Resumo
O estudo objetivou compreender a percepção de trabalhadores da Atenção Primária à Saúde sobre um processo de cuidado com auriculoterapia. Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa. Nove profissionais de saúde foram entrevistados. Em seguida, procedeu-se à análise de conteúdo na modalidade temática. Observaram-se relatos sobre efeitos positivos na melhoria do sono e da qualidade de vida, redução da ansiedade, relaxamento físico e mental, mais concentração e disposição para as atividades diárias. Os participantes ressaltaram a importância do terapeuta na escuta, humanização e no acolhimento das demandas trazidas. A escuta orientou a auriculoterapia e a fala do terapeuta durante o processo de cuidado, evidenciando a auriculoterapia como ferramenta alternativa de cuidado do cuidador.
Palavras-chave:
Auriculoterapia; Atenção Primária à Saúde; Trabalhadores da saúde; Práticas integrativas e complementares
Abstract
The study aimed to understand the Primary Health Care workers’ perception of a care process with auriculotherapy. This is a descriptive study with a qualitative approach. Nine healthcare professionals were interviewed. Then, Content Analysis with a thematic approach was carried out. There were reports on positive effects on improving sleep and quality of life, anxiety reduction, physical and mental relaxation, more concentration, and willingness to do daily activities. The participants emphasized the importance of the therapist in listening, humanization, and welcoming the demands brought. The listening guided the therapist's practice and speech during the care process using auriculotherapy as an alternative care tool for the caregiver.
Keywords:
Auriculotherapy; Primary Health Care; Health workers; Complementary therapies
Introdução
As Práticas Integrativas e Complementares (PIC) correspondem a um conjunto heterogêneo de práticas, produtos e saberes que possuem característica comum de visão holística do ser e de não fazerem parte da práxis na medicina convencional (Sousa; Tesser, 2017SOUSA, J. M. C.; TESSER, C.D. Medicina Tradicional e Complementar no Brasil: Inserção no Sistema Único de Saúde e Integração com a Atenção Primária. Cad. Saúde Pública, v. 33, n .1, p. e150215, 2017.; Silva ., 2020SILVA, G. K. F. et al. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares: trajetória e desafios em 30 anos do SUS. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, p. e300110, 2020. Disponível em: scielo.br/j/physis/a/KrS3WpRhWWS34mccMtyxXPH/?format=pdf). Elas são originadas de antigas civilizações, utilizadas pelas comunidades em um processo histórico-cultural, reconhecidas pelos órgãos mundiais (UNESCO, 2010) e legitimadas no Sistema Único de Saúde (SUS) pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC) (Brasil, 2018).
Uma dessas práticas é a auriculoterapia, originada da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que promove a regulação psíquico-orgânica do indivíduo por meio de estímulos nos pontos energéticos localizados na orelha, a qual é considerada um microssistema pela MTC (Brasil, 2018). A auriculoterapia consiste em um método terapêutico simples, e uma de suas indicações clínicas é o controle da ansiedade (Vieira , 2018VIEIRA, A. et al. Does auriculotherapy have therapeutic effectiveness? An overview of systematic reviews. Complementary Therapies in Clinical Practice, v. 33, p. 61-70, 2018.; Kurebayashi ., 2017KUREBAYASHI, L. F. S. et al. Auriculoterapia para redução de ansiedade e dor em profissionais de enfermagem: ensaio clínico randomizado. Rev. Latinoam. Enferm., v. 25, p. 2843, 2017.). O tratamento envolve procedimentos seguros, de intervenção rápida, com baixo custo e fácil adaptação às condições locais e ambientais para sua execução. Como terapia holística, ancora-se em um novo modelo de cuidado, onde o terapeuta se destaca como facilitador, e o sujeito desse cuidado um protagonista e corresponsável na busca do seu bem-estar físico e mental, para que se alcancem melhores resultados (Guimarães ., 2020GUIMARÃES, M. B. et al. As práticas integrativas e complementares no campo da saúde: para uma descolonização dos saberes e práticas. Saúde soc., v. 29, n. 1, p. e190297, 2020.; Moura 2023MOURA, C. C. et al. Qualidade de vida e satisfação de estudantes com auriculoterapia na pandemia de covid-19: estudo quase experimental. Rev. Bras. Enferm., v. 76, supl. 1, p. e20220522, 2023.).
Estudos de diversos métodos e protocolos vêm confirmando os efeitos positivos da auriculoterapia na melhoria na qualidade de vida, do sono e na redução dos estados de ansiedade (Kurebayashi , 2017KUREBAYASHI, L. F. S. et al. Auriculoterapia para redução de ansiedade e dor em profissionais de enfermagem: ensaio clínico randomizado. Rev. Latinoam. Enferm., v. 25, p. 2843, 2017.; Vieira , 2018VIEIRA, A. et al. Does auriculotherapy have therapeutic effectiveness? An overview of systematic reviews. Complementary Therapies in Clinical Practice, v. 33, p. 61-70, 2018.; Corrêa 2020CORRÊA H. P. et al. Efeitos da auriculoterapia sobre o estresse, ansiedade e depressão em adultos e idosos: revisão sistemática. Rev. Esc. Enferm., v. 54, p. e3626, 2020.; Novak , 2020NOVAK, V. C. et al. Auriculoterapia: efeitos na ansiedade, sono e qualidade de vida. Rev. Inspirar Movimento & Saúde, n. 3, ed. 20, 2020.; Munhoz , 2022MUNHOZ, O. L. et al. Efetividade da auriculoterapia para ansiedade, estresse ou burnout em profissionais da saúde: metanálise em rede. Rev. Latinoam. Enferm., v. 30, p. e3708, 2022.; Oliveira , 2021OLIVEIRA, C. M. C. et al. Auriculoterapia em profissionais de enfermagem na pandemia do coronavírus: estudo de casos múltiplos. Rev. eletrônica enferm., v. 23, p. 1-9, 2021.; Silva , 2022SILVA, L. K. M. et al. Auriculoterapia na atenção primária: perspectivas de participantes de um grupo fechado. Rev. Bras. Med. Fam. Comunidade, v. 17, n. 44, p. 2.687, 2022.; Damasceno 2023DAMASCENO, K. S. M. et al. Efetividade da auriculoterapia na redução de estresse em trabalhadores de saúde: ensaio clínico controlado randomizado. Rev. Latinoam. Enferm., v. 30, p. e3772, 2023.).
