dos conhecimentos, desenvolvimento individual e coletivo, na definição de identidades (grupais e individuais), nas expressões grupais e nas mudanças societais (JODELET, 2001JODELET, D. Um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. p. 17-44. ). A reconstituição simbólica do objeto da representação social é realizada por um sujeito ativo que busca compreender e conhecer o mundo que participa e, além disso, procura a resolução de enigmas centrais da sua existência (SIMONEAU; OLIVEIRA, 2014SIMONEAU, A. S.; OLIVEIRA, D. C. Representações sociais e meios de comunicação: produção do conhecimento científico em periódicos brasileiros. Psicologia e Saber Social , v. 3, n. 2, p. 281-300, 2014. ).
Moscovici (2003MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petropólis: Vozes, 2003. ) formula dois conceitos com a intenção de explicar o processo de formação de uma representação social, a objetivação e a ancoragem. A objetivação faz com que algo abstrato se torne concreto, transformando conceitos em imagens, retirando-os de seu quadro conceitual científico. Apoiando-se em concepções familiares para o indivíduo (TRINDADE; SANTOS; ALMEIDA, 2011TRINDADE, Z. A.; SANTOS, M. De F. S.; ALMEIDA, A. M. O. Ancoragem: notas sobre consensos e dissensos. In: ALMEIDA, A. M. O.; TRINDADE, Z. A.; SANTOS, M. de F. S. (Org.). Teoria das Representações Sociais: 50 anos. Brasília: Technopolitik, 2011, p. 133-162. ), o abstrato, complexo ou novo se tornam imagem concreta e significativa. Diz respeito a um processo que organiza os elementos constituintes da representação, possibilitando o caminho para que os elementos tenham materialidade (MOSCOVICI, 2003MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petropólis: Vozes, 2003. ). A ancoragem, por sua vez, refere-se à “incorporação ou assimilação de novos elementos de um sistema de categorias familiares e funcionais aos indivíduos, e que lhes estão facilmente disponíveis na memória.” (TRINDADE; SANTOS; ALMEIDA, 2011, p. 146TRINDADE, Z. A.; SANTOS, M. De F. S.; ALMEIDA, A. M. O. Ancoragem: notas sobre consensos e dissensos. In: ALMEIDA, A. M. O.; TRINDADE, Z. A.; SANTOS, M. de F. S. (Org.). Teoria das Representações Sociais: 50 anos. Brasília: Technopolitik, 2011, p. 133-162. ). Trata-se de um processo que possibilita a integração do objeto da representação em um sistema de valores socialmente partilhado. Por meio de processos sociocognitivos (atribuição de causalidade, jogos identitários, mobilização da memória social), a ancoragem permite que um novo objeto faça parte de um sistema de categorias previamente existentes, a partir dos laços que o objeto sustenta em sua inserção social (TRINDADE; SANTOS; ALMEIDA, 2011TRINDADE, Z. A.; SANTOS, M. De F. S.; ALMEIDA, A. M. O. Ancoragem: notas sobre consensos e dissensos. In: ALMEIDA, A. M. O.; TRINDADE, Z. A.; SANTOS, M. de F. S. (Org.). Teoria das Representações Sociais: 50 anos. Brasília: Technopolitik, 2011, p. 133-162. ).
Para Jodelet (2001JODELET, D. Um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. p. 17-44. ), a comunicação social traduz um ponto de grande importância para a formação de representações sociais através de três aspectos: a comunicação, sendo o vetor de transmissão da linguagem (sendo ao mesmo tempo, transmissora da linguagem e portadora de representações); a repercussão da comunicação sobre processos estruturais e formais de pensamentos sociais, levando em consideração que é algo que promove processos de interação social (como influência, dissenso e polêmica); e o fomento à fabricação de representações que, baseadas na energética social, são importantes para a vida dos grupos sociais.
As plataformas digitais, como o Facebook, são um ambiente de intensa interação entre os usuários e que são constantemente utilizadas como divulgador de informações, possibilitando uma análise de representações sociais de objetos polêmicos, controversos, inscritos na possibilidade de novas práticas sociais que engajam sistemas representacionais específicos e sistemas identitários, como é o caso da contracepção masculina.
