Itinerários terapêuticos de sobreviventes da Covid-19 pós-alta hospitalar

Therapeutic itineraries of COVID-19 survivors after hospital discharge

Vitória Polliany de Oliveira Silva Kátia Suely Queiroz Silva Ribeiro Lucilla Vieira Carneiro Gomes Suellen Mary Marinho dos Santos Andrade Geraldo Eduardo Guedes de Brito Hemílio Fernandes Campos Coelho Sobre os autores

Resumo

Objetivo:

Analisar os itinerários terapêuticos de sobreviventes da Covid-19 pós-alta hospitalar.

Metodologia:

Estudo qualitativo pautado no método da história oral temática, realizado com dez indivíduos que pós-alta hospitalar de um serviço público de referência no município de João Pessoa-PB, desenvolveram a condição pós-Covid e buscaram cuidados. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas individuais, analisadas pela técnica da análise de conteúdo.

Resultados e Discussão:

Após a alta hospitalar, a maioria dos participantes tiveram que custear os cuidados recebidos. Essa realidade denota que, quando os usuários necessitam de assistência imediata à saúde e não encontram alternativas viáveis pelo SUS, são coagidos a buscar a rede privada.

Conclusão:

Faz-se necessário desenvolver estratégias que garantam o acesso adequado de indivíduos na condição pós-Covid à reabilitação e a outros cuidados de saúde no âmbito do SUS.

Palavras-chave:
Itinerário terapêutico; Alta hospitalar; Cuidados de saúde; Condição pós-Covid

Abstract

Objective:

To analyze the therapeutic itineraries of survivors of Covid-19 after hospital discharge.

Methodology:

Qualitative study based on the method of thematic oral history, conducted with ten individuals who, after hospital discharge from a public reference service in the municipality of João Pessoa-PB, developed post-Covid condition and sought care. Individual semi-structured interviews were conducted and analyzed using the content analysis technique.

Results and Discussion:

Most participants had to pay for the care received after hospital discharge. This reality indicates that when users need immediate health assistance and do not find viable alternatives through the SUS (Brazil's public health system), they are forced to seek private healthcare.

Conclusion:

It is necessary to develop strategies that guarantee adequate access for individuals in the post-Covid condition to rehabilitation and other healthcare services within the SUS.

Keywords:
Therapeutic itinerary; Hospital discharge; Healthcare; Post-Covid condition

Introdução

A pandemia da Covid-19 é considerada o principal desafio de saúde pública desde a Segunda Guerra Mundial. Apesar da redução significativa de óbitos após o início da vacinação, os sobreviventes da infecção podem permanecer com sintomas persistentes por um tempo maior que 12 semanas após a fase aguda, desenvolvendo a condição pós-Covid. Com isso, a demanda por reabilitação entre esse segmento populacional emergiu como um novo cenário a ser enfrentado (Chakraborty; Maity, 2020CHAKRABORTY, I.; MAITY, P. COVID-19 outbreak: Migration, effects on society, global environment and prevention. Science of the Total Environment, v. 728, p. 138882, 2020.; Azevedo ., 2022AZEVEDO, H. M. J. et al. Persistência de sintomas e retorno ao trabalho após hospitalização por Covid-19. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 48, n. 6, p. e20220194, 2022.).

A reabilitação é um recurso interdisciplinar e de abordagem individualizada, que abrange as dimensões física, psicológica, social e ocupacional do indivíduo. É destinada aqueles com perda total, parcial, temporária ou permanente da funcionalidade (Gomes ., 2023GOMES, S. M. et al. Reabilitação física/funcional no Brasil: análise espaço-temporal da oferta no Sistema Único de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 2, p. 373-383, 2023.).

Estimava-se em todo o mundo que uma em cada três pessoas necessitasse de reabilitação em consequência de doenças ou lesões e, com isso, esperava-se ter em média 2,45 bilhões de indivíduos com dependência desse recurso. No entanto, esse número estimado se tornou ainda mais desafiador devido a diferentes complicações físicas, mentais, neurológicas, cognitivas, relativas à respiração e deglutição, apresentadas nos sobreviventes da Covid-19 (Imamura ., 2021IMAMURA, M. et al. Long COVID outpatient rehabilitation: a call for action Reabilitação ambulatorial da COVID longa: uma chamada à ação. Acta Fisiatr., v. 28, n. 4, p. 221-237, 2021.).

Nessa direção, estudo de coorte internacional demonstrou que 76% dos pacientes que foram hospitalizados em decorrência da Covid-19 persistiram após a alta com pelo menos uma manifestação clínica em média de seis meses após o início dos sintomas (Huang ., 2021HUANG, C. et al. 6-month consequences of COVID-19 in patients discharged from hospital: a cohort study. The Lancet, v. 397, n. 10270, p. 220-232, 2021.). Diante disso, a reabilitação pós-alta hospitalar passou a ser recomendada para melhorar a evolução e o prognóstico da doença entre os indivíduos com sintomas persistentes. Programas de reabilitação foram adaptados para atender esse público, resultando em melhorias promissoras nos resultados clínicos (Santana; Fontana; Pitta, 2021SANTANA, A. V.; FONTANA, A. D.; PITTA, F. Pulmonary rehabilitation after Covid-19. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 47, n. 1, e20210034, 2021.; Tozato ., 2021TOZATO, C. et al. Reabilitação cardiopulmonar em pacientes pós-Covid-19: série de casos. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 33, n. 1, p. 167-171, 2021.; Daynes ., 2021DAYNES, E. et al. Early experiences of rehabilitation for individuals post-COVID toimprove fatigue, breathlessness exercise capacity and cognition - A cohort study. Chronic respiratory disease, v. 18, p. 14799731211015691, 2021.).

