Resumo
Buscou-se avaliar as associações entre grupos ocupacionais, importante preditor da posição social, e uma boa qualidade de vida dos brasileiros. Trata-se de um estudo transversal baseado em dados obtidos em um survey de base populacional realizado no Brasil no ano de 2008. Foram analisados 12.423 brasileiros com idade superior a 20 anos. Os desfechos de qualidade de vida física e mental foram mensurados por meio dos componentes sumários do instrumento validado SF-36. Tanto a qualidade de vida física quanto a mental tiveram seus escores agrupados em "acima" e "abaixo da média" para configurar desfechos binários. Foi realizada regressão logística a fim de analisar o impacto da posição ocupacional nas chances de qualidade de vida física e mental acima da média, controlando por variáveis sociodemográficas e de saúde. Resultados apontaram que indivíduos inseridos no mercado de trabalho apresentam maiores chances de uma boa qualidade de vida física e mental mesmo controlando por outras variáveis.
Qualidade de vida; Classe social; Condições sociais; Ocupações; Desigualdades em saúde; Modelos logísticos; Epidemiologia; Ciências sociais
Introdução
O termo Qualidade de Vida (QV) refere-se a um construto multideterminado que pode ser aplicado a várias áreas do conhecimento. O conceito abrange a distribuição tanto dos bens de cidadania - os bens e direitos que uma sociedade, em um dado momento, julga serem essenciais - quanto dos bens coletivos com repercussões sobre o bem-estar social. Assim, os bens de cidadania e o grau de equidade, que caracterizam a distribuição entre diferentes categorias da população, constituem a preocupação principal dos estudos voltados para a questão da QV e acabam por fornecer contribuições ao entendimento do efeito do sistema social nos elementos dessa qualidade, dentre eles, a saúde11. Seidl EMF, Zannon CMLC. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad Saúde Pública 2004; 20(2): 580-8..
A dimensão saúde-doença como subconjunto do conceito de QV deve ser entendida como um processo articulado com outros condicionantes sociais que estruturam o espaço urbano e delimitam os contornos da QV em um espaço recortado pelas desigualdades sociais. Segundo Fleck et al.22. Fleck MPA, Leal OF, Louzada S. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQoL-100). Rev Bras Psiquiatr 1999; 21(1): 19-28., QV é um conceito que se insere em um movimento dentro das ciências humanas e biológicas com o intuito de humanizar a Medicina e as ciências afins por meio da superação do modelo biomédico, da recuperação da definição de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da aproximação com a promoção da saúde, o que dá visibilidade à interface entre condições sociais, QV e saúde, refletindo o objetivo principal dos clássicos da Medicina social11. Seidl EMF, Zannon CMLC. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad Saúde Pública 2004; 20(2): 580-8. , 33. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciênc Saúde Coletiva 2000; 5(1): 7-18..
Nesse contexto de promoção da saúde, a prática médica, antes focada apenas no diagnóstico e no tratamento, passa a valorizar parâmetros mais amplos do que a diminuição da mortalidade ou o aumento da expectativa de vida22. Fleck MPA, Leal OF, Louzada S. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQoL-100). Rev Bras Psiquiatr 1999; 21(1): 19-28.. Nesse novo paradigma, medidas clínicas de caráter objetivo somam-se a indicadores subjetivos de percepções dos indivíduos, como é o caso da QV44. Wood-Dauphinee S. Assessing Quality of Life in Clinical Research: from where have we come and where are we going? J Clin Epidemiol 1999; 52(4): 355-63.. As transições epidemiológica e demográfica da sociedade, que resultaram em um perfil marcado por doenças e agravos não transmissíveis e pelo aumento da expectativa de vida, contribuíram para inserir o construto no campo da saúde e demandaram ações que avaliassem novos elementos que influíssem sobre essa QV. Estudos sobre QV e sua associação com a saúde são relativamente recentes, mas de significativo crescimento nas duas últimas décadas. Grande parte deles teve como objetivo a definição do termo e a apresentação dos instrumentos utilizados para aferição da QV33. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciênc Saúde Coletiva 2000; 5(1): 7-18..
Entretanto, para evitar ambiguidade e fazer a distinção entre a QV, em seu senso mais amplo, e a sua aplicação específica no campo da saúde e nos estudos clínicos, o termo Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) é frequentemente utilizado. A QVRS é um reflexo da maneira como o indivíduo percebe e reage ao seu status de saúde e a outros aspectos não médicos de sua vida. Ainda, a QVRS refere-se aos domínios físico, psicológico e social da saúde que são influenciados pela percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto cultural e no sistema de valores e em relação a seus objetivos, expectativas e preocupações33. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciênc Saúde Coletiva 2000; 5(1): 7-18. , 55. The WHOQoL Group. The World Health Organization Quality of Life assessment (WHOQoL): position paper from the World Health Organization. Soc Sci Med 1995; 41(10): 1403-9. , 66. Gill TM, Feinstein AR. A critical appraisal of the quality of quality-of-life measurements. JAMA 1994; 272(8): 619-26.. Assim, a maneira com que os indivíduos avaliam sua saúde depende das expectativas criadas no que tange à saúde ideal. Essas expectativas variam, entretanto, de acordo com vários fatores, dentre eles, a posição socioeconômica e as questões culturais, as quais podem acarretar maneiras diferentes de perceber a própria saúde/QV.
