Análise da regulação médica em unidades pré-hospitalares fixas de um município paulista

Ana Claudia Ferreira de Almeida Leonardo Resende de Sousa Maria Eugenia Guerra Mutro Alessandra Mazzo Sobre os autores

Resumo

Objetivo

Analisar o perfil das regulações das unidades pré-hospitalares fixas de um município paulista. Metodologia: Estudo observacional descritivo retrospectivo, cuja amostra compreendeu os dados dos indivíduos regulados das unidades durante o ano de 2019. Ao final da coleta dos dados, foi realizada uma análise estatística descritiva.

Resultados

Foram encontrados dados válidos de 9.984 referenciamentos. A média de tempo de liberação da vaga foi de 26,6 horas (± 35,8). Dentre todos os pacientes regulados, 1.592 (15,9%) não concluíram seus destinos, tendo como desfechos: alta (9,3%), óbito (2,3%), evasão (2,8%) ou encerramento de ficha (1,5%). O tempo médio de permanência na unidade dos pacientes que receberam alta foi de 40,8 horas (±36,2), enquanto para os que vieram a óbito foi de 40,9 horas (±42,7).

Conclusões

Os tempos de espera para liberação das vagas de internação solicitadas pelas unidades pré-hospitalares estão mais elevados do que os recomendados pela literatura. Tal fato pode provocar piores desfechos aos pacientes regulados e extrapola as competências do serviço de emergência definidas pelo Ministério da Saúde.

Palavras-Chave:
Regulação e Fiscalização em Saúde; Serviços Pré-Hospitalares; Assistência Pré-Hospitalar; Serviços Médicos de Emergência

Introdução

As Unidades de Pronto Atendimento 24 horas (UPAs) são componentes da Política Nacional de Urgência e Emergência, constituindo equipamentos de complexidade intermediária, situados entre a Atenção Primária e a rede hospitalar (BRASIL, 2003BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.863, de 29 de setembro de 2003. Institui a Política Nacional de Atenção às Urgências. Brasília, 2003. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2003/prt1863_26_09_2003.html
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). Os principais objetivos das UPAs são dar suporte à atenção básica para os casos agudos que ultrapassem sua capacidade de resolução e reduzir o afluxo de usuários para as portas de entrada hospitalares, sendo componente chave para a regulação desses pacientes (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 10, de 3 de janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, jan 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0010_03_01_2017.html
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).

É preconizado que os pacientes permaneçam nesses serviços por no máximo 24 horas para elucidação diagnóstica ou estabilização clínica. Os casos que não tenham suas queixas resolvidas devem ser encaminhados para a atenção hospitalar por meio da regulação assistencial. Nesse sentido, a estratégia de atendimento está diretamente relacionada ao trabalho da Central de Regulação de Urgências, que organiza o fluxo de atendimento ao encaminhar o paciente ao serviço de saúde adequado à situação (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 10, de 3 de janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, jan 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0010_03_01_2017.html
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).

Com o objetivo de melhorar o fluxo de pacientes na regulação é importante que haja a devida retaguarda hospitalar e qualidade nos atendimentos das UPAs, com a existência da classificação de risco e atendimento de demandas que se enquadrem nas urgências e emergências. Um estudo mostrou que a classificação de risco está presente em quase a totalidade das UPAs analisadas, sendo que na maior parte das unidades predominaram, em torno de 95%, os atendimentos de médio e baixo risco (CONASS, 2015CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE. Rede de atenção às urgências e emergências: avaliação da implantação e desempenho das unidades de pronto atendimento (UPAs). 2015. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/Conass_Documenta_28.pdf
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). Ainda nesse sentido, outras pesquisas em diferentes UPAs indicam que mais da metade dos atendimentos investigados eram pouco urgentes ou foram considerados “inadequados”, segundo o Protocolo de Adequação de Urgências Hospitalares (PAUH) (MACHADO 2015MACHADO, G. V. C. et al. Fatores associados à utilização de um serviço de urgência/emergência, Ouro Preto, 2012. Cad Saúde Coletiva, v. 23, p. 416-24, dez. 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/CDfXj4SLSFsDDs3TdvpNvFG/abstract/?lang=pt; O’DWYER 2017O’DWYER, Gisele et al. O processo de implantação das unidades de pronto atendimento no Brasil. Rev Saúde Pública. v. 51, dez. 2017;51. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsp/a/nrR5TQcbpxkBZtdKvZPvcvr/?format=pdf&lang=pt; SOUZA 2020SOUZA, L. C. et al. Fatores associados ao uso não urgente de unidades de pronto atendimento: uma abordagem multinível. Cad Saúde Coletiva,v. 28, p. 56-65, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/kJ9mJFGMQBNbxBCMYjMDcqJ/?lang=pt).

