Resumo

INTRODUÇÃO

As Causas Externas situaram-se na terceira posição na mortalidade geral do Brasil em 2007, e o homicídio responde por 36,4% dessas mortes¹1. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello J MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. The Lancet, 2011; 377(9781): 1962-75.. Além disso, esse grupo de causas também é significativo nas internações hospitalares, representando 8,6% das hospitalizações por todas as causas no país em 2011, e com um custo cerca de 5,0% maior que as demais causas²2. DATASUS. Banco de dados do Sistema Único de Saúde. Disponível em www.datasus.gov.br (Acessado em 15 de maio de 2011).
Disponível em www.d... .

Comparado a outros países membros da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil ocupava a sexta posição no ranking das taxas de mortalidade por homicídio em 2005, com 25,8 óbitos por 100.000 habitantes. Em comparação a outros países da América Latina, apenas El Salvador e Colômbia apresentaram taxas mais elevadas, com 50,1 e 45,4 óbitos por 100.000 habitantes, respectivamente. De modo geral, países europeus como França, Alemanha e Espanha apresentam taxas bem menores, inferiores a 1,0 óbito por 100.000 habitantes, o que também ocorre em países como Japão e Austrália³3. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2010: Anatomia dos homicídios no Brasil. São Paulo: Instituto Sangari; 2010..

Ao analisar os óbitos por homicídios no Brasil, nota-se incremento nas taxas até 2003, e posterior queda, que não se mostrou consistente²2. DATASUS. Banco de dados do Sistema Único de Saúde. Disponível em www.datasus.gov.br (Acessado em 15 de maio de 2011).
Disponível em www.d... . Nos anos subsequentes, a queda observada deu-se devido à diminuição dos homicídios, principalmente no Estado de São Paulo, entre 1999 e 2007, onde houve um decréscimo de 65,0% nesta taxa⁴4. Peres MFT, Vicentin D, Nery MB, de Lima RS, de Souza ER, Cerda M, Cardia N, Adorno S. Queda dos homicídios em São Paulo, Brasil: uma análise descritiva. Rev Panam Salud Publica 2011; 29(1): 17-26.. Em contraposição, as taxas nas Regiões Norte e Nordeste apresentaram incremento nesse período. Essa última região teve maior crescimento proporcional (10,5%) em relação ao total do país, passando de 8.739 mortes por homicídio (20,0% do total desses óbitos) em 1997, para 15.432,0 óbitos (31,0% do total de homicídios no Brasil) em 2007²2. DATASUS. Banco de dados do Sistema Único de Saúde. Disponível em www.datasus.gov.br (Acessado em 15 de maio de 2011).
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O Estado da Bahia exemplifica essa tendência ao apresentar crescimento acentuado dos homicídios, cuja taxa aumentou de 15,6 por 100.000 habitantes, em 1997, para 25,8 por 100.000 habitantes em 2007, o que mostra a importância do estado no contexto da violência social na região e, consequentemente, no Brasil. Nesse período, o percentual de óbitos por homicídio no Estado da Bahia, em relação ao total de óbitos por homicídio da Região Nordeste, aumentou de 22,64%, em 1997, para 23,51% em 2007, e o percentual de óbitos por homicídio do Estado em relação ao Brasil passou de 0,47 para 1,09%, no mesmo período.

Diante da importância desse fenômeno no país e na Região Nordeste, o presente estudo teve como objetivo analisar possíveis associações entre variáveis socioeconômicas e demográficas e a mortalidade por homicídio no Estado da Bahia, no ano de 2009. O estudo é relevante, pois a literatura aponta divergências entre os achados dos estudos, que buscam associar variáveis, ou fatores socioeconômicos e demográficos, às mortes por homicídio⁵5. de Lima MLC, Ximenes RAA, de Souza ER, Luna CF, de Albuquerque MFPM. Análise espacial dos determinantes socioeconômicos dos homicídios no estado de Pernambuco. Rev Saúde Pública 2005; 39(2): 176-82. ^{, 6}6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.. Isso indica não só a existência de lacunas no conhecimento quanto à importância dessas variáveis na determinação dos homicídios, mas, sobretudo, na forma com que elas atuam e interagem⁷7. Land KC, McCall PL, Conhen LE. Structural covariates of homicide rates: are there any invariances across time and social space? Am Soc Rev 1990; 95: 922-63..