O presente estudo pretende contribuir com um maior entendimento sobre como as pessoas produzem significados sobre a pílula anticoncepcional masculina, buscando analisar representações sociais deste objeto em um contexto de alta interação entre pessoas: uma postagem do Facebook na página da revista Superinteressante. Buscou-se também identificar tomadas de posição sobre o possível uso ou não do anticoncepcional masculino, compreender em que estão ancoradas as opiniões sobre o anticoncepcional masculino e explorar modulações das tomadas de posição sobre o anticoncepcional masculino em função do gênero dos internautas.
MÉTODO
Fontes
Em março de 2018 (momento da coleta dos dados), havia 735 comentários na página Facebook da revista Superinteressante11(https://www.facebook.com/Superinteressante/posts/10156967909062580?__tn__=-R) que foram coletados. Não houve recorte temporal na seleção dos comentários, todos foram incluídos na amostragem. Apenas essa postagem mensal foi realizada pela revista sobre a pílula anticoncepcional masculina, sendo os comentários selecionados da mesma publicação. Foram critérios de inclusão: todos os comentários nesta única postagem; foram critérios de exclusão: marcação de nomes sem manifestação de opiniões. Desta forma, foram analisados 294 comentários: 160 foram realizados por pessoas que se identificaram como mulheres e 134 foram realizados por pessoas que se identificaram como homens. Os outros 441 comentários eram apenas marcações de nomes de pessoas na postagem e por isso não compuseram o corpus de análise.
Procedimentos de análise
Os comentários foram submetidos à análise de conteúdo temático-categorial (OLIVEIRA, 2008OLIVEIRA, D. C. De. Análise de conteúdo temático-categorial: uma proposta de sistematização. Revista Enfermagem UERJ, v. 16, n. 4, p. 569-576, 2008.). A análise de conteúdo refere-se a procedimentos explícitos de análise textual utilizados em pesquisa social, possibilitando “reconstruir indicadores e cosmovisões, valores, atitudes, opiniões, preconceitos e estereótipos e compará-los entre comunidades. Em outras palavras, a análise de conteúdo é pesquisa de opinião pública com outros meios” (BAUER; GASKELL, 2002BAUER, M. W.; GASKELL, G. (Org.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Trad. de Pedrinho A Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. , p. 192). Tendo em vista que os comentários poderiam apresentar mais de um tema, considerou-se a possibilidade de um comentário fazer parte de mais uma categoria. As unidades de análise também foram categorizadas em função de sua posição contra ou a favor do uso da pílula anticoncepcional masculina. Foi identificada ainda uma posição indefinida, classificada por três juízes independentes, na qual não é possível identificar a atitude contra ou a favor do/a autor/a do comentário.
Aspectos éticos
Os comentários coletados foram postados em uma plataforma semipública. De acordo com Fragoso, Recuero e Amaral (2011FRAGOSO, S.; RECUERO, R.; AMARAL, A. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2011. ), a plataforma semipública é aquela que exige alguma forma de cadastro prévio para utilização. Nesse sentido, todos os comentários podem ser encontrados na internet por pessoas também cadastradas na plataforma Facebook.
Pesquisas dessa natureza são dispensadas de solicitação de autorização aos Comitês de Ética em Pesquisa, levando em consideração a Resolução n. 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Ressaltamos que a reflexão ética sobre dados de pesquisas produzidos através de comentários nas plataformas digitais não se esgotam apenas no tipo de proteção à privacidade dos usuários. No caso desta pesquisa, os usuários da plataforma produziram opiniões genéricas sobre uma reportagem, não se tratando de um grupo de autoajuda, de um grupo fechado com finalidade própria, de grupos de pessoas vulneráveis (adolescentes, por exemplo). Embora a privacidade não seja completamente assegurada, ressaltamos que as análises realizadas neste artigo não ferem a dignidade individual, estando alicerçadas na discussão de lógicas sociais subjacentes aos comentários.
Resultados e Discussão
Os comentários do Facebook foram categorizados em 15 temas principais, conforme apresentado na Tabela 1. Os temas mais salientes foram “Efeitos colaterais” (88 comentários), Responsabilidade masculina na concepção/ cuidados dos filhos (68 comentários), Pílula anticoncepcional feminina (47 comentários), Avanços (33 comentários) e Outros métodos contraceptivos (31 comentários).
