Trajetória das políticas de saúde mental na Argentina e no Brasil: por que diferentes padrões de reforma?

Lucía Belén Pérez Amanda Pinheiro José Ângelo Machado Carmem Emmanueli Leitão Araújo Sobre os autores

Resumo

As reformas psiquiátricas nos países da América Latina são heterogêneas, apesar de ideais e com objetivos comuns. O artigo analisa a trajetória das políticas de saúde mental no Brasil e na Argentina entre 1990 e 2020. Sob um desenho histórico-comparativo, explora fatores político-institucionais que podem explicar diferenças nas políticas estabelecidas nestes países. Os resultados apontam para a importância do papel desenvolvido por empreendedores de mudanças, com movimentos sociais mais coesos no Brasil. A expansão de regras e serviços comunitários ocorreu principalmente no contexto político de governos progressistas, embora este não seja um fator suficiente para explicá-la. O federalismo não se mostrou um obstáculo a tais políticas, porém na Argentina, a produção legislativa nacional tem sofrido mais constrangimentos do que no caso brasileiro. A reforma psiquiátrica ainda é um processo em disputa nos dois países.

Palavras-Chave:
Política de Saúde; Reforma dos Serviços de Saúde; Saúde Mental; América Latina

Introdução

O debate sobre reformas psiquiátricas na América Latina se iniciou ainda nos anos 1960 (Alarcón; Aguilar-Gaxiola, 2000ALARCÓN, R. D.; AGUILAR-GAXIOLA, S. A. Mental health policy developments in Latin America. Bulletin of the World Health Organization, v. 78, n. 4, p. 483-490, 2000.). A partir dos anos 1990, no contexto de transição de regimes autoritários para a democracia na América Latina, as reformas na atenção à saúde mental ganharam impulso (Desviat, 2015DESVIAT, M. A. 2015. Reforma Psiquiátrica. 2da. ed. Rio de Janeiro: [s.n.].; Sosa, 2015SOSA, M. S. Análisis del Modelo de Atención en Salud Mental en los países Estados parte del Mercosur. Cienc. salud (Ciudad Autón. B. Aires), v. 5, p. 22-28., 2015.).

Após três décadas, é possível avaliar que a implementação de alternativas de atenção à saúde mental nos países latino-americanos registra avanços. A desinstitucionalização do sofrente mental passou a não se limitar somente aos espaços hospitalares, incluindo a expansão de serviços capazes de gerar impacto na sociedade e nas práticas sociais que rodeiam o sofrimento psíquico (Agrest ., 2018AGREST, M. et al. Leyes de Salud Mental y reformas psiquiátricas en América Latina: múltiples caminos en su implementación. Vertex, v. XXIX, n. 141, p. 334-345, 2018.; Amorim; Dimenstein, 2009AMORIM, A. K. D. M. A.; DIMENSTEIN, M. Desinstitucionalização em saúde mental e práticas de cuidado no contexto do serviço residencial terapêutico. Ciencia e Saude Coletiva, v. 14, n. 1, p. 195-204, 2009.; Almeida; Horvitz-Lennon, 2010ALMEIDA, J. M. C.; HORVITZ-LENNON, M. An Overview of Mental Health Care Reforms in Latin America and the Caribbean. Psychiatric Services, v. 61, n. 3, p. 218-221, 2010.). Iniciativas se acumularam, de modo a imprimir lógicas assistenciais opostas ao modelo asilar (Henao ., 2016HENAO, S. et al. Políticas públicas vigentes de salud mental en Suramérica: un estado del arte. Revista Facultad Nacional de Salud Pública, v. 34, n. 2, 2016.). No entanto, impasses político-institucionais têm bloqueado a consolidação das diversas experiências de reforma, concomitantemente ao crescimento da prevalência e carga de doenças na região (Almeida; Horvitz-Lennon, 2010ALMEIDA, J. M. C.; HORVITZ-LENNON, M. An Overview of Mental Health Care Reforms in Latin America and the Caribbean. Psychiatric Services, v. 61, n. 3, p. 218-221, 2010.). Além disso, há “múltiplos padrões de implementação” de políticas de saúde mental (Agrest ., 2018AGREST, M. et al. Leyes de Salud Mental y reformas psiquiátricas en América Latina: múltiples caminos en su implementación. Vertex, v. XXIX, n. 141, p. 334-345, 2018.), sendo necessário ainda compreender melhor os motivos das diferenças entre elas.

Este artigo busca responder à escassez de pesquisas de natureza comparativa sobre os processos de mudança no campo da atenção à saúde mental entre os países da América Latina (Blanco ., 2017BLANCO, L. C.; SUÁREZ, A. S.; PALACIOS, J. A. P.; RICARDO, M. V. Los desarrollos legislativos en Salud Mental en Brasil, Argentina, Chile y Colombia a partir de la Declaración de Caracas. 1990-2015. - Facultad de Enfermería, Universidad El Bosque, 2017. [S. l.], 2017. DOI: 10.13140/RG.2.2.10624.66560.), oferecendo achados e reflexões que possam ser confrontados em outros estudos (Gerlero ., 2010GERLERO, S. S. et al. Diagnóstico evaluativo para el fortalecimiento de estrategias de intervención en salud mental en argentina. Revista Argentina de Salud Publica, v. 1, n. 2, p. 24-29, 2010.; Heredia; Barcala, 2017HEREDIA, M.; BARCALA, A. Representaciones y prácticas de profesionales de la guardia de un hospital pediátrico de la Ciudad de Buenos Aires. Revista argentina de salud pública, v. 8, n. 30, p. 13-19, 2017.). Para tanto, analisa a trajetória das políticas de saúde mental no Brasil e na Argentina, entre os anos de 1990 e 2020.