Tal cenário está presente no Brasil, dentre outros fatores, devido à dificuldade de acesso à atenção primária à saúde, marcada pela demora no agendamento de consultas e maior tempo de espera até o atendimento. Além disso, é muito frequente a compreensão equivocada pela população sobre quais as situações em que se deve procurar as unidades de urgência e emergência. Assim, a rapidez e a resolutividade das UPAs fazem com que esse serviço seja considerado referência para os problemas de saúde da população, mesmo nos casos em que não se trata de uma urgência, o que pode sobrecarregar o serviço e impactar no atendimento prestado nessas unidades (CARRET, FASSA, DOMINGUES, 2009CARRET, M. L. V.; FASSA, A. C. G.; DOMINGUES, M. R. Inappropriate use of emergency services: a systematic review of prevalence and associated factors. Cadernos de Saúde Pública [on-line], v. 25, n. 1, p. 7-28, 2009. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000100002>. Acesso em: 12 abr. 2022.; SOUZA, 2020). Além disso, há uma grande preocupação no funcionamento das unidades de emergência sem a devida retaguarda hospitalar. A maioria dos profissionais das UPAs considera a inexistência de vagas hospitalares como sendo a principal causa da permanência dos usuários por mais de 24 horas nas unidades. Além disso, são ainda citados como fator de retardo na regulação dos pacientes, a indisponibilidade de transporte para remoção dos pacientes (CONASS, 2015).

Frequentemente, o tempo de espera pelo leito tende a ser longo e a modificação dos objetivos da UPA para unidade de internação é apontada como consequência da dificuldade de internar pacientes nas vagas hospitalares. Como exemplo, foi encontrado que nas UPAs no município do Rio de Janeiro, de todas as solicitações de leitos hospitalares para UTI e Clínica Médica, apenas 40% e 36% foram concluídas, respectivamente (KONDER; O’DWYER, 2019KONDER, M.; O’DWYER, G. As Unidades de Pronto Atendimento como unidades de internação: fenômenos do fluxo assistencial na rede de urgências. Physis Rev Saúde Coletiva, v. 29, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/j/physis/a/5ds5nkdt9BySrmsqqy3KQ6J/?lang=pt). Nesse contexto, fica explícito que a permanência dos pacientes por mais de 24 horas nas unidades pré-hospitalares impacta a qualidade do atendimento desses serviços, pois ocupa profissionais e recursos por um período maior do que o instituído pelas políticas na urgência. Geralmente, com o aumento da demanda, as unidades passam a extrapolar sua principal função de promover a estabilização do paciente para transferência e elucidação da hipótese diagnóstica (O’DWYER et al., 2017).

Além de impactar negativamente na qualidade do atendimento dos pacientes, o tempo prolongado pela espera da liberação de leitos hospitalares especializados também pode influenciar o desfecho do usuário. Alguns estudos sugerem pior prognóstico e aumento das taxas de mortalidade e dos tempos de internação associados a tempos prolongados de permanência nos prontos-socorros (CHALFIN 2007CHALFIN, D. B et al. Impact of delayed transfer of critically ill patients from the emergency department to the intensive care unit. Crit Care Med., v. 35, n. 6, p. 1477-83, jun. 2007. Disponível em: https://journals.lww.com/ccmjournal/Abstract/2007/06000/Impact_of_delayed_transfer_of_critically_ill.4.aspx; CARDOSO 2011CARDOSO, L. T. Q. et al. Impact of delayed admission to intensive care units on mortality of critically ill patients: a cohort study. Crit Care Lond Engl., v. 15, n. 1, p. R28, 2011. Disponível em: https://ccforum.biomedcentral.com/articles/10.1186/cc9975; ALETREBY 2021ALETREBY, W. T. et al. Retardo na transferência do pronto-socorro para a unidade de terapia intensiva: impacto nos desfechos do paciente. Um estudo retrospectivo. Rev Bras Ter Intensiva, v. 33, p. 125-37, 19 abr. 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbti/a/zcyvFwLds6G65vCJJkPnYtt).