Nesse contexto, os indivíduos com a condição pós-Covid que buscaram serviços para apoio e atendimento das suas necessidades construíram seus itinerários terapêuticos, através de todos os percursos realizados na busca por tratamento. Esses itinerários são capazes de revelar a autonomia dos sujeitos em fazer escolhas nas redes de saúde, bem como de demonstrar as dificuldades de acolhimento enfrentadas nesse processo (Nicaretta ., 2023NICARETTA, R. J. et al. Itinerário terapêutico de idosos vivendo com HIV/Aids: perspectivas da história oral. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 33, p. e33013, 2023.).

Sabe-se que, no cenário brasileiro, existem inúmeros obstáculos para garantir a assistência integral e contínua a população. Assim, antes da pandemia já se enfrentava limitações para garantir o acesso aos serviços de reabilitação e no contexto de ampliação das demandas da condição pós-Covid isso se tornou ainda mais complexo. Portanto, conhecer as dificuldades enfrentadas pelos usuários através dos percursos por eles vivenciados na busca por cuidados de saúde é crucial para garantir a efetivação dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) (Gomes ., 2023GOMES, S. M. et al. Reabilitação física/funcional no Brasil: análise espaço-temporal da oferta no Sistema Único de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 2, p. 373-383, 2023.; Fausto ., 2017FAUSTO, M. C. R. et al. Itinerários terapêuticos de pacientes com acidente vascular encefálico: fragmentação do cuidado em uma rede regionalizada de saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 17, p. 563-572, 2017.).

Tais evidências sinalizam que estudos acerca dos trajetos assistenciais de indivíduos com sintomas persistentes da Covid-19 podem ser uma ferramenta importante para possibilitar a compreensão das práticas de saúde e, assim, nortear o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas. Diante do exposto, objetivou-se analisar os itinerários terapêuticos de sobreviventes da Covid-19 pós-alta hospitalar.

Metodologia

Trata-se de um estudo qualitativo, pautado no método da história oral temática. Nesta modalidade, o olhar é centralizado nas discussões das vivências relatadas pelos narradores (Meihy; Holanda, 2018MEIHY, J. C. S. B.; HOLANDA, F. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 2018.).

O estudo foi realizado no período de novembro a dezembro de 2022, em um hospital público de referência para tratamento da Covid-19, no município de João Pessoa-PB. Entre os anos de 2020 e 2021, 605 usuários tiveram alta hospitalar após internação por Covid-19 no serviço em questão. Contudo, a amostra do estudo foi constituída por 10 indivíduos que, pós-alta hospitalar, apresentaram a condição pós-Covid e procuraram por cuidados. O fechamento amostral foi encerrado quando o critério de saturação teórica foi alcançado. Desse modo, quando o material empírico permitiu traçar um quadro compreensivo do objeto do estudo, houve a suspensão de inclusão de novos participantes (Fontanella; Ricas; Turato, 2008FONTANELLA, B. J. B.; RICAS, J.; TURATO, E. R. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, v. 24, n. 1, p. 17-27, 2008.).

Vale ressaltar que o Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME) da unidade hospitalar disponibilizou o número telefônico dos usuários incluídos no estudo. Desse modo, através de contato via ligação telefônica os sujeitos foram localizados e convidados a participar da pesquisa, em data/horário acordado previamente.

Para produção dos dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas individuais, via Google Meet, com duração média de 15 minutos. As entrevistas foram realizadas com base em um roteiro, indagando acerca da presença de demandas após a alta hospitalar, a busca por tratamento e o cuidado recebido, além de questionamentos acerca do perfil sociodemográfico, sendo gravadas, transcritas e submetidas ao método de Análise de Conteúdo (Bardin, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.). Durante as entrevistas, foi garantido o sigilo por meio de codificação, onde os sujeitos foram identificados pela letra E (Entrevistado), seguida do número da sequência das entrevistas (E1, E2...E10).

O referido estudo faz parte de um recorte de dissertação de mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Modelos de Decisão e Saúde, da Universidade Federal da Paraíba, tendo sido conduzido de acordo com os padrões éticos exigidos pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e autorizado pelo parecer consubstanciado de número 5.407.633.

Resultados e Discussão

No que se refere à caracterização da amostra, dos 10 sujeitos entrevistados, sete eram mulheres e três homens, com idade média de 49 anos e renda pessoal de até dois salários mínimos. Em relação a escolaridade, cinco possuíam ensino médio completo, dois tinham ensino superior completo, dois o ensino fundamental incompleto e um não era alfabetizado.

Com base na análise dos relatos obtidos nas entrevistas, foram construídas as seguintes categorias: Categoria 1 - Início do itinerário terapêutico: percepção das demandas pós-alta hospitalar; Categoria 2 - A caminhada em busca por cuidados: movimentos no itinerário terapêutico.

Categoria 1. Início do itinerário terapêutico: percepção das demandas pós-alta hospitalar

Os itinerários dos indivíduos foram desenhados a partir do momento de percepção das demandas após a alta hospitalar. Nessa premissa, sabe-se que a busca por uma terapêutica se inicia a partir da identificação de manifestações que provocam desconforto. Desse modo, essa percepção é fundamental para que o indivíduo procure por cuidados e tratamentos (Brustolin; Ferretti, 2017BRUSTOLIN, A.; FERRETTI, F. Itinerário terapêutico de idosos sobreviventes ao câncer. Acta Paulista de Enfermagem, v. 30, n. 1, p. 47-59, 2017.).

Entre as principais manifestações clínicas mais relatadas pelos entrevistados após a alta hospitalar, destacou-se a dispneia, que em algumas situações se manifestou simultaneamente com alterações cardíacas:

Fiquei com muita dificuldade de respirar e até para tomar banho tinha que ficar sentada. Eu estou falando com você agora, mas já estou me sentindo cansada (E1).

Depois da alta, ainda fiquei um tempo com falta de ar e com o coração meio acelerado. Qualquer caminhada que eu dava ficava muito cansado (E2).

Depois da alta eu tive falta de ar e ainda estou assim (E4).

Eu voltei do hospital ainda com um pouco de falta de ar, cansada e sentindo uma dor no peito (E6).