Os dois países são pioneiros na recepção de novas ideias que implicaram na implantação de reformas psiquiátricas (Blanco ., 2017BLANCO, L. C.; SUÁREZ, A. S.; PALACIOS, J. A. P.; RICARDO, M. V. Los desarrollos legislativos en Salud Mental en Brasil, Argentina, Chile y Colombia a partir de la Declaración de Caracas. 1990-2015. - Facultad de Enfermería, Universidad El Bosque, 2017. [S. l.], 2017. DOI: 10.13140/RG.2.2.10624.66560.). Eles conseguiram estabelecer compromissos em reestruturar os sistemas de atenção à saúde mental, indo de encontro à violação de direitos. Apresentam políticas que registram a intenção de ruptura com um modelo marcado pela lógica asilar, levando a um acúmulo de resultados relevantes (Camargo; Preuss, 2017CAMARGO, J. C.; PREUSS, L. T. Saúde mental no Brasil e Argentina: algumas aproximações. II Simpósio Internacional Interdisciplinar em Ciências Sociais Aplicadas, v. 1, 2017.). Contudo, identificamos duas dissemelhanças importantes: 1) o tempo para o estabelecimento de normas de âmbito nacional, dado que Argentina consegue instituir uma Lei Nacional quase 10 anos após o Brasil; 2) o grau de homogeneidade dos arranjos institucionais estabelecidos entre as diferentes unidades subnacionais sob a égide de uma política nacional, tendo o Brasil maior expansão e homogeneidade da rede psicossocial implementada.

Metodologia

Trata-se de um estudo com abordagem histórico-comparativa (Mahoney, 2008MAHONEY, J. Toward a unified theory of causality. Comparative Political Studies, v. 41, n. 4-5, p. 412-436, abr. 2008.; Mahoney; Rueschemeyer, 2012MAHONEY, J.; RUESCHEMEYER, D. 2012. Comparative historical analysis in the social sciences. [s.l: s.n.]. v. 9780521816). A escolha dos casos considerou que os países são repúblicas presidencialistas que exercem papéis de destaque no bloco do continente sul-americano, com formação histórico-social e organização do Estado semelhante.

No que diz respeito à política de saúde, embora originalmente baseados em modelos corporativista de seguridade social, há diferenças importantes. O Brasil conseguiu estabelecer a saúde como um direito universal constitucionalmente definido, embora com um setor privado robusto, enquanto a Argentina garante acesso universal com forte segmentação do seguro social e diversificação no financiamento.

O recorte temporal está relacionado ao fato de as reformas na atenção à saúde mental nas Américas terem ganhado impulso somente após a Declaração de Caracas, acordada em 1990 (Desviat, 2015DESVIAT, M. A. 2015. Reforma Psiquiátrica. 2da. ed. Rio de Janeiro: [s.n.].; Sosa, 2015SOSA, M. S. Análisis del Modelo de Atención en Salud Mental en los países Estados parte del Mercosur. Cienc. salud (Ciudad Autón. B. Aires), v. 5, p. 22-28., 2015.). Também contempla um período em que os dois países já estavam sob regime democrático.

O exercício de pesquisa combinou uma análise documental complementada com entrevistas semiestruturadas. As informações analisadas resultam de uma revisão narrativa da literatura, a partir de diversas fontes que incluíram tanto as bases de dados SciELO, LILACS e PubMed, como leis, boletins e comunicações oficiais, tanto em nível nacional, provincial ou estadual quanto municipal, definindo os descritores: Políticas Públicas, Saúde Mental, Brasil e Argentina

Foram selecionados 31 documentos para a análise do caso argentino, 37 documentos referentes ao Brasil e um total de 32 documentos oficiais (dentre os quais podem ser mencionadas as Leis Nacionais de Saúde Mental, as portarias de regulamentação de fluxo e criação de serviços e posteriores diretrizes relevantes de ampliação ou modificação das regulamentações de ambos os países). Ademais, foram realizadas 14 entrevistas com atores relevantes na construção da política nacional de saúde mental em ambos os países, seja por meio de movimento social ou representantes governamentais e de serviços, conformando uma amostra intencional e por conveniência. Mais informações a respeito das identidades dos participantes foram reservadas para resguardar o sigilo.

Quadro 1
Participantes da pesquisa por período de ação identificada e filiação institucional.

Tanto para a análise do material documental quanto para as entrevistas, foram estabelecidas categorias de análise derivadas da leitura do material coletado, auxiliando a análise com o uso do software Atlas.ti. As categorias definidas incluíram: atores envolvidos nas mudanças, regras e serviços construídos e aspectos dos contextos institucionais ou políticos envolvidos em cada um dos períodos analisados.

Todos os princípios éticos correspondentes a pesquisas com seres humanos foram levados em consideração, assim como a apreciação pelo Comitê de Ética (Parecer n° 5.124.298).

Resultados

Política de saúde mental na Argentina: avanços na perspectiva das províncias

Na Argentina, o caminho para o estabelecimento de um sistema de saúde mental e comunitário com enfoque desmanicomializador, embora tenha uma origem já distante no tempo, é, no presente, algo ainda longe de ser alcançado. Assim sendo, durante as reformas neoliberais dos anos 1990, reforçou-se uma maior autonomia das províncias na prestação de serviços públicos em um contexto de baixo financiamento público. Nesse período também se aprofundaram outras mudanças no sistema de saúde, caracterizadas pela introdução da competição de mercado nos seguros sociais, conhecidos como Obras Sociales, e expansão das empresas de medicina pré-paga (Machado, 2018MACHADO, C. V. Health policies in Argentina, Brazil and Mexico: Different paths, many challenges. Ciencia e Saude Coletiva, v. 23, n. 7, p. 2197-2212, 2018.).

Paradoxalmente, no campo da saúde mental, diferentes tentativas de introdução de reformas nas unidades subnacionais foram iniciadas, e como assinalado pelos atores entrevistados, uma das maiores conquistas corresponde a essa época: a reforma antimanicomial da província de Río Negro, em 1991, com a Lei Provincial nº 2.440. Essa lei foi pioneira na América Latina, no que diz respeito à desmanicomialização, ao direcionar a internação de pacientes com problemas de saúde mental em hospitais gerais.

Esses avanços representam a base fundamental para o posterior desenvolvimento do sistema de saúde mental na Argentina, mas conformaram fatos isolados e desarticulados, sem alcançarem o patamar de difusão de um novo modelo de atenção por todo o território nacional e sob uma coordenação central.