As 294 postagens analisadas apontam para uma aceitação do anticoncepcional masculino, com 199 comentários favoráveis, 65 postagens desfavoráveis e 30 comentários que se mostraram indiferentes ou não expressaram explicitamente um posicionamento. A maior parte dos comentários a favor foram feitos por mulheres (137 comentários de mulheres e 62 comentários de homens). Os comentários favoráveis das mulheres estavam presentes sobretudo nas categorias “Responsabilidade masculina com os filhos” (50 comentários sobre a responsabilidade dos homens na dinâmica de contracepção/cuidado com os filhos e homens assumindo essa responsabilidade); “Efeitos colaterais” (31 comentários sobre como as mulheres sofrem esses efeitos há muito tempo, sendo justo, portanto, os homens dividirem esses efeitos com elas); “Pílula anticoncepcional feminina” (19 comentários em que a pílula anticoncepcional feminina é referenciada como comparação) e “Avanços” (20 comentários sobre como a pílula masculina é considerada uma avanço social e científico).
As categorias “Avanços” e “Liberdade feminina”, que abarcam 38 comentários sobre o quanto a pílula anticoncepcional, feminina ou masculina, é capaz de promover a liberdade sexual das mulheres, não possuem comentários desfavoráveis à pílula masculina.
A atitude positiva das mulheres revela a insatisfação por serem consideradas as únicas responsáveis pela contracepção, visto que no Brasil, a pílula é o método mais utilizado entre as mulheres (LEAL; BAKKER, 2017LEAL, T.; BAKKER, B. A mulher bioquímica: invenções do feminino a partir de discursos sobre a pílula anticoncepcional. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/22743 >. Acesso em: 7 jul. 2019.
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict... ). Nesse sentido, os comentários femininos favoráveis apontavam que os homens deveriam assumir esta responsabilidade:
O lado bom é que existe mais uma opção que pode ser adotada. Dessa forma um homem não poderia responsabilizar uma mulher por engravidar e ‘não ter tomado a pílula com frequência’. Agora homens podem ‘controlar’ esse processo sem achar que outros são os responsáveis.
As categorias “Efeitos Colaterais” e “Avanços” também apresentaram comentários femininos favoráveis à pílula masculina. Sobre os efeitos colaterais, os comentários demonstravam uma atitude positiva das mulheres sobre a divisão desses efeitos nocivos: “Super apoiado!! Vamos dividir os efeitos colaterais.”, “Nada mais justo ter esse método!”. Na categoria “Avanços”, os comentários femininos demonstravam uma celebração e alívio pela possível existência desse método: “Finalmente”, “Aleluiaaaaa”, “Até que enfim!”.
Os comentários favoráveis masculinos se concentram também nas categorias acima elencadas (Responsabilidade masculina na contracepção/cuidado com os filhos: 12, Efeitos colaterais: 15, Eficácia: 7), indicando que esses temas podem ser organizadores do sistema representacional para homens e mulheres devido à saliência pela qual aparecem nos dois grupos:
Uhuuuuu... um passo a mais rumo a liberdade! Homens se preocupando com a concepção sem deixar responsabilidade apenas pra mulher chega até dar uma emoção! Ponto pro mundo.
Os relatos que expressam atitudes positivas de homens e mulheres em relação à pílula anticoncepcional retratam o reconhecimento, por parte de algumas mulheres e homens, da necessidade da igualdade nas relações de gênero que envolvem as práticas de contracepção. Por outro lado, como discute Cabral (2017CABRAL, C. da S. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saúde e Sociedade, v. 26, p. 1093-1104, dez. 2017.), a responsabilização das mulheres pela contracepção e, consequentemente, a minimização da participação dos homens ainda denuncia assimetrias de gênero, no âmbito da reprodução. Nesse sentido, embora haja um leque de métodos contraceptivos, decorrente do desenvolvimento científico e tecnológico, a desigualdade de gênero, além de outros fatores amplamente discutidos na literatura, como falta de informação e acesso aos métodos, são fatores intervenientes nas práticas contraceptivas. Ainda seguindo tal linha argumentativa, pode-se dizer que estereótipos de gênero ancorados em binômios como passivo x ativo, sexualidade controlável x sexualidade incontrolável também configuram o campo simbólico das práticas reprodutivas, destarte transformações sociais em torno das questões de gênero.