Diversos estudos apontam a dispneia como um dos principais sintomas presentes em indivíduos afetados pela Covid-19. Entretanto, não se sabe ao certo porque os indivíduos podem persistir a longo prazo com essa manifestação. Acredita-se que a maior parte dos sintomas pós-Covid estão relacionados a própria toxicidade do vírus, a alterações no sistema imune e devido à resposta inflamatória sistêmica viral (Ferreira; Oliveira, 2021FERREIRA, E. V. M.; OLIVEIRA, R. K. F. Mecanismos de intolerância ao exercício após COVID-19: novas perspectivas além do descondicionamento físico. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 47, n. 5, e20210406, 2021.).

A presença de limitações musculoesqueléticas também foi descrita durante as entrevistas e demonstrou afetar a execução das atividades de vida diária dos indivíduos. As principais limitações apresentadas foram dificuldade de deambular e falta de resistência:

Fiquei com dificuldade de andar (E1).

Logo após a alta eu me senti muito fraca. Eu não conseguia andar (E4).

O que mais me incomoda é a falta de resistência, antes eu era muito ativo (E5).

Fiquei sem poder andar. Eu só levantava para fazer as refeições e para tomar banho, porque eu sentia um peso. Eu fiquei sem forças e por exemplo, não tenho mais pique para limpar a minha casa (E7).

Pode-se afirmar que episódios de fraqueza muscular e redução da função física após a alta hospitalar são esperados em indivíduos submetidos a internação prolongada. Esses comprometimentos abrangem principalmente aqueles que necessitam de ventilação mecânica na UTI - Unidade de Terapia Intensiva (Silva; Santos, 2019SILVA, P. B.; SANTOS, L.J. Funcionalidade e velocidade da caminhada de pacientes após alta da unidade de terapia intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 31, n.4, p. 529-535, 2019.).

Nessa premissa, a assistência fisioterapêutica frente a essas manifestações clínicas é fundamental, já que através de ações de reabilitação respiratória e motora é possível melhorar a capacidade pulmonar e recuperar a funcionalidade dos indivíduos (Souza; Ferreira; Souza, 2021SOUZA, J.C.; FERREIRA, J. S; SOUZA, G. R. M. Reabilitação funcional para pacientes acometidos por covid-19. Revista Cuidarte, v. 12, n. 3, p. e2276, 2021.). Somado a isso, o encaminhamento para pneumologista passou a ser recomendado para aqueles com dispneia ou tosse persistente após 12 semanas do quadro agudo da Covid-19 (Brasil, 2022).

A presença de insônia também foi comum entre os entrevistados e, segundo os relatos apresentados, essa sintomatologia propiciou amplos impactos no processo de qualidade de vida:

Eu não sinto sono, antes da internação eu dormia bem (E1).

Eu já tinha problema de insônia e depois da Covid fiquei pior ainda. Só o fato de não dormir direito acaba comigo. Eu não consigo mais dormir, eu amanheço o dia acordada (E6).

Eu não dormia no hospital e quando cheguei em casa também não consegui dormir. Mesmo em casa ainda fiquei ouvindo os barulhos dos aparelhos da UTI. É perturbador demais e a pessoa não consegue relaxar. De vez em quando preciso tomar medicação para dormir (E7).

Sabe-se que o sono é uma atividade fisiológica imprescindível para a qualidade de vida do indivíduo, sendo capaz de interferir no bem-estar físico e mental. Nos últimos anos, os principais fatores associados a ocorrência de distúrbios do sono nos países desenvolvidos estão relacionados a infecção pelo Covid-19 (Telles; Voos, 2021TELLES, S. L.; VOOS, M. C. Distúrbios do sono durante a pandemia de COVID-19. Fisioter. Pesq., v. 25, n. 2, p. 124-125, 2021.).

Acredita-se que existe relação entre a Covid-19 e a alteração do ciclo sono-vigília. Desse modo, mesmo após a alta hospitalar, os pacientes podem apresentar alterações do sono pelo menos durante quatro meses. Essas manifestações surgem principalmente entre aqueles com maior gravidade da doença (Lins-Filho; Pedrosa, 2022).

Vale ressaltar, também, que a estrutura física, o barulho e os equipamentos presentes na UTI favorecem o desenvolvimento de estresse e privação do sono entre os pacientes. Somam-se a isso, sentimentos de medo e ansiedade que são comuns em pacientes críticos internados neste setor (Bitencourt ., 2007BITENCOURT, A. G. V. et al. Análise de estressores para o paciente em Unidade de Terapia Intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 19, n. 1, p. 53-59, 2007.). Desse modo, o encaminhamento para equipes de saúde mental passou a ser recomendado para aqueles com episódios depressivos, de ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático relacionados a Covid-19 (Brasil, 2022).

Em relação à insônia, a literatura aponta a terapia cognitivo-comportamental como o principal tratamento de escolha, podendo ser realizada presencialmente ou através de plataformas digitais (Telles; Voos, 2021TELLES, S. L.; VOOS, M. C. Distúrbios do sono durante a pandemia de COVID-19. Fisioter. Pesq., v. 25, n. 2, p. 124-125, 2021.). Contudo, existem algumas limitações para uso dessa modalidade terapêutica, devido à escassez de psicólogos qualificados para a sua aplicabilidade. Assim, o tratamento também pode ser farmacológico, devendo o neurologista prescrever o melhor regime terapêutico conforme a necessidade clínica de cada paciente (Pentagna; Castro; Conway, 2022PENTAGNA, A.; CASTRO, L. H. M; CONWAY, B. A. What’s new in insomnia? Diagnosis and treatment. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 80, p. 307-312, 2022.).

Além disso, os resultados também mostraram efeitos da Covid-19 nas funções cerebrais após a fase aguda da infecção. Assim, alguns dos entrevistados relataram ter apresentado perda da memória após a alta hospitalar:

Assim que eu saí do hospital não conhecia mais ninguém. Eu tive muito esquecimento (E1).

