Recebimento de orientação sobre consumo de sal, açúcar e gorduras em adultos: um estudo de base nacional

Suele Manjourany Silva Luiz Augusto Facchini Elaine Tomasi Roberto Piccini Elaine Thumé Denise Silva da Silveira Fernando Vinholes Siqueira Alitéia Santiago Dilélio Bruno Pereira Nunes Mirelle de Oliveira Saes Sobre os autores

Resumo

INTRODUÇÃO

: A alimentação saudável é amplamente reconhecida como uma importante estratégia para promoção da saúde e também como parte essencial da terapia não farmacológica de diversos agravos à saúde.

OBJETIVO

: Investigar o recebimento de orientação para ingestão de pouco sal, açúcar e gorduras na população adulta do Brasil.

METODOLOGIA

: Estudo transversal, de base nacional, com 12.402 adultos entrevistados em 100 cidades brasileiras.

RESULTADOS

: A orientação mais prevalente foi para ingestão de pouca gordura (38%), seguida das orientações para ingestão de pouco sal (36%) e açúcar (29%). O perfil de recebimento das diferentes orientações foi bastante similar e foi mais frequente entre mulheres, mais velhos, com companheiro, de nível econômico mais elevado, ex-tabagistas, ativos e portadores de hipertensão arterial, diabetes e excesso de peso. Indivíduos de cor da pele branca receberam mais orientação, com exceção da orientação para ingestão de pouco sal.

CONCLUSÃO

: A orientação é pouco realizada, configurando uma oportunidade perdida de prevenção à saúde. Embora a orientação alimentar não deva ser entendida apenas como a transmissão de orientações sobre alguns nutrientes, é importante o desenvolvimento de ações visando à qualificação de serviços e profissionais de saúde, para que a população tenha à disposição informações qualificadas sobre os benefícios de se ter hábitos saudáveis de vida.

Orientação; Alimentação; Comportamentos saudáveis; Estudos transversais; Atenção primária à saúde; Promoção da saúde


Introdução

A alimentação saudável é amplamente reconhecida como uma importante estratégia para promoção da saúde e também como parte essencial da terapia não farmacológica de diversos agravos à saúde11. Parekh S, Vandelanotte C, King D, Boyle FM. Improving diet, physical activity and other lifestyle behaviours using computer-tailored advice in general practice: a randomised controlled trial. Int J Behav Nutr Phys Act 2012; 9: 108..

Diversos estudos evidenciam que a orientação para uma alimentação saudável é de fundamental importância para indivíduos livres de doença, pois poderia diminuir a incidência dos principais fatores de risco de problemas como hipertensão arterial, hipercolesterolemia, diabetes e obesidade. Entretanto, os benefícios da orientação também são relevantes para indivíduos já acometidos por esses agravos, objetivando uma evolução mais favorável do problema22. De Backer G, Ambrosioni E, Borch-Johnsen K, Brotons C, Cifkova R, Dallongeville J, et al. European guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice. Atheroscleosis 2004; 173(2): 381-91..

A Política Nacional de Promoção da Saúde prevê acesso universal à informação sobre hábitos saudáveis de vida mediante recomendações, campanhas, programas, mensagens, alertas e monitoramento por parte de profissionais da saúde, da mídia e de professores33. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.. Porém, profissionais de saúde em geral, principalmente os que atuam na atenção primária à saúde, por terem contato direto com pacientes com risco elevado de doenças e agravos não transmissíveis, têm um papel de extrema importância na promoção de um estilo de vida saudável11. Parekh S, Vandelanotte C, King D, Boyle FM. Improving diet, physical activity and other lifestyle behaviours using computer-tailored advice in general practice: a randomised controlled trial. Int J Behav Nutr Phys Act 2012; 9: 108. , 44. Milder IE, Blokstra A, de Groot J, van Dulmen S, Bemelmans WJ. Lifestyle counseling in hypertension-related visits-analysis of video-taped general practice visits. BMC Fam Pract 2008; 9: 58..