Dessa forma, é necessário compreender como esse processo tem se dado nos municípios, pois o estudo de como tem ocorrido a regulação entre as unidades pré-hospitalares fixas e o restante da rede de atenção é essencial para identificar se os pacientes têm alcançado seus destinos e se estão sendo submetidos a tempos adequados de espera pela liberação das vagas de internação hospitalar.

Logo, o objetivo deste estudo foi analisar o perfil das regulações das unidades pré-hospitalares fixas de um município do interior do estado de São Paulo no ano de 2019.

Metodologia

Trata-se de um estudo observacional descritivo e retrospectivo, realizado em um município de médio porte, com cerca de 370 mil habitantes, localizado no interior do estado de São Paulo. O município é referência para as 68 cidades e aproximadamente 1,6 milhão de habitantes do distrito regional de saúde em que está inserido.

A rede de atenção do município se organiza em cinco unidades pré-hospitalares fixas, sendo quatro UPAs e um pronto-socorro municipal, que se articulam com o SAMU, com a Central de Regulação do estado e com os hospitais de referência. Os encaminhamentos são feitos por meio da rede de regulação estadual.

A amostra deste estudo compreende os indivíduos atendidos nas cinco unidades pré-hospitalares fixas, no período de 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2019, que foram regulados neste período para outros serviços. As informações destes referenciamentos foram adquiridas junto às planilhas elaboradas pelas próprias unidades do município. Entre os dados disponíveis, foram incluídos os de regulações que possuíam os seguintes itens: Idade do paciente; Data e hora de solicitação da vaga; Data e hora de liberação da vaga; Especialidade da vaga solicitada; e Destino ou outro desfecho (alta, óbito, evasão ou ficha encerrada).

Os locais de destino foram denominados de 1) Hospital A: referência nas áreas de traumatologia, urgências e emergências neurológicas e cardiovasculares; 2) Hospital B: referência em leitos de clínica médica, clínica cirúrgica, pediatria e oncologia; 3) Hospital C: referência em atendimentos psiquiátricos e 4) Ambulatórios: todos os serviços ambulatoriais do município. Também foram identificadas transferências entre diferentes unidades pré-hospitalares, devido aos recursos humanos e materiais disponíveis em cada uma delas.

Além destes itens descritos, naqueles referenciamentos em que a discriminação de Vaga Zero estava presente, esta também foi analisada. A Vaga Zero é um recurso disponível para as situações em que não exista nenhum hospital referência com condições de receber o paciente e o quadro se mostra grave, ou seja, quando há risco iminente para a manutenção da vida e os auxílios disponíveis são insuficientes para o caso. Este recurso implica na admissão imediata, independentemente da disponibilidade de leitos nas unidades referenciadas, visando tanto o acesso a recursos mínimos quanto recursos críticos para diagnóstico e tratamento de casos com grande potencial de morbidade e mortalidade (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.048, de 5 de novembro de 2002. Aprova o Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência. Brasília, nov 2002. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt2048_05_11_2002.html
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).

A coleta de dados teve início após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de ensino (CAAE: 40001720.0.0000.5441) e de parecer técnico da Comissão Científica da Secretaria Municipal de Saúde da cidade do estudo. Para o registro e mensuração dos dados coletados foi construída uma planilha no Microsoft Excel com uma organização relacionada aos itens citados anteriormente. Ao final da coleta foi realizada uma análise estatística descritiva com os números obtidos na pesquisa.

Resultados

Durante o ano de 2019, entre as cinco unidades pré-hospitalares fixas estudadas, foram encontrados dados de 10.231 referenciamentos. Destes, 247 foram excluídos por um ou mais dos seguintes motivos: presença de dados duplicados, ausência de data e hora de solicitação da vaga, ausência de data e hora de liberação de vaga, presença de dados incompatíveis. Assim, foram considerados dados válidos de 9984 referenciamentos.

Em relação aos tempos de espera pela liberação das vagas, que se refere ao intervalo entre a inserção da solicitação da vaga no sistema de regulação e a liberação da mesma, foi encontrado o tempo mínimo de 0 horas (corresponde à liberação imediata da vaga), tempo máximo de 337,0 horas, média de 26,6 horas (± 35,8) e mediana de 10,9 horas (IQR: 2,6 - 38,3). A distribuição dos tempos de espera para a liberação das vagas está detalhada na Figura 1.

Figura 1
Distribuição dos tempos de espera (em porcentagem) até a liberação das vagas de internação solicitadas pelas unidades pré-hospitalares fixas em 2019.