O presente estudo emerge da reflexão sobre os desafios enfrentados pelos profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), particularmente diante de contextos marcados por vulnerabilidade, violência e acentuados pelos impactos da pandemia da Covid-19 (Vieira-Meyer et al., 2023; Maciel ., 2020MACIEL, F. B. M. et al. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de COVID-19. Cien. saúde colet., v. 25, p. 4185-4195, 2020.; Giovanella et al., 2020). A necessidade premente de desenvolver estratégias direcionadas à promoção da saúde do trabalhador e à implementação de programas preventivos para a melhoria da qualidade de vida no ambiente de trabalho torna-se evidente (Vaca ., 2022VACA, K. M. R. et al. Mental health of healthcare workers of Latin American countries: a review of studies published during the first year of COVID-19 pandemic. Psychiatry Res., 311, p. 114501, 2022.).
A gênese dessa pesquisa foi a partir do diálogo estabelecido com os profissionais de uma Unidade de Saúde da Família (USF) e com base nisso propôs-se a auriculoterapia como uma proposta de cuidado voltada especificamente para os cuidadores. Nesse contexto, o estudo teve como objetivo compreender a percepção de trabalhadores da APS sobre um processo de cuidado com auriculoterapia.
Método
Este artigo é um recorte de um estudo mais abrangente, intitulado “Auriculoterapia na redução da ansiedade em trabalhadores da saúde da atenção primária”, fruto do trabalho de conclusão do mestrado em saúde da família, desenvolvido entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023. Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa (Bosi; Gastaldo, 2021BOSI, M. L. M.; GASTALDO D. Tópicos avançados em pesquisa qualitativa em saúde: fundamentos teórico-metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2021.) que buscou compreender a percepção dos trabalhadores de saúde sobre o uso da auriculoterapia, no sentido de propor uma visão mais sociológica do cuidar e considerando a importância dessa prática.
Este estudo valorizou a subjetividade dos sujeitos, possibilitando o potencial terapêutico da auriculoterapia, preservando sua epistemologia (Contatore; Malfitano; Barros, 2019CONTATORE, O. A.; MALFITANO, A. P. S.; BARROS, N. F. Por uma sociologia do cuidado: reflexões para além do campo da saúde. Trab. Educ. Saúde, v. 17, n. 1, p. e0017507, 2019.; Contatore; Tesser; Barros, 2018; Contatore, 2015) e na direção do cuidado emancipador (Barros, 2021).
O cenário do estudo foi uma Unidade de Saúde da Família (USF) de uma capital do Nordeste do Brasil. Consideraram-se como critérios de inclusão: trabalhador da saúde que exercesse sua função na USF por mais de um ano e classificado com ansiedade leve, moderada ou elevada, mediante uma avaliação prévia por meio da aplicação de questionário de autoavaliação do nível de ansiedade (Biaggio; Natalício, 1979BIAGGIO, A. M. B.; NATALÍCIO, L. Manual para o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE). [S.l.]: Centro Editor de Psicologia Aplicada, 1979.; Perpina-Galván et al., 2011) ou que apresentasse diagnóstico confirmado da síndrome de burnout (Cândido; Souza, 2017CÂNDIDO, J.; SOUZA, L. R. Síndrome de Burnout: as novas formas de trabalho que adoecem. Psicologia.pt - Portal dos psicólogos, 2017. Disponível em: < https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1054.pdf>
https://www.psicologia.pt/artigos/textos... ).
Após esse momento foram ofertadas a esses trabalhadores duas fases terapêuticas de 10 sessões, uma a cada semana, de auriculoterapia, com um protocolo de seis pontos auriculares - Shenmen, Tronco Cerebral, Ansiedade/Neurastenia, Ápice da Orelha e Coração, identificados como pontos moduladores dos estados emocionais e comportamentais (Brasil, 2016a; 2016b; Prado, 2012PRADO, M.; KUREBAYASHI, L. F. S.; SILVA, M. J. P. Eficácia da auriculoterapia na redução de ansiedade em estudantes de enfermagem. Rev. esc. enferm., v. 46, n. 5, p. 1200-6, 2012.).
As duas fases foram intercaladas por um intervalo de 15 dias sem a terapia. As sessões foram realizadas na própria USF, seguindo a norma de biossegurança, em uma sala com conforto térmico e sem ruídos, de forma a permitir ao terapeuta e ao trabalhador um ambiente propício para a escuta e a realização da auriculoterapia.