Autores como Paim77. Paim JS. Abordagens Teórico-conceituais em estudos de condições de vida e saúde: notas para reflexão e ação. In: Barata RB (Org). Condições de vida e situação de saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO; 1997. p. 7-30. e Castellanos88. Castellanos PL. Epidemiologia, Saúde Pública, situação de saúde e condições de vida - considerações conceituais. In: Barata RB (Org). Condições de vida e situação de saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO; 1997. p. 31-75. ressaltam a importância do espaço social nos estudos de explicação do processo saúde doença e argumentam que, à medida que esse processo pode ser compreendido como resultante da posição social dos indivíduos no espaço social e das relações daí decorrentes, o estudo desse espaço é fundamental. Frente a essa perspectiva, vários foram os modelos teóricos que surgiram a fim de explicar essa relação entre posição social e os desfechos de saúde e qualidade de vida99. Marmot M, Wilkinson RG. Social determinants of health. New York: Oxford University Press; 2005..
A posição social de um indivíduo é definida pela combinação de diversos aspectos, dentre eles, renda, educação, ocupação e estilo de vida. Cada um desses elementos, individualmente ou de forma combinada, pode exercer influências positivas ou negativas nas condições de saúde. Estudos mostram que, independentemente do marcador social e do indicador de saúde utilizados, há uma tendência universal de aqueles em melhores posições sociais experimentarem melhores condições de saúde e de QV99. Marmot M, Wilkinson RG. Social determinants of health. New York: Oxford University Press; 2005.. O Relatório Black, de 1980, teve papel importante na divulgação da importância que a posição social tem nas desigualdades em saúde. Os achados indicaram que existem disparidades significativas entre as várias classes que afetam indicadores de saúde, como peso ao nascer, tensão arterial ou risco de contrair doença grave1010. Townsend P, Davidson N. Inequalities in health: the black report and the health divide. Harmondworth: Penguin Books; 1982..
Castellanos88. Castellanos PL. Epidemiologia, Saúde Pública, situação de saúde e condições de vida - considerações conceituais. In: Barata RB (Org). Condições de vida e situação de saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO; 1997. p. 31-75. explica que o fato é que o modo de vida ao qual os indivíduos estão submetidos resulta de sua inserção na formação social, que é consequente do modo de produção e organização da sociedade. Essas facetas interagem entre si e acabam por determinar o acesso dos indivíduos aos bens materiais de vida, moradia, lazer, saneamento, alimentação, escolaridade, entre outros. Tal constatação abre todo um campo de estudo na saúde, nas ciências sociais e na Sociologia, a fim de apreender, da melhor forma possível, a maneira com que as condições sociais se relacionam com a saúde e a QV. Medir o estado de saúde de populações permite definir níveis de comparação entre grupos, detectar injustiças em relação a condições de saúde, por diferentes patologias, áreas geográficas, condições sociais, condições econômicas ou ainda relativas ao gênero e à idade.
Dessa maneira, dado que a QV é um evento multideterminado e muito reflete sobre a condição de vida e saúde da população estudada, o objetivo deste estudo foi conhecer a magnitude e a direção das associações existentes entre posição socioeconômica e outras características sociodemográficas e de saúde e as chances de uma melhor QV física e mental a partir da descrição do perfil e padrões de distribuição dos escores de QV (Short Form-36 - SF-36 v2 em língua portuguesa) de uma amostra probabilística de domicílios no Brasil em 2008.
Metodologia
Estudo-fonte
Os dados do estudo são oriundos da Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD), estudo analítico transversal de dados realizado em 2008, coordenado pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) com a participação de pesquisadores de outras instituições acadêmicas de ensino e pesquisa. Essa pesquisa teve como referência a Pesquisa de Padrão de Vida (PPV) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada entre 1996 e 1997 nas regiões sudeste e norte do país, e buscou entrevistar chefes de famílias e seus cônjuges, ambos com idade superior a 20 anos, para produzir informações atualizadas sobre as diversas dimensões das desigualdades sociais e compreender o mecanismo de produção e reprodução da desigualdade ao longo do ciclo de vida. No segundo semestre de 2008, deu-se o levantamento dos dados por meio do inquérito domiciliar de base populacional, cujo desenho amostral caracterizou-se por uma amostra estratificada constituída por 1.374 setores censitários (unidades primárias amostrais) e 8.048 domicílios particulares permanentes (unidades secundárias amostrais) em setores comuns ou não especiais, inclusive favelas, em áreas urbanas e rurais de todas as regiões do Brasil1111. Laguardia J, Campos MR, Travassos CM, Najar AL, Anjos LA, Vasconcellos MM. Psychometric evaluation of the SF-36 (v.2) questionnaire in a probability sample of Brazilian households: results of the survey Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD), Brazil, 2008. Health Qual Life Outcomes 2011; 9: 61.. Ao final, foram entrevistados 12.423 chefes de famílias e cônjuges. Cerca de 20% dos domicílios primários foram substituídos por outros, principalmente dada a recusa ou impossibilidade de um dos cônjuges em receber o entrevistador. No instrumento utilizado na PDSD, havia perguntas acerca de educação, saúde, trabalho, moradia, discriminação, percepção de justiça, entre outros.
