Avaliação de fatores que interferem na amamentação na primeira hora de vida

Célia Regina Vianna Rossi Pereira Vânia de Matos Fonseca Maria Inês Couto de Oliveira Ivis Emilia de Oliveira Souza Rosane Reis de Mello Sobre os autores

Resumos

Objetivo:

Investigar como o passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança foi aplicado, avaliar a prevalência da amamentação na primeira hora após o nascimento e analisar os fatores associados à não amamentação neste período de vida.

Métodos:

Estudo transversal conduzido em alojamento conjunto de maternidade de alto risco na cidade do Rio de Janeiro, com entrevista com amostra de 403 puérperas. A Razão de Prevalência, com seu respectivo intervalo de confiança de 95%, foi estimada a partir de modelo com função de ligação complementar log log, através do programa SPSS15® .

Resultados:

A prevalência de amamentação na primeira hora após o nascimento foi de 43,9%. A análise multivariada evidenciou que foram protegidas contra a não amamentação na primeira hora de vida as mulheres de cor não preta (RP = 0,62; IC 95%: 0,42-0,90), multíparas (RP = 0,66; IC 95%: 0,47-0,93), que fizeram pré-natal (RP = 0,23; IC 95%: 0,08-0,67), com parto normal (RP = 0,41; IC 95%: 0,28-0,60), cujos bebês tiveram peso ao nascer igual ou superior a 2.500g (RP = 0,31; IC 95%: 0,11-0,86) e que receberam ajuda da equipe de saúde para amamentar na sala de parto (RP = 0,51; IC 95%: 0,36-0,72).

Conclusão:

A ajuda prestada pela equipe de saúde à amamentação ao nascimento, que se constitui no “Passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança”, bem como a cor materna não preta, a multiparidade, a realização de pré-natal, o parto normal e o peso adequado ao nascer contribuíram para o inicio do aleitamento materno na primeira hora de vida.

Aleitamento materno; Nascimento; Avaliação; Estudos transversais; Recém-nascido; Hospital


Introdução

No início da década de 90 foi criada a estratégia “Iniciativa Hospital Amigo da Criança” (IHAC), mobilizando funcionários de unidades com serviços obstétricos para a mudança das práticas e rotinas hospitalares com vistas à promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno. Para tanto foram estabelecidos os “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno” 11. World Health Organization/UNICEF: The global criteria for the Baby-Friendly Initiative . WHO/UNICEF; 1992 . Em 1992, no Brasil, o Ministério da Saúde e o Grupo de Defesa dos Direitos da Criança adotaram a IHAC como estratégia para aumentar os índices de aleitamento materno22. Rea MF. Reflexões sobre a amamentação no Brasil: de como passamos a 10 meses de duração. Cad Saúde Pública 2003; 19 (S1): 37-45..

O Passo 4 da IHAC preconiza: “Colocar os bebês em contato direto com a mãe logo após o parto por pelo menos uma hora e incentivar a mãe a identificar se o bebê está pronto para ser amamentado, oferecendo ajuda se necessário”33. Fundo das Nações Unidas para a Infância/Organização Mundial de Saúde. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista atualizada e ampliada para o cuidado integrado. Série A, Normas e Manuais Técnicos. Brasília; 2009.. A amamentação deve ser propiciada ainda na sala de parto ou no centro cirúrgico, desde que ambos, mãe e filho, estejam bem, aproveitando o momento em que mãe e bebê estão alerta e interagindo. O contato pele a pele precoce entre mãe e bebê também está associado a uma melhor interação entre a díade, maior duração da amamentação44. Anderson GC, Moore E, Hepworth J, Bergman N. Early skin to skin contact for mothers and their healthy newborn infants. (Cochrane Review) In: Cochrane Database of Systematic Reviews , Issue 3, 2007. Oxford: Update Software., níveis mais altos de glicemia, melhor controle da temperatura do recém-nascido, e o desaparecimento do choro da criança quando no colo de sua mãe55. Christensson K, Siles C, Moreno L, Belaustequi A, De La fuente P, Lagercrantz H et al. Temperature, metabolic adaptation and crying in healthy full-term newborns cared for skin-to-skin or in a cot. Acta Paediatrica 1992; 81: 488-93.

