Conhecimento de graduandas em Enfermagem sobre a infecção pelo Papilomavírus Humano: estudo de representações sociais

Nathália dos Santos Trindade Moerbeck Thelma Spindola Laércio Deleon de Melo Denize Cristina Oliveira Sobre os autores

Resumo

A presente investigação objetivou discutir o conhecimento sobre a infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV) e suas Representações Sociais (RSs) segundo graduandas em Enfermagem. O estudo de caráter qualitativo, com suporte teórico-metodológico na abordagem processual da Teoria das Representações Sociais, foi realizado em uma instituição de ensino superior pública, carioca, com 30 estudantes do curso de Enfermagem, sexualmente ativas. Para isso, coletaram-se dados de caracterização e procedeu-se à entrevista individual em profundidade entre março-agosto/2020 e à análise de conteúdo temático-categorial. O grupo social era predominantemente de heterossexuais; com companheiro; idade 21-24 anos; residiam com os pais e eram católicas; 20% afirmaram já terem tido IST e destas, 10% mencionaram o HPV. A categoria “Conhecimento das graduandas sobre a infecção por HPV” foi constituída por 23% do total das Unidades de Registro (URs), sendo 502 URs e nove temas, emergindo as subcategorias: 1- Conhecimento das graduandas sobre o HPV; 2- Manifestações clínicas e consequências da infecção pelo HPV e 3- Aspectos associados à infecção pelo HPV. O conhecimento de graduandas de enfermagem acerca da infecção pelo HPV e as RSs atribuídas por elas denotam que estas guardam nexo com o conhecimento acadêmico, característico do processo de formação de profissionais da área de saúde, mas também com o contexto sociocultural e de gênero.

Palavras-chave:
Saúde da mulher; Conhecimento; Estudantes de enfermagem; Papilomavírus humano; Psicologia social

Introdução

As infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) são causadas por agentes etiológicos (bactérias, vírus, fungos ou protozoários) e representam um grave problema de saúde pública global. Entre as ISTs existentes o Human Papillomavirus (HPV) possui alto poder de proliferação, é um vírus pertencente ao grupo Papillomavirus, que apresenta mais de duzentos tipos reconhecidos, entre estes, 45 podem infectar o trato anogenital feminino e masculino (Brasil, 2022a; Hazra et al., 2021).

O HPV é uma das ISTs mais frequentes no mundo e representa a principal alteração para ocorrência do Câncer de Colo Uterino (CCU). Sua ocorrência é comum entre jovens sexualmente ativos, sendo uma importante causa de morbimortalidade na população feminina mundial, entretanto, se detectado precocemente, aumentam-se as chances de cura (INCa, 2023).

Destaca-se que o CCU é o terceiro tipo mais incidente de câncer entre mulheres brasileiras. Para 2023, foram estimados 17.010 casos novos, o que representa um risco considerado de 13,25 casos a cada 100 mil mulheres. Ao se avaliar a magnitude da doença, observa-se que o CCU é o segundo mais incidente nas regiões Norte (20,48/100mil) e Nordeste (17,59/100mil), terceiro na Centro-Oeste (16,66/100mil); quarto no Sul (14,55/100mil) e quinto no Sudeste (12,93/100mil) (INCa, 2023).

Diante dessa problemática epidemiológica, ressalta-se a relevância da presente investigação na perspectiva de graduandas de enfermagem, que compõem um grupo social vulnerável à ocorrência de ISTs, como o HPV (Spindola 2020SPINDOLA, T. et al. Use and negotiation of condoms by nursing academics. Revista Recien, v. 10, n. 32, p. 81-91, 2020.; Melo 2022MELO, L. D. et al. Prevention of sexually transmitted infections among young people and the importance of health education. Enfermería Global, v. 6, p. 88-101, 2022.).

O conhecimento é compreendido como um saber útil, que possibilita um agir adequado, na medida em que corresponde à realidade vivida pelos atores sociais (Hessen, 2012HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. 4. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.). As estudantes estão em processo de construção do corpus de conhecimento, como futuras profissionais, isso porque a enfermagem atua diretamente em ações/cuidados no contexto da saúde coletiva, sexual/reprodutiva de mulheres e homens, nos diferentes níveis de atenção à saúde e, portanto, são capazes de produzir Representações Sociais (RSs) próprias (Trindade-Moerbeck, 2021). Assim, são elaborados novos conhecimentos do senso comum associado ao universo reificado, de modo que essas RSs são responsáveis por guiar comportamentos e remodelar os elementos do ambiente universitário (Moscovici, 2015MOSCOVICI, S. Representações Sociais: investigações em psicologia Social. Petrópolis: Vozes. 2015.).

Desse modo, compreender as RSs das graduandas de enfermagem, como constructo social, é relevante pela observância de uma lacuna no conhecimento científico, devido à baixa produção de estudos sobre esse objeto representacional na perspectiva desse grupo socialmente constituído (Trindade-Moerbeck, 2021).

Sendo assim, objetivou-se discutir o conhecimento de graduandas em enfermagem sobre a infecção causada pelo Papilomavírus Humano (HPV) e suas representações sociais.

Métodos

Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, que permitiu incorporar a questão do conhecimento e da intencionalidade como inerente aos atos e às relações e estruturas sociais. Adotou-se como suporte teórico-metodológico a abordagem processual da Teoria das Representações Sociais (TRS), que ofereceu subsídios para o embasamento das questões histórico-culturais e valores/crenças acerca do objeto representacional. Atendeu-se ao Checklist Consolidated Criteria For Reporting Qualitative Research (COREQ) em busca de robustez teórico-metodológica (Equator-Network, 2019).

As RSs são entendidas como um tipo de conhecimento particular que tem por propósito a elaboração de comportamentos e a comunicação entre as pessoas (Moscovici, 2015MOSCOVICI, S. Representações Sociais: investigações em psicologia Social. Petrópolis: Vozes. 2015.). A abordagem processual abrange as dimensões da TRS: o campo representacional-estruturado e hierarquizado pelos grupos; as atitudes e as tomadas de decisão frente ao objeto, que apresentam aspectos afetivos e conteúdos (in)formais para se conhecer as práticas sociais (Jodelet, 2001JODELET, D. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.).

A pesquisa foi realizada em uma Instituição de Ensino Superior (IES) pública do município do Rio de Janeiro (RJ), Brasil, com estudantes do curso de Graduação em Enfermagem, que apresentavam características comuns e compartilhadas, o que permitiu o desvelar da existência de um grupo social.