Após as duas fases terapêuticas, os trabalhadores foram convidados a participar de entrevistas semiestruturadas conduzidas por um pesquisador que não teve contato prévio com os participantes e não possuía vínculo com o serviço de saúde. As entrevistas foram agendadas em dia e horário que mais se adequaram ao participante e duraram aproximadamente trinta minutos cada. O local das entrevistas foi a USF do estudo, em sala climatizada e reservada. Para a finalização do campo, nessa etapa, utilizou-se o conceito de saturação (Saunders ., 2018SAUNDERS, B. et al. Saturation in qualitative research: exploring its conceptualization and operationalization. Qual. Quant., v. 52, n. 4, p.1893-1907, 2018.).
O material audiogravado foi transcrito por outro pesquisador, e a validação da transcrição foi realizada pelo pesquisador responsável ao ler o material transcrito ouvindo o áudio. Os registros foram analisados sob a perspectiva da análise de conteúdo de Bardin (2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 2016.), na modalidade categorial temática. As etapas foram seguidas rigorosamente pela equipe de trabalho. A pré-análise caracterizou-se pela fase de organização do material coletado, com o objetivo de identificar e sistematizar ideias iniciais. Em seguida, realizou-se a leitura flutuante das falas das entrevistas. Nessa fase, os pesquisadores se aproximaram mais ainda dos registros coletados para conhecê-los e analisá-los com maior profundidade. Em seguida, a exploração dos registros e, por fim, o tratamento dos resultados obtidos e interpretados. Após elencadas as categorias, realizou-se uma reunião com um terceiro pesquisador a fim de construir a matriz final de análise.
Os registros das entrevistas foram apresentados sem correções gramaticais. Com o intuito de assegurar o anonimato dos participantes, foram codificados pela letra “P” (participante), seguida pelo número que representou a ordem de captação do participante para o estudo.
Um diário de campo foi utilizado durante toda a produção de dados. As reflexões oriundas do diário foram usadas visando à reflexividade na análise dos dados e apresentadas nos resultados.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, por meio do parecer de nº 4.823.127. Todos os participantes da pesquisa assinaram o TCLE, obedecendo à Resolução nº 466/2012.
Resultados
Participaram das entrevistas nove trabalhadores, sendo cinco mulheres, três na faixa etária de 42 a 47 anos e três entre 56 e 59 anos; cinco eram casados ou viviam em união estável; cinco estudaram até o ensino médio; e sete exerciam o trabalho na APS entre dois e 20 anos (Quadro 1).
Das entrevistas analisadas, emergiram três categorias temáticas.
A auriculoterapia e suas repercussões no ser no mundo
O grupo mostrou-se bem diverso acerca do conhecimento sobre a terapia. Essa diversidade caracterizou-se pela presença do participante com amplo conhecimento sobre o assunto, adepto à terapia há um tempo considerável, ou que nunca tinha ouvido falar sobre a prática e aceitou colaborar com a pesquisa, porém, demonstrava indiferença ou incredulidade à proposta terapêutica.
Nas queixas dos participantes, destacaram-se demandas emocionais e de adoecimento mental (problemas familiares, sobrecargas e cobranças no trabalho). Os sinais e sintomas relatados incluíram transtornos do sono, impaciência e irritabilidade, esgotamento mental, preocupação, dores musculoesqueléticas, zumbidos auriculares e bruxismo.
A vivência com a auriculoterapia proporcionou mudanças no entendimento sobre essa prática. Os participantes apontaram que perceberam melhorias em suas condições de saúde.
E, logo no começo, eu disse: isso aí na orelha, não sei nem o que é... mas quando a gente, na primeira sessão, né, aí a gente pensa: realmente é maravilhoso [...]. P2
Tinha, mas, tinha mais solto, sabe? Aquele ‘vou fazer por fazer’. Foi como a Dr.ª [cita o nome da terapeuta] propôs, né, que eu ficasse à vontade se eu iria querer ou não. Aí eu comecei fazer, de um nada, e comecei a observar que tava melhorando, sabe?! [...] No início, ela me chamava: ‘Bora [cita seu próprio nome], bora [cita seu próprio nome]!’ Mas depois era eu que chamava ela: Bora, Dr.ª! Bora Dr.ª! [risos]. P8
Os participantes percebem a auriculoterapia como terapia complementar importante quando também submetidos a outras terapias, até mesmo medicamentosas. Os participantes relataram a auriculoterapia como terapia alternativa e/ou complementar a qual poderia ser aplicada de forma combinada a outras PICS e, também, a terapias biomédicas, como, por exemplo, a medicamentosa, com possibilidade de redução do uso abusivo de medicamentos (psicotrópicos e analgésicos), sob avaliação de profissional qualificado, para a melhoria da condição de saúde e redução de efeitos colaterais.
[...] em relação à auriculoterapia, para o meu caso, não era o... a única, digamos, a arma que eu teria pra lutar contra essa insônia, né? Mas era um complemento, bom, inclusive. [...] Quando aconteceu algumas coisas que faziam com que essa qualidade do sono piorasse, é, mesmo fazendo o tratamento da... da aurículo, aí não tinha como ela ajudar bastante da maneira que ela podia. Mas como eu conseguia combinar ela com outros tratamentos, eu conseguia uma melhora. [...] Mas era perceptível que nos momentos que eu estava com a aurículo, quando eu fazia a estimulação correta, eu percebi que há realmente uma... uma melhora da qualidade. P4
Sim, e relaxava na pressão, porque eu chegava com muita dor de cabeça da pressão alta e ainda tomando a medicação, mas a dor de cabeça ainda continuava, e eu me sentia bem quando ela colocava os pontinhos [...]. P9
Algumas participantes mulheres perceberam melhora em seus estados emocionais durante os períodos pré-menstruais e acrescentaram que seus familiares relataram associar essas melhoras à auriculoterapia. Essa prática proporcionou melhoria na condição de saúde mental, oferecendo aos participantes mais tranquilidade, reduzindo a ansiedade, impaciência e irritabilidade, beneficiando suas relações interpessoais. Os relatos revelam esses efeitos.