Variável de desfecho: Qualidade de Vida
Como mencionado anteriormente, a QVRS é um ramo da QV e refere-se aos aspectos de saúde que são valorizados pelas pessoas e que se sobrepõem aos componentes da QV geral1212. Silqueira SMF. Questionário genérico SF-36 como instrumento de mensuração da qualidade de vida relacionado a saúde de pacientes hipertensos [tese de doutorado]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2005.. Desse modo, apesar de uma condição subjetiva, medidas de QVRS são utilizadas diversas vezes como proxy das condições de saúde de indivíduos ou populações. Para isso, vários instrumentos surgiram com o intuito de medir a QVRS, convertendo medidas subjetivas em dados objetivos quantificados1313. Ciconelli RM. Medidas de avaliação de qualidade de vida. Rev Bras Reumatol 2003; 43(2): 9-13..
Existem dois tipos de campos de aplicação de medidas de QVRS que podem ser classificadas em específicos ou genéricos. Os instrumentos específicos detectam particularidades da QV subsequentes a determinadas doenças ou agravos à saúde e destinam-se a grupos com uma mesma enfermidade. São úteis na avaliação de modalidades terapêuticas em ensaios clínicos e/ou para acompanhar mudanças ocorridas durante o tratamento. Todavia, não permitem estabelecer comparações entre grupos em diferentes condições. Já os instrumentos genéricos avaliam o estado de saúde e são utilizados para avaliar diversos domínios aplicáveis aos diferentes estados de saúde de distintos tipos de população ou doenças. São multidimensionais, possuem ampla aplicabilidade e permitem comparar a QV de indivíduos sadios com a de indivíduos doentes ou de portadores da mesma doença vivendo em diferentes contextos sociais e culturais. Porém, não são sensíveis na detecção de aspectos particulares e específicos da QV decorrentes de uma determinada patologia11. Seidl EMF, Zannon CMLC. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad Saúde Pública 2004; 20(2): 580-8. , 33. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciênc Saúde Coletiva 2000; 5(1): 7-18. , 1212. Silqueira SMF. Questionário genérico SF-36 como instrumento de mensuração da qualidade de vida relacionado a saúde de pacientes hipertensos [tese de doutorado]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2005. , 1414. MendonçaTMS.. Avaliação prospectiva da qualidade de vida relacionada à saúde em idosos com fratura do quadril por meio de um instrumento genérico - The medical outcome study 36-item short-form health survey (SF-36) dissertação Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia; 2006 . .
Dentre os instrumentos genéricos de medida de QV, destaca-se o SF-36, desenvolvido no final dos anos 1980 nos Estados Unidos e que foi utilizado nesta pesquisa. O SF-36 foi traduzido e validado no Brasil para avaliar a QV de pacientes com artrite reumatoide e mostrou-se adequado às condições socioeconômicas e culturais da população brasileira. Além disso, o fato de ser um instrumento curto, versátil, de fácil compreensão e que permite comparação internacional de resultados torna o SF-36 uma atraente ferramenta para uso nos inquéritos populacionais1111. Laguardia J, Campos MR, Travassos CM, Najar AL, Anjos LA, Vasconcellos MM. Psychometric evaluation of the SF-36 (v.2) questionnaire in a probability sample of Brazilian households: results of the survey Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD), Brazil, 2008. Health Qual Life Outcomes 2011; 9: 61..
No caso deste trabalho, a QV foi mensurada por meio do questionário traduzido para o português SF-36 v.2, tipo standard, em que as perguntas foram relativas às últimas quatro semanas prévias à entrevista1313. Ciconelli RM. Medidas de avaliação de qualidade de vida. Rev Bras Reumatol 2003; 43(2): 9-13.. O instrumento é composto por 36 itens ou questões que avaliam 8 domínios (ou dimensões) de saúde: Capacidade Funcional - PF (desempenho das atividades diárias, como capacidade de cuidar de si, vestir-se, tomar banho e subir escadas); Aspectos Físicos (impacto da saúde física no desempenho das atividades diárias e ou profissionais); Dor Corporal - BF (nível de dor e o impacto no desempenho das atividades diárias e ou profissionais), Estado Geral de Saúde - GH (percepção subjetiva do estado geral de saúde); Vitalidade - VT (percepção subjetiva do estado de saúde); Aspectos Sociais - SF (reflexo da condição de saúde física nas atividades sociais); Aspectos Emocionais - RE (reflexo das condições emocionais no desempenho das atividades diárias e ou profissionais); Saúde Metal - MH (escala de humor e bem-estar). Esses domínios, por sua vez, são comumente analisados de forma agregada, sendo resumidos em duas medidas sumárias: Componente Físico (PCS) e Componente Mental (MCS).
Para o estudo, foram consideradas as medidas sumárias de QV física (PCS) e mental (MCS). Essas dimensões foram pontuadas em uma escala de 0 a 100, sendo 100 o melhor estado de saúde possível. Esses escores foram, entretanto, transformados em escores normalizados em relação à população americana, com média de 50 e desvio padrão de 10. Dessa forma, toda vez que a pontuação de uma escala encontra-se menor que 50, o estado de saúde está abaixo da média. Para a análise de regressão logística multivariada, os casos foram agrupados em "acima da média" e "abaixo da média" com o objetivo de configurar um desfecho binário.