Em sintonia com os propósitos de promoção da saúde, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição foi criada com o objetivo de melhorar as condições de nutrição da população brasileira, promovendo, dentre diversas ações, práticas alimentares adequadas e saudáveis55. Ministério da Saúde. Política nacional de alimentação e nutrição. Série B Textos Básicos de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. Para tanto, foi elaborado o Guia Alimentar para a População Brasileira para divulgação da alimentação e da adoção de modos de vida saudáveis visando à prevenção e ao controle das doenças crônicas não transmissíveis e das deficiências nutricionais66. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

Quanto ao recebimento de orientação, um estudo realizado nos Estados Unidos detectou, em pacientes recém-saídos da consulta, que a orientação nutricional ocorreu em 24% das consultas; dessas, 17% foram por problemas agudos, 30% por doenças crônicas e 41% por medidas preventivas e profiláticas. O tempo médio dessas orientações foi de cinco minutos77. Eaton CB, Goodwin MA, Stange KC. Direct observation of nutrition counseling in community family practice. Am J Prev Med 2002; 23(3): 174-9.. Em outro estudo, realizado no mesmo país, 55% dos médicos entrevistados referiu orientar seus pacientes sobre alimentação saudável88. Livaudais JC, Kaplan CP, Haas JS, Perez-Stable EJ, Stewart S, Des Jarlais G. Lifestyle behavior counseling for women patients among a sample of California physicians. J Womens Health 2005; 14(6): 485-95..

Estudo transversal de base nacional realizado em pacientes americanos encontrou prevalência de 70% de orientação sobre alimentação99. Lobo IE, Loeb DF, Ghushchyan V, Schauer IE, Huebschmann AG. Missed opportunities for providing low-fat dietary advice to people with diabetes. Prev Chronic Dis 2012; 9: E161.. Estudo com indivíduos obesos que consultaram um médico nos 12 meses anteriores à entrevista encontrou uma prevalência de apenas 39% de recebimento de orientação para perda de peso. Além disso, somente 64% daqueles aconselhados receberam orientação para a mudança de dieta, configurando como uma grande oportunidade perdida1010. Ko JY, Brown DR, Galuska DA, Zhang J, Blanck HM, Ainsworth BE. Weight loss advice US obese adults receive from health care professionals. Prev Med 2008; 47(6): 587-92..

As evidências apontam que a população recebe relativamente pouca informação sobre os benefícios de uma alimentação saudável1111. Bell RA, Kravitz RL. Physician counseling for hypertension: what do doctors really do? Patient Educ Couns 2008; 72(1): 115-21. e que são escassos os estudos de base nacional que avaliam a prevalência do recebimento desse tipo de orientação na população brasileira.

A orientação alimentar não deve ser compreendida apenas como transferência de informações para redução do consumo de alguns nutrientes ou alimentos específicos55. Ministério da Saúde. Política nacional de alimentação e nutrição. Série B Textos Básicos de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. Entretanto, considerando a recomendação da sexta diretriz do Guia Alimentar da População Brasileira66. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: Ministério da Saúde; 2006., o presente estudo teve como foco examinar o recebimento de orientação sobre o consumo de sal, açúcar e gorduras na população adulta brasileira, residente em áreas urbanas.

Metodologia

Entre os meses de agosto de 2008 e março de 2009, foi realizado um estudo com delineamento transversal em uma amostra de indivíduos adultos, entre 20 e 59 anos de idade, moradores da área urbana de 100 municípios das cinco regiões geopolíticas. O estudo sobre o recebimento de orientação para o consumo de pouco sal, açúcar e gorduras integra o projeto "AQUARES", que objetivou avaliar o acesso, a utilização e a qualidade da rede de atenção à saúde no Brasil.

Para localização da amostra representativa da população adulta brasileira, foi realizado um processo complexo em múltiplos níveis, considerando o tamanho da população, os setores censitários e os domicílios. Os municípios e os setores censitários urbanos foram selecionados pela divisão territorial utilizando a malha oficial do Censo Populacional do ano 20001212. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados populacionais, censo 2000. Rio de Janeiro: IBGE; 2000 [cited 2012]. Available from: http://www.ibge.gov.br.
Available from: http://www.ibge.gov.br...
. Após ordenar segundo o tamanho da população, os municípios foram aleatoriamente selecionados, e os setores censitários igualmente foram sorteados de acordo com a proporção de setores válidos e o tamanho da população. Em cada um dos 638 setores selecionados, 10 domicílios eram visitados, seguindo um "salto" sistemático entre as residências, esperando-se encontrar 17 adultos por setor1313. Szwarcwald CL, Damacena GN. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Suppl. 1): 38-45.. Todos os adultos residentes nos domicílios selecionados foram elegíveis para as entrevistas.

