“Cuidados redobrados com a criança”? Reflexões sobre a ciência do vírus Zika (Recife-PE)

Thais Valim Soraya Fleischer Sobre os autores

Resumo

Em 2015, o Brasil foi palco de um evento que despertou a atenção global: a epidemia do vírus da Zika. Esse patógeno chegou aos trópicos trazendo consigo uma novidade para a literatura médica do Zika: o nascimento de crianças com alterações no desenvolvimento fetal oriundas da transmissão vertical do vírus para os fetos. O fenômeno, que foi enquadrado como uma emergência em saúde, passou a ser amplamente estudado e inúmeras pesquisas foram desenvolvidas com as crianças nascidas com alterações associadas ao vírus Zika. Este artigo analisa um conjunto de entrevistas conduzidas em 2022 com cientistas que estiveram diretamente envolvidas na resposta a essa epidemia na Região Metropolitana de Recife. Como as pesquisas foram majoritariamente realizadas com crianças, refletimos, aqui, como essa característica atravessou o fazer científico das pesquisadoras envolvidas. O objetivo principal é promover discussões mais amplas sobre o ato de fazer pesquisa em termos de urgência, direcionando questões acerca das relações científicas, sobretudo entre pesquisadores e participantes (as pesquisadoras do Zika e as crianças diagnosticadas com a síndrome). Um segundo objetivo é pensar como a Antropologia da Criança pode encontrar um terreno fértil de diálogo com outras áreas que se debruçam sobre crianças e as infâncias.

Palavras-Chave:
Ética em pesquisa; Crianças; Zika Vírus; Recife

Para abrir…

O ano de 2015 foi palco de um evento que colocou o Brasil sob foco da atenção global: a epidemia do vírus da Zika. Esse patógeno, originalmente identificado em Uganda no ano de 1947 (Vargas ., 2016VARGAS, A. et al. Características dos primeiros casos de microcefalia possivelmente relacionados ao vírus Zika notificados na Região Metropolitana de Recife, Pernambuco. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 25, n. 5, p. 691-700, 2016.), chegou aos trópicos trazendo consigo uma novidade nunca antes registrada na literatura médica, a saber, o nascimento de crianças com alterações no desenvolvimento fetal oriundos da transmissão vertical do vírus para os fetos. Esse quadro, inicialmente conhecido pela manifestação clínica da microcefalia, se estabilizou na literatura científica como a síndrome congênita do vírus da Zika (SCVZ).

Os recém-nascidos diagnosticados com a SCVZ11A correlação entre a infecção pelo vírus da Zika e o nascimento de crianças com microcefalia e outras alterações congênitas foi o resultado de um intenso processo de investigação que está bem descrito em Diniz (2016) e Löwy (2019). apresentavam um quadro de múltiplas deficiências que envolviam desde alterações neurológicas até manifestações oftalmológicas, cardíacas, ortopédicas, entre outras (BrunoniBRUNONI, D. et al. Microcefalia e outras manifestações relacionadas ao vírus Zika: impacto nas crianças, nas famílias e nas equipes de saúde. Ciência e saúde coletiva, v. 21, n. 10, p. 3297-3302, 2016.et al., 2016, p. 3299). Essa consequência reprodutiva levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a classificar a situação como uma emergência em saúde em nível global, movimentando inúmeras ações e investimentos para responder à situação (Diniz, 2016DINIZ, D. Zika: Do sertão nordestino à ameaça global. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2016.).

A ciência, sobretudo nas especialidades clínicas, foi diretamente convocada na resposta à epidemia do Zika (Simas, 2020SIMAS, A. Ciência, saúde e cuidado: Um estudo antropológico sobre a pesquisa clínica no contexto da epidemia do Zika (Recife/PE). Dissertação (Mestrado em Antropologia). Brasília: Universidade de Brasília, 2020.; Fleischer, 2022FLEISCHER, S. Fé na ciência? Como as famílias de micro viram a ciência do vírus Zika acontecer em suas crianças no Recife/PE. Anuário Antropológico, v. 1, p. 170-188, 2022.), levando inúmeros pesquisadores e pesquisadoras até essas crianças e suas mães, em uma tentativa de compreender como o vírus agia nos corpos desses recém-nascidos. Como as pesquisas foram majoritariamente realizadas com crianças – no caso, as crianças diagnosticadas com a SCVZ – o foco deste artigo será analisar como foi, para essas cientistas, fazer pesquisa com crianças tão novas e com deficiências graves. Ou seja, desejamos tecer uma reflexão acerca das relações científicas que foram estabelecidas entre cientistas do VZ e crianças com a SCVZ, sobretudo a partir de um prisma ético.

Vale destacar que nosso grupo de pesquisa também se encaixa nessa seara. Durante cinco anos, a partir de 2016, visitamos a cidade do Recife semestralmente para acompanhar o cotidiano de crianças diagnosticadas com a SCVZ (Carneiro; Fleischer, 2020CARNEIRO, R; FLEISCHER, S. Em Brasília, mas em Recife: atravessamentos tecnometodológicos em saúde, gênero e maternidades numa pesquisa sobre as repercussões da epidemia do vírus Zika. Saúde e Sociedade, v. 29, p. 1-16, 2020.; Fleischer, 2017FLEISCHER, S. Segurar, Caminhar e Falar. Notas etnográficas sobre a experiência de uma ‘mãe de micro’ no Recife/PE. Cadernos de Gênero e Diversidade, v. 3, p. 93-112, 2017.). A cada visita, a equipe permanecia entre 10 e 15 dias na capital pernambucana, acompanhando o cotidiano das crianças diagnosticadas com a SCVZ e suas cuidadoras, sobretudo suas mães. Seguindo a inspiração da etnografia, num total de sete visitas entre 2016 e 2019, nosso grupo acompanhou consultas, sessões de fisioterapia, cultos em igrejas, festas de aniversário e onde mais as nossas interlocutoras22Convivemos, mais intensamente, com 15 crianças diagnosticadas com a SCVZ e suas famílias, sobretudo suas mães e também suas irmãs e irmãos. Todas as 15 famílias que conhecemos moravam em regiões consideradas periféricas da cidade do Recife e viviam, majoritariamente, a partir da renda do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Para um perfil mais detalhado dessas famílias, ver Lustosa (2020) e Marques (2021). nos levassem. Nesse acompanhamento, fomos conhecendo alguns atores sociais que, em um primeiro momento, se mostraram muito relevantes e presentes na vida dessas famílias, como jornalistas, políticos, profissionais de saúde, pastores e lideranças comunitárias.

Foi durante esses acompanhamentos que percebemos como as pesquisas, as cientistas e a ciência estavam incorporadas ao cotidiano dessas famílias de forma intensa, já que, além de encontrarmos outros grupos de pesquisa enquanto fazíamos a nossa própria, também ouvimos das mães que conhecemos muitos relatos sobre a intensa presença da ciência em suas rotinas (Fleischer, 2022FLEISCHER, S. Fé na ciência? Como as famílias de micro viram a ciência do vírus Zika acontecer em suas crianças no Recife/PE. Anuário Antropológico, v. 1, p. 170-188, 2022.; Quadros et al., 2020). Esse cenário se configurou sobretudo nos primeiros anos da epidemia, quando o status de emergência sanitária ainda estava vigente. Depois, muitos atores que participaram tão intensamente da vida dessas famílias foram saindo de cena, em especial representantes da mídia, da política pública e também de alguns grupos de pesquisa (Fleischer, 2022FLEISCHER, S. Fé na ciência? Como as famílias de micro viram a ciência do vírus Zika acontecer em suas crianças no Recife/PE. Anuário Antropológico, v. 1, p. 170-188, 2022.).