Outra questão que se coloca é a questão da unidade de análise dos estudos, pois a maioria deles⁸8. Macedo AC, Paim JS, Silva LM, Costa Md Mda C. Violência e desigualdade social: mortalidade por homicídios e condiçöes de vida em Salvador, Brasil. Rev Saúde Pública 2001; 35(6): 515-22. ^{, 9}9. Barata RB, Ribeiro MC, Guedes MB, de Moraes JC. Intra-urban differentials in death rates from homicide in the city of São Paulo, Brazil, 1988-1994. Soc Sci Med 1998; 47(1): 19-23. se refere a municípios, sendo poucos os que focalizam a unidade federativa, comparando semelhanças e distinções entre seus município, além do que, também são poucos os que realizam modelagem espacial dos dados, restringindo-se na maior parte das vezes a descrever e identificar espacialmente as regiões com alto e baixo risco de morte por homicídio.

MÉTODOS

Desenho e Variáveis de Estudo

Trata-se de um estudo ecológico, cujo objetivo foi avaliar as associações entre as variáveis socioeconômicas e demográficas e as taxas por homicídio no ano de 2009, no Estado da Bahia. A variável de desfecho é a taxa de óbito por homicídios por 100.000 habitantes para cada município, que foi calculada dividindo o número total de homicídios de residentes, registrados em cada município do Estado da Bahia, pela população total estimada de cada um dos 417 municípios.

O número de homicídios e a população por município foram extraídos do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/DATASUS). Os homicídios, de acordo com o capítulo XX da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, 10ª Edição de Novembro de 2006 (CID-10), classificados como "Causas Externas de Morbidade e Mortalidade", agrupamento X85 a Y09, recebem o título genérico de Agressões, e a população utilizada, foi a estimada para o ano de 2009.

No Estado, com variações entre os municípios, observou-se que, nos últimos anos, posteriormente ao crescimento das mortes por homicídio, também ocorreu o crescimento do grupo de óbitos classificados como causa externa com intenção indeterminada. É importante ressaltar que o aumento desse grupo, para o qual se desconhece a intencionalidade, afeta a força das associações. No presente estudo, considera-se que o seu crescimento pode ter diminuído a magnitude das associações observadas, tendo em vista que vários estudos⁶6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. ^{, 10}10. Mello Jorge MHP, Gotlieb SLD, Laurenti R. O sistema de informações sobre mortalidade: problemas e propostas para o seu enfrentamento II - Mortes por causas externas. Rev bras epidemiol 2002; 5(2): 212-23. já demonstraram que uma parcela do grupo de óbitos, com intenção indeterminada, são homicídios.

As variáveis de exposição, de acordo com modelo teórico proposto pela literatura⁵5. de Lima MLC, Ximenes RAA, de Souza ER, Luna CF, de Albuquerque MFPM. Análise espacial dos determinantes socioeconômicos dos homicídios no estado de Pernambuco. Rev Saúde Pública 2005; 39(2): 176-82. ^{, 11}11. Kleinschmitt SC, Wadi YM, Stadutto JA. Análise espacial dos homicídios: um estudo sobre o Estado do Paraná. In: Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos(VII ENABER); 2009, São Paulo (Br). São Paulo: FAE-USP; 2009. p. 1-20. ^{, 12}12. Cruz OG. Homicídios no Estado do Rio de Janeiro: Análise da distribuição espacial e sua evolução [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 1996., serão do tipo socioeconômicas e demográficas. Os dados foram coletados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)¹³13. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010, Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/cd/cd2010universo.asp?o=5&i=P (Acessado em 30 de outubro de 2011).
Disponível em http:... e do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA)¹⁴14. IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Disponível em http://www.ipeadata.gov.br/ (Acessado em 30 de outubro de 2011).
Disponível em http:... . As variáveis coletadas do IBGE são informadas a seguir:

As variáveis coletadas do IPEA, e suas respectivas definições, são as seguintes:

Análise dos Dados

Em razão dos dados serem espacialmente localizados, ou seja, provenientes dos municípios do Estado estudado, foi considerada a possível importância de seu arranjo espacial na análise¹⁵15. Bailey TC, Gatrell AC. Interactive spatial data analysis. Essex: Longman Scientific; 1995..