[...] Então, algo a ver nesse sentido de trabalhar algo em mim que eu já tava tentando trabalhar, e ela ajudou bastante a buscar mais, um pouco mais de serenidade: Ah, tão te atacando, se cala, respira e depois tu volta! [...] Uma... uma melhora significativa de... de várias situações que eu passava, que... a questão da minha paciência, que [risos] é muito limitada. Então, melhorou, uma tranquilidade melhor, comecei a ter mais serenidade, de um modo geral [...]. P5
É, até no relacionamento mesmo, sabe? Até no relacionamento profissional, mesmo, eu comecei a me vigiar, me policiar. Como eu trabalho no PSF, até com os usuários mesmo, sabe? [...]. P8
Outro efeito relatado foi a melhoria na qualidade do sono, inclusive na terapia da insônia. Segundo os participantes, o sono representa um fator importante para uma melhor qualidade de vida.
Uma melhor tranquilidade, uma melhor qualidade de sono, uma melhor disposição. É um... tira um pouco daquele cansaço físico e mental, então melhorou a qualidade de vida de um modo geral, posso dizer assim. P5
Sim! [...] É, dormia melhor também. Eu tenho também problema de insônia também. Aí, isso tudo, eu fui percebendo, né. E quando não botava, assim, às vezes, aí eu ficava um pouco, começava de novo, eu digo: ‘Ai meu Deus!’. Aí eu botava, aliviava muito. P10
Foi observado outro aspecto relevante por meio dos depoimentos que destacaram a melhoria na concentração e na habilidade de resposta a desafios cotidianos, conforme evidenciado nos excertos a seguir.
Aí, nesse dia, eu tava muito cansada, aí eu pedi um pontinho pra mim relaxar. A concentração também melhora. P13
[...] E como as sessões eram pontos bem específicos, né, diferentes das sessões que ela fazia no período, mas, ainda assim, era... era algo na verdade que... que traz pra mim relaxamento, que traz pra mim mais concentração. P2
E depois desse tratamento com ela, e hoje eu não tenho isso, hoje eu tenho uma qualidade de vida bem melhor. Hoje eu saio, hoje eu ando, eu tenho mais ânimo pra sair, que antes eu não tinha quando eu chegava do trabalho. P11
O alívio das dores físicas e relaxamento muscular também foram relatos bem presentes nas entrevistas.
Acho que minhas dores. Foi o que levou fazer. Tenho problema de bruxismo, tenho muita dor na minha cervical, e embaixo dos meus pés, e tinha muita dor de cabeça, enxaqueca. Aí eu percebi que diminuía mais meu problema e as dores também. [...]Eu tinha muita dor de cabeça por causa disso [bruxismo]. Aliviava. P10
Explicitou-se, nos depoimentos de alguns trabalhadores, sobrecarga de tarefas e de responsabilidades no trabalho, somada a problemas familiares, e foi observada pouca melhora em seus estados emocionais ou melhora transitória ou curta com a auriculoterapia. Entre todos os entrevistados, apenas um deles demonstrou não perceber efeitos significativos na terapia proposta. Entretanto, não apresentou queixas de ansiedade, estresse ou insônia durante a anamnese nem durante as sessões de auriculoterapia e permaneceu colaborativo em todas as etapas da coleta de dados, sempre presente e solícito aos chamados e orientações da terapeuta. Observa-se no depoimento a seguir.
Das vezes que ela fez, eu disse que não senti muita diferença. Pra mim, pelo problema que eu apresentei pra ela, não teve grande mudança não, pelo menos na minha percepção. Não vi grande mudança, não. Do jeito que eu tava falando, é um negócio imperceptível. (...) Pra mim, dizer que não teve, no primeiro momento da... que ela tava colocando, tava com uma dor no pescoço, ela já tava aliviada. Mas, assim, um alívio bem pequeno. Mas ela dava um pouco de alívio, mas nada de uma dor mais localizada, quando ativada. Dava uma melhorada, mas também, coisa leve. P6
O terapeuta e seu olhar nas singularidades do cuidar, quem escuta e o que fala
Relatos de gratidão, de atenção, de sentir-se cuidado, apoiado, foram manifestações que demonstraram vínculo terapeuta-participante no decorrer das fases terapêuticas, melhorando as interrelações e fortalecendo a perspectiva da necessidade de cuidarem uns dos outros no ambiente do trabalho. Ambiente humanizado e preparado para acolher foram relatos dos participantes sobre a conduta da terapeuta, conforme relatos a seguir.