Foi nesse sentido que, em 2018, realizamos uma primeira leva de entrevistas com 13 cientistas de Recife que foram encontradas a partir de uma busca pelos projetos de pesquisa sobre o vírus Zika registrados na Plataforma Brasil (Simas, 2020SIMAS, A. Ciência, saúde e cuidado: Um estudo antropológico sobre a pesquisa clínica no contexto da epidemia do Zika (Recife/PE). Dissertação (Mestrado em Antropologia). Brasília: Universidade de Brasília, 2020.). Em 2022, após o período inicial de quarentena e de isolamento social da covid-19, nos organizamos novamente para novas rodadas de entrevistas com essas cientistas. Dessa vez reentrevistamos algumas das pessoas que foram previamente ouvidas em 2018, e também ampliamos um pouco essa rede e entrevistamos pesquisadoras que foram sendo indicadas pelas cientistas que já havíamos conhecido. Fizemos duas visitas ao Recife, em maio e em setembro de 2022, quando conduzimos, respectivamente, 16 e 17 entrevistas. Ao todo, foram 49 entrevistas realizadas com 40 cientistas (nove das quais foram entrevistadas duas vezes, nos anos de 2018 e 2022).

As entrevistas, tanto em 2018 quanto em 2022, foram realizadas preferencialmente de modo presencial, no local de escolha do interlocutor. Poucas interlocutoras, em geral por conta do período de puerpério ou da ausência temporária de Recife, solicitaram que as entrevistas acontecessem por tecnologia remota. Sabendo de suas agendas apertadas e alta demanda por trabalho em tempos epidêmicos, encaixamos a nossa presença quando fosse menos intrusivo e sugerimos a gravação do áudio. Negociamos apenas um local mais silencioso para operar com qualidade os gravadores e garantir concentração e privacidade. Em geral, esses aspectos foram todos gentilmente acomodados sem grande transtorno pelas entrevistadas. Antes das entrevistas, termos de consentimento livre esclarecido (TCLE) foram lidos e assinados por todas as cientistas. Quando conduzimos as entrevistas, o projeto já havia sido devidamente aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da nossa universidade.

Em nossos roteiros, fizemos perguntas sobre a trajetória profissional das cientistas, como chegaram ao campo de pesquisas do zika, se viam semelhanças e diferenças entre a resposta científica durante a epidemia de zika e a pandemia de covid-19, se percebiam particularidades na produção científica em meio a emergências de saúde. Interessou-nos também entender como essas pesquisadoras direcionaram o fato de muitas dessas pesquisas terem sido realizadas em fetos, bebês e crianças, já que a pesquisa clínica com essa população é cercada por diferentes restrições regulatórias. Neste artigo, nossa intenção é tecer algumas considerações a respeito dessa pergunta em específico, com o intuito de refletir sobre essa marca das dinâmicas científicas no campo do Zika.

Em uma revisão integrativa sobre pesquisas clínicas realizadas com crianças no Brasil, Jean Vieira e colegas (2017) fizeram uma busca no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos no período de 1994 a 2014. Dos 187.213 estudos registrados, apenas 462 foram conduzidos com a população infantil (0,24% dos estudos). No artigo, os autores procuram apontar algumas dimensões do que eles chamam de “escassez” de pesquisas clínicas com crianças. Segundo o grupo, o cenário de escassez se relaciona a quatro motivos principais: a) número restrito de sujeitos disponíveis; b) custos elevados desse tipo de estudo; c) mercado de consumo de medicamentos e tecnologias reduzido; e d) a complexidade ética das pesquisas realizadas com essa população. Apontam ainda que “no Brasil, são inexistentes e insuficientes as iniciativas regulatórias, fomento para pesquisa clínica em pediatria e investimento para a formação de pesquisadores no campo” (Vieira et al., 2017, p. 36). Flávia Fialho e Marisa Palácios também já haviam diagnosticado um cenário parecido, descrevendo uma “relutância geral” ao envolver crianças como participantes de pesquisas clínicas devido a sua posição de “população vulnerável” (2014, p. 80).

Em um cenário como esse, a quantidade de pesquisas realizadas com as crianças diagnosticadas com a síndrome congênita do zika impressiona. No ano de 2018, por exemplo, uma pesquisadora encontrou, somente em Recife, 99 projetos de pesquisa sobre o vírus Zika e a síndrome a ele associada (Simas, 2020SIMAS, A. Ciência, saúde e cuidado: Um estudo antropológico sobre a pesquisa clínica no contexto da epidemia do Zika (Recife/PE). Dissertação (Mestrado em Antropologia). Brasília: Universidade de Brasília, 2020.), a maioria deles envolvendo pesquisa clínica com as crianças diagnosticadas com a síndrome. Podemos dizer que a ciência do zika, de maneira geral, se caracterizou pela presença de participantes de pesquisa da população pediátrica. Nesse sentido, atentar para essa característica parece ser um movimento importante para compreender as dinâmicas científicas que atravessaram o desenrolar dessa epidemia. Essa é uma questão importante porque, diante de uma emergência epidemiológica, o foco dos estudos recai, em muitos casos, sobre o vírus, sobre encontrar respostas biomédicas, farmacológicas ou uma “bala de prata” que dê conta de tudo (Castro, 2021CASTRO, R. Vacinas contra a covid-19: o fim da pandemia? Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 31, n. 1, p 1--5, 2021.). E sabemos que ebola, zika, covid não serão as últimas emergências a serem enfrentadas.

No entanto, não podemos perder de vista que, no caso de emergências sanitárias, o circuito de produção do conhecimento científico passa necessariamente pelos corpos das pessoas adoecidas ou afetadas. Ao focar no fato de que foram as crianças os principais participantes dessas pesquisas, estamos olhando a ciência de modo mais amplo e social; estamos lembrando o que está em jogo na produção do conhecimento biomédico: a saúde, o bem-estar e a dignidade de seus participantes. É pensando nisso que, neste artigo, procuramos nos voltar para as respostas que as cientistas nos deram acerca dessa marca da ciência do Zika, sobre o que é e como é fazer pesquisas com as crianças diagnosticadas com a SCVZ.

Iniciamos este artigo com uma breve recapitulação sobre a participação de crianças em pesquisas para mostrar, de maneira breve, como a pesquisa com crianças é, historicamente, uma questão complexa, perpassada por acalorados debates e, em geral, enquadrada a partir da categoria de “ética”. Essa recapitulação não possui qualquer tipo de pretensão exaustiva ou qualquer intenção de revisão bibliográfica. Trazemos essas questões como pano de fundo para, em seguida, pensar como as cientistas que conhecemos observam e se relacionam com essa participação das crianças como participantes de pesquisa, em que a categoria de “ética” também foi recorrentemente ressaltada. Por último, consideramos a ideia de “ética empírica” (Willems; Pols, 2010WILLEMS, D.; POLS, J. Goodness! The empirical turn in health care ethics. Medische Antropologie, v. 22, n. 1, p. 161-170, 2010.) e a Antropologia da Criança para reforçar a importância e a potencialidade de estabelecermos diálogos menos abstratos e principialistas e mais ético, metodológicos e contingenciais com outras áreas que também se debruçam sobre infâncias e crianças.33Este trabalho é uma versão atualizada e ampliada de um paper apresentado na 33ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 28/08 e 03/09/2022. Contou com o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF). Aproveitamos este espaço para prestar nossos agradecimentos às nossas interlocutoras cientistas e também às crianças diagnosticadas com a SCVZ.