6. Moore ER, Anderson GC, Bergman N. Early skin-to-skin contact for mothers and their healthy newborn infants. Cochrane Database Syst Rev 2007; 18:(3):CD003519.
- 77. Ayala AG, Lopez IB, Muñoz HC. Efecto Del contacto materno precoz en el recien nacido a termino. Rev Pediatria (Santiago) 1993: 127-34. . Além disso, há indicação de que existe uma associação entre amamentação precoce e amamentação exclusiva88. Silva MB, Albernaz EP, Mascarenhas MLW, Silveira RB. Influencia do apoio à amamentação sobre o aleitamento materno exclusivo dos bebês no primeiro mês de vida e nascidos na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Bras Saude Matern Infant 2008; 8 (3): 275-84..

Estudos brasileiros mostram que a prevalência de amamentação na primeira hora de vida situa-se em torno de 50% em Hospitais Amigos da Criança99. Oliveira MIC, Silva KS, Gomes-Jr SC, Fonseca VM. Resultado do teste rápido anti-HIV após o parto: uma ameaça à amamentação ao nascimento. Rev Saúde Pública 2010; 44(1): 60-9. - 1010. Silveira RB, Albernaz E, Zuccheto LM, Fatores associados ao início da amamentação em uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant 2008; 8(1): 35-43. ; no entanto, em hospitais não credenciados nesta iniciativa a prática é menos frequente, alcançando cerca de um terço dos bebês1010. Silveira RB, Albernaz E, Zuccheto LM, Fatores associados ao início da amamentação em uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant 2008; 8(1): 35-43. , 1111. Boccolini CS, Carvalho ML, de Oliveira MIC, Leal MC, Carvalho MS. Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada. Cad Saúde Pública 2008; 24(11): 2681-94. . Poucos trabalhos investigaram fatores associados à amamentação na primeira hora de vida em nosso meio.99. Oliveira MIC, Silva KS, Gomes-Jr SC, Fonseca VM. Resultado do teste rápido anti-HIV após o parto: uma ameaça à amamentação ao nascimento. Rev Saúde Pública 2010; 44(1): 60-9. - 1313. Vieira TO, Vieira GO, Giugliani ER, Martins CC, Silva LR. Determinants of breastfeeding initiation within the first hour of life in a Brazilian population: cross-sectional study. BMC Public Health 2010; 10: 760. Este trabalho pretendeu conhecer como o Passo 4 da IHAC é aplicado em uma maternidade de alto risco, investigar a prevalência da amamentação na primeira hora de vida do bebê e os fatores que interferem nesta prática.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, realizado no período de 15 de junho a 11 de setembro de 2009 em maternidade pública de um hospital geral do Ministério da Saúde, pertencente ao Sistema de Gestação de Alto Risco do Rio de Janeiro.

