Os achados da ciência sobre os diversos danos causados à saúde pelo uso de derivados do tabaco e o reconhecimento, pela comunidade científica, de que nicotina é uma droga psicoativa, fizeram emergir no Brasil, a partir da década de 80, a ordenação de um conjunto de medidas e ações governamentais com o objetivo de reduzir o consumo de tabaco e proteger a saúde da população. Assim, teve início a estruturação de um Programa Nacional de Controle do Tabagismo, cuja evolução levou à Política Nacional de Controle do Tabaco (PNCT), estabelecida em 2006 por meio da Lei nº 11.645 (INCA, 2015Instituto Nacional de Câncer. Política Nacional de Controle do Tabaco: Relatório de Gestão e Progresso 2013-2014 Rio de Janeiro: INCA, 2015.).
Em 2005, o Brasil ratificou e passou a ser signatário da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), tratado internacional de saúde pública elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a qual permitiu que a Política de Controle de Tabaco do país tenha suas ações alargadas e baseadas nas diretrizes da CQCT. Essa convenção busca combater mundialmente, de modo integrado, os problemas relacionados ao tabaco por meio de estratégias eficazes de controle, divididos em ações voltadas para a redução da demanda, bem como a redução da oferta de tabaco, incluindo a proteção contra a exposição passiva à fumaça do tabaco e a regulação da promoção e publicidade de produtos de tabaco (WHO, 2016WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Framework Convention on Tobacco Control. 2016 Global Progress Report on Implementation of the WHO Framework Convention on Tobacco Control. Geneva: WHO, 2016.).
No Brasil, a PNCT contempla uma série de ações e políticas, incluindo (INCA, 2015Instituto Nacional de Câncer. Política Nacional de Controle do Tabaco: Relatório de Gestão e Progresso 2013-2014 Rio de Janeiro: INCA, 2015.):
1. Restrições à publicidade e promoção: a legislação brasileira proíbe a publicidade direta ou indireta de produtos de tabaco em diversos meios de comunicação, como rádio, televisão, internet e outdoors. Também são proibidas práticas de marketing que possam atrair crianças e adolescentes, como a utilização de embalagens atrativas e a realização de promoções.
2. Advertências sanitárias: os maços de cigarros e outros produtos de tabaco devem exibir advertências gráficas de grande impacto, com imagens e mensagens que alertam sobre os danos à saúde causados pelo tabagismo. Essas advertências ocupam 100% da face posterior das embalagens e são uma forma de informar e conscientizar os fumantes sobre os riscos associados ao consumo de tabaco.
3. Ambientes livres de fumaça: a legislação brasileira proíbe o fumo em locais públicos fechados, como restaurantes, bares, escolas, universidades e repartições públicas. Além disso, a lei também estabelece que os espaços destinados ao consumo de tabaco devem ser isolados e possuir sistemas de ventilação adequados.
4. Aumento de impostos: o Brasil adota uma política de aumento gradual dos impostos sobre produtos de tabaco, como forma de desestimular o consumo. A efetividade dessa medida está vinculada ao objetivo de tornar o tabaco mais caro e, consequentemente, reduzir o acesso e o consumo por parte da população.
5. Tratamento e prevenção do tabagismo: a PNCT prevê a criação e a implementação de programas de prevenção e tratamento do tabagismo, visando oferecer apoio e assistência àqueles que desejam cessar o tabagismo. Esses programas envolvem ações como a disponibilização de medicamentos, a realização de campanhas de conscientização e a capacitação de profissionais de saúde, seguindo recomendações de protocolo clínico e diretrizes terapêuticas baseadas nas melhores evidências para cessação do tabagismo.
Seguindo a lógica do SUS, as secretarias estaduais de Saúde desempenham papel fundamental na implementação da Política Nacional de Controle de Tabaco (PNCT) no Brasil. Elas atuam como órgãos responsáveis pela coordenação e execução das ações de controle do tabaco em nível estadual, em consonância com as diretrizes e estratégias estabelecidas pelo Ministério da Saúde (INCA, 2023Instituto Nacional de Câncer. Divisão de Controle do Tabagismo (Ditab). Rio de Janeiro: INCA, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/programa-nacional-de-controle-do-tabagismo
https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/g... ).