Comentários masculinos favoráveis à pílula, por exemplo, traduziram uma visão sexista. A metáfora de munição/ colete à prova de bala (exemplo: “Faz mais sentidos tirar as balas da arma do que colocar colete no alvo”) posiciona as mulheres enquanto “alvo” dos homens, sendo uma das categorias temáticas suscitadas pelos homens favoráveis à pílula masculina. Ao ter uma atitude positiva em relação à possível pílula masculina, os homens buscam defender a identidade masculina hegemônica ancorada na ideia segundo a qual os homens são ativos, vigorosos e possuem a tarefa de serem conquistadores. Dornelas (2019DORNELAS, P. M. As noções de masculino e feminino: concepções ideológicas e papéis de gênero. Dissertação (Mestrado) - Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/24759 >. Acesso em: 18 jul. 2020.
https://repositorio.ufu.br/handle/123456... ) mostra como as noções de feminino e masculino estão assentadas no senso comum em oposições que atribuem aos homens traços como competição, dominância, instrumentalidade e poder e às mulheres traços como submissão, fraqueza, obediência.
A concepção é assim representada por uma metáfora que projeta nos gametas a compreensão social sobre “papéis sexuais” de homem e mulher. A imagem do espermatozoide como “bala” traduz a noção bastante difundida na ciência, e também no senso comum, de que o espermatozoide vai à “caça” de um óvulo passivo, estático, apático e que será “dominado” (WAGNER; ELEJABARRIETA, 1995WAGNER, W.; ELEJABARRIETA, F. How the sperm dominates the ovum - objectification by metaphor in the social representation of conception. European Journal of Social Psychology, v. 25, p. 671-688, 1995. ).
A metáfora soluciona o enigma de um “novo objeto” que é desconhecido e deve tornar-se conhecido pelas pessoas, transformando o objeto em uma figura ou imagem (MAZZOTTI, 2009MAZZOTTI, T. B. Confluências teóricas: representações sociais, sociolinguística, pragmática e retórica. Múltiplas Leituras, v. 1, n. 1, p. 90-106, 2009. ). A utilização de metáfora da munição/colete à prova de balas pode se relacionar com o processo de objetivação, remetendo à intenção de transformar a contracepção masculina em uma “imagem”. Esta imagem aparece ancorada em uma visão sexista do papel da mulher como “passiva” e “alvo” de um “ataque”. Ao se pensar em diferentes objetos que coexistem no campo representacional da pílula anticoncepcional masculina, destaca-se o papel da ancoragem na formação de representações sociais, processo “situado no carrefour do psicológico e sociológico, cujas raízes são fixadas em suas histórias culturais” (TRINDADE; SANTOS; ALMEIDA, 2011TRINDADE, Z. A.; SANTOS, M. De F. S.; ALMEIDA, A. M. O. Ancoragem: notas sobre consensos e dissensos. In: ALMEIDA, A. M. O.; TRINDADE, Z. A.; SANTOS, M. de F. S. (Org.). Teoria das Representações Sociais: 50 anos. Brasília: Technopolitik, 2011, p. 133-162. , p. 147). As atitudes sobre a pílula anticoncepcional masculina são divergentes, principalmente em função do gênero das pessoas, revelando tomadas de posição ancoradas na divisão de gênero acerca do controle da fecundidade.
O investimento masculino no posicionamento desfavorável à pílula contraceptiva masculina - 55 comentários dos 65 identificados como desfavoráveis - pode ser reflexo de uma divisão socialmente construída da regulação do número de filhos e seus cuidados, atribuindo tal função unicamente à mulher (CARVALHO; PIROTTA; SCHOR, 2001CARVALHO, M. L.; PIROTTA, K. C.; SCHOR, N. Participação masculina na contracepção pela ótica feminina. Revista de Saúde Pública, v. 35, p. 23-31, fev. 2001. ; CABRAL, 2017CABRAL, C. da S. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saúde e Sociedade, v. 26, p. 1093-1104, dez. 2017.). A pílula contraceptiva masculina coloca em questão essa responsabilização, sendo possivelmente percebida como uma ameaça ao modelo hegemônico de masculinidade (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, J. W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 1, p. 241-282, 8 maio. 2013.). A expressão da rejeição dos homens à pílula anticoncepcional masculina foi objetivada na categoria “Efeitos colaterais” (31 comentários):
Você pode listar toooodos os efeitos colaterais, mas se um medicamento indica, por exemplo, 5% dos efeitos colaterais ocorrerem com as mulheres, seria desumano obrigar que homens tomem pílula com um índice de 20%. Consegue entender? É uma questão de probabilidade e não de causar sofrimento pra uns e conforto pra outros.
Prefiro fazer neném do que depois ter umas aberração essas alterações hormonais, sei não deve alterar alguma coisa!!!