A coleta de dados foi realizada com um questionário eletrônico em Personal Digital Assistant (PDA) por 55 entrevistadores treinados. O controle de qualidade foi realizado por supervisores do trabalho de campo, mediante revisita e aplicação de um questionário reduzido para 5% dos entrevistados, com um intervalo máximo de três dias após a entrevista inicial. Com a amostra final de 12.402 adultos, a margem de erro para a prevalência de recebimento de orientações foi de, em média, 0,9 pontos percentuais.

Definiu-se como orientação alimentar a referência ao recebimento de orientação para a ingestão de pouco sal, açúcar e gordura por parte de algum profissional durante contato com um serviço de saúde ou por meio da mídia. Os temas em questão foram estudados com um conjunto mais amplo de recomendações sobre a adoção de comportamentos saudáveis expressas por diferentes agentes sociais, veículos e formatos, incluindo, dentre outros, os meios de comunicação de massa, academias, clubes e serviços de saúde.

O questionário utilizado no estudo foi padronizado e pré-testado. As perguntas a seguir demonstram a sequência de questionamentos referentes ao consumo de sal: "O Sr(a). recebeu orientação para comer pouco sal desde <MÊS> do ano passado até agora?". Todos os indivíduos que responderam positivamente a essa questão foram inquiridos sobre: "Onde foi que o Sr(a). recebeu orientação para comer pouco sal desde <MÊS> do ano passado até agora?", "Quem deu esta orientação para comer pouco sal desde <MÊS> do ano passado até agora?" e "Esta orientação desde <MÊS> do ano passado até agora lhe ajudou a comer com pouco sal?". As questões para investigar o recebimento de orientação para ingestão de pouco açúcar e gordura seguiram o mesmo padrão.

As variáveis independentes incluídas na análise foram: sexo; idade (20 a 29 anos, 30 a 39 anos, 40 a 49 anos e 50 a 59 anos); cor da pele referida pelo entrevistado e categorizada em branca, parda (composta pelas categorias parda, morena, mulata e mestiça), preta e outra (composta pelas cores amarela e indígena); situação conjugal (com companheiro ou sem companheiro); nível econômico (Classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa)1414. Associação Brasileira de Empresas em Pesquisa - ABEP. Critério de Classificação Econômica Brasil. 2008., categorizado em A/B (mais ricos), C e D/E; tabagismo categorizado em nunca (aqueles que nunca fumaram), ex-tabagistas e atual (aqueles que fumam mais de um cigarro por dia há mais de um mês); sedentarismo no lazer (obtido a partir do Questionário Internacional de Atividade Física - IPAQ)1515. Craig CL, Marshall AL, Sjostrom M, Bauman AE, Booth ML, Ainsworth BE, et al. International physical activity questionnaire: 12-country reliability and validity. Med Sci Sports Exerc 2003; 35(8): 1381-95., categorizado em sedentário (indivíduos com menos de 150 minutos por semana de prática de atividade física) e ativo; hipertensão arterial sistêmica e diabete mellitus, obtidas pelo questionamento sobre o recebimento de diagnóstico médico desses problemas; e excesso de peso, obtido por referência a esse problema nos 12 meses anteriores à entrevista.

A análise descritiva incluiu cálculos de proporções dos diferentes desfechos com as variáveis independentes. Foi verificado o local de recebimento e quem forneceu cada uma das orientações (Tabelas 1 e 2). Para as análises bruta e ajustada, utilizou-se como desfecho o recebimento de cada uma das diferentes orientações em serviços de saúde, sendo excluídos a mídia e os outros locais de recebimento (Tabela 3). Optou-se por essa estratégia para delimitar o desfecho, tornando a análise mais precisa, e também pela grande proporção de orientações recebidas no serviço de saúde.