Dentre os pacientes regulados, 1.522 (15,2%) eram crianças ou adolescentes menores de 18 anos, 4.873 (48,8%) eram adultos de 18 a 59 anos e 3589 (36,0%) eram idosos acima de 60 anos. A menor idade encontrada foi de 0 e a maior de 107 anos. A média das idades foi de 46,9 anos (±25,3) e a mediana foi de 49 anos. As médias de tempo de espera para a liberação das vagas hospitalares de acordo com a faixa etária foi de 11,5 horas para as crianças e adolescentes, 22,1 horas para os adultos e 38,8 horas para os idosos.

Dentre as vagas solicitadas, as especialidades mais frequentes foram para Clínica Médica, Ortopedia, Cirurgia Geral, Pediatria e Unidade de Terapia Intensiva. Destaca-se que do total das solicitações, os leitos de Unidade de Terapia Intensiva corresponderam a 6,4% e os leitos de enfermaria a 93,6%. Os índices referentes às solicitações divididos pelas especialidades estão detalhados na Tabela 1. As especialidades menos frequentes como psiquiatria, cardiologia, neurologia, urologia, otorrinolaringologia e neurocirurgia foram agrupadas na categoria “Outros” da Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos tempos de espera (em horas) por especialidades até a liberação das vagas de internação solicitadas pelas unidades pré-hospitalares fixas em 2019

Dentre todas as solicitações de vaga realizadas, 8392 (84,1%) pacientes alcançaram seus destinos entre os serviços de referência da região. Os 1592 (15,9%) pacientes restantes não concluíram seus destinos por terem recebido alta, evoluído a óbito, evadido ou terem suas fichas encerradas. Os dados referentes aos destinos e demais desfechos dos pacientes encontram-se detalhados na Tabela 2. As distribuições das altas e óbitos por períodos de espera desde o momento de solicitação da vaga até o desfecho encontram-se nas Figuras 2 e 3, respectivamente.

Figura 2
Distribuição dos tempos (em porcentagens) decorridos entre as solicitações das vagas e as altas dos pacientes nas unidades pré-hospitalares fixas em 2019
Figura 3
Distribuição dos tempos (em porcentagens) decorridos entre as solicitações das vagas e os óbitos dos pacientes nas unidades pré-hospitalares fixas em 2019
Tabela 2
Distribuição dos tempos de espera (em horas) por destinos e outros desfechos até a liberação das vagas de internação solicitadas pelas unidades pré-hospitalares fixas em 2019

Dos 9.984 referenciamentos que foram objetos de análise deste estudo, 7.789 (78,0%) possuíam a especificação de serem Vaga Zero ou não. Destes, 326 (4,2%) ocorreram em protocolo de Vaga Zero, enquanto 7.463 (95,8%) ocorreram em vagas normais. O tempo mínimo encontrado entre as solicitações de Vaga Zero foi de 0,2 hora e o tempo máximo de 293,4 horas. A média foi de 46,7 horas (±51,2) e a mediana de 26,6 horas (IQR: 7,9 - 74,0).

Discussão

As etapas de tempos de espera as quais os pacientes são submetidos até atingirem os seus destinos finais podem ser divididas em três: 1) tempo decorrido entre a entrada do paciente no serviço e a solicitação da vaga de internação; 2) tempo decorrido entre a solicitação da vaga no sistema de regulação e o momento da liberação da mesma e; 3) tempo decorrido na remoção do paciente entre a unidade solicitante e a unidade de destino. A somatória destes tempos pode influenciar nos desfechos dos pacientes, além de colaborar para a superlotação do serviço de emergência (CONASS, 2015).

Este estudo se dedicou a estudar somente a etapa 2, acima mencionada, definida pelo tempo decorrido entre a solicitação da vaga de internação e a liberação desta, o qual é considerado como o fator mais importante no tempo total de espera do paciente (PINES 2011PINES, J. M. et al. International Perspectives on Emergency Department Crowding. Acad Emerg Med., v. 18, n. 12, p. 1358-70, 2011. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1553-2712.2011.01235.x).