A universidade que oferece o curso de Enfermagem tem a missão de formar profissionais capacitados para atender às necessidades de saúde da sociedade, atuando como referência de excelência acadêmica. Além da reconhecida qualidade que imprime à Graduação, a Faculdade se caracteriza por uma expressiva vocação extensionista, pela contribuição na qualificação e requalificação dos recursos humanos da rede de assistência à saúde, especialmente do Sistema Único de Saúde (SUS), e também pelo investimento na produção e divulgação do conhecimento em Enfermagem. Assim, a escolha do cenário e grupo social foi decorrente do fato de a concentração maior de jovens do sexo feminino estar em cursos da área da saúde.

Foram critérios de elegibilidade: estudantes universitárias, autodeclaradas sexualmente ativas, com idades entre 18-29 anos, devidamente matriculadas nos últimos períodos (oitavo e nono) da Graduação em Enfermagem. Foram critérios de exclusão: estudantes ausentes do campus no período da coleta de dados, devido a afastamento ou trancamento de matrícula.

No processo de amostragem, o quantitativo total de alunos matriculados no oitavo e nono períodos era de ±80 graduandos. A escolha dos períodos finais da graduação se deu uma vez esses estudantes já terem cursado as disciplinas teóricas e possuírem vivências nos cenários assistenciais (aulas práticas e de estágios curriculares e extracurriculares), o que permitiu caracterizar o grupo como socialmente constituído e capaz de elaborar e compartilhar RSs a respeito do conhecimento que possui sobre a infecção pelo HPV (Sá, 1998SÁ, C. P. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.).

A amostragem por conveniência contou com a participação de 15 estudantes do oitavo e 15 do nono período de graduação em enfermagem, totalizando 30 participantes na faixa de 18 a 29 anos. A faixa etária respeitou o intervalo estabelecido pelo Estatuto da Juventude Brasileira como também a maior incidência de infecção pelo HPV (Trindade-Moerbeck, 2021).

O processo de coleta de dados teve duas etapas. Na primeira, aplicou-se um formulário para a caracterização das participantes (sociodemográfica e perfil de ocorrência de ISTs). Na segunda, procedeu-se à técnica da entrevista semiestruturada, individual em profundidade, a partir de um roteiro organizado em blocos temáticos: significados do HPV, conhecimento sobre a transmissão e práticas de prevenção do HPV, entre outros.

As entrevistas foram gravadas por aparelho de áudio, com prévia autorização das depoentes. O processo de coleta com sete participantes foi face a face, em ambiente reservado, em horário conveniente para o binômio pesquisador/participante no período pré-pandemia (até 13/03/2020). As demais entrevistas (23) foram realizadas por chamada de vídeo via internet, no aplicativo WhatsApp. Os áudios foram gravados com auxílio de um aplicativo de gravação de voz disponível no aparelho celular da pesquisadora principal. Os dados foram coletados entre os meses de março-agosto/2020, com duração de ±40 min.

A pesquisa respeitou o número mínimo de ≥30 participantes recomendado para investigações qualitativas (Minayo, 2017MINAYO, M. C. S. Sampling and saturation in qualitative research: consensuses and controversies. Revista Pesquisa Qualitativa, v. 5, n. 7, p. 1-12, 2017.). Acrescenta-se que a saturação teórica foi obtida e a coleta interrompida no momento em que não se percebeu o surgimento de novos dados, ou novos esclarecimentos para o objeto representacional, tendo em vista a repetição das informações.

O contato inicial de cada período se deu com a representante de turma, que disponibilizou os números de celulares das demais colegas. Acrescenta-se que, ao término de cada entrevista, as jovens indicavam novos contatos que preenchiam os critérios de elegibilidade, e assim, sucessivamente, conforme recomendações metodológicas da Snowball Technique (Lenaini, 2021LENAINI, I. Teknik pengambilan sampel intencional e amostragem de bola de neve. Historis: Jurnal Kajian, Penelitian dan Pengembangan Pendidikan Sejarah, v. 6, n. 1, p. 33-9, 2021.).

Na análise dos dados numéricos, adotou-se a estatística descritiva (frequências absoluta e relativa) com o apoio do software Microsoft Excel 2018. Os dados discursivos das entrevistas primeiramente foram transcritos para o software Microsoft Word 2018, com posterior formatação do corpus. Por fim, aplicou-se a análise de conteúdo temático-categorial, sendo atendidas as três etapas desta, a saber: 1) pré-análise; 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, interferência e interpretação (Oliveira, 2016OLIVEIRA, D. C. Análise de conteúdo temático-categorial: uma técnica maior nas pesquisas qualitativas. In: metodologias de pesquisa para a enfermagem e saúde: da teoria para a prática. Porto Alegre: Moriá, 2016.; Bardin, 2020BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Reimpressão da edição revista e atualizada. Campinas: Editora: Autores Associados; 2020. 86p.).

Foram atendidos todos os aspectos ético-legais em pesquisas com seres humanos. A investigação matriz foi aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa sob o Parecer Consubstanciado n°. 3.783.947. A anuência/concordância das universitárias em participar da pesquisa de forma voluntária foi garantida mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Assim, nas sete entrevistas realizadas de forma presencial, as participantes assinaram o TCLE presencialmente, e, nas 23 entrevistas realizadas por videochamada, o TCLE foi encaminhado por e-mail e devolvido assinado pelas participantes. Foi garantido o sigilo/anonimato mediante a codificação com a letra E, seguida do número em ordem crescente de participação (Ex.: E1, E2, ...).

Resultados e Discussão

Do total de 30 jovens, a maioria tinha idade entre 21-24 anos (80%); autodeclarou-se heterossexual (86,66%); possuía uma relação estável (70%); residia com os pais (43,4%) ou com familiares (tios e avós) (23,2%); era católica (40%) e evangélica (26,7%). Esse perfil foi similar ao encontrado em outras investigações (Spindola 2020SPINDOLA, T. et al. Use and negotiation of condoms by nursing academics. Revista Recien, v. 10, n. 32, p. 81-91, 2020.; Melo 2022MELO, L. D. et al. Prevention of sexually transmitted infections among young people and the importance of health education. Enfermería Global, v. 6, p. 88-101, 2022.).

É importante obter o perfil de caracterização dos atores sociais no estudo das RSs, porque a identificação das variáveis sociais e demográficas desses indivíduos possibilita a compreensão dos processos sociocognitivos das RSs, como também das origens de cada elemento representacional (Moscovici, 2015MOSCOVICI, S. Representações Sociais: investigações em psicologia Social. Petrópolis: Vozes. 2015.).