Nossa intenção é promover discussões mais amplas sobre o ato de fazer pesquisa durante emergências sanitárias, direcionando algumas questões acerca das relações científicas, sobretudo entre pesquisadores e participantes (no caso, as pesquisadoras do Zika e as crianças diagnosticadas com a SCVZ). Cabe, contudo, pontuar algumas limitações: até agora, nossa pesquisa vem se concentrando, sobremaneira, em projetos de pesquisa e investigações ancoradas na biomedicina. Dessa forma, a discussão aqui apresentada não pode ser extrapolada para investigações de outras áreas que também se dedicaram à epidemia, como o Serviço Social, o Direito, a Educação e a própria Antropologia, área a partir da qual ambas as autoras se posicionam. Inclusive, pretendemos, em outros momentos, trazer todas essas questões de volta para nossas próprias práticas, algo que não foi feito para o presente artigo. Por fim, cabe destacar que o texto não analisa de forma aprofundada as 49 entrevistas realizadas no âmbito do projeto, já que optamos por nos aprofundar um pouco mais em um conjunto menor das entrevistas. O material, contudo, é muito rico e profícuo, e seguirá em análise pela equipe para futuras reflexões e publicações.

Participação de crianças em pesquisas: uma breve revisão

Para pensar a participação de crianças em pesquisas, é preciso, primeiro, delimitar a quais pesquisas e áreas estamos nos referindo. No caso das Ciências Sociais, em especial na Sociologia e na Antropologia, as crianças foram tardiamente incluídas nas pesquisas, tendo ocupado, historicamente, um lugar marginalizado e de pouca relevância para a vida social (Buss-Simão, 2009BUSS-SIMÃO, M. Antropologia da Criança: uma revisão da literatura de um campo em construção. Revista Teias, v. 10, n. 20, p. 1-16, 2009.). Estudiosos da infância e das crianças relatam que, quando a Sociologia e a Antropologia se consolidaram enquanto disciplinas acadêmicas, a criança era vista como um “pacote biológico”, localizada quase integralmente a partir da natureza e da biologia, enquadramento que não despertava o interesse de analistas da sociedade e da cultura.

Depois, com a valorização do trabalho de campo engendrada pelo funcionalismo britânico e pelo culturalismo americano, as crianças passam a ocupar mais páginas de livros, artigos e ensaios (Mead, 2001MEAD, M. Coming of Age in Samoa: A Psychological Study of Primitive Youth for Western Civilisation. New York: William Morrow & Company, 2001.; Benedict, 1947BENEDICT, R. O Crisântemo e a Espada: padrões da cultura japonesa. São Paulo: Perspectiva, 1947.). Inicialmente, contudo, sua localização se deu em termos de socialização. Nessa perspectiva, a criança não seria apenas “um pacote biológico”, mas também um “receptáculo” cultural e social, abordagem que a localizava como um ser incompleto, um adulto-a-ser, enquanto os adultos seriam os sujeitos plenos de fato (Pires, 2009PIRES, F. Pesquisando crianças e infâncias: abordagens teóricas para o estudo das (e com as) crianças. Cadernos de Campo, v. 17, p. 133-151, 2009.). Esse cenário começa a mudar sobretudo a partir da década de 1980, quando um grupo interdisciplinar de intelectuais interessados nas crianças desenvolveu o que eles chamam de “novo paradigma” da infância. Nesse novo paradigma, as crianças não ocupam apenas o lugar de “receptoras” da cultura e da socialização, mas passam a ser vistas como atores sociais ativos na produção da cultura e da sociedade (Prout; James, 1990PROUT, A.; JAMES, A. Constructing and reconstructing childhood. Contemporary issues in the sociological study of childhood. Basingstoke: The Falmer Press, 1990.).

No caso das Ciências Biomédicas – área com a qual a nossa pesquisa atual mantém forte interface e que será o foco da revisão a partir de agora –, o status do público infantil nas práticas científicas de pesquisa também sofreu alterações ao longo do tempo. Até o século XVIII, são escassas as documentações acerca da pesquisa pediátrica. Moreno e Kravitt (2010MORENO, J.; KRAVITT, A. The ethics of pediatric research. In: MILLER, G. Pediatric Bioethics. Cambridge: University Press, 2010.) explicam que, nessa época, a fisiologia de crianças e de adolescentes não era explorada, situação que podemos vincular ao fato de que, nas sociedades ocidentais, a criança ainda não possuía um status diferenciado, como mostra a historiografia de Philippe Ariès (1981ARIÈS, P. História Social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1981.). Com o avanço da diferenciação entre crianças e adultos, contudo, uma medicina voltada para crianças começa a se consolidar no século XIX, resultando na criação dos primeiros hospitais pediátricos. Ao lado dos orfanatos, os hospitais tornaram-se espaços onde grandes grupos de crianças podiam ser avaliados, acompanhados e, em muitos casos, utilizados para experimentos médicos, o que posicionou as crianças como “candidatas desejáveis” para pesquisa (Moreno; Kravitt, 2010MORENO, J.; KRAVITT, A. The ethics of pediatric research. In: MILLER, G. Pediatric Bioethics. Cambridge: University Press, 2010., p. 55).

Nessa época, havia pouca ou nenhuma preocupação com o consentimento dos participantes em pesquisas, tanto no caso de adultos quanto no de crianças. As investigações conduzidas no final do século XIX e no início do século XX raramente ponderavam sobre os possíveis riscos e desconfortos dos participantes de pesquisa. Pesquisas para o desenvolvimento de vacinas e para a compreensão da fisiologia infantil foram amplamente conduzidas em orfanatos e prisões, por exemplo, muitas vezes resultando em desconforto, agravos de saúde e, em alguns casos, até a morte.

Com a Segunda Guerra Mundial, uma nova onda de pesquisas se formou, e, novamente, as crianças foram tomadas como sujeitos “desejáveis”. A fácil manipulação de seus corpos gerava um controle desejado para os investigadores e muitas delas se tornaram participantes de pesquisa em nome da guerra, sem qualquer possibilidade de autorizar ou negar participação em tais experimentos. Além da guerra, eventos como o estudo de Willowbrook, no qual crianças de um orfanato americano foram propositalmente contaminadas com o vírus da hepatite, também colocam luz sobre a inclusão inadequada de crianças em pesquisas experimentais. O estudo de Tuskegee (Reverby, 2010REVERBY, S. Invoking ‘Tuskegee’: Problems in Health Disparities, Genetic Assumptions, and History. In: Journal of Health Care for the Poor and Underserved, v. 21, n. 3, p. 26-34, Aug. 2010.), embora não tenha sido realizada com participantes pediátricos, também colocou em pauta a exploração de populações vulneráveis e racializados para fins de pesquisa.