[...] é aquele momento que você, quando você tá na correria aqui, né, fazendo suas tarefas aqui, eu, né, no caso, eu tava no momento que eu estava aqui na... fazendo uma atividade e outra, uma coisa ou outra, mas aí quando a gente tava, quando eu tava perto de vir pra sala dela aqui, que era exatamente essa sala aqui, é... eu já sabia que era aquele momento que eu ia sentar, aí podia, ela pedia até pra sentar mais relaxado. [...] E é o momento que eu sabia que ia sentar e ia esperar ela vir pra fazer a aplicação, [...] o parar, parar também. P4
Eu me sinto muito acolhida. Eu me sinto muito acolhida. [...] Tanto eu me sentia muito à vontade pra perguntar como pra desabafar algo, assim, até pessoal mesmo. Eu me sinto muito à vontade. P11
Os trabalhadores relataram, em suas experiências no processo terapêutico, uma comunicação recíproca com a terapeuta. De certo, os trabalhadores convivem cerca de 40 horas semanais, e, nesse cotidiano do trabalho, as diversas relações pessoais se manifestam. Entretanto, em alguns momentos, a sobrecarga de tarefas, tanto do participante como da terapeuta, muitas vezes não permitiu um “mergulho” mais profundo nos momentos das sessões de auriculoterapia. Entretanto, eles narraram uma escuta atenta e falas de motivação e orientação que buscavam e fortaleciam vínculos e afetos.
É bom, é uma pessoa que se comunica, fica fácil ela dar acesso a gente. O acesso a ela é fácil, se quiser conversar, sabe que tem uma pessoa pra dar essa assistência, que gosta mesmo. É bom. Tanto pela parte da explicação que ela dá dos procedimentos que tá fazendo quanto na vida mesmo, que se precisar tem essa pessoa à disposição. P6
[...] conversa, vai perguntando, né: ‘Tá sentindo a dor aonde? Onde é que dói mais?’. E eu digo: Drª, onde dói mais é na alma! [risos] [...] vai conversando, procurando saber, né, o que tá acontecendo, aí me relaxava [...]. P9
Os participantes também destacaram que, ao longo das sessões, desenvolveu-se uma relação de corresponsabilidade entre os envolvidos no processo de cuidado, uma dinâmica que, segundo os profissionais, desempenhou um importante papel nos resultados da terapia, como evidenciado a seguir:
[...] qualquer tratamento, se você conhecer ele melhor, ele funciona, pelo menos, pra mim. Eu acredito que ele vai funcionar melhor. Porque você, na sua mente, nos seus pensamentos, você vai tá conseguindo passar, inclusive, uma melhor... uma melhor forma desse tratamento funcionar. Você tá condicionando, você tá dando condições desse tratamento funcionar melhor. A partir do momento que você conhece ele, você sabe como é que funciona, como ele vai agir. Pra mim, eu acredito que pra tudo. P4
Mas eu seguia essa orientação da gente ter cuidado, fazer, é... pressionar os pontinhos pelo menos três vezes ao dia, né, a questão do incômodo, mas eu nunca tive problema, não. Eu, realmente, só tive benefícios. P2
Também foi notada pelos participantes a percepção de um olhar atento e sensível às necessidades, associado ao estabelecimento de um vínculo destinado a atender às demandas da pessoa cuidada.
[...] ela [a terapeuta] perceber muitas vezes, ela me percebeu com dores, e eu não precisava abrir a boca, né, e ela “vem cá, isso vai passar, eu vou fazer uma sessão”, e tal. [cita o nome da terapeuta] é “show de bola”. P2
E tinha dia que eu estava aqui, que ela [a terapeuta] já via que eu estava bem sem dormir, dor de cabeça, perna inchada, joelho doendo, e, quando eu fazia, eu me sentia muito bem. P9
Há o reconhecimento do papel do terapeuta, pelos participantes, na aplicação de sua prática. A prática em si não representa isoladamente a terapia. Eles expressaram a necessidade do conjunto entre técnica e abordagem humanizada e sensível no processo de cuidado para o real alcance dos resultados esperados.
[...] Agora, como eu tô dizendo, tem que ter a pessoa, realmente. Não é todo mundo que faz isso aí, não faz não! Não é porque eu tô puxando o saco dela não, é porque eu conheço ela. Ela é dez em tudo. Até no atendimento como dentista [...] é um acolhimento fora do normal. P13
Isso pra mim é essencial [o terapeuta que escuta, que fala]. Pra mim, a gente tem que ser escutada. [...] Você já imaginou a gente chegar num canto e a pessoa não falar nada, ficar só eu contando meu problema e a pessoa só escutando? Não é? Sem você perguntar nada? P9
A auriculoterapia na APS, o cuidado do cuidador, a motivação: uma proposta
Dois participantes expressaram sentir falta da terapia após a fase de pausa terapêutica de 15 dias. Sobre a criação de um serviço de auriculoterapia voltado para os trabalhadores da APS, observa-se a necessidade da oferta desse cuidado para esse público específico.
E eu acredito que se tivesse, inclusive, um profissional pra, tanto pra, pra aurículo, até como pra outras práticas, né, integrativas também, né, seria essencial pra saúde coletiva, pra gente aqui. Porque o, a demanda, né, por atendimentos relacionados à saúde mental, é gigantesca, né. Eu acredito que isso aí dá, só do tratamento medicamentoso, seria ponto positivo. [...] Mas eu acho que um auxílio a esse tratamento [medicamentoso] seria bacana, na Atenção Primária, inclusive. Seria primordial. P4
Muito bom, é muito importante esse serviço de auriculoterapia, não ajuda só os que tá lá fora, mas, principalmente, nós que tamos no dia a dia, todos os dias aqui. É, tamos com pessoas diferentes, é... tamos sempre fazendo atividades diferentes, porque faz uma ação do homem, ação da mulher. Isso gera o estresse da gente, com o corre-corre [...]. P11
No entanto, os trabalhadores identificaram algumas dificuldades a serem superadas na implantação dessas práticas na APS, todas relacionadas à necessidade de valorização das PICS, com destaque para a auriculoterapia. Entre as dificuldades, foram identificadas: a falta de disponibilidade dos profissionais para se capacitarem e se dedicarem a essas práticas, necessidade de sensibilização da gestão para investimento em recursos, falta de credibilidade ainda existente entre a população e por parte de alguns profissionais do serviço, conforme falas a seguir.