Exposição de interesse: hierarquia ocupacional como tradução de posições sociais
Diante do vasto campo que se coloca quando se trata das relações existentes entre condições sociais e condições de saúde/QV, a divisão da sociedade em estratos ou grupos sociais, os quais evidenciam características próprias no que diz respeito às condições de vida, de adoecer e de morrer, é tida como reflexo das condições sociais experimentadas pelos indivíduos.
Apesar dos impasses metodológicos existentes quanto à definição de classe ou estrato social, estudos e discussões referentes ao tema no Brasil fornecem subsídios para elaborações de propostas de classificações e norteiam escolhas de modelos lógicos que melhor atendam aos objetivos de cada pesquisa. Pesquisas baseadas na análise de dados provenientes de surveys procuram medir posições sociais com o objetivo de desenvolver análises estatísticas, embora não haja consenso sobre qual a melhor maneira de mensurar classes sociais1515. Ribeiro CAC. Estrutura de classes, condições de vida e oportunidades de mobilidade social. In: Silva NV, Hasenbalg C. Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks; 2003.. Apesar de alguns estudos, principalmente no campo econômico, associarem renda à classe social, os dois termos não podem ser considerados sinônimos. De acordo com a tradição sociológica, classes sociais devem ser pautadas nas posições ocupacionais dentre unidades produtivas e mercados de trabalho. Pastore1616. Pastore J. Desigualdade e mobilidade social no Brasil. São Paulo: T.A. Queiroz/EDUSP; 1979. explica que a ocupação tem especial destaque entre os critérios atribuídos e coloca-se como um poderoso indicador do posicionamento do indivíduo no espaço social.
As classificações ocupacionais refletem medidas de status adquiridas dessas informações de ocupação. Cada estrato ocupacional identificado dentro de determinada classificação caracteriza-se por relativa homogeneidade nas situações de trabalho e de mercado. No presente estudo, a variável ocupação foi considerada para a determinação da posição social dos sujeitos e utilizou-se a Escala de Status Socioeconômico das Ocupações (International Socioeconomic Index of Occupational Status - ISEI), desenvolvida por Ganzeboom, De Graaf e Treiman1717. Ganzeboom HBG, De Graaf P, Treiman DJ. A standard international socio-economic index of occupational status. Soc Sci Res 1992; 21(1): 1-56. a partir dos códigos ocupacionais da International Standard Classification of Occupations (ISCO 88). Trata-se de uma escala criada a partir de uma ponderação das características socioeconômicas das pessoas inseridas em uma determinada ocupação, em geral, educação e renda. Para aplicar o ISEI à realidade brasileira, foi necessário converter os códigos das ocupações da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO 2002) referentes à ocupação atual do chefe de família para a classificação da ISCO 88 e, posteriormente, para a escala de Ganzeboom et al.1717. Ganzeboom HBG, De Graaf P, Treiman DJ. A standard international socio-economic index of occupational status. Soc Sci Res 1992; 21(1): 1-56., em que as ocupações foram classificadas e agregadas, tendo como resultado os 11 estratos sociais descritos no Quadro 1.
- Esquema de classes de Ganzeboom et al. 1717. Ganzeboom HBG, De Graaf P, Treiman DJ. A standard international socio-economic index of occupational status. Soc Sci Res 1992; 21(1): 1-56. grupos hierárquicos e exemplos de ocupações.
Apesar de a classificação proposta por Ganzeboom et al.1717. Ganzeboom HBG, De Graaf P, Treiman DJ. A standard international socio-economic index of occupational status. Soc Sci Res 1992; 21(1): 1-56. permitir a distinção entre trabalho rural e urbano e entre manual e não manual (importante ao se avaliar o mercado de trabalho), os autores deixam claro que ela não segue uma hierarquia perfeita. Por isso, seguindo sugestão de Ribeiro1515. Ribeiro CAC. Estrutura de classes, condições de vida e oportunidades de mobilidade social. In: Silva NV, Hasenbalg C. Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks; 2003., os 11 estratos foram reagrupados a fim de melhor captar a hierarquia existente entre os grupos ocupacionais (Quadro 1), característica de interesse quando se deseja, por exemplo, estabelecer quais seriam as melhores ou piores posições sociais dentro de uma sociedade e sua relação com as condições de vida e saúde experimentadas. Apesar de o agrupamento indicado por Ribeiro1515. Ribeiro CAC. Estrutura de classes, condições de vida e oportunidades de mobilidade social. In: Silva NV, Hasenbalg C. Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks; 2003. não ter sido aplicado à escala de Ganzeboom et al.1717. Ganzeboom HBG, De Graaf P, Treiman DJ. A standard international socio-economic index of occupational status. Soc Sci Res 1992; 21(1): 1-56. e sim ao modelo Comparative Analysis of Social Mobility in Industrial Nations (CASMIN), parearam-se os grupos levando em consideração as relações de emprego dentro de cada classe. No novo agrupamento, a classe I deu origem ao Grupo hierárquico 1; as classes II, IIIa e IIIb formaram o Grupo 2; IVa e V formaram o Grupo 3; o Grupo 4 foi formado pelas classes IVb, IVc e VI. Por fim, as classes VIIa e VIIb compuseram o Grupo 5. O Grupo 6 foi criado exclusivamente para esta pesquisa com o objetivo de reunir aqueles entrevistados considerados como população não economicamente ativa (trabalhadores do lar, desempregados e aposentados) e que não são, comumente, considerados nas escalas ocupacionais. A definição de tais grupos possibilitou caracterizar a situação de trabalho dos entrevistados, fornecendo subsídios à análise dos dados.