Foi feito um cálculo amostral a partir do total de partos realizados nesta maternidade no ano de 2007, aproximadamente 2.700 partos, o que corresponde a 225 partos/mês (dados estatísticos do Serviço de Obstetrícia). Para testar as principais hipóteses eleitas neste estudo, baseado no desfecho, “não amamentação na primeira hora de vida”, utilizou-se como variável de exposição principal o parto cesárea, prevalência de 62,2% de não amamentação na primeira hora e um risco relativo = 1,3 (IC 95%: 1,15-1,46)99. Oliveira MIC, Silva KS, Gomes-Jr SC, Fonseca VM. Resultado do teste rápido anti-HIV após o parto: uma ameaça à amamentação ao nascimento. Rev Saúde Pública 2010; 44(1): 60-9.. Considerando um nível de confiança de 95% e um poder amostral de 80%, foi calculada uma amostra de 402 mulheres. Ocorreram 577 partos no período do estudo, com 38,6% de partos cesáreas. Foram utilizados como critérios de inclusão a mãe estar internada em alojamento conjunto com seu filho recém-nascido e o parto ter ocorrido na unidade. Foram excluídas: pacientes que tiveram recém-nascidos com idade gestacional menor que 37 semanas, segundo o escore de New Ballard1414. Ballard JL, Khoury JC, Wedig K, Wang L, Eilers-Ealsman BL, Lipp R. New Ballard score, expanded to include extremely premature infants. J Pediatr 1991; 119(3): 417-23., registrada pelo pediatra no livro de registros da sala de partos; APGAR menor que sete no quinto minuto de vida e/ou com alguma malformação; situações que poderiam dificultar ou contra-indicar a amamentação ao nascimento, como o uso de drogas ilícitas pela mãe ou a sorologia positiva para HIV1515. Paim BS, Silva ACP, Labrea MGA. Amamentação e HIV/AIDS: uma revisão. Bol Saúde , Porto Alegre, jan/jun 2008, 22(1): 67-74.. Após a aplicação destes critérios, restaram 403 mulheres com parto ocorrido no período, que foram entrevistadas com a utilização de questionário semiestruturado, elaborado com base em instrumento utilizado em outra pesquisa99. Oliveira MIC, Silva KS, Gomes-Jr SC, Fonseca VM. Resultado do teste rápido anti-HIV após o parto: uma ameaça à amamentação ao nascimento. Rev Saúde Pública 2010; 44(1): 60-9., contemplando dados de identificação, perfil sociodemográfico e reprodutivo e de assistência pré-natal e ao parto. Os horários das rotinas hospitalares foram utilizados para ajudar as mães no recordatório do horário da primeira mamada.

O banco de dados foi construído pelo programa EPIINFO® 3.5 e as análises realizadas pelo SPSS15®.

O desfecho investigado foi a não amamentação na primeira hora de vida, categorizada em até 60 minutos e após 60 minutos do nascimento; as variáveis de exposição consideradas foram:

· características sociodemográficas maternas (idade, escolaridade, cor da pele auto-referida, trabalho, e número de bens duráveis);

· características reprodutivas (presença de companheiro, paridade e planejamento da gravidez);

· características de assistência pré-natal (realização; número de consultas; trimestre de início, abordagem profissional sobre amamentação; local onde foi abordada a amamentação; orientação sobre o não uso de mamadeira);

· características de assistência ao parto: (tipo de parto, peso do bebê ao nascer, ajuda para a amamentação na hora do parto, tipo de ajuda prestada, conhecimento sobre amamentação na sala de parto, equipe ter perguntado se a mãe queria colocar o bebê no peito, local de ocorrência da primeira mamada, mulher considerar que a equipe escutou o que ela falou sobre a amamentação de seu filho, e satisfação com o atendimento no hospital.

A Razão de Prevalência, com seu respectivo intervalo de confiança de 95%, foi estimada a partir de um modelo com função de ligação complementar log log. Esta função de ligação é preferida para eventos binários com probabilidade de ocorrência muito frequente, como o que foi observado. As variáveis que tiveram valor de p ≤ 0,20 na análise bivariada foram consideradas no processo de modelagem.

No modelo final, foram consideradas variáveis com nível de significância de 5%1616. McCullgh P, Nelder JA. Generalized Linear Model , 2nd edition. London: Chapman and Hall/CRC Press; 1989..

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Federal de Bonsucesso (Processo nº 15/09, aprovado em 08/05/2009). As mulheres participaram da pesquisa após assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996 (CNS 196/96).

Declaramos que neste trabalho não houve qualquer ligação ou acordo de financiamento entre os autores e companhias ou pessoas que possam ter interesses no material abordado no artigo.