Sumariza-se ainda a importância de responder às questões básicas de pesquisa em TRS “quem sabe e de onde sabe?" (Jodelet, 2001JODELET, D. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.). Nesse sentido, avaliou-se o perfil de ocorrência de ISTs entre as jovens, sendo que 20% afirmaram já ter tido alguma infecção, como: HPV (10%), herpes (3,66%) e tricomoníase (3,33%).

Um estudo descritivo exploratório, fundamentado na TRS e realizado com 200 estudantes de 14 áreas da saúde de uma IES pública carioca, constatou que as RSs de jovens universitários variam conforme o gênero e a orientação sexual, e a prevenção da infecção é uma responsabilidade feminina, corroborando os dados desta investigação (Queiroz 2022QUEIROZ, A. B. A. et al. Between risks and prevention: young university health students’ social representations about the human papillomavirus. Cogitare Enferm., v. 27, p. e84137, 2022.). Outrossim, é uma realidade nacional a observância de que as mulheres buscam mais frequentemente os serviços de saúde quando comparadas aos homens, sendo uma postura sociocultural presente em suas condutas e ações de (auto)cuidado em saúde, devido ao baixo poder de negociação para o uso de preservativos (Melo 2023aMELO, L. D. et al. Potencialidades de estratégias educativas para prevenção de infecções sexualmente transmissíveis entre jovens universitários na perspectiva transcultural. Fragmentos de Cultura. Goiânia, v. 33, n. 1, p. 137-50, 2023a.).

O processo de análise temático-categorial ocorreu em três etapas. A primeira etapa, a pré-análise, consistiu na escolha dos documentos por meio da leitura flutuante realizada pela pesquisadora para elaboração dos indicadores que orientaram a interpretação do material (Bardin, 2016).

Na segunda etapa, exploração do material, ocorreu o processo de transformação dos dados brutos agregados em Unidades de Registro (URs), que, posteriormente, foram agrupadas em unidades temáticas, que apresentam características do conteúdo expresso no texto (Bardin, 2016; Oliveira, 2016OLIVEIRA, D. C. Análise de conteúdo temático-categorial: uma técnica maior nas pesquisas qualitativas. In: metodologias de pesquisa para a enfermagem e saúde: da teoria para a prática. Porto Alegre: Moriá, 2016.).

Na terceira etapa, ocorreu o tratamento e a interpretação dos resultados, viabilizados pela marcação no texto do início e final de cada UR observada, totalizando 2.182 URs; a definição das Unidades de Significação (USs) ou temas, que somaram 37; a análise temática das URs e análise categorial do texto, o tratamento, a apresentação e a discussão dos resultados; e o retorno ao objeto de estudo. Desse modo, as USs foram aglutinadas em quatro categorias distintas (Oliveira, 2016OLIVEIRA, D. C. Análise de conteúdo temático-categorial: uma técnica maior nas pesquisas qualitativas. In: metodologias de pesquisa para a enfermagem e saúde: da teoria para a prática. Porto Alegre: Moriá, 2016.; Trindade-Moerbeck, 2021).

Neste artigo, selecionou-se o recorte dos resultados da categoria 1, intitulada “Conhecimento das graduandas sobre a infecção por HPV”, que apresentou conceitos e conhecimentos das participantes sobre o HPV, a infecção pelo HPV e os aspectos associados à infecção. Foi constituída por 23% do total das URs, reuniu 502 URs e nove temas, ou USs. Os temas foram agrupados em três subcategorias, respeitando-se as especificidades dos blocos temáticos, ilustrados no Quadro 1.

Quadro 1
Síntese da construção da categoria 1 e subcategorias, Rio de Janeiro-RJ, 2023

Subcategoria 1 - Conhecimento das graduandas sobre o HPV

Esta categoria representou 6,7% do total das URs, reuniu 146 URs e apresentou os conceitos sobre o HPV, tipos e tratamento (dimensão informativa/cognitiva das RSs). Ficou evidenciado que a infecção pelo HPV ainda é pouco discutida no grupo social, conforme mostram os depoimentos a seguir:

É um vírus que circula muito e está muito mais na sociedade do que as pessoas imaginam ou pensam. (E18)

É um vírus que você pega pelo contato sexual ou somente pelo toque de pele com a pele de alguém que tenha o HPV. (E19)

O HPV é causado por um vírus, que não tem cura. (E23)

É um vírus que pode causar infecções na vagina, pênis e no útero. (E26)

Uma IST que é causada pelo HPV, principal causa do CCU e pode ser visualizada ou não através do exame clínico, identificando-se verrugas, ou não ser visualizada a olho nu. (E29)

O HPV se pega por via sexual e é o que mais causa o CCU. (E30)

A maioria das graduandas sabia que o HPV é um tipo de vírus que oferece agravo à saúde. O conhecimento quanto à etiologia do vírus influencia diretamente nos comportamentos, na tomada de decisão para a adoção de métodos de prevenção, e a ausência de informação torna as jovens vulneráveis às ISTs (Melo 2023bMELO, L. D. et al. Sexual behavior according to undergraduate students: perspective of cross-cultural nursing and intersectional framing. Rev Bras Enferm., v. 76, n. 6, p. e20220786, 2023b.).

O HPV é um pequeno vírus de DNA que pertence à família Papilomaviridae. Ele infecta as células basais do tecido epitelial, a partir de pequenas rupturas na pele ou mucosa e, em condições habituais, pode assumir diferentes formas de infecção: latente, produtiva ou transformadora. A fase transformadora é a mais susceptível ao desenvolvimento do CCU (Monteiro 2019MONTEIRO, C. M. et al. A percepção de mulheres sobre o Papilomavírus humano, o câncer do colo do útero e o exame de Papanicolau. Revista interdisciplinar em ciências da saúde e biológicas, v. 3, n. 1, p. 23-31, 2019.).

É importante que as graduandas de enfermagem detenham conhecimento acerca do HPV, para que possam prestar uma assistência qualificada e resolutiva, além de realizar ações de (auto)cuidado. As participantes relataram que necessitavam estudar mais e obter mais informações sobre esse agente etiológico, já que o vírus ainda é pouco discutido em comparação a outras ISTs, como o Human Immunodeficiency Virus (HIV). Assim, com frequência, ocorre déficit no conhecimento e constrangimento, em decorrência dos tabus que as ISTs acarretam.