Durante os governos de Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Fernández (2011-2015), a saúde passou a ganhar maior interesse governamental. Por exemplo, foi formulado o Plan Federal de Salud 2004-2007 (Ministerio..., 2004) estruturado em função do fortalecimento da Atenção Primária à Saúde. Nele o Estado é apresentado como garantidor da saúde à população, visando a um acesso equitativo à saúde e melhorando a acessibilidade, a eficácia e a qualidade dos serviços. Começa-se a registrar um apoio crescente dos Movimentos de Direitos Humanos (que tinham tido origem no período de recuperação democrática) na Saúde Mental, dando impulso à discussão sobre uma reforma no sistema de saúde em geral, e de saúde mental em particular. Registra-se a expansão de programas públicos específicos, como o Plano Nascer e o programa Remediar. Também ganha espaço a agenda de regulação das obras sociales e do setor privado (Machado, 2018MACHADO, C. V. Health policies in Argentina, Brazil and Mexico: Different paths, many challenges. Ciencia e Saude Coletiva, v. 23, n. 7, p. 2197-2212, 2018.).

Em 2007, algumas províncias se somaram ao desenvolvimento de regulações tendentes à melhoria dos sistemas de saúde mental. A reivindicação dos movimentos de Direitos Humanos, surgidos após a última ditadura cívico-militar, ganhou força nesse período, representando um apoio para uma reforma psiquiátrica nacional. A Associação Madres de Plaza de Mayo, por exemplo, começou a abordar a questão da saúde mental (Ardila-Gómez ., 2019ARDILA-GÓMEZ, S. et al. The mental health users’ movement in Argentina from the perspective of Latin American Collective Health. Global Public Health, v. 14, n. 6-7, p. 1008-1019, 3 jul. 2019.).

Apresentado pelo Deputado Leonardo Gorbacz (Frente de Todos), o projeto em discussão no parlamento estava de encontro aos interesses corporativos e privados. No ano de 2010, foi finalmente lograda a sanção da Lei Nacional de Saúde Mental, n° 26.657, incorporando uma reviravolta na perspectiva, sob a qual o sofrimento mental era até então abordado. Pela primeira vez, o Estado Nacional estabeleceu a garantia do tratamento digno para as pessoas com sofrimento psíquico.

Nos anos posteriores, vários fatos acompanharam o impulso da legislação: no ano 2011, foi criada a Comisión Nacional Interministerial en Políticas de Salud Mental y Adicciones (CONISMA), e em 2014, o Consejo Consultivo Honorário. Em 2011, foram desenvolvidos os “Lineamentos para la atención de la urgencia en salud mental”, regulando o funcionamento de vários dispositivos: centros-dia, serviços de saúde em hospitais gerais, Centros de Atención Primaria a la Salud (CAPS), entre outros com marcada orientação comunitária, humanizada e interdisciplinar. Anos depois, normas mínimas para autorização de estabelecimentos e serviços de saúde mental foram definidas pela Resolução 1.484/2015, de modo a criar a necessidade de adaptação de estabelecimentos pré-existentes para atenderem os pré-requisitos exigidos de atenção.

Apesar do lento progresso na primeira década dos anos 2000, os depoimentos colhidos com os entrevistados convergem em apontar que, durante o governo de Mauricio Macri (2015-2019), ganharam força as resistências à implementação da reforma psiquiátrica argentina, já presentes desde as origens do projeto de lei. Assim, a nomeação do psiquiatra Andrew Blake para a coordenação da direção nacional foi considerada um retrocesso (Blanco ., 2017BLANCO, L. C.; SUÁREZ, A. S.; PALACIOS, J. A. P.; RICARDO, M. V. Los desarrollos legislativos en Salud Mental en Brasil, Argentina, Chile y Colombia a partir de la Declaración de Caracas. 1990-2015. - Facultad de Enfermería, Universidad El Bosque, 2017. [S. l.], 2017. DOI: 10.13140/RG.2.2.10624.66560.), sendo ele uma figura reconhecida como crítico da Lei Nacional. A mais representativa das medidas adotadas foi a prescrição da Resolução 1.003/2016, revogando a Resolução 1.484/2015, de Normas Mínimas para a Autorização de Estabelecimentos e Serviços de Saúde Mental, que visava incentivar a abertura de leitos de saúde mental em hospitais gerais.

Sob a forte crise econômica do governo Macri, o psicólogo Luciano Grasso foi convocado, em 2018, pelo ministro da Saúde recém-empossado. Embora participando de um governo apoiado por setores resistentes à implementação da Lei Nacional, Grasso era próximo aos grupos favoráveis ao modelo comunitário, que politicamente eram oposição ao governo. Essa mudança parece ter dificultado a assinatura do decreto presidencial, elaborado por Blake, onde se consentia a permanência dos hospitais psiquiátricos.

É possível pensar que, até a atualidade, avançou-se pouco em termos de mudança do modelo de atenção em nível nacional. A opinião dos entrevistados foi unânime: os resultados esperados em planos e regulamentos dos últimos vinte anos não foram atingidos, ainda persistem práticas antiquadas convivendo em contradição com as últimas leis, impedindo a implementação efetiva de serviços comunitários orientados pelo paradigma de direitos humanos.

Reforma Psiquiátrica no Brasil: apesar dos avanços, retrocessos eminentes

Durante a recuperação democrática brasileira cresceram dois movimentos sociopolíticos: o Movimento Sanitário Brasileiro (MSB), que trouxe a bandeira do direito à saúde a ser garantido pelo Estado, e o Movimento pela Reforma Psiquiátrica Brasileira (MRPB). Composto por grupos de interesse bastante diversos, este último movimento envolveu, desde trabalhadores, usuários, familiares, militantes dos Direitos Humanos aos prestadores públicos e privados, gestores, até sindicatos e associações (Pitta, 2011PITTA, A. M. F. An assessment of Brazilian Psychiatric Reform: Institutions, Actors and Policies. Ciencia e Saude Coletiva. Rio de Janeiro, ABRASCO, 2011.).