Tabela 1
Distribuição das características populacionais e prevalência do recebimento de orientações para ingestão de pouco sal, açúcar e gordura. Brasil, 2009 (n = 12.402).
Tabela 2
Características das orientações recebidas. Brasil, 2009 (n = 12.402).
Tabela 3
Análise bruta e ajustada do recebimento de orientação por profissional da saúde para ingestão de pouco sal, açúcar e gordura, segundo características populacionais. Brasil, 2009 (n = 12.402).

Estimou-se a razão de prevalência (RP) e intervalo de confiança de 95% (IC95%) por regressão de Poisson com variância robusta em razão da facilidade de interpretação dos resultados com a medida de efeito obtida1616. Barros A, Hirakata V. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3(1): 21.. Tanto na análise bruta quanto na ajustada a significância foi avaliada pelo teste de Wald para heterogeneidade e, quando adequado, teste de Wald para tendência linear. Para todas as análises foi levado em conta o efeito de delineamento.

Um modelo hierárquico em três níveis orientou a ordem de entrada das variáveis no modelo ajustado. No primeiro nível, como determinante distal, foram incluídas as variáveis sexo, idade, cor da pele, situação conjugal e nível econômico; no segundo, tabagismo e sedentarismo; e no terceiro, como determinante proximal, os problemas de saúde selecionados - hipertensão arterial, diabetes e excesso de peso. O ajuste foi feito para todas as variáveis do mesmo nível hierárquico e aquelas de níveis superiores. Manteve-se no modelo as variáveis com valor p < 0,20, para controle de fatores de confusão. Para todas as análises foi adotado um nível de significância de 5%. As análises foram conduzidas no programa Stata 11.0.

O estudo foi submetido e aprovado, em 23 de novembro de 2007, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, Ofício número 152/07. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido antes de dar início às entrevistas. Foram resguardados o direito de não participação na pesquisa e o sigilo acerca das informações obtidas.

Resultados

Durante o trabalho de campo, foram identificados 13.756 adultos elegíveis para o estudo, sendo entrevistados 12.402, contabilizando 8% (1.101) de perdas e 2% (275) de recusas. Os efeitos de delineamento para os diferentes desfechos foram: para ingestão de pouco sal - 1,37, para ingestão de pouco açúcar - 1,65; e para ingestão de pouca gordura - 1,53.

Dos entrevistados, a maioria era do sexo feminino (55,0%), com idade entre 20 e 39 anos (57,0%), de cor da pele parda (52,9%), morava com companheiro (64,1%), encontrava-se no nível econômico C (51,5%), nunca havia fumado (63,2%), tinha IMC > 25,0 kg/m2 (50,5%) e era sedentária (82,5%). Quanto a problemas crônicos de saúde, 16,3% relatou ter diagnóstico médico de hipertensão arterial, 3,6% de diabetes e 17,5% de excesso de peso nos 12 meses anteriores à entrevista.

A orientação mais referida pela amostra foi para ingestão de pouca gordura (38,2%), seguida da ingestão de pouco sal (36,3%) e açúcar (28,7%). O perfil de recebimento foi similar entre as diferentes orientações. As maiores prevalências foram observadas em mulheres, indivíduos mais velhos, com companheiro, de nível econômico mais elevado, ex-tabagistas, fisicamente ativos e portadores dos problemas crônicos selecionados - hipertensão arterial, diabetes e excesso de peso. Entretanto, a variável cor da pele diferiu entre as diferentes orientações; as orientações referentes à ingestão de pouco sal e gordura foram mais prevalentes entre os indivíduos de cor preta, e as proporções de pretos e brancos que receberam orientação referente ao consumo de açúcar foi bastante similar (Tabela 1). Cabe destacar que indivíduos de cor da pele preta apresentaram prevalências significativamente maiores de excesso de peso e hipertensão arterial em comparação aos demais (dados não apresentados). Quando avaliamos o local de recebimento das orientações, quem as forneceu e se as orientações contribuíram para a tentativa de seguir as recomendações, o padrão também foi muito similar entre as orientações. Mais de 30,0% recebeu as orientações em Unidades Básicas de Saúde, aproximadamente 72,0% foi orientado por médico e, na percepção de mais de 81,0% dos entrevistados, as orientações recebidas colaboraram para a tentativa de manter uma alimentação mais saudável (Tabela 2).