Pessoas que têm HPV não gostam de falar, porque é um assunto constrangedor. Todo mundo tem que discutir mais. (E1)

É preocupante pela falta de informação, porque é muito tabu. Uma amiga tem HPV e a médica que a atendeu, em nenhum momento, explicou para ela. Fiquei até preocupada de como falar porque ela é leiga, se eu falar que ela tem HPV, vai achar que é HIV, porque até hoje as pessoas confundem. (E10)

O HPV é uma IST ainda pouco conhecida e debatida. Eu sei mais por causa da faculdade e até me interesso sobre o assunto porque quero seguir carreira nessa área oncológica. O assunto ainda é um tabu. Falta informação sobre o tema. (E14)

Eu percebo, até nos estágios, que mulheres e homens se preocupam muito com o HIV e até confunde com o HPV. Então as outras ISTs ficam esquecidas e as mulheres são as mais acometidas por causa do CCU. A gente recebe a mulher com várias verrugas, numa fase mais avançada, que vai necessitar de intervenção cirúrgica, porque tem pouca informação e não procurou tratamento. (E15)

A gente discute pouco, então essa falta de conhecimento não é só minha, porque eu conheço um pouco mais por ser estudante da área. Existe um desconhecimento das pessoas em relação ao HPV. Muitas pessoas têm e não sabem que têm, muita gente tem sem sintomas. (E18)

Pesquisa que analisou o conhecimento de jovens universitários sobre as ISTs evidenciou que os estudantes tinham mais conhecimento relacionado ao HIV. Outras infecções como clamídia, HPV e herpes eram, ainda, desconhecidas pelo grupo (Spindola , 2019SPINDOLA, T. et al. Sexual practices and care related to sexual health of nursing students regarding sexually transmitted infections. Rev. Enferm. UFSM, v. 9, p. 1-17, 2019.). A ocorrência dessas ISTs é de elevada incidência (inter)nacional, e aumentam as chances de ocorrência do HIV (Brasil, 2022a; Hazra et al., 2021). Contudo, pouco se fala sobre o HPV e demais ISTs para que as pessoas, ao procurarem informações, recorram aos websites (Garcia , 2018GARCIA, R. I. et al. Quality of health information: a study of human papillomavirus (HPV) on Brazilian websites. Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde, v. 12, n. 1, p. 43-57, 2018.).

Outro fator que cerca a escassez de informação é a ausência de diálogo na escola, e com familiares e a baixa procura pelo serviço de saúde especializado. Assim, seja por medo, seja por vergonha, mesmo na atualidade, a “sexualidade” ainda é tratada com preconceito, rodeada de mitos e tabus os quais tem piorado recentemente por questões sociopolíticas e posicionamentos “conservadores” (Melo 2023bMELO, L. D. et al. Sexual behavior according to undergraduate students: perspective of cross-cultural nursing and intersectional framing. Rev Bras Enferm., v. 76, n. 6, p. e20220786, 2023b.).

Há ausência de diálogo na escola sobre assuntos relativos a sexualidade e gênero, no entanto se trata de um lócus permanente do confronto de pontos de vista, concepções, valores religiosos e políticos. Observam-se confrontos na elaboração de normativas políticas educacionais; em controvérsias públicas que envolvem políticas educacionais que abarquem questões de sexualidade e gênero; no cotidiano do processo de trabalho dos educadores e das instituições escolares, bem como nos diversos embates sobre os currículos escolares (Leite, 2019LEITE, V. J. The capture of children and adolescents: reflecting on public controversies involving gender and sexuality in education policies. Série-Estudos. Campo Grande, v. 24, n. 52, p. 11-30, set./dez. 2019.).

Na última década, especialmente no cenário brasileiro, acumulam-se nos diversos meios de comunicação inúmeras controvérsias, nas quais as expressões de gênero e sexualidade ligadas a crianças e adolescentes, em ambientes escolares, estiveram no centro da discursividade. Tais controvérsias têm como pontos de interseção o confronto de moralidades em relação ao gênero e à sexualidade e a mobilização do discurso em defesa das crianças e dos adolescentes (Leite, 2019LEITE, V. J. The capture of children and adolescents: reflecting on public controversies involving gender and sexuality in education policies. Série-Estudos. Campo Grande, v. 24, n. 52, p. 11-30, set./dez. 2019.). Assim, tais constructos sociais são capazes de ir modificando os processos constituintes das RSs e a nuclearidade dessas ao longo dos anos, a respeito de determinado objeto representacional, como este estudo sobre o HPV (Sá, 1998).

Dando sequência à análise de conteúdo, entre as participantes, 12 graduandas discorreram sobre a classificação dos tipos de HPV:

São vários tipos, tem os subtipos de mais baixo e mais alto risco para o câncer. O HPV de alto risco são 70-80% que causam CCU, pode ser também no reto. Se não for prevenido, pode ser letal. (E14)

São quatro sorotipos mais recorrentes que causam o CCU, mas existem diversos sorotipos. As verrugas também são um tipo de HPV. (E15)

Quatro tipos, acho que o 6, 11,18, agora não lembro o outro. (E17)

Existem vários tipos, se eu não me engano, 16 e 18 são mais agressivos. (E22)

As participantes demonstraram dúvidas ao informar os tipos responsáveis por ocasionar as verrugas genitais, os tipos 6 e 11 e 16 e 18 foram os mais citados. Esses são os que causam a maioria dos casos de CCU, mas também estão relacionados a outros tipos de câncer, como de cabeça e pescoço, vagina, vulva etc. (Brasil, 2014).

O HPV pode ser classificado em tipos de baixo e alto risco para desenvolver câncer. São 12 tipos identificados como de alto risco (16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58 e 59) que possuem maior probabilidade de persistir e causar lesões pré-cancerígenas. Os tipos 16 e 18 ocasionam a maioria dos casos de CCU em todo o mundo (cerca de 70%). Eles também são responsáveis pela incidência dos cânceres de ânus (90%), vagina (60%) e vulva (50%). Os tipos 6 e 11, encontrados na maioria das verrugas genitais (condilomas genitais) e papilomas laríngeos, apresentam baixo risco de progressão para malignidade (Brasil, 2014). Treze graduandas abordaram o tratamento do HPV na sua descrição. A seguir, apresentam-se alguns trechos de depoimentos que mostram isso:

Ele também fez o tratamento, teve que queimar e eu também, teve algumas que precisei fazer o procedimento cirúrgico. Fui tirar, realizar o meu procedimento em um local específico. (E1)

E normalmente o tratamento se dá por eletrocauterização, que é o processo de queimar essas verrugas. (E10)

A mulher com várias verrugas, numa fase mais avançada que vai necessitar de intervenção cirúrgica. (E15)

Fiz a retirada das verrugas com uso de ácido. (E29)

Observa-se uma discursividade sobre os procedimentos para o tratamento das verrugas presentes na infecção pelo HPV: o uso do ácido tricloroacético (ATA) e eletrocauterização e, em casos mais tardios e graves, a retirada cirúrgica por técnica de conização ou cirurgia de alta frequência. Procedimentos esses elencados pelas estudantes E1 e E29, aos quais foram submetidas, demonstrando as dimensões informativa/cognitiva e comportamental/atitudinal das RSs cujas origens advêm de suas vivências próprias.