A exploração de participantes de pesquisa foi o centro do julgamento dos médicos nazistas pelos crimes cometidos na forma de experimentos clínicos, ocorrido em 1947. Do julgamento, nasceu o Código de Nuremberg, considerado como o primeiro documento a elencar princípios comuns para a condução ética de experimentos em seres humanos. O primeiro princípio do código enuncia o consentimento voluntário de participantes de pesquisa como absolutamente essencial. Os juízes da corte de Nuremberg direcionaram os princípios exclusivamente para adultos, vetando, então, a participação de crianças em pesquisas médicas, uma vez que o público infantil não possuiria autonomia legal para consentir.

O código, contudo, não teve uma efetividade regulatória satisfatória e muitas pesquisas envolvendo seres humanos – inclusive crianças – continuaram a acontecer sem uma preocupação com os princípios elencados no código. Apesar disso, o Código de Nuremberg suscitou uma intensa discussão na comunidade científica, sobretudo entre os médicos. Esses profissionais debatiam as implicações dos princípios citados no código para a realização de pesquisas. Susan Lederer (2003) recupera, por exemplo, uma manifestação de Henry Beecher, anestesiologista. Em 1959, o médico escreveu que as implicações de Nuremberg iriam restringir a possibilidade de pesquisa sobre doenças mentais, consequência transposta também a outros estudos, como no caso dos estudos com crianças. A preocupação de Beecher se assentava sobre os possíveis riscos de aplicação de tratamentos e terapêuticas para essa população, uma vez que não haveria estudos para avaliar a eficácia e a segurança, uma questão que também foi adereçada na Declaração de Helsinque, de 1964, considerada como o segundo documento a elencar normas e princípios para a pesquisa clínica.

Além de trazer para o debate os perigos da falta de pesquisa com determinadas populações, a declaração de Helsinque também estipulou uma diferenciação entre a pesquisa terapêutica – quando há evidências de que a intervenção poderá beneficiar, individualmente, o sujeito de pesquisa – e a pesquisa não terapêutica – quando não há previsão de benefícios diretos. Os dois tipos de pesquisa poderiam ser realizados com crianças, desde que seus pais ou representantes legais dessem consentimento para tanto. Em 1974, outro marco para a pesquisa com participantes infantis veio a partir da criação, nos Estados Unidos, da Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos em Pesquisas Biomédicas e Comportamentais, que elaborou recomendações acerca da regulação de pesquisas.

Nessa época, dois teólogos protagonizaram uma controvérsia acerca da pesquisa com crianças. Como teólogos, ambos se preocupavam com a moralidade da condução de pesquisas em participantes pediátricos. Enquanto Paul Ramsey defendia que a pesquisa com crianças deveria ser absolutamente banida, sendo conduzida exclusivamente quando houvesse benefícios diretos para as crianças participantes, Richard McCormick argumentava que a pesquisa com crianças era não apenas “moralmente permitida, mas moralmente obrigatória para melhorar a saúde e o bem-estar das crianças”, sendo o consentimento de pais e responsáveis legais suficiente para a condução das investigações (Moreno; Kravitt, 2010MORENO, J.; KRAVITT, A. The ethics of pediatric research. In: MILLER, G. Pediatric Bioethics. Cambridge: University Press, 2010., p. 57).

A Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos em Pesquisas Biomédicas e Comportamentais também introduziu, em 1978, o Relatório de Belmont (Belmont Report), outro documento celebrado no campo da regulação em pesquisa. Esse relatório também declarou alguns princípios, preconizando que, na pesquisa com seres humanos, é preciso haver respeito pelas pessoas envolvidas. Respeito, na redação do relatório, possui dois componentes: tratar os indivíduos como agentes autônomos e que pessoas com menos autonomia devem ser protegidas – o que inclui as crianças. Segundo o relatório, para protegê-las entram em cena o consentimento informado, a permissão de pais e responsáveis legais e o assentimento do “menor de idade”. Além disso, o relatório também preconiza o princípio do benefício, como adiantado pela Declaração de Helsinque. E por último, o relatório traz a justiça como princípio, entendida como “justiça na distribuição dos ônus e benefícios do esforço de pesquisa” (Moreno; Kravitt, 2010MORENO, J.; KRAVITT, A. The ethics of pediatric research. In: MILLER, G. Pediatric Bioethics. Cambridge: University Press, 2010., p. 57, tradução livre).

No Brasil, o sistema de regulação de pesquisas inicia seu processo de emergência na década de noventa, quando o Conselho Nacional de Saúde (CNS) cria, por meio da Resolução n. 196/96, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Com a Resolução, a CONEP fica incumbida de formular e atualizar diretrizes gerais da ética em pesquisa, funcionando como um guia para os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), sistema conhecido como CEP/CONEP. Além da Resolução n. 196/96, cabe citar também a Resolução n. 510/2016, elaborada para guiar e direcionar as pesquisas realizadas no âmbito das Ciências Humanas e Sociais. Entre as diretrizes colocadas por todas essas resoluções, constam a exigência de consentimento, a minimização de riscos, a maximização de benefícios e o respeito pelos participantes de pesquisa. No caso da pesquisa com crianças, o sistema CEP/CONEP também exige o consentimento de pais ou responsáveis legais, e ainda prevê a exigência de assentimento para crianças que tenham condições de fazê-lo. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) também elaborou algumas ressalvas com relação à pesquisa com crianças hospitalizadas, enfatizando que elas possuem o direito de não serem objetos de ensaio clínico sem consentimento informado de seus pais ou responsáveis e o seu próprio, quando tiverem discernimento para tal.

As crianças, portanto, ocuparam muitas vezes o lugar de participantes de pesquisa, nem sempre tendo sua integridade preservada, valorizada e protegida. Por serem consideradas uma população vulnerável, os pacientes – e participantes de pesquisa – pediátricos vêm ocupando posições específicas em códigos, resoluções e declarações acerca da pesquisa com seres humanos. Nesse sentido, a questão da realização de pesquisas com intervenção direta em corpos infantis possui inúmeras camadas, histórias e disputas que foram, de maneira recorrente, enquadradas em termos de “ética em pesquisa”. Por um lado, o debate ético se centra na proteção e na não exposição de crianças; por outro, muitos argumentam que a utilização de crianças em pesquisas seria ético justamente por contribuir para o desenvolvimento de biotecnologias para a infância e para a humanidade. O fato é que a pesquisa clínica com crianças é uma temática espinhosa e complexa.

Esses debates, contudo, tendem a gravitar em torno do que Pols e colegas chamam de “grandes questões” (Pols, 2015POLS, J. Towards an empirical ethics in care: relations with technologies in health care. Medicine, Health Care and Philosophy, v. 18, n. 1, p. 81-90, 2015.) e temáticas, em que os valores do que é “bom” são definidos aprioristicamente e de antemão, de maneira prescritiva, normativa e principialista. As resoluções, diretrizes e declarações procuram, portanto, demarcar princípios gerais e universais para a condução adequada de pesquisas. Esses elementos são importantes, especialmente após tantos abusos na história da pesquisa médica, e não é nossa intenção, aqui, tomar qualquer posição contrária à existência de regulações e protocolos gerais.