[...] rapaz, eu acho que é falta de, não sei, não posso te dizer isso de forma, a questão mesmo do profissional, né. Porque eu vejo, assim, que [cita o nome da terapeuta] é uma pessoa que se disponibiliza, né. E muitas vezes eu sei que aqui tem outros profissionais que também têm o conhecimento a respeito da aurículo, mas não. P2
[...] aceitação da, do sistema em relação ao processo de aurículo. [...] Porque nem todo mundo acredita [...] E eu acho que, muitas vezes, o que falta também é o conhecimento da população, das pessoas, sobre como realmente a auriculoterapia funciona, porque é uma prática milenar, e eu acredito que, se não funcionasse, ela já tinha sido extinta [...]. P5
[...] eu acho que ainda falta um pouco de sensibilidade, né, de gestores. De entender e compreender a importância. Se dispor a trazer recursos pra a área. É porque eu acho que o recurso é essencial, mas se o gestor não conhece bem a importância desse tratamento, ele não vai se dispor a tirar recursos pra lá. Eu acho que falta eles conhecerem, não falta gente que saiba explicar, mas falta eles quererem escutar, né?! P4
Discussão
Os resultados deste estudo demonstraram diminuição da ansiedade e melhoria da qualidade do sono e de vida dos participantes. Vários estudos vêm confirmando os efeitos positivos da auriculoterapia na redução dos estados de ansiedade e dor, melhoria do sono e da qualidade de vida, embora tenham sido empregados diversos métodos e protocolos (Vieira , 2018VIEIRA, A. et al. Does auriculotherapy have therapeutic effectiveness? An overview of systematic reviews. Complementary Therapies in Clinical Practice, v. 33, p. 61-70, 2018.; Correia et al., 2020; Novak , 2020NOVAK, V. C. et al. Auriculoterapia: efeitos na ansiedade, sono e qualidade de vida. Rev. Inspirar Movimento & Saúde, n. 3, ed. 20, 2020.; Bireme/OPAS/OMS, 2021; Munhoz , 2022MUNHOZ, O. L. et al. Efetividade da auriculoterapia para ansiedade, estresse ou burnout em profissionais da saúde: metanálise em rede. Rev. Latinoam. Enferm., v. 30, p. e3708, 2022.; Silva , 2022SILVA, L. K. M. et al. Auriculoterapia na atenção primária: perspectivas de participantes de um grupo fechado. Rev. Bras. Med. Fam. Comunidade, v. 17, n. 44, p. 2.687, 2022.; Damasceno 2023DAMASCENO, K. S. M. et al. Efetividade da auriculoterapia na redução de estresse em trabalhadores de saúde: ensaio clínico controlado randomizado. Rev. Latinoam. Enferm., v. 30, p. e3772, 2023.). Oliveira (2021OLIVEIRA, C. M. C. et al. Auriculoterapia em profissionais de enfermagem na pandemia do coronavírus: estudo de casos múltiplos. Rev. eletrônica enferm., v. 23, p. 1-9, 2021.) também observaram melhorias na condição de ansiedade, depressão e estresse da equipe de enfermagem que estava na linha de frente da Covid-19.
Os participantes apontaram melhorias na saúde mental e na dor. O Portal BVS MTC Américas mostrou evidências de efeitos positivos da auriculoterapia quanto à redução do estresse laboral em trabalhadores, em aplicações de 8 a 12 sessões, durante 15 dias, utilizando-se os pontos Shenmen e Tronco Cerebral (Bireme/OPAS/OMS, 2021). Também foram descritos resultados positivos sobre o alívio da dor no uso da auriculoterapia (Silva 2022SILVA, L. K. M. et al. Auriculoterapia na atenção primária: perspectivas de participantes de um grupo fechado. Rev. Bras. Med. Fam. Comunidade, v. 17, n. 44, p. 2.687, 2022.).
Foram encontrados resultados positivos neste estudo quanto aos efeitos da auriculoterapia no aumento da concentração e na disposição para realização das atividades laborais e cotidianas.
A prática exige do terapeuta uma presença atenta, acolhedora e humanizada, que se põe à escuta do sujeito, na direção do cuidado emancipador (Barros ., 2021BARROS, N. Cuidado emancipador. Saúde Sociedade, v. 30, p. 1-10, 2021). O terapeuta - instrumento do cuidado - escuta, acolhe, humaniza o atendimento, dialoga e interage de forma a fortalecer o vínculo e partilha o plano de cuidado com o usuário (Barros, 2021). Contatore, Malfitano e Barros (2019CONTATORE, O. A.; MALFITANO, A. P. S.; BARROS, N. F. Por uma sociologia do cuidado: reflexões para além do campo da saúde. Trab. Educ. Saúde, v. 17, n. 1, p. e0017507, 2019.) e Barros (2021) enfatizam uma visão mais sociológica no cuidar e a qualificação do cuidado em saúde para além da esfera de procedimentos técnicos em si, tornando o cuidado concretizado na participação dos atores envolvidos nesse processo e revelando seus melhores resultados ao repensarem nos conceitos da eficácia dos métodos biomédicos e da eficiência daquilo que se alcança de resultado no cenário vivenciado.