Os tratamentos envolvem a aplicação de um creme ou solução especial nas verrugas ou ainda remoção de algumas delas por congelamento, cauterização ou laser. Se as verrugas genitais não responderem a esses tratamentos, pode ser necessário utilizar a cirurgia para removê-las. Em 25% dos casos, elas são reincidentes e reaparecem mesmo após o tratamento, mas busca-se reduzir, remover ou destruir as lesões do HPV com tratamentos químicos, cirúrgicos e imunoestimuladores (Brasil, 2014).

Não há tratamento específico para eliminar o vírus. O tratamento das verrugas genitais deve ser individualizado, dependendo da extensão, quantidade e localização das lesões. Podem ser usados laser, eletrocauterização, ATA e imunoestimuladores. Já as lesões precursoras podem ser tratadas de várias formas, sendo mais comum o uso de ácidos ou remoção cirúrgica. Em mulheres com idade ≤40 anos, é retirada com anestesia local, durante a colposcopia. Em algumas situações, pode ser necessária a conização do colo uterino. Ambos os procedimentos são realizados pela vagina e com baixo risco de complicações (Brasil, 2022a).

Um quantitativo reduzido de graduandas entrevistadas (43,3%) tem informação sobre o tratamento, o que poderia auxiliar na tomada de decisão para identificar as lesões e o início precoce do tratamento. Assim, evitar-se-ia a progressão da infecção pelo HPV. A construção social privilegiada se dá em razão de esse grupo, que é da área da saúde, possuir informações concernentes ao tema.

De forma distinta, uma pesquisa com mulheres no interior paulista, sobre o tratamento da infecção pelo HPV, evidenciou que 72,2% das participantes informaram que a infecção é tratável. Esses dados são preocupantes, pois, quanto mais tardio for o início do tratamento, menores são as chances prognósticas de cura e maior o potencial de evolução carcinogênica (Souza , 2017SOUZA, A. A. et al. Conhecimento sobre HPV de mulheres que frequentam a casa da saúde da mulher no município de promissão. Revista Estudos e Pesquisa, v. 1, n. 1, 2017.). Reforça-se assim a necessidade de mais informações sobre as particularidades da infecção pelo HPV.

Subcategoria 2 - Manifestações clínicas e consequências da infecção pelo HPV

Esta subcategoria representou 13,67% do total das URs e reuniu 233 URs. Estas se referem às RSs dos conceitos da infecção pelo HPV com a apresentação das manifestações clínicas do HPV, as consequências da infecção e as formas de transmissão, demonstrando as funções do saber, identitária e normativa da RS a partir das dimensões cognitiva/informativa, comportamental/atitudinal, valorativa/afetiva e imagética. Em relação às manifestações clínicas, destacam-se os seguintes depoimentos:

As lesões são em forma de condiloma, não sei em qual relação que eu acabei contraindo, depois eu senti um caroço, só que começou a crescer e o parceiro que eu tinha na época também ficou preocupado porque estava crescendo nele, era o HPV. Eu já tinha várias lesões em genitália e colo do útero. (E1)

Ter verrugas é feio e prejudicial à saúde. Esteticamente não é bonito nem agradável. (E11)

Ela se manifesta em genitálias, não necessariamente só na parte interna da mulher, mas também nos arredores. Transmitida por sexo oral, vaginal e anal. (E17)

Até mucosa transmite. Acredito que ele passe do homem para a mulher só quando o homem tem a verruga, o condiloma quando já está sintomático. (E22)

A minha imagem para mim mudou porque não tinha verruga antes e ela fica como uma prova que você não se cuidou e é feio. (E29)

Ficam evidentes dúvidas sobre as manifestações clínicas, principalmente quanto à lesão subclínica, que não é visível. A participante E1, ao descrever que ela e o parceiro identificaram as verrugas genitais, revela dificuldades vivenciadas quando ocorreu a infecção, nota-se o grande potencial de contágio do vírus e o acometimento do colo do útero. E11 relatou que a lesão afeta sua autoimagem, descrevendo-a como “esteticamente feia”.

As falas de E1 e E29 corroboram essa descrição, ao afirmarem que a presença e o aspecto das verrugas causam vergonha. Para a graduanda E29, “a verruga fica como uma prova [de] que você não se cuidou [...]”. Evidencia-se, assim, que a pessoa não seguiu as recomendações de prevenção e se infectou, o que acarreta constrangimento, estigma e preconceito.

Para indivíduos com HPV e/ou herpes, o estigma está associado às ISTs, que causam mais constrangimento e sentimentos negativos associados a outras condições de saúde. Isso ocorre porque muitos dos aspectos envolvidos ainda são estereótipos dessas infecções (supostamente originados por conduta sexual imprópria) e risco futuro de potencial transmissão para outras pessoas, apesar da fase assintomática (Foster et al., 2016).

Ao analisar o conhecimento sobre o HPV de pessoas infectadas, foram identificados sentimentos de estigma que afetaram a motivação em revelar o diagnóstico a outras pessoas, sentiam-se julgadas e preocupadas com o status positivo para HPV, negando a sua condição, e somente algumas informaram o fato aos parceiros sexuais. Além disso, poucas utilizavam métodos de barreira em todas as relações sexuais (Schwarz, 2018SCHWARZ, K. Todo mundo tem, mas ninguém sabe muito sobre isso: como a comunicação do paciente-provedor e o conhecimento do HPV impactam a experiência viva de ter HPV. (Dissertação) - Georgia State University, 2018.).

O período necessário para que as manifestações da infecção pelo HPV surjam é de aproximadamente 2-8 meses, mas pode demorar até 20 anos. Assim, é impossível determinar com precisão quando e de que forma a pessoa foi infectada pelo HPV. Estima-se que aproximadamente 10% das pessoas (homens e mulheres) terão verrugas genitais ao longo de suas vidas. Elas podem aparecer semanas ou meses após o contato sexual com uma pessoa infectada (Brasil, 2022b).