Resultados

A idade das puérperas variou de 13 a 46 anos, sendo 24,3% adolescentes. Apresentaram ensino fundamental incompleto 45,1% das mulheres, e 26,7% consideraram-se pretas. Pouco mais da metade (51,9%) das mães trabalhava fora de casa e 73,2% possuíam mais de 5 bens duráveis. Tinham companheiro 88,3% das mães; 33,3% eram primíparas e 70,0% não planejaram a gestação. Dentre as características socioeconômicas e reprodutivas das mulheres, apenas a cor não preta (RP = 0,80) e a multiparidade apresentaram-se como fatores de proteção à não amamentação na primeira hora de vida (Tabela 1). O grupo de mulheres não pretas foi constituído de 20,1% que se autodeclararam brancas; 45% pardas; 5,5% amarelas e 2,5% indígenas.

Tabela 1
Não amamentação na primeira hora pós-parto em mulheres em alojamento conjunto em hospital de alto risco segundo características socioeconômicas e reprodutivas. Município do Rio de Janeiro, 2009.

Fizeram pré-natal 93,1% das mulheres (52,4% com início no primeiro trimestre e 55,6% tendo recebido informação sobre amamentação neste período); 56,6% realizaram de 6 a 12 consultas. A realização de pré-natal e a modalidade de orientação sobre amamentação no grupo mostraram-se protetoras à não amamentação na primeira hora de vida ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Não amamentação na primeira hora pós-parto em mulheres do alojamento conjunto de hospital de alto risco segundo características da assistência pré-natal. Município do Rio de Janeiro, 2009.

A prevalência da amamentação na primeira hora de vida foi de 43,9% (n = 177), tendo sido amamentadas após a primeira hora de vida 72,1% das crianças nascidas de parto cesárea e 47,5% daquelas nascidas de parto normal. O parto normal, o peso adequado do bebê ao nascer, receber ajuda para a amamentação na hora do parto, principalmente quando o tipo de ajuda foi facilitar o contato do bebê com o peito da mãe, e a mãe haver sido questionada sobre o seu desejo de colocar seu bebê no peito mostraram proteção contra o desfecho da não amamentação na primeira hora ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Não amamentação na primeira hora pós-parto em alojamento conjunto em hospital de alto risco segundo características da assistência ao parto. Município do Rio de Janeiro, 2009.

No modelo multivariado ( Tabela 4 ) as variáveis que se mostraram como fatores de proteção para a não amamentação na primeira hora de vida de forma estatisticamente significativa foram: mulher de cor não preta (RP = 0,62), multiparidade (RP = 0,66), realização de pré-natal (RP = 0,23), parto normal (RP = 0,41), peso adequado ao nascer (RP = 0,31) e ajuda da equipe à amamentação na sala de parto (RP = 0,51).

Tabela 4
Analise multivariada dos fatores associados à não amamentação na primeira hora pós-parto em mulheres em alojamento conjunto em hospital de alto risco. Município do Rio de Janeiro, 2009.

Discussão

As mães entrevistadas que fizeram pré-natal foram fortemente protegidas quanto à amamentação de seus filhos na primeira hora de vida. A assistência pré-natal deve abranger a integralidade do cuidado, prevenção de agravos e o compromisso com a qualidade de vida da díade. Também em pesquisa realizada em Guinea-Bissau1717. Gunnlaugsson G, Da Silva MC, Smedmann L. Determinants of delayed initiation of breatfeeding: a community and hospital study from Guinea-Bissau. Int J Epidemiol 1992; 21(5): 935-40., um dos fatores que contribuiu para a demora da primeira mamada foi a não realização do pré-natal (p = 0,0001). Vieira e colaboradores1313. Vieira TO, Vieira GO, Giugliani ER, Martins CC, Silva LR. Determinants of breastfeeding initiation within the first hour of life in a Brazilian population: cross-sectional study. BMC Public Health 2010; 10: 760., em 2010, relataram associação entre amamentação na primeira hora de vida e ter recebido orientação sobre as vantagens do aleitamento materno no pré-natal, indicando que este acompanhamento favorece a preparação para amamentação.