O olhar científico hegemônico tende a entender o conhecimento como algo palpável, materializado. Entretanto, o conhecimento, em si, não se configura como uma “coisa”, mas, sim, como um processo. Considerando essa premissa, faz-se relevante e indispensável em pesquisas mistas considerar a dimensão tácita, e que esta esteja presente nos estudos científicos (Melo , 2019MELO, A. P. et al. O conhecimento tácito a partir da perspectiva de Michael Polanyi. Arq. bras. psicol., v. 71, n. 2, p. 34-50, 2019.).
Os entrevistados também apontaram a importância da oferta do serviço de auriculoterapia na APS, numa perspectiva de “cuidando do cuidador”. Relataram a relevância do papel do terapeuta nessa construção de cuidado e a corresponsabilização no alcance de melhores resultados para as demandas de saúde. A auriculoterapia propõe um processo de cuidado que desloca o cuidado médico centrado, hospitalocêntrico, baseado na doença e centrado na medicalização, para um cuidado centrado no sujeito e seu contexto de vida, com uso de tecnologias mais leves e de construção de bem-estar e qualidade de vida (Guimarães ., 2020GUIMARÃES, M. B. et al. As práticas integrativas e complementares no campo da saúde: para uma descolonização dos saberes e práticas. Saúde soc., v. 29, n. 1, p. e190297, 2020.; Moura 2023MOURA, C. C. et al. Qualidade de vida e satisfação de estudantes com auriculoterapia na pandemia de covid-19: estudo quase experimental. Rev. Bras. Enferm., v. 76, supl. 1, p. e20220522, 2023.).
As PICS e a auriculoterapia convidam os gestores, trabalhadores e usuários do SUS a uma mudança na produção do cuidado em saúde. Ela, como prática oriunda da acupuntura, torna-se uma ferramenta importante para responder às demandas de saúde em sua integralidade, possibilitando a redução de uso de fármacos e os seus efeitos colaterais (Nunes ., 2017NUNES, M. F. et al. A acupuntura vai além da agulha: trajetórias de formação e atuação de acupunturistas. Saúde e Soc., v. 26, n. 1, p. 300-311, 2017.; Aguiar; Kanan; Masiero, 2019AGUIAR, J.; KANAN, L. A.; MASIERO, A. V. Práticas Integrativas e Complementares na atenção básica em saúde: um estudo bibliométrico da produção brasileira. Saúde em Debate, v. 43, n. 123, p. 1205-1218, 2019.; Contatore; Tesser; Barros, 2022CONTATORE, O. A.; TESSER, C. D.; BARROS, N. F. Acupuntura na atenção primária à saúde: referenciais tradicional e médico-científico na prática cotidiana. Interface comun. saúde educ., v. 26, p. e210654, 2022.; Aguiar; Kanan, 2019; Silva; Santos; Tesser, 2022SILVA, L. K. M. et al. Auriculoterapia na atenção primária: perspectivas de participantes de um grupo fechado. Rev. Bras. Med. Fam. Comunidade, v. 17, n. 44, p. 2.687, 2022.).
Na percepção dos participantes, a auriculoterapia pode reduzir o uso abusivo de fármacos e agir de forma mais integrada na busca do equilíbrio entre corpo e mente. Isso estimula a pessoa a repensar sobre comportamentos e atitudes, numa perspectiva integral, que promovam qualidade de vida e bem-estar, como, por exemplo: dormir bem, moderar os impulsos reativos em momentos de conflito, exercitar a autoconfiança e a autopercepção de sua relação consigo e com o mundo (Nunes; Bastos, 2016NUNES, B. S.; BASTOS, F. M. Efeitos colaterais atribuídos ao uso indevido e prolongado de benzodiazepínicos. Saúde Ciênc. Ação, v. 3, n. 1, p. 71-82, 2016.; Lee, 2022LEE, E. J. Effects of auriculotherapy on addiction: a systematic review. J. Addict Dis., v. 40, n. 3, p. 415-427, 2022.).
Quanto ao número de sessões presentes neste estudo, encontraram-se resultados favoráveis considerando as 10 sessões. Não se identificou um consenso na literatura sobre o tempo, número de sessões de uma, oito a 12 semanas e protocolos (Oliveira ., 2021OLIVEIRA, C. M. C. et al. Auriculoterapia em profissionais de enfermagem na pandemia do coronavírus: estudo de casos múltiplos. Rev. eletrônica enferm., v. 23, p. 1-9, 2021.).
Os participantes do estudo também enfatizaram a necessidade e importância de uma política local para a implantação/implementação da auriculoterapia na APS e se posicionaram sobre as dificuldades enfrentadas para essa iniciativa, ao citarem a necessidade de sensibilização da gestão, dos profissionais e dos usuários sobre esse serviço ofertado e seus benefícios. Eles destacaram a necessidade de um espaço protegido, institucionalizado, onde o terapeuta seja valorizado e não esteja dividido em várias funções no serviço, bem como a necessidade de condições de trabalho para essa prática, com logística e fornecimento de insumos, pois a terapia não pode ser uma iniciativa individual para a oferta dessa prática.