Eu fiquei com um esquecimento terrível. Muito esquecida das coisas (E7).

O meu juízo foi embora. Fiquei pior que antes e esquecendo tudo (E8).

Estudo desenvolvido por Hugon . (2022HUGON, J. et al. Long COVID: cognitive complaints (brain fog) and dysfunction of the cingulate cortex. Journal of Neurology, v. 269, n. 1, p. 44-46, 2022.) sugeriu que os déficits episódicos de memória após a infecção aguda por Covid-19 podem estar relacionados à disfunção do córtex cingulado, envolvido em diversas funções cognitivas. No entanto, outros achados na literatura apontam que as alterações cognitivas possuem associação com a hipóxia e ao perfil inflamatório causados pelo SARS-CoV-2 (Santana ., 2023SANTANA, W. C. et al. Manifestações clínicas e repercussões dos sintomas prolongados e sequelas pós-COVID-19 em homens: netnografia. Acta Paulista de Enfermagem, v. 36, p. eAPE018532, 2023.). Vale ressaltar que, além dos problemas de memória, outros sintomas como confusão mental e distúrbios de atenção também são bastante comuns nesse público (Premraj ., 2022PREMRAJ, L. et al. Mid and long-term neurological and neuropsychiatric manifestations of post-COVID-19 syndrome: A meta-analysis. Journal of the neurological sciences, v. 434, p. 120162, 2022.).

Diante disso, os terapeutas ocupacionais desempenham papel fundamental no manejo do comprometimento cognitivo de pacientes nessa condição. As atividades de reabilitação desenvolvida por estes profissionais abrangem memória, atenção e habilidades de funcionamento executivo. Essas atividades são fundamentais e capazes de auxiliar o retorno gradual dos sobreviventes da Covid-19 as atividades laborais (Parker ., 2021PARKER, A. M. et al. Addressing the post-acute sequelae of SARS-CoV-2 infection: a multidisciplinary model of care. The Lancet Respiratory Medicine, v. 9, n. 11, p. 1328-1341, 2021.). Ademais, de acordo com os tipos de alterações cognitivas apresentadas, os indivíduos também podem ser encaminhados para a especialidade médica de Neurologia (Brasil, 2022).

Além da ampla variedade dos sintomas da condição pós-Covid, os relatos das entrevistas permitiram identificar o desenvolvimento de comorbidades após a alta hospitalar entre os sujeitos, principalmente a ocorrência de diabetes mellitus, hipertensão arterial e problemas cardíacos:

Depois da internação, eu não tive mais saúde. Fiquei com diabetes, hipertensão e arritmia (E1).

Eu fiquei pré-diabética. Tudo que eu sentia vontade de comer me dava medo e eu já pensava que teria que me internar novamente (E3).

Eu fiquei diabética e com o colesterol muito alto. Descobri que também fiquei com um problema na valva mitral (E6).

Minhas taxas ficaram lá em cima. A glicose ficou muito alta e antes não era assim. Eu também fiquei com duas lesões no coração (E7).

A minha pressão ficou muito alta e tive que ficar tomando medicação (E10).

A hiperglicemia de início recente e resistência à insulina é comum em alguns pacientes que tiveram Covid-19, sem histórico de diabetes. Acredita-se que o novo coronavírus é capaz de provocar a diminuição da secreção do hormônio insulina, através de ligações que realiza entre os receptores da enzima conversora de angiotensina 2 nas células pancreáticas. Contudo, não se sabe ao certo se essas alterações influenciam o desenvolvimento de diabetes persistente. Assim sendo, novos estudos precisam ser desenvolvidos para compreender se o diabetes pode ser revertido após a recuperação completa do indivíduo (Ribeiro ., 2022RIBEIRO, T. S. et al. Comunicação em saúde sobre COVID-19 e Diabetes Mellitus em mídias sociais: verdadeiro e falso. Escola Anna Nery, v. 26, p. e20210358, 2022.; Rathmann; Kuss; Kostev, 2022RATHMANN, W.; KUSS, O.; KOSTEV, K. Incidence of newly diagnosed diabetes after Covid-19. Diabetologia, v. 65, n. 6, p. 949-954, 2022.).

A hipertensão arterial por sua vez, pode se desenvolver em pacientes com Covid-19 e se tornar consequentemente uma sequela. Isso pode acontecer em virtude do aumento da sinalização de Angiotensina 2 através da ação do SARS-CoV-2, que propicia desequilíbrio no sistema renina-angiotensina e consequentemente aumento dos níveis pressóricos (Chen et al., 2022).

Diante do exposto, alguns pacientes passaram a necessitar de acompanhamento nutricional para a promoção de uma alimentação saudável e manejo adequado de comorbidades descompensadas (Brasil, 2022).

Ademais, diversas complicações cardiovasculares são descritas na literatura em indivíduos que tiveram Covid-19, incluindo arritmias, miocardite e insuficiência cardíaca. Os danos ao sistema cardiovascular apresentam causas multifatoriais e estão relacionados a lesões cardíacas direta do vírus, resposta inflamatória sistêmica exacerbada e fenômenos tromboembólicos (Pimentel ., 2021PIMENTEL, M. et al. Arritmias Cardíacas em Pacientes com Covid-19. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 117, n.5, p. 1010-1015, 2021). Nessas situações, o encaminhamento dos pacientes para a especialidade médica de Cardiologia tornou-se fundamental (Brasil, 2022).

Categoria 2. A caminhada em busca por cuidados: movimentos no itinerário terapêutico

Através da análise dos itinerários, foi possível compreender como se deram as buscas por cuidados, os fatores que influenciaram, direcionaram e motivaram as escolhas dos sujeitos.