Indo ao encontro das reformas no campo da saúde, iniciadas na América Latina no final do século passado, uma proposta de universalização da saúde foi estabelecida na Constituição Federal Brasileira, de 1988. A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) contou com a participação de diferentes atores, tendo sido relevante o protagonismo do Ministério da Saúde e das secretarias de estado e municípios. Apesar de avanços na década de 1990, o direcionamento neoliberal dos governos do período, impôs limites ao Sistema Único de Saúde (SUS) (Bravo, 2006BRAVO, M. I. S. Política de Saúde no Brasil. Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. Rio de Janeiro, 2006.; Paim, 2009PAIM, J. S. Uma análise sobre o processo da Reforma Sanitária brasileira. Saúde em Debate, v. 33, n. 81, p. 27-37, 2009.).

A Reforma Psiquiátrica Brasileira obteve espaço na década de 1990. Experiências institucionais prévias em vários municípios estabeleceram novos modos de cuidado em saúde mental. Nessa época, a recente diáspora de profissionais para o Brasil como exilados políticos da ditadura argentina, reforçou o diálogo entre ambos os países e o impacto dos psicanalistas argentinos na trajetória da reforma psiquiátrica brasileira (Magaldi, 2018MAGALDI, F. Una estampida general: ciencias sociales, salud mental y política en Argentina y en Brasil desde el exilio de Gregorio Baremblitt en los 1970. p. 1-11, 2018.). Merecem lugar de destaque os psiquiatras argentinos Antonio Lancetti, um dos líderes do fechamento da Casa de Saúde Anchieta, e Gregório Baremblitt, um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições (IBRAPSI) (Hur, 2014HUR, D. U. Trajetórias de um pensador nômade: Gregório Baremblitt. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 14, n. 3, 2014.).

As portarias ministeriais 189/1991 e 224/1992 regulamentaram os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), implementados no Brasil como serviços locais, e intermediários entre o atendimento ambulatorial e hospitalar, mas sem uma perspectiva de serviços substitutivos ao modelo hospitalar (Amarante, 2020AMARANTE, P. Autobiografia de um movimento: quatro décadas de Reforma Psiquiátrica no Brasil (1976-2016). Rio de Janeiro: CAPES, 2020.). Entre 1992 e 1995, oito estados brasileiros sancionaram leis de reforma.

As regulamentações estaduais possuíam consonância com elementos contidos no Projeto de Lei, apresentado pelo deputado Paulo Delgado, ainda em 1989, o qual se tornaria a Lei nº 10.216/2001 - Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira (LRPB). Alinhada às principais diretrizes internacionais, a LRPB determinou um tratamento digno e de qualidade, e deu lugar central à participação societária na abordagem dos sofrimentos mentais. As internações em hospitais com características asilares ficaram proibidas, mas não havia obrigatoriedade de extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos.

Ainda no Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a Portaria nº 2.391/2002 regulamentou o controle das internações psiquiátricas involuntárias, enquanto a Portaria 336/2002 instituiu as diretrizes para o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Esses serviços se conformam como o dispositivo estratégico da rede de atenção à saúde mental, constituindo espaços substitutivos e redirecionando à atenção psicossocial em equipamentos comunitários (Brasil, 2004).

No primeiro ano do Governo Lula (2003-2010) inaugurou-se o Programa de Volta para Casa, destinado à reintegração social de pessoas com história de longa internação psiquiátrica. Amarante (2020AMARANTE, P. Autobiografia de um movimento: quatro décadas de Reforma Psiquiátrica no Brasil (1976-2016). Rio de Janeiro: CAPES, 2020.) aponta que as portarias 52/2004 e GM/MS 2644/2009 incentivaram a redução dos leitos em hospitais psiquiátricos, a partir de estímulos financeiros com capacidade de induzir a adesão dos governos subnacionais. No período de 2002 a 2015 foram reduzidos 25.405 leitos de hospitais psiquiátricos e expandiu-se o número de CAPS no país (Brasil/MS, 2015).

A criação de uma rede de atenção à saúde mental, substitutiva ao modelo hospitalocêntrico, e a redução progressiva e programada de leitos em hospitais psiquiátricos em todo o território nacional caracterizam a política de saúde mental brasileira do final dos anos 1990 e início dos anos 2000 (Almeida Filho ., 2015ALMEIDA FILHO, A. J. et al. Trajetória Histórica da Reforma Psiquiátrica em Portugal e no Brasil. Revista de Enfermagem Referência, v. IV, n. 4, p. 117-125, 2015.; Pitta, 2011PITTA, A. M. F. An assessment of Brazilian Psychiatric Reform: Institutions, Actors and Policies. Ciencia e Saude Coletiva. Rio de Janeiro, ABRASCO, 2011.) ainda que sob a oposição de alguns atores como a Federação Brasileira de Hospitais. Por outro lado, a Coordenação de Saúde Mental, no âmbito do Ministério da Saúde, agregava vários representantes da RPB desde o processo de redemocratização. Contava-se também com o engajamento dos usuários e familiares na defesa também de um modelo mais humano e efetivo, a nível dos governos locais.

A implantação de outros serviços também foi incentivada no território nacional. Esse foi o caso dos Serviços residenciais terapêuticos (SRT): moradias para egressos de longas internações com vínculos familiares e comunitários rompidos e para desospitalização e reinserção social (Portaria 1220/2000 e complementada pela Portaria nº 3.090/2011). A Estratégia de Atenção Psicossocial (EAP) e a Avaliação Constante dos Hospitais Psiquiátricos foram estabelecidas, por meio do Programa de Avaliação de Serviços Hospitalares (PNASH), que buscava vistoriar a totalidade de hospitais psiquiátricos e leitos em unidades psiquiátricas com o objetivo de adequá-los às exigências mínimas de qualidade (Almeida Filho ., 2015ALMEIDA FILHO, A. J. et al. Trajetória Histórica da Reforma Psiquiátrica em Portugal e no Brasil. Revista de Enfermagem Referência, v. IV, n. 4, p. 117-125, 2015.).