Foram feitas análises exploratória e descritiva dos dados e análises exploratórias de dados espaciais, a fim de se observar o comportamento das taxas de homicídios no espaço. Para isso, foram utilizados mapas sombreados para detecção de possíveis municípios com excesso do agravo em estudo. As malhas digitais contendo os mapas digitalizados dos municípios do Estado da Bahia foram baixadas do site do IBGE, e o software utilizado para a análise dos danos foi o R¹⁶16. R Development Core Team (2008). R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. ISBN 3-900051-07-0. Disponível em http://www.R-project.org.
Disponível em http://www.R-project.org... , versão 2.14.0, bibliotecas Spdep, xlsx, maptools, spatstat, foreign e RcolorBrewer.

Outra forma de visualizar os dados espacialmente localizados é através de mapas suavizados, que reestimam as taxas do agravo de acordo com o comportamento dos seus vizinhos. Neste trabalho, usou-se o Estimador Bayesiano Empírico Global, que reestima as taxas de homicídios em cada município, lançando mão de uma média global¹⁵15. Bailey TC, Gatrell AC. Interactive spatial data analysis. Essex: Longman Scientific; 1995..

Esse processo de reestimação considera o tamanho da população de cada município, fazendo as maiores correções nos municípios com as menores populações. O critério adotado para estabelecer a vizinhança entre os municípios foi o de conectividade entre as fronteiras, ou seja, dados dois municípios I e J, eles são vizinhos caso compartilhem pelo menos um lado em comum.

Para testar a hipótese de que há correlação espacial entre os dados, foi usado o Índice de Moran¹⁷17. Câmara G, Druck S, Monteiro AM, Carvalho MS. Análise Espacial de Dados Geográficos. Brasília: EMBRAPA, 2004. Disponível em http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/analise/cap5-areas.pdf (Acessado em 31 de janeiro de 2011).
Disponível em http:... , que verifica se há independência espacial. O Índice de Moral Local¹⁷17. Câmara G, Druck S, Monteiro AM, Carvalho MS. Análise Espacial de Dados Geográficos. Brasília: EMBRAPA, 2004. Disponível em http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/analise/cap5-areas.pdf (Acessado em 31 de janeiro de 2011).
Disponível em http:... foi usado para detectar padrões espaciais do agravo, buscando-se, de forma local, a existência de conglomerados de municípios com comportamento semelhante quanto às taxas de homicídio.

Para a modelagem dos dados usou-se o Modelo Autorregressivo Condicional (CAR) para a variável de desfecho transformada. Aplicou-se o Estimador Bayesiano Empírico Global às taxas e, sequencialmente, o log sobre as taxas reestimadas, a fim de obter a normalidade dos dados¹⁵15. Bailey TC, Gatrell AC. Interactive spatial data analysis. Essex: Longman Scientific; 1995..

O modelo CAR é expresso por Z = Xβ + ε, sendo ε = λ W_ε + ξ ,onde W_ε é a componente do erro com efeitos espaciais, λ é o coeficiente autoregressivo e ξ é a componente do erro com variância constante e não correlacionada¹⁵15. Bailey TC, Gatrell AC. Interactive spatial data analysis. Essex: Longman Scientific; 1995..

As variáveis foram testadas individualmente, com o propósito de avaliar quais seriam incorporadas inicialmente ao modelo, e posteriormente foram testadas conjuntamente, para avaliar os efeitos nas presenças umas das outras, como controle. Dessa forma, foram retiradas do modelo uma a uma, primeiramente a menos significativa (ao nível de significância de 10%) e assim sucessivamente, até que ficassem no modelo apenas as variáveis significativas. O uso do nível de significância de 10% no estágio inicial do estudo buscou não excluir variáveis que na análise conjunta podiam se mostrar significativas, visando ampliar as possibilidades de análise.

Para avaliar a qualidade do ajuste do modelo, foi feita a análise gráfica dos resíduos, buscando indícios da quebra dos pressupostos de independência. Para um teste quantitativo, utilizou-se o índice I de Moran sobre os resíduos¹⁸18. Sá Carvalho M, Bivand R. Exploring and analysing rates of Hansen's Disease in Olinda, Brazil. 2003. Disponível em: http://leg.ufpr.br/lib/exe/fetch.php/pessoais:marilia:bivandmarilia.pdf (Acessado em 19 de novembro de 2011).
Disponível em: http... .