Entre as principais responsabilidades das secretarias estaduais de Saúde no âmbito do PNCT, podemos destacar (INCA, 2023Instituto Nacional de Câncer. Divisão de Controle do Tabagismo (Ditab). Rio de Janeiro: INCA, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/programa-nacional-de-controle-do-tabagismo
https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/g... ):
1. Coordenação e planejamento: as secretarias estaduais têm a responsabilidade de coordenar e planejar as ações de controle do tabaco em seus respectivos estados. Isso inclui a definição de metas, estratégias e políticas específicas para a redução do tabagismo, levando em consideração as características e necessidades da população local.
2. Monitoramento e avaliação: é papel das secretarias estaduais acompanhar e avaliar a implementação das medidas de controle do tabaco em seus territórios. Isso envolve a coleta de dados epidemiológicos, o monitoramento da prevalência do tabagismo, o impacto das ações desenvolvidas e a avaliação do cumprimento das legislações relacionadas ao controle do tabaco.
3. Articulação e parcerias: as secretarias estaduais devem estabelecer parcerias e promover a articulação com outros órgãos governamentais, organizações da sociedade civil, instituições de pesquisa, profissionais de saúde e demais atores envolvidos no controle do tabaco. Essa articulação é essencial para fortalecer a implementação das ações e para desenvolver estratégias integradas de prevenção e combate ao tabagismo.
4. Educação e capacitação: as secretarias estaduais têm o papel de promover a educação e a capacitação de profissionais de saúde, gestores e outros atores envolvidos no controle do tabaco. Isso inclui a disseminação de informações atualizadas sobre os danos à saúde causados pelo tabagismo, a capacitação para o atendimento de fumantes que desejam parar de fumar e a sensibilização sobre a importância do controle do tabaco como política de saúde pública.
5. Comunicação e mobilização social: as secretarias estaduais devem desenvolver estratégias de comunicação e mobilização social para conscientizar a população sobre os riscos do tabagismo e incentivar a adoção de hábitos saudáveis. Isso envolve a realização de campanhas educativas, a divulgação de informações sobre os benefícios de parar de fumar e a promoção de ambientes livres de fumaça dos derivados do tabaco.
O envolvimento e a atuação efetiva das secretarias estaduais de Saúde são essenciais para o sucesso da PNCT, uma vez que elas têm proximidade com a realidade local e são responsáveis pela implementação das políticas e ações em seus respectivos estados. A integração entre o nível federal, representado pelo Ministério da Saúde, e o nível estadual é fundamental para garantir a efetividade e a abrangência das medidas de controle do tabaco em todo o país.
Este dossiê apresenta os principais resultados do projeto piloto que propõe estratégias de aprimoramento da PNCT, buscando sustentabilidade financeira, técnicas e políticas das ações de controle de tabaco.
Atualmente, o PNCT enfrenta alguns desafios em relação à implementação e efetividade de suas estratégias, tais como:
1. O lobby da indústria do tabaco exerce forte influência política e econômica, o que representa um desafio para a implementação de medidas mais rígidas de controle do tabaco. A indústria do tabaco busca minar as políticas de controle por meio de estratégias de lobby, propaganda e litígios judiciais (CAVALCANTE, 2005CAVALCANTE, T. M. O controle do tabagismo no Brasil: avanços e desafios. Rev Psiquiatr Clínica, v. 32, n. 5, p. 283-300, 2005.).
2. O surgimento de novos produtos de tabaco, como cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido, representa um desafio e pode significar retrocesso nos avanços alcançados pelo Brasil no controle do tabaco, na medida em que esses produtos podem atrair novos usuários, incluindo jovens, aumentando a prevalência e exigindo, portanto, regulamentações específicas para evitar a expansão de seu consumo. Vale destacar, ainda, o contrabando de produtos de tabaco como um desafio significativo, pois possibilita a disponibilidade de produtos de tabaco mais baratos e sem as devidas regulamentações. Isso pode minar os esforços de aumento de preços por meio de impostos e comprometer a eficácia das políticas de controle do tabaco (CAVALCANTE, 2005CAVALCANTE, T. M. O controle do tabagismo no Brasil: avanços e desafios. Rev Psiquiatr Clínica, v. 32, n. 5, p. 283-300, 2005.).