Em um pequeno número de casos, o vírus pode se multiplicar e provocar o aparecimento de lesões, como as verrugas genitais, que são altamente contagiosas, já a infecção subclínica tem menor poder de transmissão. O vírus pode permanecer no organismo por vários anos, sem acarretar nenhuma manifestação clínica e/ou subclínica. A baixa imunidade pode desencadear a multiplicação do HPV e, consequentemente, provocar o aparecimento das lesões clínicas e/ou subclínicas (Brasil, 2014).

O diagnóstico é obtido por exames clínicos e laboratoriais. As lesões clínicas são avaliadas pelo teste urológico, ginecológico e dermatológico. Lesões subclínicas são diagnosticadas com exames laboratoriais de citopatologia oncótica cervicovaginal, colposcopia, peniscopia, anuscopia, captura hibrida e estudo anatomopatológico (Brasil, 2022b). No entender das participantes, a infecção pelo HPV acarreta consequências na vida das pessoas, como:

Pode causar o CCU e as verrugas, no homem pode causar câncer também. (E10)

O HPV vai causar alterações nas células do colo, as neoplasias. (E14)

As consequências são: psicológica, inseguranças, descontrole do corpo, alteração da imagem da mulher. O HPV pode causar as verrugas e o CCU e, no homem, câncer de pênis. É o principal causador do CCU porque ele se multiplica, atinge o útero e faz proliferar as células malignas. (E15)

Pode até ter a perda do útero pela infecção e pelo agravamento desta. Pode ocorrer o CCU, infertilidade, além das verrugas. No homem, também tem as verrugas. (E16)

Ele pode causar as verrugas genitais, pode virar um câncer. É uma doença que pode causar depressão, problemas psicológicos, no relacionamento e de autoimagem. (E17)

O HPV causou grande impacto na saúde a partir do conhecimento de seu potencial oncogênico e sua associação como precursor de tumores, especialmente o CCU. As participantes responderam que uma das principais consequências da infecção pelo HPV é o desenvolvimento do câncer. Elas representam a infecção com relação direta ao CCU, além de reforçarem o aparecimento das lesões clínicas. O CCU é a doença mais frequentemente relacionada ao HPV e quase todos os casos dessa neoplasia podem ser atribuídos à infecção pelo HPV (Hazra , 2022HAZRA, A. et al. Sexually Transmitted Infection Treatment Guidelines do Centers for Disease Control and Prevention 2021. JAMA, n. 327, n. 9, p. 870-81, 2022.).

Algumas jovens não sabiam explicar como o HPV é precursor do CCU. O CCU é um conjunto de mais de cem doenças que se caracterizam pelo crescimento celular desordenado, chegando a invadir tecidos e órgãos e podem se espalhar para outras partes do corpo. As células cancerosas se dividem rapidamente e apresentam a tendência de ser agressivas e invasivas, levando à formação de tumores, que podem ser benignos ou malignos (Brasil, 2022b).

O câncer se origina de um processo de transformação de células normais em células tumorais, envolve vários estágios e, geralmente, essas células progridem de uma lesão pré-cancerosa para tumores malignos. As mutações celulares que levam à formação do câncer são resultado da interação de fatores genéticos e agentes externos, que podem ser classificados em físicos, químicos e biológicos, sendo o último constituído pelas infecções como o HPV (Hazra 2022HAZRA, A. et al. Sexually Transmitted Infection Treatment Guidelines do Centers for Disease Control and Prevention 2021. JAMA, n. 327, n. 9, p. 870-81, 2022.).

Essas ISTs são descobertas no exame Papanicolau e são curáveis, na maioria dos casos. Ressalta-se a importância da realização periódica do exame, ou seja, dois anos consecutivos. Na ausência de alterações histológicas, pode-se dar um intervalo de três anos, para nova rotina de coleta em dois anos consecutivos, para mulheres classificadas como de risco habitual (Melo 2022MELO, L. D. et al. Prevention of sexually transmitted infections among young people and the importance of health education. Enfermería Global, v. 6, p. 88-101, 2022.).

As graduandas sinalizam as diferenças da infecção por HPV para homens e mulheres. Nas mulheres, está associada principalmente ao CCU e suas lesões precursoras. Nos homens, se manifesta na forma de verrugas genitais e contribui para o desenvolvimento de câncer peniano (Brasil, 2022b).

O conhecimento específico do HPV, como um fator de risco para o desenvolvimento de CCU, foi expressivo para a maioria dos discentes de enfermagem de uma IES pública no nordeste brasileiro (Silva-Júnior et al., 2021), o que corrobora os dados deste estudo. Uma pesquisa identificou um conhecimento leigo das entrevistadas, e a falta de informação é, provavelmente, o principal motivo do alto índice de HPV e CCU. Salientou a importância do investimento na educação dos jovens quanto à promoção da saúde e prevenção de ISTs, especialmente as causadas pelo HPV (Torres 2019TORRES, E. S. G. et al. Conhecimento sobre HPV e câncer de colo de útero entre estudantes do ensino superior de uma faculdade no município de Cacoal-RO. Rev Cient Faculdade Educação e Meio Ambiente, v. 10, n. 1, p. 11-6, 2019.).

As repercussões no âmbito psicológico envolvem o medo de ser portadora do HPV, conviver com a dúvida se foi infectada, a evolução da doença e incerteza do prognóstico. A mulher apresenta maior grau de vulnerabilidade, não apenas biológica, mas também por fatores socioeconômicos e psicossociais. Nota-se, então, que as políticas responsáveis por ações de saúde voltadas às mulheres merecem maior atenção quanto aos aspectos psicológicos destas (Félix et al., 2022).