Fatores associados: características sociodemográficas e condições de saúde
Variáveis sociodemográficas adotadas como possíveis explicadores de uma boa qualidade de vida foram: sexo (masculino ou feminino), idade categorizada por faixa etária (20 - 39, 40 - 64 e 65 anos ou mais) e escolaridade registrada em anos de estudos completos (0; 1 - 4; 5 - 8; 9 - 11, ≥ 12 anos). Já as variáveis escolhidas para representar as condições de saúde foram: morbidades categorizadas de acordo com o número de doenças crônicas e agravos não transmissíveis relatados (0; 1; 2; ≥ 3) e hábito de fumar no presente ou no passado (nunca fumou; já fumou mas parou e fuma atualmente).
Análise dos dados
Na análise dos dados, foram utilizadas estatísticas descritivas para traçar o perfil ocupacional, sociodemográfico, de saúde e de qualidade de vida dos brasileiros, utilizando-se em todas as etapas da análise os pesos amostrais correspondentes ao desenho da amostra estratificada. Os resultados foram expostos em tabelas com medidas de frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas. Para as medidas contínuas sumárias de QV do SF-36 (PCS e MCS), segundo variáveis de ocupação e variáveis sociodemográficas e de saúde, foram apresentadas ainda a média, mediana, valor mínimo e valor máximo. Para verificar a associação entre as variáveis de exposição e o desfecho de QV física e mental acima da média, utilizou-se o teste do χ22. Fleck MPA, Leal OF, Louzada S. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQoL-100). Rev Bras Psiquiatr 1999; 21(1): 19-28., sendo consideradas significativas as variáveis que apresentaram valor p < 0,05. Por meio dessa etapa, foi possível selecionar as variáveis a serem posteriormente introduzidas no modelo multivariado de regressão logística, cuja escolha buscou adequar a necessidade de controle de múltiplas variáveis de confusão e o uso, como variável resposta, de um evento binário. Neste trabalho, o modelo foi utilizado com o objetivo de identificar o conjunto de variáveis que melhor contribui para explicar uma qualidade de vida acima da média. O método de seleção utilizado foi o Stepwise e foram incluídas no modelo as variáveis com p < 0,10. Após as interações, foram eliminadas as variáveis com p > 0,10, determinando-se, então, os coeficientes de regressão logística, as razões de chances ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança a 95%. Foram, ainda, calculadas as probabilidades preditas para cada desfecho (PCS > 50; MCS > 50) segundo a exposição de interesse (grupo ocupacional) no modelo final. O ponto de corte da proporção de desfecho adotado foi 50%. A proporção de classificação correta entre os positivos e entre os negativos para o desfecho e a proporção de classificação total foram também determinadas. Os dados foram analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows, versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, EUA).
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e sua realização, considerada adequada à população humana (CEP: nº 157/11).
Resultados
Entre os participantes, 5.255 (42,3%) eram homens e quase metade dos respondentes apresentou idade entre 40 e 64 anos (49,4%). Em relação ao grupo ocupacional, percebe-se que somente 17% dos brasileiros estão alocados no topo da hierarquia, representado pelos grupos 1 e 2. Em relação aos anos de estudo, 16,5% dos respondentes foram classificados como analfabetos, quase o dobro daqueles que estudaram por 12 anos ou mais. A maior parte dos entrevistados estudou de 1 a 4 anos (31,1%). Viu-se pelo menos uma doença crônica em 63,3% dos entrevistados. No que tange ao hábito de fumar, mais da metade relatou nunca tê-lo feito (55,7%) (Tabela 1).
No que diz respeito à QV, homens apresentaram melhor saúde física e mental do que as mulheres. Tanto o PCS quanto o MCS apresentaram menores pontuações para aqueles entrevistados com idade mais avançada, sendo a QV física mais afetada pelo avançar da idade do que a QV mental. Percebe-se que a melhora na QV é diretamente proporcional ao aumento da escolaridade, sendo mais evidente a diferença na QV física. Indivíduos com 12 anos ou mais de estudo apresentaram escore médio do PCS de 53, enquanto para os analfabetos esse valor foi cerca de 43. A QV decresceu à medida que um número maior de doenças crônicas foi reportado, com média variando de 54,9 no grupo sem doença até 41,3 no grupo com três ou mais doenças crônicas para a saúde física e de 54 a 45,7 para a saúde mental. Indivíduos que nunca fumaram apresentaram maior média de PCS e MCS quando comparados àqueles que fumam atualmente (Tabela 1).
Em relação à variável de exposição de interesse, percebe-se que a saúde física e mental decresce à medida que se avança em direção aos grupos ocupacionais menos privilegiados, ou seja, aqueles que se encontram fora do mercado de trabalho apresentam pior qualidade de vida física e mental quando comparados aos outros grupos ocupacionais, sendo a qualidade de vida física mais afetada pela posição ocupada no espaço social. A média do PCS variou de 54,3 (Grupo 1) a 46 (Grupo 6). Já para o MCS, a média no Grupo 1 foi de 53,6 e, no Grupo 6, de 49,6 (Tabela 1).