RESULTADOS

No ano de 2009, dos 5.210 homicídios registrados no Estado da Bahia, 4.876 foram de homens, representando 93,6% desses óbitos, e 334 casos incidiram no sexo feminino (6,4%). A faixa etária mais atingida foi a de 15 a 24 anos, que somou 2.374 mortes (45,5%), seguida pela faixa de 25 a 34 anos, com 1.592 casos (30,5%). Esses dados mostram um perfil conhecido em outros estudos¹⁹19. Barata RB, Ribeiro MCSA, de Sordi M. Desigualdades sociais e homicídios na cidade de São Paulo, 1998. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(1): 3-13. ^{, 20}20. Gawryszewski VP, Costa LS. Homicídios e desigualdades sociais no Município de São Paulo. Rev Saúde Pública 2005; 39(2): 191-7., onde os jovens do sexo masculinos são as principais vítimas das mortes por homicídio.

Vale ressaltar que dos 417 municípios em estudo, 112 (26,8%) apresentaram número e, consequentemente, taxa de homicídio igual a zero.

A Figura 1 mostra a distribuição das taxas de homicídios no espaço, na qual a barra colorida representa o valor das taxas de homicídio. Portanto, os municípios representados pela cor mais clara apresentam as menores taxas, enquanto os que apresentam cor mais escura são os que têm as maiores taxas.

É possível ver, claramente, a existência de concentração espacial das taxas de homicídio: municípios situados no Litoral do Estado apresentam os maiores valores, enquanto os municípios do Interior apresentam os menores. A suavização das taxas evidencia ainda mais esse fenômeno, visto que municípios, inicialmente com altas taxas, após a suavização passaram a ter taxas menores, como por exemplo, alguns municípios no Norte do Estado.

O índice de Moran, que avalia a existência de estrutura espacial, obteve o valor 0.49 (p < 5%), indicando uma correlação direta entre as observações e, consequentemente, corroborando a hipótese de correlação espacial verificada na análise gráfica das taxas de homicídios.

A Figura 2 mostra o Mapa Local de Moran (LISA), que evidenciou a existência de clusters espaciais, ou seja, na região metropolitana de Salvador, bem como na região Sul do Estado, nos arredores de Itabuna e Porto Seguro, as taxas de homicídio seguem um padrão de disseminação dessa violência interpessoal entre os municípios vizinhos.

A Tabela 1 mostra vinte municípios pertencentes a estes dois conglomerados, onde as taxas de homicídio na população geral são maiores.

Os vinte municípios apresentados, são responsáveis por 3.021 óbitos por homicídio no Estado da Bahia, o que representa 87% de todos os óbitos por homicídio nos 417 municípios do estado, com destaque para o município de Salvador com 1.837 óbitos por homicídio, o que representa 53% dos casos, dentre o total de óbitos por homicídio.

Por outro lado, dos cinco primeiros municípios, que apresentam as maiores taxas de homicídio, três deles estão localizados na mesorregião do Sul Baiano, o que certamente, se apresenta como um potencial de maior risco de morte por homicídio quando comparado a outras regiões do estado, principalmente as regiões do interior. Já os municípios localizados fora dos conglomerados apresentam taxa média de 13,32 óbitos por 100.000 habitantes, bem inferior à média de 54,55 óbitos por 100.000 habitantes dos municípios que compõem os conglomerados.

A modelagem individual dos dados, na qual se utilizou a variável taxa de homicídios transformada (normalidade obtida e verificada ao nível de 3%), resultou-se significativa para todas as variáveis de exposição. Na etapa de modelagem multivariada não se mostraram significativas as variáveis: Densidade Demografia, Percentual de Jovens, Percentual de Pobres e o IFDM educação.

A Tabela 2 apresenta os resultados da modelagem, no que diz respeito às demais variáveis, ajustadas conjuntamente no modelo. As variáveis: Média de Moradores por Domicílio, PIB Municipal e Taxa de Analfabetismo apresentaram associação inversa à taxa de mortalidade por homicídios. Por outro lado, as variáveis: IFDM Trabalho e Renda, Média de Recebimento da Bolsa Família e Matrícula no Ensino Médio, apresentaram associação positiva com a taxa de mortalidade por homicídio.

O diagnóstico do ajuste do modelo indicou que a presença de autocorrelação espacial nas taxas de homicídios foi contemplada e tratada corretamente pela metodologia, pois o Índice de Moran sobre os resíduos foi aproximadamente zero, com p = 0,741.