Nessa vertente, identificou-se que, na ocasião da alta hospitalar, alguns pacientes receberam encaminhamento padrão médico para reabilitação ou recomendações verbais de outros profissionais de saúde para a busca por cuidados. Por outro lado, alguns usuários realizaram a procura por assistência de maneira independente:

Após a alta, a médica do hospital me entregou um encaminhamento para que eu pudesse fazer reabilitação (E9).

Quando eu tive alta do hospital, eles me orientaram buscar um fisioterapeuta caso eu apresentasse algum desconforto (E4).

Quando eu saí do hospital, as fisioterapeutas de lá me incentivaram a procurar outro fisioterapeuta para continuar me atendendo (E7).

Eu não recebi encaminhamento e nenhuma orientação. Por vontade própria procurei os profissionais para iniciar a reabilitação (E1).

Não recebi nenhum encaminhamento no hospital (E2).

O manejo inicial dos pacientes na condição pós-Covid pode ser realizado na Atenção Primária a Saúde (APS), mas em alguns casos faz-se necessário o encaminhamento para serviços de reabilitação, de modo a otimizar os recursos disponíveis na Rede de Atenção Especializada (RAS). Idealmente, a necessidade de encaminhamento deve ser avaliada na ocasião da alta hospitalar e direcionada às manifestações clínicas apresentadas por cada paciente (Brasil, 2022).

Entretanto, os profissionais de saúde responsáveis pelo preparo dos usuários para a alta hospitalar nem sempre possibilitam a continuidade da assistência de saúde extramuros hospitalares, decorrendo em altas sem orientações oportunas aos clientes e seus familiares. Desse modo, mudanças são necessárias para que se tenha maior agilização no encaminhamento de usuários que necessitam de reabilitação ou de outros cuidados após a alta, haja vista que a integração de serviços através de redes assistenciais é imprescindível (Machado ., 2016MACHADO, W. C. A. et al. Alta hospitalar de clientes com lesão neurológica incapacitante: impreteríveis encaminhamentos para reabilitação. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 3161-3170, 2016.).

Sabe-se também que a rede de apoio social dos indivíduos é fundamental para fortalecer a procura por cuidados de saúde. O termo “rede de apoio social” pode ser definido como a soma de todas as relações que o indivíduo considera significativa ou diferenciada dentro da sociedade (Faquinello; Marcon, 2011FAQUINELLO, P.; MARCON, S.S. Amigos e vizinhos: uma rede social ativa para adultos e idosos hipertensos. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 45, n. 6, p. 1345-1352, 2011.). No estudo, além da influência de profissionais de saúde, familiares e amigos participaram efetivamente desse processo:

Minha filha me incentivou. O fisioterapeuta era colega da minha filha e ela falou com ele para me atender. O psicólogo também era conhecido da minha filha (E1).

Um amigo me indicou ir para a clínica (E2).

A minha filha tem uma conhecida que o marido tinha passado pelo mesmo processo que o meu. Aí então ela tinha o telefone da fisioterapeuta e passou para minha filha. Depois minha filha ligou para a fisioterapeuta (E6).

Percebe-se, então, que a busca por tratamento é influenciada pelas relações sociais do sujeito e as circunstâncias que ele se encontra. Sendo assim, os itinerários são desenhados por cada usuário sem normas preestabelecidas. As principais redes de apoio para os itinerários dos usuários são a família e os serviços de saúde. O suporte familiar, por sua vez, é um importante influenciador para a busca de tratamento entre os indivíduos, já que a família interfere diretamente na tomada de decisões terapêuticas dos usuários, como também na maioria das vezes é o principal agente do cuidado (Demétrio; Santana; Pereira-Santos, 2019; Prudêncio, 2017PRUDÊNCIO, L. S. Itinerários terapêuticos de quilombolas: um olhar bioético sobre a atenção e o cuidado à saúde. 2017. 273 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.).

De acordo com as manifestações clínicas apresentadas pós-alta hospitalar, os sobreviventes da Covid-19 podem necessitar de reabilitação, bem como de outros cuidados de saúde. No estudo, a atuação dos fisioterapeutas apresentou destaque frente ao processo de reabilitação da função motora e pulmonar. Da mesma forma, para sanar as demais demandas de saúde, alguns pacientes também procuraram assistência de outros profissionais.

Nessa premissa, a literatura aponta que as equipes de reabilitação devem ter caráter interdisciplinar e incluir enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacional, fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas (Trombetta ., 2015TROMBETTA, A. P. et al. Experiências da equipe de centro de reabilitação real do trabalho como questão ética. Escola Anna Nery, v. 19, n. 3, p. 446-453, 2015.). No entanto, é importante destacar que os entrevistados não participaram de programas de reabilitação abrangente. Com isso, apesar de todos apresentarem mais de uma demanda, o acesso de cuidados por especialidade aconteceu de maneira fragmentada e individualizada, isto é, não houve interação entre os profissionais envolvidos nesse processo.

Evidencia-se, ainda, que as práticas de cuidados para essa população têm sido baseadas na opinião de especialistas e em estudos preliminares que abrangem a reabilitação de sobreviventes de doenças críticas (Santana; Fontana; Pitta, 2021SANTANA, A. V.; FONTANA, A. D.; PITTA, F. Pulmonary rehabilitation after Covid-19. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 47, n. 1, e20210034, 2021.). Faz-se necessário, assim, desenvolver protocolos que direcionem a prática clínica dos profissionais de saúde frente à reabilitação de pessoas na condição pós-Covid, para que a assistência prestada seja amplamente assertiva e eficaz (Dors ., 2023DORS, J. B. et al. Construção do conhecimento sobre as condições pós-covid: contribuições da equipe multiprofissional da atenção especializada. Revista Foco, v. 16, n. 11, p. e3375-e3375, 2023.).

De modo geral, os entrevistados realizaram percursos semelhantes na fase de busca por cuidados. A maioria teve que custear os cuidados recebidos e os atendimentos aconteceram no domicílio e/ou de maneira presencial em clínicas da rede privada:

Quando eu tive alta procurei um fisioterapeuta particular e ele veio fazer atendimento na minha casa. Depois procurei um psicólogo e ele também me atendeu em casa. Em seguida eu procurei um cardiologista em uma clínica particular (E1).