Diminui a testosterona, tô fora…
A objetivação dos riscos da pílula masculina para os homens envolve receio de sofrerem efeitos colaterais, especialmente quanto à quantidade de testosterona (atrelada à masculinidade e ao desejo sexual insaciável) e a “ameaça” de infidelidade feminina. Sobre a infidelidade, afirmam:
O anticoncepcional masculino não garante ao homem a mesma certeza que garante à mulher. Se uma mulher o usa corretamente mas mesmo assim engravida, terá plena certeza que foi a pílula que falhou. Contudo, se é o homem quem usa o anticoncepcional e mesmo assim sua parceira sexual engravida, ele ficará na dúvida se foi a pílula ou a mulher que "falhou". A pílula só é uma garantia pra quem usa, se quem o faz é a mulher.
A objetivação do evento de risco no caso da pílula masculina envolve dinâmicas identitárias de gênero. As representações de risco emergem em resposta à ameaça identitária, portanto o propósito principal da elaboração de representações é a defesa contra a ameaça; diferentes grupos atribuem diferentes representações de risco de acordo com os jogos de identidade que exigem proteção (JOFFE, 2003JOFFE, H. Risk: From perception to social representation. British Journal of Social Psychology, v. 42, n. 1, p. 55-73, 2003. ). A percepção dos efeitos colaterais, por exemplo, parece ser paradigmática na organização de tomadas de posição antagônicas que expressam esses jogos. De um lado, os 31 comentários desfavoráveis masculinos e de outro, 31 comentários femininos favoráveis à pílula contraceptiva masculina que percebem esses riscos como sendo justos quando comparados à realidade das mulheres:
Até que enfim um anticoncepcional masculino, nosso corpo não aguenta mais tanta química,a carga hormonal é grande...dor de cabeça e aumento de peso é bem normal tanto para mulheres como para os homens...Está na hora de dividirmos essa responsabilidade.
Até porque mulher não precisa de libido, pode ter umas tromboses de vez em quando também que ninguém se importa.. mas se for homem, Deus me livre! Um verdadeiro crime!
As mulheres que se posicionaram contra o medicamento afirmaram não confiar na eficácia (“Nenhum homem ficou grávido até o momento! Sucesso”), acreditavam que os efeitos colaterais seriam nocivos aos homens (“Demonstrou sim... Inclusive alguns ficaram inférteis”) e diziam não confiar que os homens tomariam o medicamento de forma correta (“E confiar num homem pra eu não engravidar? Nem ferrando.”). Tais posicionamentos femininos reforçam a representação da mulher como única responsável pelo manejo da contracepção medicalizada.
As dinâmicas identitárias de gênero desempenham um papel importante na apropriação simbólica de novas tecnologias que tocam à reprodução humana. Em 1969, a possibilidade do surgimento da fertilização in vitro no contexto inglês gerou debates sobre os perigos que a fertilização in vitro poderiam gerar à “fidelidade marital” (CORRÊA, 1997CORRÊA, M. C. D. V. As novas tecnologias reprodutivas: uma revolução a ser assimilada. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 7, n. 1, p. 69-98, 1997. ). Na interpretação dos riscos nesse campo, eles são representados como menores quando percebidos enquanto “respeitando” a ordem moral pré-estabelecida que outorga à mulher a responsabilidade pelo controle da reprodução e a vivência de uma vida sexual tutelada.
As representações sociais traduzem conflitos constantes entre a atualidade e demandas históricas (CARVALHO; ARRUDA, 2008CARVALHO, J. G. Da S.; ARRUDA, A. The theory of social representations and history: a necessary dialogue. Paidéia (Ribeirão Preto), 2008. v. 18, n. 41, p. 445-456, 2008.). Como afirma Jovchelovitch (2008JOVCHELOVITCH, S. Os contextos do saber representações, comunidade e cultura. Petrópolis, RJ: Vozes , 2008. , p. 193), “é porque as representações sociais operam para frente que os atores sociais são capazes de agir e de remodelar as coerções do passado de modo que a dinâmica da mudança pessoal, societal e cultural passa a se realizar”. Nesse sentido, estudar sistemas de representações sociais envolvidos na questão da pílula contraceptiva masculina informa sobre a trajetória social de uma biotecnologia, em particular, e da sociedade brasileira de forma geral. Compreender a contracepção implica, portanto, se debruçar sobre dinâmicas culturais, abandonando perspectivas individualistas ou técnicas (BRANDÃO; CABRAL, 2017BRANDÃO, E. R.; CABRAL, C. Da S. Da gravidez imprevista à contracepção: aportes para um debate. Cadernos de Saúde Pública, v. 33, p. e00211216, 2017.). A pílula anticoncepcional masculina aparece assim como um objeto inscrito em múltiplos universos da vida social, com destaque para dinâmicas de gênero que se atualizam nas tomadas de posição acerca do seu uso.