No governo de Dilma Rousseff (2011-2016), por meio da Portaria n° 3.088, foi instituída a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com objetivo de oferecer atenção por meio de uma rede ampliada e articulada de serviços do SUS. Apesar de serem consideradas um avanço significativo, as RAPS incluíram as Comunidades Terapêuticas (CT), criticadas no campo acadêmico e político pela utilização de aspectos religiosos e moralizantes para lidar com a questão da droga, uma vez orientando suas práticas a partir da abstinência (Amarante, 2020AMARANTE, P. Autobiografia de um movimento: quatro décadas de Reforma Psiquiátrica no Brasil (1976-2016). Rio de Janeiro: CAPES, 2020.). O final deste período coincide com as fortes pressões, a partir de grupos ligados aos interesses econômicos e de mercado, para contenção dos gastos sociais em meio à crise econômica internacional (Machado, 2018MACHADO, C. V. Health policies in Argentina, Brazil and Mexico: Different paths, many challenges. Ciencia e Saude Coletiva, v. 23, n. 7, p. 2197-2212, 2018.).

O avanço da contrarreforma brasileira começa a dar sinais em 2015. Grupos e entidades ligadas à RPB, como o Movimento da Luta Antimanicomial, manifestam-se contra a indicação do ex-diretor do maior Hospital Psiquiátrico do Brasil (fechado após várias denúncias), Valencius Wurch Duarte Filho, para o cargo de Coordenador Nacional de Saúde Mental (Machado, 2018MACHADO, C. V. Health policies in Argentina, Brazil and Mexico: Different paths, many challenges. Ciencia e Saude Coletiva, v. 23, n. 7, p. 2197-2212, 2018.; Pitta; Guljor, 2019PITTA, A. M. F.; GULJOR, A. P. a Violência Da Contrarreforma Psiquiátrica No Brasil: Um Ataque À Democracia Em Tempos De Luta Pelos Direitos Humanos E Justiça Social. Cadernos do CEAS: Revista crítica de humanidades, n. 246, p. 6, 2019.), deposto em 2016 após as pressões. Apesar disso, a “maré de direitização das políticas de contrarreforma” continuou com a indicação de um representante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), opositora da RPB (Pitta; Gujor, 2019).

Após o processo de impeachment da presidenta Rousseff, sob o fortalecimento de ideais conservadores e liberais (Machado, 2018MACHADO, C. V. Health policies in Argentina, Brazil and Mexico: Different paths, many challenges. Ciencia e Saude Coletiva, v. 23, n. 7, p. 2197-2212, 2018.), o vice-presidente Michel Temer assumiu a presidência do país (2016-2018), iniciando um processo de redução de gastos públicos e de direitos sociais, com estímulo à expansão do setor privado de saúde e desmonte do Estado de bem-estar social (Pereira, 2020PEREIRA, S. L. B. A Política De Saúde Mental Brasileira Em Tempos Neoliberais: Projetos Em Disputa the Brazilian Mental Health Policy in Neoliberal Times: Projects in Dispute. Sociedade em Debate, v. 26, n. 1, p. 72-87, 2020.). Emplaca-se a Emenda Constitucional nº 95 (EC 95), que estabeleceu um Novo Regime Fiscal, limitando por 20 anos os gastos públicos com saúde.

No ano de 2017, começa a se configurar no Ministério da Saúde uma “Nova Política de Saúde Mental”. Com o aval da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), novas diretrizes para o funcionamento da RAPS foram estabelecidas, dentre elas a inclusão dos hospitais psiquiátricos e aumento do pagamento por internações. Essas novas diretrizes tiveram apoio da ABP, Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação de amigos e familiares de doentes mentais e do governo federal, de maneira verticalizada, sem levar em conta o debate amplo com trabalhadores, movimentos sociais, entidades e pesquisadores da área (Pereira, 2020PEREIRA, S. L. B. A Política De Saúde Mental Brasileira Em Tempos Neoliberais: Projetos Em Disputa the Brazilian Mental Health Policy in Neoliberal Times: Projects in Dispute. Sociedade em Debate, v. 26, n. 1, p. 72-87, 2020.).

O governo Bolsonaro, iniciado em 2019, seguiu a mesma “tendência remanicomializadora”, que expressa ainda um projeto societário da extrema direita (Pereira, 2020PEREIRA, S. L. B. A Política De Saúde Mental Brasileira Em Tempos Neoliberais: Projetos Em Disputa the Brazilian Mental Health Policy in Neoliberal Times: Projects in Dispute. Sociedade em Debate, v. 26, n. 1, p. 72-87, 2020.). Exemplo disso foi a publicação da Nota Técnica n° 11/2019, pelo Ministério da Saúde. Esta nota marca a mudança de discurso e “a efetividade do modelo em vigor até 2017 e a direção de uma política pautada no cuidado comunitário, afirma a necessidade de aumento do número de leitos psiquiátricos e repudia a ideia de fechar hospitais” (Cruz; Gonçalves; Delgado, 2020, p. 11CRUZ, N. F. O.; GONÇALVES, R. W.; DELGADO, P. G. G. Retrocesso da reforma psiquiátrica: o desmonte da política nacional de saúde mental brasileira de 2016 a 2019. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, n. 3, 2020.).

No mesmo ano, a Política Nacional sobre Drogas (PNAD) saiu do âmbito do Ministério da Saúde para ficar sob a responsabilidade da articulação e coordenação do Ministério da Cidadania e do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (Brasil/MS, 2019). A assinatura do Decreto 9761/2019 colocou ênfase no financiamento de CTs, em uma abordagem proibicionista (Cruz; Gonçalvez; Delgado, 2020). A citação de serviços de ambulatórios especializados desconsiderava a cobertura de equipes de Atenção Primária, ações de matriciamento no território pelos NASF e dos próprios CAPS. A única menção à saúde mental infanto-juvenil diz respeito às internações psiquiátricas. Reapareceu no cenário a defesa da técnica de eletroconvulsoterapia (ECT) (Pitta; Guljor, 2019PITTA, A. M. F.; GULJOR, A. P. a Violência Da Contrarreforma Psiquiátrica No Brasil: Um Ataque À Democracia Em Tempos De Luta Pelos Direitos Humanos E Justiça Social. Cadernos do CEAS: Revista crítica de humanidades, n. 246, p. 6, 2019.).