Contudo, apesar da relevância de princípios gerais, desejamos, neste artigo, pensar sobre a ética em pesquisa de forma mais microssocial, localizada, posicionada, partindo do campo e das dinâmicas específicas da ciência do vírus Zika na região de Recife. Ainda seguindo Pols (2015POLS, J. Towards an empirical ethics in care: relations with technologies in health care. Medicine, Health Care and Philosophy, v. 18, n. 1, p. 81-90, 2015.) e seus colegas (Willems; Pols, 2010WILLEMS, D.; POLS, J. Goodness! The empirical turn in health care ethics. Medische Antropologie, v. 22, n. 1, p. 161-170, 2010.), nosso movimento aqui vai ao encontro da virada empírica proposta por essas e tantas outras autoras. Para elas, a chamada “ética empírica” se distanciaria da análise das formulações de critérios normativos para definir o que é ético – o que as autoras chamam de normatividade –, aproximando de definições mais locais, mais práticas – o que elas chamam de intranormatividade. Em outras palavras, a virada empírica se volta para o “trabalho cotidiano de tatear pelo bom cuidado em várias formas, por vezes completamente prosaicas” (Willems; Pols, 2010WILLEMS, D.; POLS, J. Goodness! The empirical turn in health care ethics. Medische Antropologie, v. 22, n. 1, p. 161-170, 2010., p. 163, tradução livre). Cabe ainda ressaltar que, para o presente artigo, dialogamos de forma mais articulada com a discussão que Jeannette Pols e seus colegas vêm tecendo em torno da categoria de "ética" e de "ética empírica". Há, contudo, outros caminhos para aprofundar essa análise, que pretendemos retomar em trabalhos futuros, como no caso das discussões articuladas no campo da bioética (Rego; Palácios; Siqueira-Batista, 2009REGO, S.; PALÁCIOS, M.; SIQUEIRA-BATISTA, R. Bioética para profissionais da saúde. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2009.).

Acompanhando a proposta de Pols, desejamos enfocar as diferentes – e por vezes conflitantes – práticas do que é ético para as cientistas que nós conhecemos. Ou seja, nosso objetivo é passar da normatividade geral para a intranormatividade local. Uma normatividade que não é externa à prática científica, mas interna a ela e que dela emana. O debate sobre ética, nesse sentido, se expande e se pluraliza e ganha contornos práticos e locais e posiciona, como sugere Pols, a ética no mundo. No caso, no mundo das pesquisas realizadas com crianças no campo de epidemia do Zika. É pensando nisso que, a seguir, nos debruçamos sobre as entrevistas realizadas com cientistas que participaram de pesquisas sobre o Zika e sobre a sua síndrome congênita. Quer dizer, como essas cientistas recifenses pensaram e encaminharam os desafios colocados pela pesquisa com crianças?

Participação das crianças na ciência do vírus Zika: o que falam as cientistas da síndrome congênita do vírus da Zika?

Ao contrário do cenário descrito por Vieira e seus colegas (2017) sobre a baixa quantidade de pesquisas clínicas realizadas com crianças no Brasil, a epidemia do Zika resultou em uma verdadeira onda de pesquisas realizadas com essa população. As crianças diagnosticadas com a síndrome foram pesquisadas por diversas áreas e, consequentemente, foram expostas a diferentes tipos de instrumentos, exames, aparelhos, testes e graus de acompanhamento, como avaliações de antropometria, ressonâncias magnéticas, tomografias, radiografias. Uma das cientistas que entrevistamos chegou a definir a situação como uma “grita de convocação de crianças” para as pesquisas.

A ciência do Zika, como trouxemos na introdução, foi uma ciência feita com as crianças e, nesse sentido, uma análise atenta e cuidadosa sobre tais dinâmicas pode ecoar de forma positiva em uma reflexão mais ampla sobre a feitura da ciência com essa população. Foi diante desse cenário, portanto, que adicionamos ao roteiro de entrevistas uma pergunta específica sobre essa característica marcante da investigação científica no campo da epidemia do Zika: há particularidades em se fazer pesquisas com crianças? Quais? Com essa pergunta, queríamos entender como foi fazer pesquisa com crianças para esse conjunto tão variado de cientistas que conhecemos.

Neste artigo, nos concentraremos nas suas elaborações a essa pergunta. Assim como na revisão exposta acima, muitas das respostas de nossos interlocutores também gravitaram ao redor da questão ética sobre a pesquisa com crianças. Mas o que é apontado como um debate “ético” e o que é considerado “bom” foi recheado de diferentes maneiras, algumas mais abstratas, outras mais práticas. Antes de seguir para uma análise das respostas, parece importante descrever, ainda que brevemente, quem são essas 40 cientistas que ancoram as observações deste trabalho.

Em termos de especialidades, conhecemos profissionais das 17 especialidades: Demografia Social, Epidemiologia, Fisioterapia, Obstetrícia, Biomedicina, Serviço Social, Psicologia, Odontologia, Clínica Geral, Infectologia, Neurologia, Enfermagem, Nutrição, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Gastroenterologia e Otorrinolaringologia. Das entrevistadas, poucas se autodeclararam como “brancas”. A maioria se autodeclarou como “negra”, “parda”, “mestiça” e “amarela”. Das cientistas entrevistadas, 31 são mulheres (motivo pelo qual adotamos o plural feminino para nos referirmos a elas).

Algumas das nossas interlocutoras não chegaram a encontrar as crianças diretamente atingidas pela epidemia do VZ. Por exemplo, analisaram substâncias orgânicas que já tinham sido colhidas das crianças por outros colegas da equipe ou de outras equipes. Ou priorizaram estudos computadorizados, que simulavam comportamentos do vírus a partir de sistemas de modelagem. Ou, ainda, se concentraram em estudos bibliográficos, arquivísticos e retrospectivos (como prontuários, estatísticas, por exemplo).

Muitas outras, contudo, receberam as crianças em seus consultórios, fizeram anamneses, coletaram ou instruíram diretamente a coleta dos materiais orgânicos (sangue, plasma, LCR, urina, sobretudo, ver Fleischer, 2023). Estas atuavam, a um só tempo, como profissionais de saúde que acompanhavam o atendimento dessas crianças como pacientes e como pesquisadoras que também se debruçavam sobre os dados emitidos por essas crianças como sujeitos pesquisados. Apesar das diferenças de especialidade e de estilo de contato com os participantes das pesquisas, os dois tipos de cientistas consideraram, em suas respostas, a participação desses sujeitos em termos da “ética em pesquisa”. E, como procuraremos mostrar, as elaborações de “ética” foram preenchidas de maneiras diversas.

Ética na pesquisa com crianças diagnosticadas com a SCVZ:

dos comitês para a prática?

Como mencionamos, as particularidades éticas da pesquisa com crianças são um marco na regulamentação e na regularização da pesquisa feita com a população infantil. As crianças são localizadas como populações especiais e vulneráveis, situação que coloca novas camadas de cuidado ético, como mencionamos acima. Mas e para as cientistas da SCVZ? Como elas localizaram as questões éticas de suas pesquisas? Ao responderem à pergunta que é o objeto de análise deste artigo, quase todas as pesquisadoras foram categóricas na diferenciação entre fazer pesquisa com crianças e com adultos.