Quando eu tive alta procurei uma clínica particular para me tratar com o fisioterapeuta (E2).

Após a alta eu procurei um fisioterapeuta e ele veio fazer o atendimento aqui em casa e tive que pagar. Também fui para um cardiologista e uma nutricionista em um consultório particular. Depois disso, procurei um educador físico e ele me atendeu na academia do condomínio do prédio que moro (E3).

Assim que tive alta eu liguei para a clínica e o fisioterapeuta de lá veio me atender em casa. Depois fui para outra clínica para ser acompanhada por um cardiologista e um endocrinologista. Eu paguei todos os atendimentos (E6).

Minha irmã é fisioterapeuta e assim que tive alta ela veio me atender em casa. Depois fui para uma nutricionista em uma clínica particular, por causa das minhas taxas (E7).

As trajetórias assistenciais dos usuários na rede pública de saúde aconteceram em menor proporção, tanto na Estratégia de Saúde da Família (ESF), como na Atenção Especializada:

Na verdade, quando eu percebi os sintomas fui no posto de saúde e conversei com o médico de lá. Aí médico disse que eu tinha que fazer fisioterapia e lá mesmo fiquei fazendo, mas tive que interromper o tratamento porque o serviço foi interditado. Depois disso, não recebi nenhuma assistência e nem me procuraram (E4).

Depois da alta, meu pai foi no centro de reabilitação que tem aqui no município e levou o encaminhamento que recebi da médica no hospital. Aí fez o agendamento e o fisioterapeuta de lá veio me atender em casa. Foi tudo pelo SUS (E9).

Em síntese, os resultados do estudo denotam que quando os usuários necessitam de assistência à saúde imediata e não encontram alternativas viáveis pelo SUS, são coagidos a buscar a rede privada.

Ademais, a fala de E4 reforça que a maioria dos serviços públicos de saúde no Brasil são marcados pela fragmentação e descontinuidade assistencial. De modo geral, a irracionalidade gerencial faz com que os serviços se responsabilizem pelos usuários apenas quando eles estão dentro dos seus espaços físicos. Entretanto, a ESF configura-se como porta de entrada do sistema de saúde e necessita ser acessível e resolutiva frente as necessidades individuais da população (Oliveira; Pereira, 2013OLIVEIRA, M. A. C.; PEREIRA, I. C. Atributos essenciais da atenção primária e a estratégia saúde da família. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 66, p. 158-164, 2013.).

É importante elencar que o acesso e a continuidade do cuidado, embora apresentem conceitos diferentes, estão intimamente interligados, tendo em vista que, para a produção contínua do cuidado, faz-se necessário que o indivíduo consiga obter o serviço de saúde no momento que necessita de atendimento (Silva ., 2020SILVA, V. A. et al. Acesso à fisioterapia de crianças e adolescentes com deficiência física em instituições públicas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 7, p. 285-2870, 2020.). Todavia, a continuidade do cuidado é imprescindível para que a assistência à saúde seja clinicamente eficaz e econômica. Em contrapartida, a descontinuidade do cuidado coloca a saúde do indivíduo em risco e pode provocar custos evitáveis para o sistema de saúde e para a assistência social (Utzumi ., 2018UTZUMI, F. C. et al. Continuidade do cuidado e o interacionismo simbólico: um entendimento possível. Texto & Contexto-Enfermagem, v. 27, n. 2, e4250016, 2018.).

Vale ressaltar que, desde a implantação da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no SUS, no ano de 2012, o principal ponto de atenção para reabilitação são os Centros Especializados em Reabilitação (CERs). Esses serviços trabalham de maneira interdisciplinar, visando promover autonomia e independência entre a população com deficiência temporária ou permanente; regressiva, progressiva ou estável (Campos; Souza; Mendes, 2015CAMPOS, M. F.; SOUZA, L. A. P.; MENDES, V. L. F. A rede de cuidados do Sistema Único de Saúde à saúde das pessoas com deficiência. Interface, v. 19, n. 52, p. 207-210, 2015.).

No estudo, o acesso a reabilitação domiciliar apresentou amplo destaque e passou a ser uma alternativa relevante durante a pandemia viral, evitando a necessidade de deslocamento e o risco de uma nova reinfecção em serviços de saúde com atendimento presencial, principalmente entre aqueles mais debilitados (Santana; Fontana; Pitta, 2021SANTANA, A. V.; FONTANA, A. D.; PITTA, F. Pulmonary rehabilitation after Covid-19. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 47, n. 1, e20210034, 2021.).

É importante destacar que, no início da pandemia, os serviços públicos de reabilitação não estavam preparados para atender às demandas dos sobreviventes da Covid-19 e começaram a se organizar ao longo do tempo, quando os estudos acerca da condição pós-Covid se intensificaram.

Todavia, reconhece-se que em diferentes cenários o acesso à reabilitação na rede pública é marcado por inúmeras barreiras, em que os usuários são submetidos a tempo excessivo de espera entre solicitação e agendamento dos atendimentos. Nesse contexto, os resultados de um estudo desenvolvido em Campo Grande-MS evidenciaram que 1.424 usuários do SUS estavam com demanda reprimida, aguardando acesso aos serviços ambulatoriais de fisioterapia. Esses dados são preocupantes e demonstram que a reabilitação ainda é um tema de baixa prioridade, refletindo na oferta insuficiente de serviços (Pereira ., 2022PEREIRA, A. G. et al. Agendamento, tempo de espera, absenteísmo e demanda reprimida na atenção fisioterapêutica ambulatorial. Fisioterapia em Movimento, v. 35, e35113, 2022.).