O sistema representacional da pílula anticoncepcional masculina configura-se como um conjunto organizado e compartilhado de conhecimentos, informações, saberes e crenças (FÉLIX , 2016FÉLIX, L. B. et al. O conceito de Sistemas de Representações Sociais na produção nacional e internacional: uma pesquisa bibliográfica. Psicologia e Saber Social, v. 5, n. 2, p. 198-217, 2016. ), destacando-se objetos que organizam tomadas de posição como os papéis de homem e de mulher na reprodução, representações sobre os corpos feminino e masculino, sobre riscos e valores relativos à mulher e ao homem.
A investigação das representações sociais da pílula anticoncepcional masculina, portanto, permite apreender a rede de significações, em torno desse objeto, que condiciona as atitudes e futuras práticas dos sujeitos relacionadas à sexualidade e à reprodução humana. Nesse sentido, espera-se que o advento da pílula masculina e que estudos sobre esse tema possam colaborar para o reordenamento de ações em saúde que busquem aproximar homens e mulheres, principalmente no contexto da atenção primária à saúde, cenário privilegiado de diálogo, a partir de atividades educativas e preventivas (POTTES; LIMA; MACÊDO, 2019POTTES, F.; LIMA, R. A. de; MACÊDO, V. C. De. Planejamento familiar: assunto para homem. In: ARAÚJO, J. S. A.; ZAGO, M. M. F. Z. (Org.). Pluralidade masculina: contribuições para pesquisa em saúde do homem. Curitiba: CRV, 2019. p. 357-382. ).
Considerações finais
Buscou-se compreender aspectos psicossociais da dinâmica da sociedade em relação a novas formas contraceptivas e examinar se, novas formas contraceptivas direcionadas ao corpo do homem seriam acatadas. A pílula anticoncepcional masculina aparece inscrita em um sistema representacional que salienta a discussão sobre: efeitos colaterais da medicalização, a liberdade feminina, a ampliação da responsabilidade masculina na contracepção/cuidado com os filhos, a desconfiança em relação à postura feminina (golpe da barriga; infidelidade) e outros aspectos que remetem a possíveis avanços científicos e sociais.
Os dados não podem ser generalizados, porém apontam que essas novas formas contraceptivas seriam aceitas, principalmente, por mulheres. A divisão de papéis no contexto de controle de fecundidade influencia a introdução de novos métodos contraceptivos; o que pode ser observado pela aparente insatisfação das mulheres com essa atual divisão de papéis (o que impacta na alta aceitabilidade, das mulheres, de um novo método que possibilita maior participação masculina nesta dinâmica). Além disso, também pode se perceber que muitos homens são resistentes a um novo método direcionado ao corpo deles, podendo isto ser consequência de uma crença de que o controle medicalizado da concepção (e cuidado com possíveis filhos) é responsabilidade feminina e por conseguinte, não faz parte do universo e da identidade masculina.
A divisão de papéis de gênero na contracepção parece ancorar essas atitudes, já que integração de um novo objeto de representação é denominado e classificado em função dos laços que ele mantém com sua inserção cultural. Sendo assim, as opiniões contrárias seriam ancoradas na crença de que as mulheres são responsáveis pela contracepção, enquanto as favoráveis seriam ancoradas na crença de que os homens devem ter mais responsabilidade no controle de fecundidade.
No contexto de ascensão de novas práticas sociais, são as controvérsias sociais difundidas na arena pública que fornecem um quadro interpretativo para a construção social da pílula contraceptiva masculina via comunicação. Essa é uma pista futura que pode se revelar frutífera para compreensão do processo de produção de sentidos acerca de objetos que apesar de não existirem nas práticas sociais, aparecem no plano cultural como fortemente valorados afetivamente. A dinâmica entre processos imaginativos e a produção de representações sociais no campo da saúde é uma trilha acadêmica ainda em lenta evolução.22C. M. L. Campos coletou e analisou os dados; elaborou o artigo. R.L. S. Aléssio e S. M. M. de Barros interpretaram os dados e elaboraram o artigo.
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