A exceção veio de uma biomédica, cujas pesquisas passaram de forma mais intensa pela pesquisa de bancada. Ela enfatizou que: “quando o sangue chega pra mim, pra eu extrair o DNA, não importa se é adulto, se é criança, é tudo igual”. Para essa biomédica, a diferença na pesquisa com adultos e com crianças na sua área foi localizada exclusivamente no momento de extração do sangue da criança:

O bebê se mexe, né? Uma criancinha se mexe! Eu peguei uma bebezinha mesmo, para você fazer coleta é muito difícil. E você tem uma resistência, né? Assim, a mãe já fica “Ih, vai demorar?”. Aí você fica… Tem que ser uma agulha específica, também teve que comprar uma agulha específica para eles. Então, até a coleta sim, depois não! (Trecho de entrevista com biomédica, maio de 2022).

Para o restante das pesquisadoras, cujas pesquisas envolveram um contato físico mais prolongado com os participantes, a diferença entre adultos e crianças foi constatada com diferentes graus de ênfase: desde “é com certeza diferente”, como nos falou uma fisioterapeuta, até “há algumas questões, escalas, questionários e instrumentos que são diferentes, que é específico para a criança e para o adulto”, como colocou uma gastroenterologista.

Essa constatação de diferença passou, em muitas das respostas, por uma associação imediata com questões relativas à ética em pesquisa, como no caso de uma otorrinolaringologista, que começou sua resposta dizendo que “a gente precisa ter muito cuidado com a questão ética, né, como a gente tem com adulto, mas é redobrado com criança”. O cuidado redobrado, segundo a médica, advém da dupla camada de consentimento, que envolve não apenas a criança, mas também “o consentimento dos pais, de quem estiver ali conduzindo a criança”, completou.

Uma outra médica, gastroenterologista, também direcionou as particularidades da pesquisa com crianças para as dimensões éticas em termos do consentimento que a pesquisa em pediatria envolve: “A pesquisa com crianças começa por nunca envolver um sujeito apenas, não é? Na pediatria, você sempre vai ter pelo menos um familiar ou responsável a mais, né? Então, assim, até na questão de ética mesmo, de consentimento, tudo isso”. Muitas das pesquisadoras, nesse sentido, enfatizaram que, na pesquisa com crianças, é preciso desenvolver a habilidade de comunicar os possíveis benefícios para o cuidador, para os pais, para o responsável legal. Essa formulação foi novamente enfatizada por uma neurologista que conhecemos: “Fazer pesquisa com criança do ponto de vista ético é isso, é você saber comunicar e esclarecer as expectativas, para que a família tenha bastante clareza do que está sendo feito”.

A questão do consentimento de responsáveis legais é um princípio que guia os comitês de ética em pesquisa, uma vez que, legalmente, as crianças são consideradas incapazes de consentir – já que, em muitos casos, podem não compreender de forma satisfatória os riscos e os benefícios de sua própria participação. Para sociólogos, antropólogos e outros intelectuais envolvidos nos novos estudos da infância, essa localização da criança enquanto “incapaz” tem relação com a concepção de infância enquanto “tábula rasa”. Partindo do paradigma estabelecido pelos estudos da infância, contudo, as crianças passam a ser vistas como atores sociais, dotados de agência. Nesse sentido, estudiosos da infância defendem que as crianças, a depender da idade, podem compreender as explicações dos condutores das pesquisas, enfatizando, inclusive, que as crianças participem das etapas de elaboração das pesquisas, em uma abordagem que as toma como coprodutoras da ciência.

No caso do Zika, contudo, essa questão ganhou contornos mais complexos, já que, além de serem crianças muito novas naquele início da epidemia (2015-2016), elas são também crianças com deficiências cognitivas graves, que, como descreveu uma gastroenterologista que entrevistamos, “não tem como falar ou assentir”. O fato de a criança não poder assentir, para essa médica, não é solucionado apenas com a autorização do responsável legal. Essa seria uma etapa inicial, um pressuposto, já que, embora as crianças não possam consentir verbalmente, há outras maneiras de avaliar o conforto ou o desconforto de uma criança durante a condução de determinado protocolo. Para essa médica, é importante estabelecer uma relação com as crianças, de fato interagir com elas e procurar conhecer suas sensações, prazeres, incômodos.

Foi por isso que, em sua pesquisa de mestrado, ela optou por não utilizar a técnica considerada padrão-ouro para a avaliação da motilidade gástrica44A motilidade gástrica refere-se à contração de um músculo específico (o músculo liso) nas paredes do trato gastrointestinal. Essa contração move, mistura, tritura e armazena os alimentos no sistema gastrointestinal. das crianças com a SCVZ, justamente por ser mais desconfortável. Como solução, a pesquisadora optou pelo uso da ultrassonografia. Essa técnica também é consensuada entre seus pares, mas não requer a colocação de sondas ou de tubos e tampouco envolve a exposição à radiação, o que torna a avaliação mais segura para as crianças. Ou seja, a gastroenterologista em questão trabalhou dentro do que preconiza sua área, mas levando em consideração a perspectiva e as sensações das crianças – e considerado, especialmente, que muitas crianças não passariam apenas pelo protocolo de sua pesquisa, mas de muitas outras que cercaram a epidemia do Zika. Esta preocupação é também ética porque considera que, em contexto epidêmico, muitas pesquisas estão em andamento sobre um mesmo e finito conjunto de corpos daquela região. Esta médica se percebia como participando de uma ampla rede de esforços científicos no Recife. E percebia que as crianças também estavam colaborando com a ciência em muitas outras redes.

Martin Woodhead e Dorothy Faulkner (2000)WOODHEAD, M.; FAULKNER, D. Subjects, objects or participants? Dilemmas of psychological research with children. In: CHRISTENSEN, P.; JAMES, A. (orgs). Research with children. London: Falmer Press, 2000, p. 9-35., em um texto que revisa algumas metodologias de pesquisas realizadas com crianças na área de Psicologia do desenvolvimento, também trazem algumas provocações sobre como crianças podem, não verbalmente, demonstrar o seu não assentimento. Choro, incômodo, palpitações e sinais de estresse, toda uma linguagem não verbal que, pelo reconhecimento desse participante de pesquisa em sua corporalidade, também pode ter sido valorizada pela gastroenterologista acima citada.

Aqui, a ética em torno do consentimento deixa de ser discutida a partir de questões mais regulamentares e protocolares, e é trazida para a prática da pesquisa, para a forma como as crianças foram atravessadas pelas técnicas, instrumentos e escolhas metodológicas para acessar o vírus Zika. Quer dizer, a médica em questão nos ajuda a pensar em ética de maneira mais prolongada, nos ajuda a visualizá-la na prática de todas as etapas da pesquisa, não apenas na sua elaboração, aprovação e permissão. Embora a médica gastroenterologista tenha se referido ao consentimento em seu enquadramento burocrático, mencionando a importância do CEP e dos TCLEs, sua fala também traz o consentimento para a prática, também ajuda a iluminar a "ética no mundo" das crianças com a SCVZ, como chamam Pols e colegas (2010), e não apenas "no mundo do sistema CEP/CONEP”.