Considera-se que a condição pós-Covid é um problema de saúde pública e, com isso, o SUS necessita estar preparado para atender às demandas de reabilitação entre essa população. Desse modo, além de profissionais qualificados para uma assistência efetiva, é fundamental que os serviços de reabilitação da rede pública disponham de vagas suficientes em tempo oportuno.

A oferta de cuidados de reabilitação no âmbito do SUS reflete um futuro preocupante, tornando imprescindível o desenvolvimento imediato de ações governamentais políticas e econômicas, haja vista que as necessidades de saúde impostas pela condição pós-Covid sobrecarregaram ainda mais o sistema, que, por sua vez, já apresentava o represamento de outras demandas (Suda; Mota; Bousquat, 2023SUDA, B. T. R.; MOTA, P. H. S.; BOUSQUAT, A. Centros Especializados em Reabilitação (CER) no SUS e o impacto da pandemia de covid-19. Revista de Saúde Pública, v. 57, p. 1-12, 2023.).

Ainda não se conhecem ao certo todos os impactos a longo prazo proporcionados pela Covid-19 na saúde da população. Assim, não é possível mensurar até quando os indivíduos com demandas podem a vir necessitar de cuidados de saúde, fazendo-se necessário desenvolver estudos longitudinais para esclarecer essas lacunas e assim nortear o desenvolvimento de políticas públicas, que possibilitem a reorganização dos serviços de saúde frente a essa realidade.

Conclusão

Neste estudo, os itinerários dos sobreviventes da Covid-19 perpassaram tanto os níveis de atenção do SUS, como pela rede privada, e foram construídos conforme as possibilidades do usuário e disponibilidade do sistema. Ademais, foi possível identificar que a rede de apoio social dos indivíduos apresentou bastante influência no processo de busca por cuidados.

Devido à variedade de demandas pós-alta hospitalar, foi comum que os pacientes necessitassem de acompanhamento com diversas especialidades, bem como de reabilitação, sendo o acesso a este recurso bastante limitado na rede pública de saúde. Nesse contexto, os resultados desta pesquisa despertam a necessidade de desenvolver estratégias que garantam o acesso adequado de indivíduos na condição pós-Covid à reabilitação no âmbito do SUS, bem como podem subsidiar o processo de tomada de decisão dos gestores.

Esta pesquisa limitou-se a estudar os itinerários dos sobreviventes da Covid-19 que receberam assistência pós-alta hospitalar, mas questiona-se sobre aqueles que porventura apresentaram demandas e não conseguiram acesso à reabilitação ou a outros cuidados de saúde, seja por falta de encaminhamento, devido a fatores socioeconômicos e de disponibilidade do serviço. Desse modo, esta investigação abre espaço para estudos complementares.11 V. P. de O. Silva: concepção e projeto; obtenção de dados; análise e interpretação dos dados; redação do artigo; aprovação final da versão a ser publicada. K. S. Q. S. Ribeiro, S. M. M. dos S. Andrade e G. E. G. de Brito: redação do artigo; análise e interpretação dos dados; aprovação final da versão a ser publicada. L. V. C. Gomes: análise e interpretação dos dados; redação do artigo. H. F. C. Coelho: análise e interpretação dos dados; aprovação final da versão a ser publicada.

Agradecimentos

Agradecemos à CAPES, pelo apoio financeiro.