Nesse sentido, para mitigar os problemas no fluxo de atendimento dos departamentos de emergência, instituições de diferentes países estabeleceram algumas recomendações. No Reino Unido, foi definido que para o bom funcionamento do serviço emergencial, nenhum paciente deveria esperar mais do que 4 horas nas unidades de emergência até a admissão hospitalar, destacando que a responsabilidade de atingir essa meta era dos hospitais de referência (PINES et al., 2011). Já nos Estados Unidos, a Society of Critical Care Medicine definiu que um paciente em estado crítico deve ser transferido do pronto-socorro até a unidade de terapia intensiva em no máximo 6 horas (SOCIETY OF CRITICAL CARE MEDICINE, 1999SOCIETY OF CRITICAL CARE MEDICINE. Guidelines for intensive care unit admission, discharge, and triage. Crit Care Med., v. 27, n. 3, p. 633-8, 1999. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10199547/). Neste estudo, ao extrapolar às métricas utilizadas não só para pacientes críticos, mas também para aqueles regulados para leitos de enfermaria geral, há uma divergência entre os dados encontrados e às orientações previamente citadas, uma vez que a maioria dos pacientes aguardaram mais de seis horas para a liberação de suas vagas de internação.

Com o objetivo de demonstrar a influência que o tempo de espera tem nos desfechos dos pacientes, pesquisadores mostraram que na Arábia Saudita o retardo da admissão do pronto-socorro para a unidade de terapia intensiva é um fator de risco independente para mortalidade hospitalar do paciente, sendo que a associação é ainda mais forte em tempos de espera superiores a quatro horas (ALETREBY et al., 2021). Uma pesquisa realizada a partir de um banco de dados multicêntrico dos Estados Unidos concluiu que pacientes críticos com tempos de espera iguais ou superiores a 6 horas até a transferência tiveram aumento do tempo de internação no hospital e aumento da mortalidade (CHALFIN et al., 2007). No Brasil, pesquisa realizada na cidade de Londrina-PR encontrou associação entre o atraso na admissão dos pacientes e maior mortalidade e que o acesso rápido à unidade de terapia intensiva gera benefícios aos pacientes críticos (CARDOSO 2011CARDOSO, L. T. Q. et al. Impact of delayed admission to intensive care units on mortality of critically ill patients: a cohort study. Crit Care Lond Engl., v. 15, n. 1, p. R28, 2011. Disponível em: https://ccforum.biomedcentral.com/articles/10.1186/cc9975).

Assim, é destacada a importância de uma rápida transferência de um paciente crítico para uma unidade de internação. Entretanto, os dados encontrados no presente estudo revelam que a média de tempo de espera geral dos pacientes até a liberação da vaga foi de 26,6 horas e de 30,0 horas quando o destino era a UTI (Tabela 1). O tempo médio de 26,6 horas também está acima das 24 horas preconizadas pelo Ministério da Saúde para a elucidação diagnóstica ou estabilização clínica nas unidades de pronto atendimento. A recomendação é de que os casos que não tenham suas queixas resolvidas nesse período sejam encaminhados para a atenção hospitalar, o que diverge dos dados encontrados, já que 34,7% dos pacientes aguardaram nas unidades por mais de 24 horas para a liberação do leito solicitado (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 10, de 3 de janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, jan 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0010_03_01_2017.html
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).

Em relação aos principais destinos dos pacientes regulados, a menor média de tempo de espera corresponde ao Hospital A, seguido do Hospital C e Hospital B (Tabela 2). A diferença no tempo de espera de cada um desses serviços pode ser relacionada ao perfil de atendimento apresentado, já que o Hospital A recebe majoritariamente casos de trauma ou urgências e emergências cardiovasculares e neurológicas, situações em que o atendimento necessita ser precoce. Os referenciamentos entre as próprias unidades pré-hospitalares possivelmente ocorreram pela falta de recursos humanos e materiais para atendimento do paciente na unidade em que foi recebido inicialmente.