Outras cientistas também nos levaram, em suas entrevistas, para situações mais locais, mais cotidianas sobre a "ética no mundo" da pesquisa pediátrica. A experiência prévia com crianças, por exemplo, também foi apontada por algumas cientistas como uma questão que tem interface com a ética. Muitas pesquisadoras que se debruçaram sobre o vírus e sobre a síndrome a ele associada, como elas nos disseram, nunca tinham trabalhado com crianças antes. Essa ausência de experiência é traduzida em termos de possíveis riscos que essa falta de conhecimento prático com o público infantil pode gerar. Ao não saber “chegar na criança”, por exemplo, como falou um fisioterapeuta que conhecemos, a pesquisadora pode criar situações de estresse, desconforto, desconfiança e até mesmo trauma para o pequeno paciente. Para ela, saber chegar na criança envolve saber cativá-las, abordá-las com cuidado, com calma, em uma construção de relação científica que demanda tempo, contato, confiança e continuidade.

Aqui, a experiência com crianças enquadra o debate ético na relação construída entre sujeito pesquisador e sujeito de pesquisa. A especialização pediátrica, para esse fisioterapeuta, era quesito necessário para o desenho de métodos apropriados e adequados para os sujeitos enquanto frequentadores da clínica e/ou da pesquisa. A visão dessa fisioterapeuta foi compartilhada por uma colega de sua turma de mestrado que também participou das pesquisas com as crianças diagnosticadas com a SCVZ. Para ela, muitas pesquisadoras não estavam “sabendo o que fazer”, porque só haviam atendido e feito pesquisas, até então, com adultos.

Realizar pesquisa com crianças, para ela, envolvia uma série de adaptações de instrumentos, colocando a ludicidade e a brincadeira como elementos importantes para desenvolver pesquisas metodológicas e eticamente centradas nas crianças. Por exemplo, o jogo, o humor, a informalidade ajudam a estabelecer contato, criar laços de confiança, horizontalizar a troca, abrir a possibilidade de diálogo, inclusive com a sensibilidade para perceber qualquer expressão de desconforto e não consentimento, por exemplo. Esse aporte se aproxima muito também das discussões realizadas pela Antropologia, ao contemplar, nas metodologias, a diversidade de experiências das crianças e a diversidade de contextos socioculturais da infância. A abordagem antropológica procura desconstruir uma noção de “criança universal”, procurando enfatizar as diferentes maneiras de ser uma criança e de vivenciar a infância, prestando reconhecimento à alteridade, a diversidade desse “outro” (Fonseca; Cardarello, 1999FONSECA, C.; CARDARELLO, A. Direitos dos mais e menos humanos. Horizontes Antropológicos, v. 5, n. 10, p. 83-121, 1999.; RifiotisRIFIOTIS, F.; RIBEIRO, F.; COHN, C.; SCHUCH, P. A antropologia e as crianças: da consolidação de um campo de estudos aos seus desdobramentos contemporâneos. Horizontes Antropológicos, v. 27, n. 60, p. 7-30, 2021et al., 2021). Como na Antropologia da Criança, em que se preconiza uma mirada para as realidades locais e particulares das crianças e das infâncias, nossas interlocutoras estavam chamando atenção para diferentes maneiras de ser um participante de pesquisas pediátricas.

Essa adaptação e esse reconhecimento ao "outro pediátrico", contudo, nem sempre ocorreram. Como adiantou a fisioterapeuta, muitas pesquisadoras nunca haviam trabalhado com crianças antes. Na prática, isso pode resultar em interações desconfortáveis, como mencionaram as fisioterapeutas acima, mas também pode ter gerado impactos mais profundos no próprio cuidado provido às crianças diagnosticadas com a SCVZ. A falta de experiência e de entendimento do que significava trabalhar com o público infantil foi enquadrada por outra fisioterapeuta a partir da temporalidade inadequada de muitas das pesquisas desenhadas sobre o VZ. Muitas delas, argumenta a entrevistada, não previram um acompanhamento longitudinal:

Porque você não pode trabalhar com infância sem pensar na longitudinalidade do cuidado. Então é isso, na época, teve essa política de exame de imagem, faz não sei quantas imagens, faz [cirurgia do] quadril, faz não sei quantos [exames]. Sim, e aí? E depois, amanhã, né? Tem isso. Cadê as pesquisas agora com as crianças, né? Onde estão agora? Então, claro que foi uma pesquisa que serviu, mas ela não teve uma aplicação quando a gente pensa nessa importância da longitudinalidade na pesquisa e assistência. Criança não é adulto pequeno, né? Então tudo que a gente faz agora, eu preciso pensar a médio e a longo prazo, né? (Trecho de entrevista com fisioterapeuta, maio de 2022).

Para essa fisioterapeuta, muitas cientistas que não estavam familiarizados com o universo infantil, impulsionados pelas oportunidades científicas oferecidas pela epidemia, “surfaram na crista da onda” e fizeram pesquisas sem de fato se preocupar com os resultados para as crianças. Alguns pesquisadores já discutiram o “rush científico” que aconteceu, para o bem e para o mal, no território recifense em tempos de epidemia do VZ (QuadrosQUADROS, M.; SCOTT, R.; ROBLES, A. “Crianças especiais”, “bebês micro”, “bebês anjos”: objetivações e subjetivações de corpos infantis em um contexto de emergência em saúde. In: ALLEBRANDT, D.; MEINERZ, N.; NASCIMENTO, P. (Orgs.). Desigualdades e políticas da ciência. Florianópolis: Casa Verde, 2020. p. 307-323.et al., 2020; Matos; Rodrigues, 2021; Fleischer, 2023; Löwy, 2019LÖWY, I. Zika no Brasil: história recente de uma epidemia. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2019.). Para além das ondas, geralmente passageiras e surfadas somente por alguns, essa fisioterapeuta que entrevistamos enfatizou que, ao lidar com um público infantil, a ciência e a assistência devem passar necessariamente pelo acompanhamento longitudinal. Quer dizer, no dia a dia da clínica, essas crianças vão crescendo e precisando ter suas novidades e necessidades atendidas constantemente ao longo do tempo. A fisioterapeuta em questão criticou as pesquisas que foram feitas no calor do momento e depois “sumiram”.

Em contextos gerais de pesquisa, esta prática já seria considerada problemática, mas em um contexto de saúde da criança se agrava, já que seus corpos demandam um acompanhamento continuado mais atento. Essa foi uma questão notada, também, pelas mães das crianças diagnosticadas com a SCVZ. Conforme as pesquisas foram sendo realizadas, muitas delas passaram a questionar o desenho dos projetos, sobretudo nos termos da longitudinalidade que a fisioterapeuta acima comentou. Inclusive, as mães das crianças diagnosticadas com a síndrome desempenharam importante papel crítico com relação às práticas científicas da epidemia do Zika, muitas vezes ajudando as cientistas a redirecionar e a readequar seus projetos (Fleischer, 2022FLEISCHER, S. Fé na ciência? Como as famílias de micro viram a ciência do vírus Zika acontecer em suas crianças no Recife/PE. Anuário Antropológico, v. 1, p. 170-188, 2022.; Matos; Silva, 2020MATOS, S.; SILVA, A. Nada sobre nós sem nós: associativismo, deficiência e pesquisa científica na Síndrome Congênita do Zika vírus. Ilha – Revista de Antropologia. Florianópolis, v. 22, n. 2, p. 132-167, 2020.).