Nossos resultados revelaram que mulheres multíparas ficaram mais protegidas quanto a não amamentação na primeira hora, de forma semelhante àquela encontrada em investigação conduzida na rede hospitalar do Município do Rio de Janeiro1111. Boccolini CS, Carvalho ML, de Oliveira MIC, Leal MC, Carvalho MS. Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada. Cad Saúde Pública 2008; 24(11): 2681-94., sugerindo que quanto maior o número de filhos, mais rapidamente ocorre a primeira mamada, possivelmente dado às dúvidas e inseguranças das primíparas. Entretanto, alguns estudos internacionais não mostraram associação entre paridade e amamentação na primeira hora1818. Ogunlesi.TA. Maternal Socio-Demographic Factors Influencing the Initiation and Exclusivity of Breastfeeding in a Nigerian Semi-Urban Setting. Child Health J 2010; 14: 459-65. , 1919. Awi DD, Alikor EA. Barriers to timely initiation of breastfeeding among mothers of healthy full-term babies who deliver at the University of Port Harcourt Teaching Hospital. Niger J Clin Pract 2006; 9(1):57-64. .

Também fatores socioeconômicos, como a escolaridade e a cor da pele, mostraram resultados contraditórios na literatura. Em nosso estudo, consistente com outro achado99. Oliveira MIC, Silva KS, Gomes-Jr SC, Fonseca VM. Resultado do teste rápido anti-HIV após o parto: uma ameaça à amamentação ao nascimento. Rev Saúde Pública 2010; 44(1): 60-9. também no Rio de Janeiro, mulheres que referiram sua cor de pele como não preta foram protegidas quanto à amamentação na primeira hora de vida, porém a investigação conduzida em Pelotas por Silveira et al.1010. Silveira RB, Albernaz E, Zuccheto LM, Fatores associados ao início da amamentação em uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant 2008; 8(1): 35-43. apontou as mães não brancas amamentando mais precocemente. Na presente pesquisa, e em estudo de Boccolini et al. realizado em 47 maternidades do Rio de Janeiro1212. Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Vasconcellos AGG. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida. Rev Saúde Pública 2011; 45(1): 69-78., a escolaridade não se mostrou associada ao desfecho, enquanto em Pelotas1010. Silveira RB, Albernaz E, Zuccheto LM, Fatores associados ao início da amamentação em uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant 2008; 8(1): 35-43. as mães de maior escolaridade foram as que começaram a amamentar mais tardiamente, e foram estas mães, brancas e de maior escolaridade, as mais submetidas a partos cesarianos.

De acordo com estudos relatados, na população brasileira afro-descendente2020. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Manual de Doenças mais importantes, por razões étnicas, na população brasileira Afro-Descendentes. Série A. Normas e Manuais Técnicos 2001, no. 123., o grupo populacional de cor de pele preta ou parda, do ponto de vista econômico e social, é o mais pobre, com menor grau de instrução e vivendo em áreas com baixa cobertura de saneamento básico. Pesquisa realizada com puérperas em maternidades no Rio de Janeiro entre 1999 e 2001 verificou desigualdades que ocorreram desde o acesso ao pré-natal até o trabalho de parto em pacientes pretas2121. Leal MC, Gama SGN, Cunha CB. Desigualdades raciais sóciodemográficas e na assistência ao pré-natal e ao parto, 1999-2001. Rev Saúde Pública 2005; 39(1): 100-7.. Em nossa pesquisa, realizada em hospital do Sistema Único de Saúde, diferentemente do estudo populacional de Pelotas1010. Silveira RB, Albernaz E, Zuccheto LM, Fatores associados ao início da amamentação em uma cidade do sul do Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant 2008; 8(1): 35-43., o fato de as mulheres pretas terem apresentado menor prevalência de aleitamento materno na primeira hora soma mais um indicador negativo às penalizações já impostas a estas mulheres no momento do parto.