Referências

  • AZEVEDO, H. M. J. et al. Persistência de sintomas e retorno ao trabalho após hospitalização por Covid-19. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 48, n. 6, p. e20220194, 2022.
  • BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.
  • BITENCOURT, A. G. V. et al. Análise de estressores para o paciente em Unidade de Terapia Intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 19, n. 1, p. 53-59, 2007.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Manual para avaliação e manejo de condições pós-covid na Atenção Primária à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2022.
  • BRUSTOLIN, A.; FERRETTI, F. Itinerário terapêutico de idosos sobreviventes ao câncer. Acta Paulista de Enfermagem, v. 30, n. 1, p. 47-59, 2017.
  • CAMPOS, M. F.; SOUZA, L. A. P.; MENDES, V. L. F. A rede de cuidados do Sistema Único de Saúde à saúde das pessoas com deficiência. Interface, v. 19, n. 52, p. 207-210, 2015.
  • CHAKRABORTY, I.; MAITY, P. COVID-19 outbreak: Migration, effects on society, global environment and prevention. Science of the Total Environment, v. 728, p. 138882, 2020.
  • CHEN, G. et al. Hypertension as a sequela in patients of SARS-CoV-2 infection. PLoS One, v. 16, n. 4, p. e0250815, 2021.
  • DAYNES, E. et al. Early experiences of rehabilitation for individuals post-COVID toimprove fatigue, breathlessness exercise capacity and cognition - A cohort study. Chronic respiratory disease, v. 18, p. 14799731211015691, 2021.
  • DEMÉTRIO, F.; SANTANA, E. R.; PEREIRA-SANTOS, M. O itinerário terapêutico no Brasil: revisão sistemática e metassíntese a partir das concepções negativa e positiva de saúde. Saúde em Debate, v. 43, p. 204-221, 2020.
  • DORS, J. B. et al. Construção do conhecimento sobre as condições pós-covid: contribuições da equipe multiprofissional da atenção especializada. Revista Foco, v. 16, n. 11, p. e3375-e3375, 2023.
  • FAQUINELLO, P.; MARCON, S.S. Amigos e vizinhos: uma rede social ativa para adultos e idosos hipertensos. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 45, n. 6, p. 1345-1352, 2011.
  • FAUSTO, M. C. R. et al. Itinerários terapêuticos de pacientes com acidente vascular encefálico: fragmentação do cuidado em uma rede regionalizada de saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 17, p. 563-572, 2017.
  • FERREIRA, E. V. M.; OLIVEIRA, R. K. F. Mecanismos de intolerância ao exercício após COVID-19: novas perspectivas além do descondicionamento físico. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 47, n. 5, e20210406, 2021.
  • FONTANELLA, B. J. B.; RICAS, J.; TURATO, E. R. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, v. 24, n. 1, p. 17-27, 2008.
  • GOMES, S. M. et al. Reabilitação física/funcional no Brasil: análise espaço-temporal da oferta no Sistema Único de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 2, p. 373-383, 2023.
  • HUANG, C. et al. 6-month consequences of COVID-19 in patients discharged from hospital: a cohort study. The Lancet, v. 397, n. 10270, p. 220-232, 2021.
  • HUGON, J. et al. Long COVID: cognitive complaints (brain fog) and dysfunction of the cingulate cortex. Journal of Neurology, v. 269, n. 1, p. 44-46, 2022.
  • IMAMURA, M. et al. Long COVID outpatient rehabilitation: a call for action Reabilitação ambulatorial da COVID longa: uma chamada à ação. Acta Fisiatr., v. 28, n. 4, p. 221-237, 2021.
  • LINS-FILHO, O.; PEDROSA, R. P. O impacto da Covid-19 no sono e no ritmo circadiano. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 48, n.3, p. e20220191, 2022.
  • MACHADO, W. C. A. et al. Alta hospitalar de clientes com lesão neurológica incapacitante: impreteríveis encaminhamentos para reabilitação. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 3161-3170, 2016.
  • MEIHY, J. C. S. B.; HOLANDA, F. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 2018.
  • NICARETTA, R. J. et al. Itinerário terapêutico de idosos vivendo com HIV/Aids: perspectivas da história oral. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 33, p. e33013, 2023.
  • OLIVEIRA, M. A. C.; PEREIRA, I. C. Atributos essenciais da atenção primária e a estratégia saúde da família. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 66, p. 158-164, 2013.
  • PARKER, A. M. et al. Addressing the post-acute sequelae of SARS-CoV-2 infection: a multidisciplinary model of care. The Lancet Respiratory Medicine, v. 9, n. 11, p. 1328-1341, 2021.
  • PENTAGNA, A.; CASTRO, L. H. M; CONWAY, B. A. What’s new in insomnia? Diagnosis and treatment. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 80, p. 307-312, 2022.
  • PEREIRA, A. G. et al. Agendamento, tempo de espera, absenteísmo e demanda reprimida na atenção fisioterapêutica ambulatorial. Fisioterapia em Movimento, v. 35, e35113, 2022.
  • PIMENTEL, M. et al. Arritmias Cardíacas em Pacientes com Covid-19. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 117, n.5, p. 1010-1015, 2021
  • PREMRAJ, L. et al. Mid and long-term neurological and neuropsychiatric manifestations of post-COVID-19 syndrome: A meta-analysis. Journal of the neurological sciences, v. 434, p. 120162, 2022.
  • PRUDÊNCIO, L. S. Itinerários terapêuticos de quilombolas: um olhar bioético sobre a atenção e o cuidado à saúde. 2017. 273 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.
  • RATHMANN, W.; KUSS, O.; KOSTEV, K. Incidence of newly diagnosed diabetes after Covid-19. Diabetologia, v. 65, n. 6, p. 949-954, 2022.
  • RIBEIRO, T. S. et al. Comunicação em saúde sobre COVID-19 e Diabetes Mellitus em mídias sociais: verdadeiro e falso. Escola Anna Nery, v. 26, p. e20210358, 2022.
  • SANTANA, A. V.; FONTANA, A. D.; PITTA, F. Pulmonary rehabilitation after Covid-19. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 47, n. 1, e20210034, 2021.
  • SANTANA, W. C. et al. Manifestações clínicas e repercussões dos sintomas prolongados e sequelas pós-COVID-19 em homens: netnografia. Acta Paulista de Enfermagem, v. 36, p. eAPE018532, 2023.
  • SILVA, P. B.; SANTOS, L.J. Funcionalidade e velocidade da caminhada de pacientes após alta da unidade de terapia intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 31, n.4, p. 529-535, 2019.
  • SILVA, V. A. et al. Acesso à fisioterapia de crianças e adolescentes com deficiência física em instituições públicas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 7, p. 285-2870, 2020.
  • SOUZA, J.C.; FERREIRA, J. S; SOUZA, G. R. M. Reabilitação funcional para pacientes acometidos por covid-19. Revista Cuidarte, v. 12, n. 3, p. e2276, 2021.
  • SUDA, B. T. R.; MOTA, P. H. S.; BOUSQUAT, A. Centros Especializados em Reabilitação (CER) no SUS e o impacto da pandemia de covid-19. Revista de Saúde Pública, v. 57, p. 1-12, 2023.
  • TELLES, S. L.; VOOS, M. C. Distúrbios do sono durante a pandemia de COVID-19. Fisioter. Pesq., v. 25, n. 2, p. 124-125, 2021.
  • TOZATO, C. et al. Reabilitação cardiopulmonar em pacientes pós-Covid-19: série de casos. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 33, n. 1, p. 167-171, 2021.
  • TROMBETTA, A. P. et al. Experiências da equipe de centro de reabilitação real do trabalho como questão ética. Escola Anna Nery, v. 19, n. 3, p. 446-453, 2015.
  • UTZUMI, F. C. et al. Continuidade do cuidado e o interacionismo simbólico: um entendimento possível. Texto & Contexto-Enfermagem, v. 27, n. 2, e4250016, 2018.

  • 1
    V. P. de O. Silva: concepção e projeto; obtenção de dados; análise e interpretação dos dados; redação do artigo; aprovação final da versão a ser publicada. K. S. Q. S. Ribeiro, S. M. M. dos S. Andrade e G. E. G. de Brito: redação do artigo; análise e interpretação dos dados; aprovação final da versão a ser publicada. L. V. C. Gomes: análise e interpretação dos dados; redação do artigo. H. F. C. Coelho: análise e interpretação dos dados; aprovação final da versão a ser publicada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2023
  • Revisado
    17 Jan 2024
  • Aceito
    16 Mar 2024
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: publicacoes@ims.uerj.br