Steven EpsteinEPSTEIN, S. The Rise of ‘Recruitmentology’: Clinical Research, Racial Knowledge, and the Politics of Inclusion and Difference. Social Studies of Science, v. 38, n. 5, p. 739-770, 2008., estudioso de uma outra epidemia, a do HIV nos EUA nos anos 1990, também já havia apontado para uma certa “inundação” de pesquisas realizadas durante emergências sanitárias, em que novos editais, financiamentos e recursos são disponibilizados. Inclusive, em diálogo com a discussão sobre a especialização como uma interface ética que trouxemos nos depoimentos acima, Epstein também comentou que contextos emergenciais podem “promover pesquisas por pessoas que simplesmente não tiraram tempo para conhecer a aprender sobre as comunidades que querem estudar” (2008, p. 807, tradução livre). E, acrescentamos, tampouco dedicaram tempo para conhecer e aprender sobre o que e como devolver a essas comunidades, uma vez concluída a pesquisa. Epstein, a partir do HIV, e algumas de nossas entrevistadas, a partir do VZ, chamavam atenção para como os relacionamentos científicos deveriam começar antes e terminam depois do projeto de pesquisa em si. Estão chamando atenção, portanto, para o aspecto relacional da ciência, sobremaneira. E estão apontando como a infância demanda desenhos de pesquisa específicos, talvez até ainda mais intensamente relacionais.

As questões éticas, portanto, foram recheadas e trazidas para a prática de diferentes maneiras pelas cientistas que conhecemos em Pernambuco. Nesta seção, procuramos apresentar algumas dessas maneiras, tecendo algumas aproximações e diálogos com algumas questões da Sociologia e da Antropologia da Criança. Acreditamos que observar e entender de que maneira a ciência se debruçou sobre corpos infantis no contexto da epidemia do Zika pode fazer ecos mais amplos, mais potentes, que possam alcançar outras pesquisas com crianças.

Para fechar…

Trouxemos, neste artigo, algumas interpretações acerca da pesquisa com crianças a partir de uma pergunta específica feita às cientistas do Zika na região recifense, um dos epicentros significativos da epidemia entre 2015 e 2016. Para muitos deles, a pesquisa em cenário pediátrico se refere, sobretudo, ao tema da ética em pesquisa. Foi possível perceber uma ligação interessante entre ética e metodologia, duas questões que inclusive podem ser pensadas coletivamente como questões “ético-metodológicas” (Sousa; Pires; Amoras, 2021SOUSA, E.; PIRES, F.; AMORAS, M. Apresentação. Áltera Revista de Antropologia, v. 13, n. 2, p. 12-18, 2021.).

Por um lado, o que mais as preocupou ao tomar corpos infantis como ponto de partida para entender um fenômeno de saúde é que os objetivos, motivações e procedimentos respeitassem o preconizado pelo sistema CEP-CONEP no país. À primeira vista, parece que se pautam e se guiam pelo que foi consensuado e sugerido pelas resoluções que chegam do CNS e do CONEP. Por outro lado, porém, olhando com mais parcimônia para o que as entrevistadas nos explicaram, parece que as questões éticas, quando pensadas para além de momentos mais protocolares como comitês e termos, deslizam com alguma facilidade para o processo metodológico, técnico, instrumental e relacional da pesquisa. Ou seja, as respostas das cientistas nos reforçam que etapas metodológicas devem ser pensadas desde um prisma ético, que leve em conta as particularidades, subjetividades, preferências e desconfortos do sujeito em questão, contexto que coloca a ética de uma maneira mais empírica, mais processual (Willems; Pols, 2010WILLEMS, D.; POLS, J. Goodness! The empirical turn in health care ethics. Medische Antropologie, v. 22, n. 1, p. 161-170, 2010.).

Assim, a partir de uma ideia de “ética empírica” desses dois autores holandeses, a ideia abstrata de “ética” vai sendo preenchida com valores e cuidados percebidos pelas cientistas à medida que conviveram e convivem com essas crianças. Vai ganhando um retrato mais prático e concreto para o cenário recifense. Ainda assim, essas pesquisas com crianças concentram-se muito no aspecto “ético” (ou “ético-metodológico”) – o planejamento e desenvolvimento do projeto de pesquisa – e não tanto nos desdobramentos posteriores da pesquisa – os resultados e avaliações do projeto de pesquisa. Antes e durante, nem tanto o depois, como lembrou a fisioterapeuta preocupada com o atendimento clínico a longo prazo.

Nesse sentido, a Antropologia da Criança – que registra as diversidades de infância e de experiências de vida das crianças – pode emergir como uma importante parceira para a reflexão de questões ético-metodológicas não apenas das pesquisas nas Ciências Sociais, mas nas pesquisas clínicas e biomédicas como um todo. Alan Prout (2010PROUT, A. Reconsiderando a nova Sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p. 729-750, 2010.), por exemplo, já mencionou a necessidade de estabelecermos diálogos mais diretos e mais intensos com as áreas biomédicas que se voltam para a infância, muitas vezes marcadas pelo sufixo da pediatria (Infectopediatria, Neuropediatria, Gastropediatria etc.). Aqui, estamos sugerindo mais parcerias criativas, como uma antro-pediatria ou uma infecto-antropologia, por exemplo.

Neste artigo, sugerimos que um bom canal para esse diálogo pode ser justamente questões ético-metodológicas, no sentido de não apenas projetar abstratamente o que seria ético, mas também como essa ética se manifestará na prática metodológica e em questões de cronograma e de devolução, no sentido de ampliar os tempos em que cuidados e resultados de pesquisa sejam cogitados. Esse debate, além de ampliar os focos de reflexões com relação às práticas de pesquisa, também é importante pelo impacto direto que ele pode gerar na forma como as crianças, enquanto sujeitos plenos, experienciam a ciência. Iluminar esse debate, portanto, é também uma forma de aperfeiçoar a ciência para as cientistas, mas, sobretudo, para as crianças.

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    A correlação entre a infecção pelo vírus da Zika e o nascimento de crianças com microcefalia e outras alterações congênitas foi o resultado de um intenso processo de investigação que está bem descrito em Diniz (2016) e Löwy (2019).
  • 2
    Convivemos, mais intensamente, com 15 crianças diagnosticadas com a SCVZ e suas famílias, sobretudo suas mães e também suas irmãs e irmãos. Todas as 15 famílias que conhecemos moravam em regiões consideradas periféricas da cidade do Recife e viviam, majoritariamente, a partir da renda do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Para um perfil mais detalhado dessas famílias, ver Lustosa (2020LUSTOSA, R. Mulheres. In: Micro: contribuições da Antropologia. Brasília: Editora Athalaia, 2020.) e Marques (2021).
  • 3
    Este trabalho é uma versão atualizada e ampliada de um paper apresentado na 33ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 28/08 e 03/09/2022. Contou com o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF). Aproveitamos este espaço para prestar nossos agradecimentos às nossas interlocutoras cientistas e também às crianças diagnosticadas com a SCVZ.
  • 4
    A motilidade gástrica refere-se à contração de um músculo específico (o músculo liso) nas paredes do trato gastrointestinal. Essa contração move, mistura, tritura e armazena os alimentos no sistema gastrointestinal.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    28 Jun 2023
  • Revisado
    24 Maio 2023
  • Corrigido
    24 Maio 2024
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