A análise bivariada (Tabela 2) mostrou que aqueles indivíduos mais bem posicionados ocupacionalmente compuseram em maior número o grupo daqueles com QV física e mental acima da média (p = 0,000). Quase 80% daqueles alocados no Grupo 1 apresentaram escore de QV (física ou mental) acima de 50 contra menos de 50% do Grupo 6. Observou-se que homens, jovens, mais escolarizados, saudáveis e que nunca fizeram uso de cigarro também foram maioria quando considerada a pontuação do PCS e do MCS acima da média.
Foi detectada associação significativa entre grupo ocupacional e o PCS e MCS acima da média, mesmo controlando-se pelas demais características sociodemográficas e condições de saúde no modelo multivariado de regressão logística (Tabela 3). Ou seja, indivíduos economicamente ativos apresentaram maiores chances de uma boa QV física e mental quando comparados com aqueles alocados no Grupo 6. Indivíduos integrantes do Grupo 1 tiveram quase 2 vezes mais chances de uma saúde física acima da média quando comparados àqueles do último grupo. No que diz respeito à saúde mental, a chance foi 1,6 vezes maior (Figura 1).
- Probabilidade predita e probabilidade observada para os desfechos de qualidade de vida física e qualidade de vida mental acima da média. Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades, Brasil, 2008.
No modelo final, uma QV física (PCS) acima da média foi, ainda, explicada pela idade, pela escolaridade e pelo número de morbidades. Indivíduos mais jovens, escolarizados e saudáveis tiveram maiores chances de terem alcançado uma saúde física acima da média. Sexo não foi significativo e hábito de fumar não mostrou significância nas subcategorias (Tabela 3). O ajuste do modelo de regressão para o PCS mostrou-se bom, com proporção de acertos total de 74%. Entre os positivos, o acerto foi de 80,3% para o desfecho e, entre os negativos, de 65,4%.
No que tange a uma boa QV mental, esta foi também explicada pelas variáveis sexo, idade, escolaridade, número de morbidades e tabagismo. Os mais velhos, com maior grau de escolaridade, saudáveis e que nunca fumaram apresentaram maiores chances de um escore de MCS acima de 50 (Tabela 3). O modelo utilizado para aferir o efeito das variáveis associadas sobre a saúde mental apresentou proporção de acertos total de 67,7%. Entre os positivos para a ocorrência do desfecho, essa proporção foi 85,4% e, entre os negativos, foi de 37,8%.
Discussão
Estudos que avaliam a relação de características sociodemográficas e desfechos de saúde e QV vêm sendo amplamente divulgados no campo da Saúde Pública e da Epidemiologia. Esses estudos, entretanto, variam de acordo com a medida socioeconômica e de saúde que avaliam. No que tange aos aspectos sociais, grande parte dos autores considera a posição social em suas análises, sendo a ocupação defendida como um poderoso proxy dessa posição social1616. Pastore J. Desigualdade e mobilidade social no Brasil. São Paulo: T.A. Queiroz/EDUSP; 1979. , 1818. FlorLS.. Mobilidade Social e Saúde: uma análise do survey "Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD)", Brasil, 2008 [dissertação de mestrado] dissertação Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ; 2012 . , 1919. Halleröd B, Gustafsson JE. A longitudinal analysis of the relationship between changes in socio-economic status and changes in health. Soc Sci Med 2001; 72(1): 116-23.. Já no que diz respeito à saúde, comumente os indicadores de QV são utilizados como medida capaz de sintetizar a situação de saúde de uma população1818. FlorLS.. Mobilidade Social e Saúde: uma análise do survey "Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD)", Brasil, 2008 [dissertação de mestrado] dissertação Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ; 2012 . , 2020. Pavão ALB, Ploubidis G, Werneck G, Campos MR. Racial discrimination and health in Brazil: evidence from a population based survey. Ethn Dis 2012; 22(3): 353-9. , 2121. Lima MGL, Barros MBA, César CLG, Goldbaum M, Carandina L, Ciconelli RM. Health related quality of life among the eldery: a population-based study using SF-36 survey. Cad Saúde Pública 2009; 25(10): 2159-67..