3. E, por fim, a implementação consistente das medidas de controle do tabaco em todo o país ainda é um desafio. As diferenças entre as legislações estaduais e municipais, bem como a falta de recursos e capacidade técnica em algumas áreas, podem afetar a uniformidade e a efetividade das ações de controle do tabaco.
Acredita-se que o caminho para a sustentabilidade do PNCT se dá no fortalecimento do papel fundamental nas estratégias de enfrentamento do tabagismo no Brasil, desempenhado através do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é responsável por oferecer assistência integral à saúde, incluindo ações de prevenção, promoção, tratamento e reabilitação relacionadas ao tabagismo.
Dentre as principais contribuições do SUS no enfrentamento do tabagismo, podemos destacar:
1. Tratamento do tabagismo: o SUS oferece tratamento gratuito para pessoas que desejam cessar o tabagismo, por meio de iniciativas como o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) e a Rede de Tratamento do Tabagismo. Esses programas disponibilizam medicamentos à base de reposição de nicotina, não nicotínicos, acompanhamento de profissionais de saúde de várias modalidades, inclusive suporte psicossocial para auxiliar na cessação do tabagismo.
2. Ações de prevenção: o SUS promove ações de prevenção do tabagismo, como campanhas educativas, atividades de conscientização e mobilização social. Essas ações visam informar a população sobre os riscos do tabagismo, incentivar a adoção de hábitos saudáveis e desencorajar o início do consumo de tabaco.
3. Capacitação de profissionais de saúde: o SUS promove a capacitação de profissionais de saúde para o atendimento adequado aos fumantes. Isso inclui a formação de equipes multidisciplinares, como médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, odontólogos, nutricionistas, dentre outros, para oferecer suporte no tratamento do tabagismo e na promoção de ambientes livres de fumaça dos derivados do tabaco.
Trabalhando na perspectiva de avaliação e avanços após 30 anos do PNCT, e tomando por base os resultados do projeto piloto realizado em cinco estados das diferentes regiões do país, visando ao “Aprimoramento da Política Nacional de Controle de Tabaco (2020-2022)”, as reconfigurações da agenda político-técnico-acadêmica se colocam nos cinco artigos disponíveis neste suplemento, apontando direcionamentos: “Restrição da venda de produtos de tabaco apenas tabacarias: uma medida necessária para o fortalecimento da Política Nacional de Controle do Tabaco”, “Os Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde e a Política Nacional de Controle do Tabaco: uma aproximação necessária”, “Impacto do uso de produtos de tabaco aquecido (HTP) na qualidade do ar em ambientes fechados”, “Modelos Organizacionais para sustentabilidade do Programa Nacional de Controle do Tabagismo: uma proposta piloto a ser adotada nacionalmente” e “Impacto da pandemia da Covid-19 sobre o Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS”.
A PNCT tem se mostrado efetiva na redução do tabagismo no Brasil. Através de suas medidas, houve diminuição significativa do consumo de tabaco, reduzindo a prevalência de 34% em 1989 para 12% em 2019, e maior conscientização sobre os danos à saúde causados pelo tabagismo (IBGE, 2019INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional de Saúde: 2019. Percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 113p.). No entanto, o desafio de combater o tabaco e seus efeitos nocivos para a saúde ainda continua, e é necessário um esforço contínuo, por parte do governo e da sociedade, para avançar na promoção de uma cultura de não fumar e na proteção da saúde de todos.
Referências
- CAVALCANTE, T. M. O controle do tabagismo no Brasil: avanços e desafios. Rev Psiquiatr Clínica, v. 32, n. 5, p. 283-300, 2005.
- INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional de Saúde: 2019. Percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 113p.
- Instituto Nacional de Câncer. Divisão de Controle do Tabagismo (Ditab). Rio de Janeiro: INCA, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/programa-nacional-de-controle-do-tabagismo
» https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/programa-nacional-de-controle-do-tabagismo - Instituto Nacional de Câncer. Política Nacional de Controle do Tabaco: Relatório de Gestão e Progresso 2013-2014 Rio de Janeiro: INCA, 2015.
- WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Framework Convention on Tobacco Control. 2016 Global Progress Report on Implementation of the WHO Framework Convention on Tobacco Control. Geneva: WHO, 2016.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
30 Out 2023 - Data do Fascículo
2023