Sobre a infertilidade, o efeito da presença do HPV no sêmen é amplamente debatido e está associado ao comprometimento da motilidade espermática, sugerindo que a infecção poderia ser um fator de risco emergente para a infertilidade masculina. Pesquisadores analisaram a integridade do DNA do HPV em células de esperma por tecnologia de Polymerase Chain Reaction em Tempo Real (qPCR). Em uma amostra, mais da metade dos genomas virais eram defeituosos, sugerindo um possível evento de recombinação. Dados desse estudo apoiam o papel proposto do HPV na diminuição da fertilidade e apontam novas possíveis consequências da infecção do sêmen (Capra 2019CAPRA, G. et al. HPV infection in semen: results from a new molecular approach. Epidemiology and Infeccion, v. 147, n. 177, p. 1-8, 2019.). No presente estudo, observou-se um baixo conhecimento sobre a transmissão do HPV:

Sim, é uma IST, eu não sei se tem outras formas. Na verdade, fiquei na dúvida se pode ser transmitido por transfusão sanguínea. (E4)

Através do ato sexual com o fluido contaminado. (E9)

É transmitida pela relação sexual oral, vaginal e anal. (E16)

Não só pela via sexual se pode pegar o HPV, às vezes pelo contato de pele com pele, a mais comum que é a sexual. Em relação ao sexo oral, acredito que transmite, pois tem a mucosa. O anal também. (E19)

Por secreções, por feridas e pelo próprio condiloma. Pelo sexo oral, vaginal e anal. Até mesmo a mão pode transmitir se tiver tido contato. (E22)

O HPV é altamente contagioso, sendo possível contaminar-se com uma única exposição. A transmissão ocorre pelo contato direto com a pele ou mucosa infectada, por meio de microabrasões ocorre a penetração do vírus no tecido epitelial. A principal forma é a via sexual, que inclui contato orogenital, genital-genital ou manual-genital. O contágio pode ocorrer mesmo na ausência de penetração vaginal ou anal, e pode haver transmissão durante o parto. O vírus pode propagar-se também por meio de contato com a mão, embora seja raro. Como muitos portadores do HPV não apresentam nenhum sinal ou sintoma, não sabem que são portadores do vírus, mas podem transmiti-lo. Na presença de lesões planas, não visíveis a olho nu, pode haver transmissão (Brasil, 2014).

Na fala da participante E4, nota-se a dúvida se o vírus pode ser transmitido por transfusão de sangue. Pode-se perceber que a jovem ancorou o HPV nas RSs do HIV e a crença do contágio pelo sangue. Sabe-se que o advento do HIV trouxe uma nova compreensão sobre as ISTs por sua correlação com a morte, porém, com a manutenção do Tratamento Antirretroviral (Tarv), essa RS vem sofrendo mudanças (Stefaisk 2020STEFAISK, R., et al. Subjective and representational aspects of living with HIV: what do the publications reveal? Revista Enfermagem Atual in Derme, v. 91, n. 29, p. 141-8, 2020.). Assim, como o HIV tem ampla divulgação na mídia e maior impacto social, percebe-se que algumas estudantes mencionam aspectos do HIV para compreender e construir a RS do HPV.

A conquista do acesso ao tratamento, o uso efetivo do Tarv, o aumento da oferta do diagnóstico e a cronicidade da doença têm ocasionado diminuição da morbimortalidade, aumento da expectativa de vida e ressignificação de planos futuros. Esses fatores, incluída a execução de medidas de enfrentamento do HIV e da Acquired Immunodeficiency Syndrome (aids), têm influenciado na mudança representacional, incorporando o significado de doença crônica, como apresentado na última década (Stefaisk 2020STEFAISK, R., et al. Subjective and representational aspects of living with HIV: what do the publications reveal? Revista Enfermagem Atual in Derme, v. 91, n. 29, p. 141-8, 2020.). Somente três participantes mencionaram a transmissão vertical, mas sem muita convicção.

E da mãe para o bebê. (E1)

Não transmite para o bebê, o HPV. (E18)

Eu acho que vertical também. (E23)

O rastreio da infecção por HPV na gestação é necessário, para auxiliar a prevenção do surgimento de condições integradas que favorecem complicações obstétricas, especialmente relacionadas à disfunção placentária (Sousa 2018SOUSA, G. P. et al. Aspectos clínicos e epidemiológicos da infecção genital pelo Papilomavírus humano em gestantes. Rev Pan-Amaz Saude, v. 9, n. 3, p. 31-8, 2018.). Além dos aspectos maternos, há preocupação da transmissão do vírus da mãe para o feto, mas dados epidemiológicos atuais demonstram que a transmissão vertical pode ocorrer não só durante o parto, mas também antes e depois dele (Sousa et al., 2018; Cirino 2020CIRINO, E.S. et al. Incidência do Papiloma Vírus Humano- HPV em gestantes: uma revisão integrativa. Braz. J. Hea. Rev., v. 3, n. 3, p. 6727-36, 2020.).

A prevalência de HPV em mulheres grávidas relaciona-se à deficiência de conhecimento e múltiplos parceiros. A maioria das participantes eram jovens ou adolescentes, e, apesar da pouca idade, estavam na segunda ou terceira gestação. Mesmo utilizando métodos contraceptivos, não conseguiram evitar ambas as situações por falta de conhecimento sobre os métodos. Além disso, estudo aponta que, o maior número de gestações acarreta aumento da carga hormonal, o que favorece a vulnerabilidade e susceptibilidade para aquisição do HPV na região de colo do útero (Cirino 2020CIRINO, E.S. et al. Incidência do Papiloma Vírus Humano- HPV em gestantes: uma revisão integrativa. Braz. J. Hea. Rev., v. 3, n. 3, p. 6727-36, 2020.).

Devido às alterações hormonais durante a gestação, as verrugas podem aumentar em tamanho e número. Se as lesões forem muito grandes e interferirem na passagem do bebê pelo canal de parto, poderá ser indicada a cirurgia de cesariana. Lesões pequenas, microscópicas ou latentes não contraindicam o parto vaginal. Existe a possibilidade de o HPV ser transmitido para o feto ou recém-nascido (RN) e causar verrugas na laringe do bebê e/ou na genitália (Brasil, 2014).

A transmissão do HPV ocorre pelo ato sexual (98%), contudo, durante a gestação, há maior replicação viral, principalmente na segunda metade, e aumenta-se o risco de transmissão vertical. A principal complicação no RN é a papilomatose respiratória recorrente juvenil e/ou o desenvolvimento de lesões nas regiões anogenital e conjuntival (Campos , 2016CAMPOS, R. S. P. et al. Gestação e papilomavírus humano (HPV): vias de transmissão e complicações. Diagn. Tratamento, v.21, n.3, p.109-14, 2016.).

Reitera-se que, as principais medidas para a prevenção são mudança do comportamento sexual, redução do número de parceiros (fixos e casuais), uso de preservativo, além da vacinação de adolescentes contra o HPV (Melo 2023aMELO, L. D. et al. Potencialidades de estratégias educativas para prevenção de infecções sexualmente transmissíveis entre jovens universitários na perspectiva transcultural. Fragmentos de Cultura. Goiânia, v. 33, n. 1, p. 137-50, 2023a.).