A seguir, destacam-se os fatores associados na análise ajustada de recebimento das diferentes orientações, conforme o modelo hierárquico. As orientações foram mais frequentes para as mulheres (p < 0,001) e cresceram linearmente com a idade dos entrevistados (p < 0,001), independentemente do tipo de orientação. Indivíduos de cor da pele preta referiram significativamente mais orientação quando comparados com os de cor parda (p < 0,001). Entre os indivíduos casados ou com companheiro, observou-se maior recebimento de orientações (p < 0,001). Houve uma tendência linear de aumento do recebimento de orientação conforme o aumento do nível econômico dos indivíduos (p < 0,001). Os ex-tabagistas referiram significativamente mais o recebimento das diferentes orientações, com exceção da orientação para ingestão de pouco açúcar, em que os indivíduos que nunca fumaram foram os mais orientados (p < 0,001). Os indivíduos fisicamente ativos, portadores de hipertensão arterial, diabetes e excesso de peso referiram significativamente mais recebimento dos diferentes tipos de orientação (Tabela 3).

Discussão

A prevalência de recebimento de orientação, para o conjunto da amostra, foi de 38,2% para ingestão de pouca gordura, 36,3% para sal e 28,7% para açúcar. As prevalências de orientação na amostra brasileira foram similares àquelas encontradas em estudos realizados nos Estados Unidos e na Finlândia77. Eaton CB, Goodwin MA, Stange KC. Direct observation of nutrition counseling in community family practice. Am J Prev Med 2002; 23(3): 174-9. , 1717. Viera AJ, Kshirsagar AV, Hinderliter AL. Lifestyle modification advice for lowering or controlling high blood pressure: who's getting it? J Clin Hypertens 2007; 9(11): 850-8.

18. McAlpine DD, Wilson AR. Trends in obesity-related counseling in primary care: 1995-2004. Med Care 2007; 45(4): 322-9.
- 1919. Korhonen M, Kastarinen M, Uusitupa M, Puska P, Nissinen A. The effect of intensified diet counseling on the diet of hypertensive subjects in primary health care: A 2-year open randomized controlled trial of lifestyle intervention against hypertension in eastern Finland. Prev Med 2003; 36(1): 8-16..

O local mais frequente de recebimento de orientações foi a unidade básica de saúde, independentemente da orientação recebida. Os motivos da procura por atendimento podem ser dos mais variados, tanto para tratamento de um problema percebido recentemente ou instalado há mais tempo quanto preventivo, decorrente da percepção do indivíduo. Em todas as situações, uma orientação abrangente é desejável, evitando a perda de uma importante oportunidade para o tratamento e a prevenção de doenças e para a promoção da saúde33. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010..

Cabe destacar a elevada proporção de orientação atribuída à mídia (26,5%). Esse achado demonstra a importante potencialidade dos meios de comunicação no fornecimento de informações para a população, principalmente pela grande abrangência dessa abordagem. Uma revisão de literatura concluiu que as campanhas veiculadas em meios de comunicação podem produzir mudanças positivas em comportamentos relacionados à saúde em grandes populações2020. Wakefield MA, Loken B, Hornik RC. Use of mass media campaigns to change health behavior. Lancet 2010; 376(9748): 1261-71.. Outro aspecto importante é a ampla participação dos meios de comunicação de massa na difusão de campanhas, mensagens e recomendações patrocinadas por instituições governamentais e da sociedade civil, a fim de promover comportamentos saudáveis2121. Victora CG, Barreto ML, do Carmo Leal M, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J, et al. Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet 2011; 377(9782): 2042-53..

Os médicos foram os principais responsáveis pela orientação da população estudada, independentemente da presença de problemas crônicos de saúde. A orientação por parte de profissionais de saúde, particularmente de médicos, se relaciona com o grau de conhecimento do profissional sobre o assunto. As atitudes e habilidades do profissional de saúde diante da orientação de hábitos saudáveis também podem estar relacionadas à sua formação e ao perfil de usuários que comumente atende. Nesse caso, profissionais que lidam com pessoas com problemas crônicos de saúde podem estar mais conscientes da necessidade de recomendar a adoção de um estilo de vida saudável em seus atendimentos ou consultas2222. Dallongeville J, Banegas JR, Tubach F, Guallar E, Borghi C, De Backer G, et al. Survey of physicians' practices in the control of cardiovascular risk factors: the EURIKA study. Eur J Prev Cardiol 2012; 19(3): 541-50. , 2323. Bock C, Diehl K, Schneider S, Diehm C, Litaker D. Behavioral counseling for cardiovascular disease prevention in primary care settings: a systematic review of practice and associated factors. Med Care Res Review 2012; 69(5): 495-518..