Dados os resultados do estudo, vê-se associação significativa existente entre posição ocupacional e uma boa QV física e mental, mesmo após controle por outras variáveis sociodemográficas e de saúde. Uma associação significativa entre as características ocupacionais e a saúde física e mental mensurada pelo SF-36 também foi percebida em estudo realizado no Reino Unido2222. Chandola T, Bartley M, Sacker A, Jenkinson C, Marmot M. Health selection in the Whitehall II study, UK. Soc Sci Med 2003; 56(10): 2059-72.. Ao observar o perfil de QV segundo características ocupacionais, que, por sua vez, refletem condições sociais às quais os brasileiros estão submetidos, percebe-se concordância com estudos que buscam avaliar a influência da posição social na saúde99. Marmot M, Wilkinson RG. Social determinants of health. New York: Oxford University Press; 2005.. Autores defendem que a alocação das pessoas em diferentes posições sociais resulta em uma distribuição desigual de bens, serviços, condições de vida, vantagens e desvantagens sociais99. Marmot M, Wilkinson RG. Social determinants of health. New York: Oxford University Press; 2005. , 1919. Halleröd B, Gustafsson JE. A longitudinal analysis of the relationship between changes in socio-economic status and changes in health. Soc Sci Med 2001; 72(1): 116-23. , 2323. Fahel M. Desigualdades em saúde no Brasil: uma análise do acesso aos serviços de saúde por estratos ocupacionais. In: Anais do Congresso Brasileiro de Sociologia; 2007; Belo Horizonte (BR). Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Sociologia; 2007.. Essa separação ocupacional/social termina, portanto, por produzir um conjunto de determinações que operam na gênese de riscos ou potencialidades característicos, por sua vez manifestos na forma de um perfil de saúde e de QV que se difere entre esses grupos populacionais. Para Braveman2424. Braveman P. Health disparities and health equity: concepts and measurement. Annu Rev Public Health 2006; 27: 167-94., é uma ocorrência rara que o estrato mais privilegiado não tenha o nível mais elevado de saúde. Há indícios ainda de que indivíduos pertencentes aos estratos mais elevados gozam de uma melhor saúde, são mais altos e fortes e vivem mais do que aqueles que se encontram na base da hierarquia social99. Marmot M, Wilkinson RG. Social determinants of health. New York: Oxford University Press; 2005..
Considerando-se os resultados do Grupo 6 (não economicamente ativos), estudos já alertavam para a forte relação existente entre má QV/saúde e o fato de se estar fora do mercado de trabalho2525. Elstad JI. Health and status attainment: effects of health on occupational achievement among employed Norwegian men. Acta Sociol 2004; 47(2): 127-40. , 2626. Ki M. Health selection and health inequalities [tese de doutorado]. Londres: University College London; 2009.. Estudos que abordam os desempregados, parcela do Grupo 6, apontam que o desemprego está associado à maior morbimortalidade e à adoção de comportamentos que podem influenciar negativamente a saúde2727. Giatti L, Barreto SM, Cesar CC. Informal work, unemployment and health in Brazilian metropolitan areas, 1998 and 2003. Cad Saúde Pública 2008; 24(10): 2396-406.. Em um levantamento nacional, viu-se que estar fora do mercado ou em piores condições ocupacionais refletiu negativamente na busca e no uso dos serviços de saúde2828. Giatti L, Barreto SM. Situação no mercado de trabalho e utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(9): 3817-27..
Vale ainda ressaltar que a saúde é um importante fator de controle para o emprego e a permanência no trabalho. Uma má qualidade de vida física é apontada como capaz de impulsionar o trabalhador para fora do mercado, gerando um ciclo vicioso de desvantagens sociais. A queda dos rendimentos - somada, muitas vezes, a gastos com a saúde - leva a uma redução na qualidade e no padrão de vida, resultando em uma menor inserção social e acesso reduzido a oportunidades sociais e também de saúde2929. Cardano M, Costa G, Demaria M. Social mobility and health in the Turin longitudinal study. Soc Sci Med 2004; 58(8): 1563-74. , 3030. Schuring M, Burdorf L, Kunst A, Mackenbach J. The effects of ill health on entering and maintaining paid employment: evidence in European countries. JEpidemiol Community Health 2007; 61(7): 597-604..
No tocante ao MCS, estar alocado fora do meio de trabalho diminui as chances de uma QV acima da média. Em uma discussão sobre empregabilidade e saúde mental, autores colocam que a existência de um vínculo empregatício, salário fixo e estabilidade representa algo significativo na vida dos indivíduos, produzindo um sentido de inclusão social, gerando reconhecimento por parte da sociedade e contribuindo para uma melhor percepção de sua própria situação3131. Pinheiro LRS, Monteiro JK. Refletindo sobre desemprego e agravos à saúde mental. Cad Psicol Soc Trab 2007; 10(2): 35-45.. A forma com que o fato de estar fora do mercado afeta a saúde mental de homens e mulheres pode, ainda, estar relacionada às responsabilidades familiares vinculadas a esses indivíduos3232. Artazcoz L, Benach J, Borrell C, Cortès I. Unemployment and mental health: undertanding the interactions among gender, family roles, and social class. Am J Public health 2004; 94(1): 82-8.. Dessa maneira, homens parecem ser mais suscetíveis a uma má QV mental quando não ocupados. No que tange às demais características sociodemográficas e de saúde associadas a uma QV física e mental acima da média, algumas já foram abordadas em outros estudos. Homens apresentaram maior chance de uma boa QV física quando comparados com as mulheres. Em um estudo de base populacional com idosos brasileiros, mulheres apresentaram menor escore de QV em todos os domínios do SF-362121. Lima MGL, Barros MBA, César CLG, Goldbaum M, Carandina L, Ciconelli RM. Health related quality of life among the eldery: a population-based study using SF-36 survey. Cad Saúde Pública 2009; 25(10): 2159-67.. Em outro estudo utilizando dados da PDSD, as mulheres apresentam maiores chances de avaliarem a saúde como ruim ou péssima, de apresentarem maior número de morbidades físicas e de serem depressivas2020. Pavão ALB, Ploubidis G, Werneck G, Campos MR. Racial discrimination and health in Brazil: evidence from a population based survey. Ethn Dis 2012; 22(3): 353-9.. Outros estudos também apontaram para uma pior autoavaliação de saúde entre mulheres1818. FlorLS.. Mobilidade Social e Saúde: uma análise do survey "Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD)", Brasil, 2008 [dissertação de mestrado] dissertação Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ; 2012 . , 3333. Dachs JNW, Santos APR. Auto-avaliação do estado de saúde no Brasil: análise dos dados da PNAD/2003. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11(4): 887-94.. Segundo Lima et al.2121. Lima MGL, Barros MBA, César CLG, Goldbaum M, Carandina L, Ciconelli RM. Health related quality of life among the eldery: a population-based study using SF-36 survey. Cad Saúde Pública 2009; 25(10): 2159-67., esse cenário pode ser atribuído ao fato de as mulheres apresentarem melhor percepção e conhecimento no que diz respeito a doenças e sintomas quando comparadas aos homens.