O Brasil, então, vivenciou ao longo de duas décadas e meia viveu uma progressiva e coordenada desinstitucionalização da atenção baseada no manicômio, processo difundido em nível nacional. Porém presenciou, desde a segunda metade da década dos 2010, um desmonte dos avanços conquistadas em âmbito nacional pela política de saúde mental, assim como vem ocorrendo no conjunto dos direitos sociais e com a própria democracia, algo que levou à uma intensificação de tensões entre projetos antagônicos para saúde mental.

Encontros e divergências nos caminhos

Desde a década de 1960, atores sociais do Brasil e da Argentina pautaram a reforma psiquiátrica, com referenciais ideológicos similares, contudo há diferenças no ritmo, no desenho e na abrangência das políticas nacionais de saúde mental.

Ressaltamos, primeiramente, a organização e o papel desenvolvido por atores societários favoráveis à reforma. No Brasil, o movimento de reforma psiquiátrica foi reforçado após denúncias de trabalhadores da saúde mental, sobre as condições de trabalho e de violação de direitos humanos de pessoas com sofrimentos mentais, criando-se movimentos específicos e organizados, que deram força a reforma psiquiátrica no contexto de uma reforma ampliada do sistema de saúde (Amarante, 2020AMARANTE, P. Autobiografia de um movimento: quatro décadas de Reforma Psiquiátrica no Brasil (1976-2016). Rio de Janeiro: CAPES, 2020.).

Na Argentina, mesmo que a disputa de interesses também tenha sido forte, especialmente a partir de lutas corporativas entre psicólogos e psiquiatras, fato refletido no debate de aprovação da Lei Nacional de Saúde Mental, os coletivos de luta pró-reforma psiquiátrica parecem ter tido menos coesão. Uma reforma em saúde mental na Argentina ganhou força após a inclusão deste tema na agenda dos movimentos pelos direitos humanos nos anos 2000.

Importante destacar que, ao contrário do Brasil, onde recentemente um chefe do Executivo Nacional exalta as memórias da ditadura e recusa a promoção de justiça às vítimas quase cinquenta anos após o golpe militar, impactando as diversas policies implantadas após a Constituição Federal de 1988, as dificuldades de avanço na Argentina são de outra ordem que não propriamente o retrocesso promovido por forças favoráveis ao autoritarismo (Canet; Mazzeo, 2016CANET, J.; MAZZEO, C. Ley de Salud Mental: cambio de paradigma y cuentas pendientes. 2016.). De qualquer forma, na atualidade, identificamos a forte presença de atores contrários à reforma em ambos os países, incluindo grupos hegemônicos da medicina privada, indústria farmacêutica e, no caso argentino, inclusive o poder judicial (Alarcón; Aguilar-Gaxiola, 2000ALARCÓN, R. D.; AGUILAR-GAXIOLA, S. A. Mental health policy developments in Latin America. Bulletin of the World Health Organization, v. 78, n. 4, p. 483-490, 2000.; Almeida; Horvitz-Lennon, 2010ALMEIDA, J. M. C.; HORVITZ-LENNON, M. An Overview of Mental Health Care Reforms in Latin America and the Caribbean. Psychiatric Services, v. 61, n. 3, p. 218-221, 2010.).

Observou-se, porém, uma série de obstáculos na conformação bem-sucedida de uma rede de atenção em linha com a proposta das leis nacionais e dos marcos regulatórios internacionais: a redução da reforma a um processo de desospitalização e o deslocamento completo da atenção em saúde mental para serviços substitutivos territoriais integrados à rede de saúde mais ampla (Amorim; Dimenstein, 2009AMORIM, A. K. D. M. A.; DIMENSTEIN, M. Desinstitucionalização em saúde mental e práticas de cuidado no contexto do serviço residencial terapêutico. Ciencia e Saude Coletiva, v. 14, n. 1, p. 195-204, 2009.), tornando-se necessário um olhar crítico para o processo de trabalho dos profissionais, sob o risco de que reproduzam nos locais de trabalho o modelo manicomial e segregador prestado em unidades asilares de outrora (Clementino ., 2019CLEMENTINO, F. DE S. et al. Atendimento Integral E Comunitário Em Saúde Mental: Avanços E Desafios Da Reforma Psiquiátrica. Trabalho, Educação e Saúde, v. 17, n. 1, p. 1–14, 2019.).

Destaca-se, nas falas dos informantes, a predominância de práticas de intervenção que não se condizem com a reorganização do paradigma de atenção nos trabalhadores da área. Pode-se dizer, então, que as barreiras que se apresentaram não corresponderam ao nível legislativo, senão, ao nível fático, de adaptação das práticas de cuidado e os entornos de atenção a uma abordagem de respeito pelos direitos humanos (Heredia; Barcala, 2017HEREDIA, M.; BARCALA, A. Representaciones y prácticas de profesionales de la guardia de un hospital pediátrico de la Ciudad de Buenos Aires. Revista argentina de salud pública, v. 8, n. 30, p. 13-19, 2017.; Rosendo, 2013ROSENDO, E. Legislación argentina en salud mental: convergencias y divergencias en torno a las reformas en salud mental 1. Revista virtual de la Facultad de Psicología y Psicopedagogía de la Universidad del Salvador, n. 1058, p. 130–144, 2013.).

Na Argentina, devido às características organizacionais próprias do país, há uma produção legislativa mais diversa e assíncrona, de acordo com as necessidades de cada província. Desse jeito, é nítida a dificuldade de assegurar alterações no legislativo argentino. O movimento de desmanicomialização começa a ter força somente depois de iniciado o século XXI, de forma irregular ao longo do país, só conseguindo se unificar numa lei nacional no ano 2010. Por esse motivo, a rede de saúde mental no país mostrou-se incipiente. Entre outros aspectos, a criação de serviços alternativos ao hospital psiquiátrico, um dos principais objetivos da Lei, ainda está longe de ser conseguida, tanto quanto o investimento em saúde mental (Gerlero ., 2010GERLERO, S. S. et al. Diagnóstico evaluativo para el fortalecimiento de estrategias de intervención en salud mental en argentina. Revista Argentina de Salud Publica, v. 1, n. 2, p. 24-29, 2010.).