O nutricionista foi o segundo profissional mais citado apesar de sua escassa presença na atenção primária brasileira. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) foi criado com o objetivo de suprir essa e outras deficiências do sistema de saúde, focando no atendimento compartilhado para uma atenção interdisciplinar. Essa iniciativa promove a troca de experiências entre os profissionais envolvidos, priorizando a discussão de casos, a elaboração de projetos terapêuticos e orientações à população e aos profissionais da atenção primária2424. Ministério da Saúde. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio ao Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde; 2010..

Faz-se necessário ressaltar que a orientação a hábitos saudáveis é uma atribuição de todos os profissionais que compõem a atenção primária à saúde33. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.. Porém, tendo em vista que o local mais referido como fonte da orientação foi a unidade básica de saúde, a participação de outros profissionais comumente encontrados nas unidades de saúde, por exemplo, enfermeiros e odontólogos, foi bastante escassa.

O recebimento de orientações em serviços de saúde variou entre 19,9% para ingestão de pouco açúcar e 27,7% para ingestão de pouca gordura. Os fatores associados a maior recebimento das diferentes orientações foi bastante similar, com maior frequência em mulheres, indivíduos mais velhos, de cor da pele preta, com companheiro, de nível econômico mais elevado, ex-tabagistas e portadores dos problemas crônicos selecionados - hipertensão arterial, diabetes e excesso de peso. Esse perfil de uma amostra representativa da população brasileira coincide, em boa medida, com o observado em estudo realizado no Canadá, que destacava maior probabilidade de receber orientação por parte de um profissional da saúde, em razão da idade dos indivíduos e da presença de problemas crônicos2525. Sinclair J, Lawson B, Burge F. Which patients receive advice on diet and exercise? Do certain characteristics affect whether they receive such advice? Can Fam Physician 2008; 54(3): 404-12..

As evidências indicam que a utilização de serviços de saúde é socialmente determinada, afetando os padrões de recebimento de orientações2626. Facchini L, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS. Desempenho do PSF no Sul e no Nordeste do Brasil: avaliação institucional e epidemiológica da Atenção Básica à Saúde. Cien e Saude Colet 2006; 11(3): 669-81.. Independentemente das condições prévias de saúde, populações mais ricas tendem a utilizar mais serviços ambulatoriais e preventivos, a consumir mais medicamentos e a obter maiores informações sobre hábitos saudáveis, em comparação às mais pobres2727. Andrade MV, Noronha K, Menezes RM, Souza MN, Reis CDB, Martins D, et al. Desigualdade socioeconômica no acesso aos serviços de saúde no Brasil: um estudo comparativo entre as regiões brasileiras em 1998 e 2008. REAP. 2013..

Vários estudos destacam uma utilização de serviços de atenção primária à saúde fortemente associada com a presença de alguma morbidade, em detrimento de ações preventivas e de educação em saúde2222. Dallongeville J, Banegas JR, Tubach F, Guallar E, Borghi C, De Backer G, et al. Survey of physicians' practices in the control of cardiovascular risk factors: the EURIKA study. Eur J Prev Cardiol 2012; 19(3): 541-50. , 2323. Bock C, Diehl K, Schneider S, Diehm C, Litaker D. Behavioral counseling for cardiovascular disease prevention in primary care settings: a systematic review of practice and associated factors. Med Care Res Review 2012; 69(5): 495-518. , 2626. Facchini L, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS. Desempenho do PSF no Sul e no Nordeste do Brasil: avaliação institucional e epidemiológica da Atenção Básica à Saúde. Cien e Saude Colet 2006; 11(3): 669-81.. Os portadores de problemas crônicos estão mais expostos ao recebimento de orientação sobre hábitos saudáveis de vida por utilizarem mais regularmente os serviços de saúde2222. Dallongeville J, Banegas JR, Tubach F, Guallar E, Borghi C, De Backer G, et al. Survey of physicians' practices in the control of cardiovascular risk factors: the EURIKA study. Eur J Prev Cardiol 2012; 19(3): 541-50.. Apesar de se evidenciar maior recebimento de orientações entre portadores de problemas crônicos, as prevalências identificadas estão ainda distantes do desejável, considerando sua relevância para o manejo dos problemas abordados.