Em respeito à idade, indivíduos mais jovens obtiveram maiores chances de melhor QV física. De fato, é esperado que indivíduos mais velhos apresentem pior estado de saúde, no componente físico, como achado em outros estudos brasileiros1818. FlorLS.. Mobilidade Social e Saúde: uma análise do survey "Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD)", Brasil, 2008 [dissertação de mestrado] dissertação Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ; 2012 . , 2020. Pavão ALB, Ploubidis G, Werneck G, Campos MR. Racial discrimination and health in Brazil: evidence from a population based survey. Ethn Dis 2012; 22(3): 353-9.. A saúde mental, por sua vez, apresentou comportamento contrário. Indivíduos com mais de 65 anos apresentaram maiores chances de MCS acima da média. Em um estudo de base populacional, indivíduos com idade avançada apresentavam menores chances de serem deprimidos quando comparados com outras faixas etárias, o que pode influenciar a percepção de saúde mental2020. Pavão ALB, Ploubidis G, Werneck G, Campos MR. Racial discrimination and health in Brazil: evidence from a population based survey. Ethn Dis 2012; 22(3): 353-9.. Em estudo com idosos de diferentes idades, não foi verificada uma variabilidade significativa no que diz respeito à QV mental.
Resultados referentes à escolaridade são consistentes com achados de outros estudos. A educação está ligada à posição social e reflete riscos diferenciados no adoecer e morrer, uma vez que está relacionada ao consumo de serviços de saúde e, ainda, influencia decisões familiares sobre alimentação, cuidados com o corpo e prevenção de doenças3434. Magalhães R. Monitoramento das desigualdades sociais em saúde: significados e potencialidas das fontes de informação. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12(3): 667-73.. Dessa forma, é de se esperar que aqueles mais escolarizados reportem uma melhor QV física e mental.
O instrumento SF-36 avalia a QVRS; por isso, características de saúde e/ou hábitos de saúde tendem a refletir significativamente nos domínios analisados, sendo o efeito mais forte nos domínios físicos. Indivíduos saudáveis apresentam chance muito maior de QV de vida física acima da média quando comparados àqueles com morbidade, como encontrado em outros estudos1818. FlorLS.. Mobilidade Social e Saúde: uma análise do survey "Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD)", Brasil, 2008 [dissertação de mestrado] dissertação Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ; 2012 . , 2020. Pavão ALB, Ploubidis G, Werneck G, Campos MR. Racial discrimination and health in Brazil: evidence from a population based survey. Ethn Dis 2012; 22(3): 353-9. , 2121. Lima MGL, Barros MBA, César CLG, Goldbaum M, Carandina L, Ciconelli RM. Health related quality of life among the eldery: a population-based study using SF-36 survey. Cad Saúde Pública 2009; 25(10): 2159-67.. O hábito de fumar também foi significativo, atuando na redução das chances de uma boa saúde física. Em estudo populacional brasileiro, aqueles que se declararam fumantes reportaram mais morbidades físicas, avaliaram pior a própria saúde e apresentaram maiores chances de serem depressivos quando comparados àqueles que nunca fizeram uso do cigarro2020. Pavão ALB, Ploubidis G, Werneck G, Campos MR. Racial discrimination and health in Brazil: evidence from a population based survey. Ethn Dis 2012; 22(3): 353-9..
Os resultados apresentados neste estudo apontaram para uma QV física e mental multideterminada e em consonância com outros achados. Conclui-se que a saúde está associada à inserção dos indivíduos no espaço social bem como às relações daí decorrentes. As desigualdades em saúde se expressam em diferentes dimensões, refletindo aspectos inerentes à posição social dos indivíduos e grupos sociais e incluindo características referentes às ocupações. Cabe ressaltar, porém, que o fato de lidarmos com um survey transversal, em que as variáveis de exposição e de desfecho foram mensuradas em um mesmo momento, impede que seja possível determinar a direção da relação de causalidade entre as variáveis. Estudos que captem a temporalidade dos acontecimentos poderão levar à melhor compreensão desse efeito de um acúmulo de desvantagens sociais que se reverte em perfis de saúde negativos. Ademais, a reunião de aposentados, desempregados e trabalhadores do lar em um mesmo grupo pode ocultar diferenças relevantes em saúde atribuída a cada um dessas categorias, configurando uma limitação deste estudo.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Set 2013
Histórico
- Recebido
29 Nov 2012 - Revisado
27 Mar 2013 - Aceito
07 Jul 2013