No caso do Brasil, é destacada a Portaria nº 3088/2011, de criação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) como um passo concreto na articulação de serviços no intuito de desmanicomialização. Porém, os entrevistados coincidem em que, na atualidade, novas normativas reformulam o desenho, o financiamento, a metodologia de avaliação dos serviços e a própria orientação clínica da RAPS. Referido pelos entrevistados como um movimento de “contrarreforma psiquiátrica”, trata-se de apoio ao retorno aos hospitais psiquiátricos como recurso terapêutico relevante (Cruz; Gonçalves; Delgado, 2020).

Por outro lado, apesar da expansão de serviços comunitários com a estruturação de uma rede de saúde mental em vários níveis de atenção, diminuição de leitos em hospitais psiquiátricos e maior controle de internações psiquiátricas, resquícios de práticas manicomiais são notáveis, bem como entraves e disputas entre um modelo de atenção psicossocial e asilar, principalmente nos últimos anos (Cruz; Gonçalves; Delgado, 2020; Pereira, 2020PEREIRA, S. L. B. A Política De Saúde Mental Brasileira Em Tempos Neoliberais: Projetos Em Disputa the Brazilian Mental Health Policy in Neoliberal Times: Projects in Dispute. Sociedade em Debate, v. 26, n. 1, p. 72-87, 2020.; Pitta; Guljor, 2019PITTA, A. M. F.; GULJOR, A. P. a Violência Da Contrarreforma Psiquiátrica No Brasil: Um Ataque À Democracia Em Tempos De Luta Pelos Direitos Humanos E Justiça Social. Cadernos do CEAS: Revista crítica de humanidades, n. 246, p. 6, 2019.). É de destacar, ainda, que apesar dos logros legislativos do Brasil, e de eles terem sido refletidos em práticas e serviços criados, no último tempo, o retrocesso não tem só a ver com o fechamento ou sufocamento orçamentário desses serviços, senão também com o desmonte de regulamentações e o estabelecimento de novas políticas contrárias à reforma psiquiátrica.

Já na Argentina (apesar das iniciativas post-lei), o sistema de saúde mental ainda não tem conseguido aperfeiçoar seus serviços, podendo se observar, por exemplo, a permanência de abordagens individuais, dificuldades na organização das equipes de saúde mental nos centros de atenção e na adaptação às novas normativas, falta de articulação entre os serviços, gerando limitações no acesso e seguimento dos tratamentos, e ausência de programas de prevenção e reabilitação perpetuando, assim, modelos de atenção baseados em paradigmas anteriores (Marazina; Paulo, 2011MARAZINA, I. V.; PAULO, S. A saúde mental pública na América Latina. Estudo comparativo dos sistemas de saúde mental de Argentina e Brasil. A saúde mental pública na América Latina. São Paulo, Universidade de São Paulo, 2011.).

Em relação ao papel dos governos, percebemos que embora seja importante para a orientação de reformas, eles não são suficientes. Em ambos os países, o processo de construção da política de saúde mental foi tensionado por políticas e governos (modelo comunitário versus hospitalar; interesses de mercado versus interesses sociais; Estado neoliberal versus Estado social-democrático). Aqui vale recordar que governos geralmente implicam em projetos distintos sobre política social, portanto, é esperado que distintos contextos políticos representem oportunidades ou obstáculos às mudanças nas políticas públicas (Sátyro; Cunha, 2018SÁTYRO, N. G. D.; CUNHA, E. M. S. The transformative capacity of the Brazilian federal government in building a social welfare bureaucracy in the municipalities. Revista de Administracao Publica, v. 52, n. 3, p. 363-385, 1 maio 2018.) no caso estudado, empreendidas por atores que defendem reformas psiquiátricas.

A partir dos anos 2000, que coincide com o avanço da onda rosa nos países da América Latina, foi possível a ampliação das ideias, normativas e serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico. No Brasil, isso representou um forte avanço na direção de um sistema de saúde comunitário e antimanicomial (Pereira, 2020PEREIRA, S. L. B. A Política De Saúde Mental Brasileira Em Tempos Neoliberais: Projetos Em Disputa the Brazilian Mental Health Policy in Neoliberal Times: Projects in Dispute. Sociedade em Debate, v. 26, n. 1, p. 72-87, 2020.). Neste sentido, a Argentina deu um importante passo no estabelecimento de acordos nacionais. Entretanto, a partir de 2015, os dois países retomam políticas neoliberais, traduzindo-se em um franco retrocesso na saúde mental brasileira (Cruz; Gonçalvez; Delgado, 2020; Pereira, 2020PEREIRA, S. L. B. A Política De Saúde Mental Brasileira Em Tempos Neoliberais: Projetos Em Disputa the Brazilian Mental Health Policy in Neoliberal Times: Projects in Dispute. Sociedade em Debate, v. 26, n. 1, p. 72-87, 2020.; Pitta; Guljor, 2019PITTA, A. M. F.; GULJOR, A. P. a Violência Da Contrarreforma Psiquiátrica No Brasil: Um Ataque À Democracia Em Tempos De Luta Pelos Direitos Humanos E Justiça Social. Cadernos do CEAS: Revista crítica de humanidades, n. 246, p. 6, 2019.) e uma soma de obstáculos ao (já dificultado) avanço dessas políticas na Argentina (Blanco ., 2017BLANCO, L. C.; SUÁREZ, A. S.; PALACIOS, J. A. P.; RICARDO, M. V. Los desarrollos legislativos en Salud Mental en Brasil, Argentina, Chile y Colombia a partir de la Declaración de Caracas. 1990-2015. - Facultad de Enfermería, Universidad El Bosque, 2017. [S. l.], 2017. DOI: 10.13140/RG.2.2.10624.66560.).