Por outro lado, o recebimento de orientação foi marcadamente baixo entre os indivíduos "sadios", ou seja, aqueles que não referiram a ocorrência dos problemas crônicos estudados. Esses resultados podem decorrer, em parte, da visão de que a adoção de comportamentos saudáveis é essencialmente uma responsabilidade individual, minimizando a participação proativa dos serviços de saúde em conflito com suas atribuições no âmbito da promoção da saúde2828. Fleming P, Godwin M. Lifestyle interventions in primary care: systematic review of randomized controlled trials. Can Fam Physician 2008; 54(12): 1706-13. , 2929. Mellen PB, Palla SL, Goff DC Jr., Bonds DE. Prevalence of nutrition and exercise counseling for patients with hypertension. United States, 1999 to 2000. J Gen Intern Med 2004; 19(9): 917-24..

Contudo, na perspectiva ampliada de saúde, como definida no âmbito do movimento da Reforma Sanitária brasileira, do SUS e das Cartas de Promoção da Saúde, os modos como sujeitos e coletividades elegem determinadas opções de vida como desejáveis são socialmente determinados e, assim, responsabilidade do conjunto da sociedade33. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.. Nesse contexto, as orientações para a adoção de hábitos saudáveis de vida deveriam ser fornecidas a todos os indivíduos, independentemente da presença de alguma morbidade crônica, tendo em vista suas contribuições para a prevenção e controle desses problemas1010. Ko JY, Brown DR, Galuska DA, Zhang J, Blanck HM, Ainsworth BE. Weight loss advice US obese adults receive from health care professionals. Prev Med 2008; 47(6): 587-92. , 2828. Fleming P, Godwin M. Lifestyle interventions in primary care: systematic review of randomized controlled trials. Can Fam Physician 2008; 54(12): 1706-13. , 2929. Mellen PB, Palla SL, Goff DC Jr., Bonds DE. Prevalence of nutrition and exercise counseling for patients with hypertension. United States, 1999 to 2000. J Gen Intern Med 2004; 19(9): 917-24..

Dentre os aspectos positivos deste estudo, destacam-se a sua abrangência, a amostra com representatividade nacional, a coleta de dados primários e a baixa taxa de não resposta. Em relação às limitações, pode-se ressaltar a ausência de caracterização de hipercolesterolemia como um problema de saúde, o fato de o estudo ser conduzido por meio de um delineamento transversal impossibilitando o estabelecimento de relações de causa e efeito, e a falta de caracterização do padrão de consumo de sal, açúcar e gordura dos indivíduos da amostra. A inclusão na amostra de todos os adultos de um mesmo domicílio pode, eventualmente, haver superestimado a participação de amigos e parentes como responsáveis pelas orientações avaliadas.

Conclusão

Com base no exposto, concluiu-se que a orientação é pouco realizada, principalmente para os indivíduos mais jovens, mais pobres e mais saudáveis, configurando uma oportunidade perdida de prevenção à saúde e conscientização da população. É de extrema importância o desenvolvimento de ações visando à qualificação de serviços e profissionais de saúde, conforme exposto na Política Nacional de Promoção da Saúde, para que toda a população seja orientada e tenha à disposição exaustivas informações sobre os benefícios de um estilo de vida saudável.

Acredita-se que ao investir em ações visando à melhoria da atenção primária à saúde, particularmente da Estratégia Saúde da Família, será possível melhorar a atenção aos mais pobres, promovendo maior equidade também nas ações de promoção da saúde, por exemplo, na orientação para hábitos saudáveis de vida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2013
  • Revisado
    30 Ago 2013
  • Aceito
    28 Out 2013
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