A cesariana, na presente investigação, foi responsável por uma alta ocorrência de início tardio da amamentação. Na literatura, este tem-se mostrado consistentemente como um fator de risco à amamentação ao nascimento99. Oliveira MIC, Silva KS, Gomes-Jr SC, Fonseca VM. Resultado do teste rápido anti-HIV após o parto: uma ameaça à amamentação ao nascimento. Rev Saúde Pública 2010; 44(1): 60-9.-1313. Vieira TO, Vieira GO, Giugliani ER, Martins CC, Silva LR. Determinants of breastfeeding initiation within the first hour of life in a Brazilian population: cross-sectional study. BMC Public Health 2010; 10: 760., sendo reconhecido como tal pela própria Organização Mundial da Saúde, ao preconizar que nos hospitais amigos da criança pelo menos 80% das mães com parto normal e 50% daquelas submetidas ao parto cesáreo devem ser ajudadas a colocar o bebê em contato pele a pele para iniciar a amamentação33. Fundo das Nações Unidas para a Infância/Organização Mundial de Saúde. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista atualizada e ampliada para o cuidado integrado. Série A, Normas e Manuais Técnicos. Brasília; 2009.. No parto normal, protetor para o desfecho, a participação mais ativa da mulher e as maiores possibilidades de o bebê ser colocado nu em contato direto com o seu corpo nos primeiros minutos pós-nascimento podem ajudá-la a reconhecer na criança sinais de estar pronta para mamar.

A prevalência encontrada para amamentação na primeira hora (43,9%) foi bem próxima à mostrada por uma recente pesquisa populacional brasileira (43%)2222. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde 2006. Portal da saúde . Disponível em http:www.saude.gov.br (Acessado em 06 de março de 2009).
http:www.saude.gov.br...
. Apesar de o hospital estudado estar em processo de capacitação para ser credenciado como HAC, a sua equipe ainda não dispõe de uma uniformidade na assistência ao parto. Procedimentos rotineiros praticados com recém-natos saudáveis, como a aspiração de vias aéreas e faringe, aferição do peso e comprimento e higiene corporal (banho) podem interferir na amamentação ao nascimento, com prejuízo do efetivo contato entre a mãe e o bebê. Estas interferências, desnecessárias de imediato sobre o recém-nascido, são práticas frequentes, apesar da recomendação de que na sala de parto mãe e filho não devam ser separados a não ser que exista uma razão médica que justifique33. Fundo das Nações Unidas para a Infância/Organização Mundial de Saúde. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista atualizada e ampliada para o cuidado integrado. Série A, Normas e Manuais Técnicos. Brasília; 2009.. Os índices de amamentação na primeira hora de vida praticados para mulheres com parto normal (52,5%) e com parto cesáreo (27,9%) estão ainda distantes dos estabelecidos pela IHAC33. Fundo das Nações Unidas para a Infância/Organização Mundial de Saúde. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista atualizada e ampliada para o cuidado integrado. Série A, Normas e Manuais Técnicos. Brasília; 2009. e preconizados pela OMS/UNICEF11. World Health Organization/UNICEF: The global criteria for the Baby-Friendly Initiative . WHO/UNICEF; 1992.

Uma prevalência de amamentação na primeira hora ainda menor foi encontrada em estudo que investigou fatores que interferiam nesta prática em amostra representativa dos hospitais maternidade no Município do Rio de Janeiro, onde apenas 26,4% das mães de recém-nascidos de baixo e médio risco nascidos de parto normal e 5,8% daquelas submetidas ao parto cesáreo amamentaram na primeira hora de vida1212. Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Vasconcellos AGG. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida. Rev Saúde Pública 2011; 45(1): 69-78..