Acerca dos pacientes que receberam alta médica, foi constatado que 44,5% destas ocorreram antes de 24 horas e na própria unidade solicitante (Figura 2). Estudos questionam se o motivo dessas altas é a boa resolutividade das unidades ou a inserção precoce da solicitação da vaga de internação pela equipe do serviço de emergência (KONDER; O’DWYER, 2019KONDER, M.; O’DWYER, G. As Unidades de Pronto Atendimento como unidades de internação: fenômenos do fluxo assistencial na rede de urgências. Physis Rev Saúde Coletiva, v. 29, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/j/physis/a/5ds5nkdt9BySrmsqqy3KQ6J/?lang=pt; GOLDWASSER 2016GOLDWASSER, R. S. et al. Difficulties in access and estimates of public beds in intensive care units in the state of Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública, v. 50, maio 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/j/rsp/a/3n55RHr94WcYrCJvttGkjPM/abstract/?lang=en). Por outro lado, a maior parte das altas ocorreu após as 24 horas, e são, provavelmente, de pacientes que receberam tratamento na própria unidade pré-hospitalar, com melhora de seu estado clínico, descartando, portanto, a necessidade da solicitação da vaga hospitalar. O tratamento desses pacientes por mais de 24 horas nas unidades emprega tempo dos profissionais e recursos físicos e materiais que, teoricamente, não foram destinados a esse fim, o que pode impactar no funcionamento e qualidade do atendimento prestado nessas unidades, ocasionando ainda, grande desgaste dos profissionais, além da superlotação já mencionada (KONDER; O’DWYER, 2019KONDER, M.; O’DWYER, G. As Unidades de Pronto Atendimento como unidades de internação: fenômenos do fluxo assistencial na rede de urgências. Physis Rev Saúde Coletiva, v. 29, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/j/physis/a/5ds5nkdt9BySrmsqqy3KQ6J/?lang=pt).

A respeito dos óbitos, 46,3% ocorreram nas primeiras 24 horas de permanência do paciente na unidade, o que pode estar relacionado ao estado crítico apresentado pelo paciente desde sua admissão. Por outro lado, a maioria dos pacientes que vieram a óbito nas unidades encontravam-se há mais de 24 horas aguardando a liberação do leito (Figura 3). Esses resultados convergem com aqueles encontrados na literatura, possibilitando questionar se esses óbitos poderiam ser evitados caso tivessem sido transferidos precocemente para o leito regulado (KONDER; O’DWYER, 2019KONDER, M.; O’DWYER, G. As Unidades de Pronto Atendimento como unidades de internação: fenômenos do fluxo assistencial na rede de urgências. Physis Rev Saúde Coletiva, v. 29, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/j/physis/a/5ds5nkdt9BySrmsqqy3KQ6J/?lang=pt).

A modalidade de “Vaga Zero” deve ocorrer apenas nas situações em que não exista nenhum hospital com condições de receber o paciente em estado clínico grave, com risco iminente para a manutenção da vida, implicando na sua internação imediata (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.048, de 5 de novembro de 2002. Aprova o Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência. Brasília, nov 2002. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt2048_05_11_2002.html
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). Neste estudo, observa-se que a média de tempo das regulações em “Vaga Zero” foi superior à média geral, o que suscita o questionamento de como estas vagas estão sendo determinadas e ocupadas.

O cenário exposto neste estudo sugere a ausência de leitos hospitalares suficientes para a regulação dos pacientes atendidos na região e/ou a falta de integração entre as unidades solicitantes e de destino. A inexistência de uma retaguarda hospitalar adequada influencia diretamente no tempo de permanência dos usuários nas unidades, o que é um fator decisivo para a superlotação desses serviços. Nesse sentido, é fundamental, que assim como em outros países, melhores estratégias sejam discutidas. Um fluxo de atendimento e regulação de pacientes em tempos adequados pode trazer melhores desfechos aos pacientes regulados e diminuir a superlotação das unidades de emergência (PINES et al., 2011).

Conclusões

Embora os dados utilizados neste estudo tenham sido secundários e ofereçam restrições na capacidade de estabelecer causalidade, o que podem ser consideradas limitações, os tempos de espera para a liberação das vagas de internação solicitadas pelas unidades pré-hospitalares estão aumentados em relação às recomendações da literatura. Tal fato pode provocar piores desfechos aos pacientes regulados e extrapola as competências do serviço de emergência definidas pelo Ministério da Saúde.

Referências

  • ALETREBY, W. T. et al. Retardo na transferência do pronto-socorro para a unidade de terapia intensiva: impacto nos desfechos do paciente. Um estudo retrospectivo. Rev Bras Ter Intensiva, v. 33, p. 125-37, 19 abr. 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbti/a/zcyvFwLds6G65vCJJkPnYtt
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.863, de 29 de setembro de 2003. Institui a Política Nacional de Atenção às Urgências. Brasília, 2003. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2003/prt1863_26_09_2003.html
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2003/prt1863_26_09_2003.html
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 10, de 3 de janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, jan 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0010_03_01_2017.html
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0010_03_01_2017.html
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.048, de 5 de novembro de 2002. Aprova o Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência. Brasília, nov 2002. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt2048_05_11_2002.html
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2021
  • Aceito
    08 Jul 2022
  • Revisado
    29 Maio 2022
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