É possível pensar que realizar mudanças nas políticas públicas e nos planos e legislações que as acompanham é necessário, mas não suficiente para a efetiva concretização das mudanças numa direção. É preciso considerar, também, que as características do federalismo dos países influenciam o processo das mudanças em marcha e que políticas específicas, como o caso da saúde mental, são condicionadas por políticas gerais de saúde (Menicucci, 2017MENICUCCI, T. M. G. Federalismo e Política de Saúde na Argentina e no Brasil. 9o Congresso Latinoamericano de Ciência Política. Anais... Montevideu: 2017.). Assim, no Brasil, a reforma psiquiátrica viu-se fortalecida pela concomitante reforma sanitária que deu lugar à criação do SUS, no contexto de um arranjo federalista (Menicucci, 2017MENICUCCI, T. M. G. Federalismo e Política de Saúde na Argentina e no Brasil. 9o Congresso Latinoamericano de Ciência Política. Anais... Montevideu: 2017.; Soares; Machado, 2020SOARES, M. M.; MACHADO, J. A. Effects of Federalism on Social Policies in a Comparative Perspective: Argentina and Brazil. Brazilian Political Science Review, v. 14, n. 3, p. 1-37, 2020.).

Já na Argentina, a capacidade de coordenação da União é mais restrita, com as províncias tendo maior autonomia para legislar e executar a política. Nos anos seguintes à sanção da primeira lei de desmanicomialização latinoamericana (a lei provincial 2044, de 1998), muitas províncias criaram leis e disposições que acompanharam o compromisso com a melhora na atenção dos usuários, mas sempre com projetos desarticulados entre elas e sem um marco orientador nacional, o que resultou em serviços pouco eficientes, desorganizados e profundamente diferentes em cada província (Blanco ., 2017BLANCO, L. C.; SUÁREZ, A. S.; PALACIOS, J. A. P.; RICARDO, M. V. Los desarrollos legislativos en Salud Mental en Brasil, Argentina, Chile y Colombia a partir de la Declaración de Caracas. 1990-2015. - Facultad de Enfermería, Universidad El Bosque, 2017. [S. l.], 2017. DOI: 10.13140/RG.2.2.10624.66560.).

Estes achados convergem com as conclusões de Soares e Machado (2020SOARES, M. M.; MACHADO, J. A. Effects of Federalism on Social Policies in a Comparative Perspective: Argentina and Brazil. Brazilian Political Science Review, v. 14, n. 3, p. 1-37, 2020.) acerca das relações entre o federalismo e as políticas sociais em ambos os países. Em nenhum deles o federalismo se mostrou um obstáculo a tais políticas, porém na Argentina, a produção legislativa nacional tem sofrido mais constrangimentos, restando mais espaço para a legislação provincial. Isso se explica pelo fato de que o Brasil apresenta maior grau de centralização jurisdicional, podendo o Executivo nacional produzir legislação constitucional e infraconstitucional com menor influência dos governadores no Congresso Nacional (Soares; Machado, 2020SOARES, M. M.; MACHADO, J. A. Effects of Federalism on Social Policies in a Comparative Perspective: Argentina and Brazil. Brazilian Political Science Review, v. 14, n. 3, p. 1-37, 2020.). Na Argentina, parece haver mais obstáculos institucionais para a disseminação nacional de políticas sociais, embora no caso brasileiro isso se torne uma desvantagem sob um governo central explicitamente comprometido com o retrocesso. Isso reforça achados nos quais se observa que o desenho político-institucional pode tornar viável, ou não, a formulação e implementação de políticas nacionais. Ou seja, partimos da premissa que diferentes arranjos federalistas possuem efeitos na conformação e desenvolvimento de políticas públicas, inclusive podendo constranger propostas redistributivas e ou de conteúdo universal (Machado, 2014MACHADO, J. A. Federalismo, poder de veto e coordenação de políticas sociais no Brasil pós-1988. Organizações & Sociedade, v. 21, n. 69, p. 335-350, 2014.).

Nota-se, assim, que a divisão territorial e política do país tem consequências na configuração e desenvolvimento das políticas sociais, particularmente para aquelas de caráter universalista. Mas leva-se em conta que o federalismo é um fenômeno múltiplo que depende da configuração institucional de cada país, bem como do contexto e de fatores socioeconômicos ou políticos que afetam o processo decisório e, portanto, a conformação das políticas públicas (Menicucci, 2017MENICUCCI, T. M. G. Federalismo e Política de Saúde na Argentina e no Brasil. 9o Congresso Latinoamericano de Ciência Política. Anais... Montevideu: 2017.). As características da distribuição do poder na Argentina, diferentemente do Brasil, diminuem a concentração do poder legislativo no nível nacional, promovendo o isolamento das experiências (embora precoces) e a demora da criação de uma legislação nacional, com apoio à implementação de alternativas assistenciais em todo o país.

Considerações finais

As políticas de saúde pública analisadas não operam em um vácuo. Elas foram constituídas em contexto socioeconômico e político com diferentes governos que as condicionam (Mahoney; Thelen, 1900MAHONEY, J.; THELEN, K. A Theory of Gradual Institutional Change. 1900.). Assim, é necessário compreender que, apesar das semelhanças entre os países, as situações peculiares de cada um redefinem o desenvolvimento do processo da política de saúde mental.

Como é refletido no trabalho, as características de cada período analisado marcaram o rumo que seguiram as políticas públicas; por isso, torna-se necessário levar em consideração os diversos fatores que afetam, oportunizando ou dificultando a efetivação de políticas, como foram aqui destacadas as características dos grupos societários envolvidos, dos governos e dos contextos sócio-políticos, econômicos e institucionais de cada período temporal. Percebeu-se ainda que as políticas públicas mais gerais impactam em políticas específicas e as particularidades dos sistemas federativos dos países foram relevantes para alcançar uma compreensão abrangente dos câmbios em políticas de saúde mental.

Como se evidencia na trajetória desses países, a luta pelo direito ao acesso universal, a cuidados de saúde decentes, com foco em direitos humanos e qualidade, ainda não é uma vitória definitiva. Pelo contrário: diante de alguns sinais de retrocesso, torna-se necessário (re)estabelecer políticas e instituições que reposicionem os avanços em direção ao modelo de atenção psicossocial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2022
  • Aceito
    28 Jun 2023
  • Revisado
    04 Abr 2023
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