Menos da metade das mulheres sabia que era possível amamentar na sala de parto (43,4%), mas mesmo nestes casos os profissionais não foram questionados ou sua ajuda solicitada. A prática do Passo 4 ainda é pouco aplicada pela equipe, e para 85,1% das puérperas não foi perguntado se queriam colocar o bebê para mamar naquele momento. O Ministério da Saúde (2005)2323. Ministério da Saúde. Manual Normativo para Profissionais de Saúde de Maternidades, Referência para Mulheres que Não Podem Amamentar . Brasília: Ministério da Saúde; 2005. indica que se deve assegurar o vínculo mãe–bebê através do contato pele a pele, mesmo em mães que não poderão amamentar, imediatamente após os cuidados pediátricos, quando na situação específica se tornem necessários. Verifica-se que neste momento tão importante a mulher é pouco valorizada em suas emoções, sendo a preocupação maior focalizada no nascimento de uma criança saudável2424. Dias MAB e Deslandes SF. Humanização da Assistência ao Parto no Serviço Público: reflexão sobre desafios profissionais nos caminhos de sua implementação In: Deslandes SF (org.). Humanização dos Cuidados em Saúde: conceitos, dilemas e práticas . Rio de Janeiro: Editora FioCruz; 2006; pp. 351-66.. Há que haver educação continuada dos profissionais para o aprimoramento dos processos de trabalho, com resultados mais positivos.

Uma solução na redução do tempo da primeira mamada, encontrada na Nigéria, foi a presença de acompanhante durante o parto, principalmente em maternidades de grande movimento2525. Morhason-Bello IO, Adedokun BO, Ojengbede OA. Social support during childbirth as a catalyst for early breastfeeding initiation for first-time Nigerian mothers. Int Breastfeed J 2009; 4: 16.. Esta atitude já foi pensada em nosso país, sendo a lei do acompanhante regulamentada pela Portaria nº 2418 de 2 de dezembro de 20052626. Ministério da Saúde, Portaria Nº 2418/GM de 2 de dezembro de 2005..

Informar à mulher que é possível amamentar na sala de parto, perguntar se ela quer fazê-lo e ajudá-la nesta hora a segurar o seu bebê e a identificar se é o momento para amamentá-lo, e ajuda fundamental da equipe de saúde, são ações que envolvem a assistência ao recém-nascido e são reconhecidas como de significância na proteção à amamentação na primeira hora de vida33. Fundo das Nações Unidas para a Infância/Organização Mundial de Saúde. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista atualizada e ampliada para o cuidado integrado. Série A, Normas e Manuais Técnicos. Brasília; 2009..

Conclui-se que o Passo 4 da IHAC foi praticado junto a menos da metade da clientela, em patamares bastante inferiores aos preconizados pela OMS/UNICEF11. World Health Organization/UNICEF: The global criteria for the Baby-Friendly Initiative . WHO/UNICEF; 1992. Além dos fatores de proteção socioeconômicos e reprodutivos, como a cor de pele não preta e a multiparidade, a realização de pré-natal, o parto normal, o peso adequado ao nascimento e o oferecimento de ajuda para amamentar na hora do parto favoreceram a amamentação na primeira hora de vida.

Agradecimentos: A Valentim Magalhães, bolsista do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC), pelo auxílio na aplicação dos questionários e ao Prof. Dr. Saint Clair Gomes Júnior pelo relevante auxílio nas análises estatísticas.

Participações: Célia Regina Viana Rossi Pereira foi a principal responsável pela concepção do estudo, pela coleta e análise dos dados, e pela redação do artigo; Vânia de Matos Fonseca participou da concepção do estudo, da análise dos dados, da redação do artigo e da análise crítica do artigo; Maria Inês Couto de Oliveira participou da concepção do estudo, da análise dos dados, da redação do artigo e da análise crítica do artigo; Ivis Emilia de Oliveira Souto participou da análise crítica do artigo; Rosana Reis de Melo participou da redação e da análise crítica do artigo.

Referências

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  • Trabalho vinculado ao Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz.
  • Todos os autores leram e aprovaram a versão final do artigo e possuem currículos na plataforma LATTES do CNPq.
  • Fonte de financiamento: bolsa da FAPERJ de Iniciação Científica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2011
  • Revisado
    19 Mar 2012
  • Aceito
    10 Jul 2012
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