Subcategoria 3 - Aspectos associados à infecção pelo HPV

Os aspectos associados à infecção pelo HPV representaram 5,63% do total URs e reuniram 123 URs. Assim foram demonstradas as dimensões informativa/cognitiva e a função do saber. Foram mencionados fatores que aumentam o potencial do HPV de causar câncer:

A não vacinação e não uso do preservativo. Acho que a higiene também conta. Não comparecer à consulta com médico ou enfermeiro, realizar exames de rotina uma vez ao ano. (E5)

A imunidade baixa, relação sexual desprotegida e HIV. (E13)

Os fatores são o tabagismo, sistema imune debilitado e o uso de anticoncepcionais. (E14)

Se a mulher já foi exposta alguma vez ao vírus, se já teve outro tipo de IST, se tem múltiplos parceiros, se costuma fazer sexo sem proteção. A multiparidade aumenta as chances de ter CCU. (E22)

Obesidade, tabagismo, a infecção concomitante por outras ISTs, como o HIV, e o não uso da camisinha. (E23)

Certos fatores aumentam o potencial de desenvolvimento do câncer genital em mulheres infectadas pelo HPV, como o uso de contraceptivos orais, tabagismo, infecção pelo HIV e outras ISTs (como herpes e clamídia). O tabaco e seus derivados têm o poder de induzir inúmeras alterações no sistema imunológico, principalmente nas células natural killer (Brasil, 2014). O uso ininterrupto de contraceptivos hormonais, esteroides, administrados em mulheres no período reprodutivo aumenta a atividade transformadora dos oncogêneses do HPV (Busnardo 2022BUSNARDO, D. K. et al. Fatores de risco associados ao câncer de colo do útero induzido pelo Papilomavirus Humano: uma revisão integrativa. Conjecturas, v. 22, n. 2, p. 913-927, 2022.).

Os anticoncepcionais trifásicos ou de baixas doses estão significativamente associados ao aumento da transcrição de tipos de HPV. O uso desses hormônios por período ≥5 anos aumenta o nível de desenvolvimento de lesão intraepitelial de alto grau. Esse risco pode aumentar se essa medicação for iniciada precocemente (idade ≤17 anos), sem o completo desenvolvimento do trato genital feminino (Busnardo 2022BUSNARDO, D. K. et al. Fatores de risco associados ao câncer de colo do útero induzido pelo Papilomavirus Humano: uma revisão integrativa. Conjecturas, v. 22, n. 2, p. 913-927, 2022.). Sobre a mortalidade feminina, as participantes revelaram:

É pesado, você saber disso, que é algo que, querendo ou não, é bem fatal e geralmente descobre muito tarde. É algo que pode ser evitado pela vacinação e sexo seguro. (E7)

Mesmo como enfermeira, ficamos preocupadas com coisas tão complexas e não perguntar, e falar sobre isso... sabemos todos os conceitos, mas o simples não fazemos, temos que nos formar pensando na educação em saúde porque as estatísticas não seriam essas. (E8)

Medo, tristeza, algo que você pode solucionar, pode rastrear, tem como intervir, por vacinas, e ter esse alto índice de mortes. (E25)

Medo, porque é uma coisa que muitas vezes é invisível aos olhos e está diretamente relacionado com uma prática nossa, que causa tanta letalidade. Principalmente eu porque eu tive as verrugas. (E29)

As graduandas externaram sentimentos de surpresa, preocupação, medo e tristeza. Estudo transversal com dados do Sistema de Informações sobre a morbimortalidade por CCU, no Brasil, apresentou crescimento nos anos observados, com mais óbitos na faixa etária de 50-54 anos. Foram registrados óbitos em mulheres não contempladas pelas recomendações para rastreio dessa neoplasia no Brasil. Quanto às regiões brasileiras, foram encontradas variações pela heterogeneidade das localidades. A Região Sul apresentou o maior aumento das taxas de mortalidade específica. O controle do CCU é um desafio, sendo assim, há necessidade de melhorias nos programas de prevenção (Tallon ., 2020TALLON, B. et al. Tendências da mortalidade por câncer de colo no Brasil em 5 anos (2012-2016). Saúde Debate, v. 44, n. 125, p. 362-71, 2020.).

Considerações finais

O conhecimento de graduandas de enfermagem acerca da infecção pelo HPV e as RSs atribuídas por elas denotam que estas guardam nexo com informações típicas do processo de formação de profissionais da área da saúde, impregnadas pelo contexto sociocultural e de gênero, sendo permeadas por mitos, tabus, valores e costumes.

Na discursividade das jovens graduandas, são perceptíveis elementos que demonstram um conhecimento limitado sobre o HPV, suas manifestações clínicas, as possíveis consequências da infecção, além de aspectos pessoais e subjetivos relacionados à infecção. Desse modo, revelam as experiências próprias e com terceiros, dentro e fora da IES, nas quais se apoiam as RSs do grupo a respeito do objeto representacional HPV. Esses resultados refutam a baixa eficácia da universidade como uma instituição promotora da saúde, o que foi corroborado por outros estudos sobre a temática.

Neste estudo, percebeu-se a pouca informação do grupo ou o conhecimento equivocado a respeito do HPV/CCU, mesmo entre mulheres jovens e em processo de formação como profissionais da saúde. Assim, ocupa o imaginário social e emerge nas RSs uma avaliação do conhecimento insuficiente para se converter em estratégia de prevenção eficaz contra o HPV e demais ISTs, o que vai ao encontro de achados de inúmeros estudos a respeito do predomínio de comportamento sexual de risco entre jovens universitários.

Assim, conhecer as RSs de graduandas de enfermagem acerca do HPV contribui para o processo da formação dos futuros profissionais no enfrentamento das ISTs, possibilitando traçar estratégias e implementar cuidados que considerem o meio social, comportamentos, atitudes, crenças e saberes.

Espera-se que a universidade, como instituição promotora da saúde, possa atuar de forma mais eficaz para viabilizar abordagens educativas, inovadoras, atrativas, problematizadoras e contextualizadas com a realidade do grupo social das IESs. Seria oportuno que essas práticas educativas contemplassem não somente o grupo de estudantes, mas também incluíssem os docentes, parceiros(as) sexuais, familiares e a sociedade em geral.

Sugere-se que a temática do HPV seja trabalhada com jovens universitárias, por ações interdisciplinares e intersetoriais, abordando questões de gênero e sexualidade, como assuntos transversais ao tema das ISTs.

O estudo tem como limitação ter sido realizado em um único cenário, uma universidade pública, com estudantes universitárias da área da saúde. Sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas para ampliar a discussão sobre a temática, com a inclusão de outros cursos de graduação e outras IESs públicas e privadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2023
  • Revisado
    09 Fev 2024
  • Aceito
    16 Mar 2024
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