Há necessidade de difundir a PNPIC através da rede de ensino em saúde e de Educação Permanente nos espaços dos serviços de saúde, para um melhor entendimento sobre a proposta de cuidado oferecida pelas PIC na Rede de Atenção à Saúde e de sensibilização dos gestores e profissionais para a implementação dessa política nos espaços de produção de saúde (Jales , 2020JALES, R. D. et al. Conhecimento e implementação das práticas integrativas e complementares pelos enfermeiros da atenção básica. Rev. Pesq., v.12, p. 808-813, 2020.; Barros; Francisco; Sousa, 2020BARROS, N. F.; FRANCISCO, P. M. S.; SOUSA, L. A. Desapoio dos gestores e desinstitucionalização das Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde. Cad. Saúde Pública, v. 36, n. 6, p. 623, 2020.).
Embora exista, a PNIC ainda continua sendo invisível, e as PICS continuam marginais, inclusive na APS, no país (Nunes ., 2017NUNES, M. F. et al. A acupuntura vai além da agulha: trajetórias de formação e atuação de acupunturistas. Saúde e Soc., v. 26, n. 1, p. 300-311, 2017.; Barros; Spadácio; Costa, 2018BARROS, N. F.; SPADACIO, C.; COSTA, M. V. Trabalho interprofissional e as Práticas Integrativas e Complementares no contexto da Atenção Primária à Saúde: potenciais e desafios. Saúde debate, v. 42, n. esp 1, p. 163-173, 2018.; Guimarães ., 2020GUIMARÃES, M. B. et al. As práticas integrativas e complementares no campo da saúde: para uma descolonização dos saberes e práticas. Saúde soc., v. 29, n. 1, p. e190297, 2020.; Silva et al., 2021a; Ribeiro; Marcondes, 2021; Contatore; Tesser; Barros, 2022CONTATORE, O. A.; TESSER, C. D.; BARROS, N. F. Acupuntura na atenção primária à saúde: referenciais tradicional e médico-científico na prática cotidiana. Interface comun. saúde educ., v. 26, p. e210654, 2022.). Nesse sentido, a gestão deve participar e promover esse processo de implantação/implementação e manutenção do serviço, oferecendo suporte de recursos destinados para tal e de Educação Permanente, com foco numa construção coletiva de ações e serviços de saúde pelas PIC.
Assim, os profissionais de saúde também precisam buscar se capacitar, qualificar e repensar em uma nova maneira de cuidar, centrada nos sujeitos, bem como dialogar com os usuários sobre as PICS e a auriculoterapia como formas eficientes de cuidado em saúde e se comprometerem com a construção de ofertas de serviços que disponibilizem tecnologias mais leves e participativas (Koerich ., 2006KOERICH, M. S et al. Tecnologias de cuidado em saúde e enfermagem e suas perspectivas filosóficas. Texto Contexto Enferm., v. 15, n. esp., p. 178-185, 2006.; Coelho; Jorge, 2009COELHO, M. O.; JORGE, M. S. B. Tecnologia das relações como dispositivo do atendimento humanizado na atenção básica à saúde na perspectiva do acesso, do acolhimento e do vínculo. Ciênc. saúde colet., v. 14, n. supl. 1, p. 1523-1531. 2009.; Silva et al., 2021a; 2021b; Habimorad ., 2020HABIMORAD, P. H. L. et al. Potencialidades e fragilidades de implantação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Ciên. Saúde Colet., v. 25, n. 2, p. 395-405, 2020.).
Faz-se importante reconhecer as limitações do estudo. Destaca-se que o estudo foi realizado em um único cenário, o que pode não permitir generalização para outros territórios. Por outro lado, a terapeuta tem formação e experiência em mais de cinco anos com auriculoterapia, os instrumentos usados para coleta de dados têm evidência de validação e são usados amplamente na literatura. O roteiro de entrevista foi discutido com outros pesquisadores e o entrevistador, com experiência em pesquisa qualitativa.
Considerações finais
A auriculoterapia, como uma PICS, de leve tecnologia, mostrou-se, na percepção dos trabalhadores, eficiente no “cuidar do cuidador”, oferecendo efeitos positivos sobre a redução da ansiedade e da dor, na melhoria do sono e da qualidade de vida dos trabalhadores. Nesse processo, o terapeuta se destaca como ator importante, de olhar atento, humanizado e acolhedor, com conduta baseada na escuta e na geração de vínculo e corresponsabilidade, favorecendo o alcance de melhores resultados terapêuticos.
Para os trabalhadores da USF, a auriculoterapia foi bem aceita e valorizada. Ela provocou adesão à proposta de um novo modelo de atenção e cuidado, baseado no diálogo participativo, onde o sujeito do cuidado se torna protagonista de seu processo de cura e de bem-estar físico e mental.
Na USF, onde foi implantada, a auriculoterapia é reconhecida pelos participantes do estudo como uma ferramenta de cuidado humanizado e de método simples e eficaz, entretanto, faz-se necessária sua implementação com maior reconhecimento institucional e apoio da gestão, bem como um maior interesse e preparo dos profissionais da saúde para exercerem essa prática e outras PICS, a fim de oferecer uma maior oferta desses serviços aos trabalhadores e usuários do território.
Também se faz relevante difundir a auriculoterapia e outras PICS em toda a APS através da criação de uma política municipal para as PICS, fortalecendo, na prática, as propostas da PNPIC. Essa mobilização deve ser orientada por um diálogo social democrático e participativo entre os atores envolvidos (usuários, trabalhadores e gestores), baseado na reflexão sobre como adequar as propostas da política nacional às especificidades locais.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
16 Ago 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
21 Ago 2023 - Revisado
10 Jan 2024 - Aceito
16 Jan 2024