DISCUSSÃO

O estudo possibilitou a descoberta de conglomerados das taxas de homicídios na região do entorno do município de Salvador e em municípios da região Sul do Estado da Bahia. Essas áreas são locais com maior dinâmica econômica, e se caracterizam como áreas turísticas, que atraem uma população trabalhadora, o que resulta em elevada densidade populacional. No entanto, tal variável não se mostrou significativa no modelo final.

As associações foram: positiva entre os homicídios e o IFDM trabalho e renda, e negativa entre os homicídios e o PIB municipal. Esse achado parece indicar que a renda ou riqueza por si só não são variáveis suficientes para explicar a ocorrência dos homicídios. Vários autores²¹21. Briceño-León R. Urban violence and public health in Latin America: a sociological explanatory framework. Cad Saúde Pública 2005; 21(6): 1629-64. ^{, 22}22. Santana FS. Homicídios em Salvador, 1998-2001: Efeitos das desigualdades socioeconômicas na mortalidade por violência [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública FIOCRUZ; 2004., destacam que essa violência estaria mais relacionada à desigualdade do que à pobreza. No Brasil os 10% mais ricos detêm 45% da riqueza do país.

Países da América Latina são os que experimentam as maiores desigualdades no mundo, e talvez por isso, apresentam elevadas taxas de homicídio. Ao contrário, em países da África, que têm altos percentuais de população pobre, e na Europa, onde a desigualdade é menor, o quadro é inverso e são apresentadas baixas taxas desses eventos.

A urbanização crescente e desordenada também tem sido apontada como fator determinante dos homicídios. Neste trabalho, observou-se associação inversa entre a Taxa de Analfabetismo e a Média de Moradores por Domicílio e as taxas de homicídio. Diferentemente da densidade demográfica, que avalia o quanto o município é urbanizado, a média de moradores por domicílio aborda a composição familiar. Nesse sentido, a composição familiar parece atuar como fator de proteção para os homicídios nos municípios do interior, onde é maior o número médio de moradores por domicílio.

Uma pesquisa recente, divulgada pelo IBGE, mostrou que as taxas de fecundidade em municípios do interior dos estados são mais altas do que as dos municípios maiores.

Também foi encontrada relação inversa entre a taxa de analfabetismo e os homicídios. Uma hipótese que pode ser pensada em relação a esse achado é que: os municípios com maior percentual de analfabetismo são os mais pobres, que apresentam menor PIB em relação aos demais municípios do estado, e por sua vez, não se constituem como local de interesse para ações criminosas.

Houve associação direta entre os homicídios e o número de matrículas no Ensino Médio. Estudos anteriores¹¹11. Kleinschmitt SC, Wadi YM, Stadutto JA. Análise espacial dos homicídios: um estudo sobre o Estado do Paraná. In: Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos(VII ENABER); 2009, São Paulo (Br). São Paulo: FAE-USP; 2009. p. 1-20. indicam que o número de matrículas no Ensino Médio seria um fator de proteção para os óbitos por homicídio, contudo, essa associação não foi avaliada conjuntamente na presença das demais variáveis do estudo. É importante também ressaltar que essa variável não mede a freqüência escolar, tampouco faz relação com o total de jovens em cada município, ou seja, não é possível observar o percentual de crianças em idade escolar, que estão regularmente matriculadas, e a frequência escolar dessas crianças.

A relação direta entre a Média do Valor Recebido pelo Programa Bolsa Família e os homicídios, leva a pensar que as áreas que recebem os maiores valores médios são as que têm mais equipamentos de proteção social, ou seja, maior cobertura dos órgãos de proteção social, ou ainda, são as que se encontram em condições de vulnerabilidade social.

Os estudos epidemiológicos divergem entre si quando se trata de associar variáveis socioeconômicas com as taxas de homicídios. Alguns trabalhos⁵5. de Lima MLC, Ximenes RAA, de Souza ER, Luna CF, de Albuquerque MFPM. Análise espacial dos determinantes socioeconômicos dos homicídios no estado de Pernambuco. Rev Saúde Pública 2005; 39(2): 176-82. ^{, 12}12. Cruz OG. Homicídios no Estado do Rio de Janeiro: Análise da distribuição espacial e sua evolução [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 1996. encontraram associação positiva entre os homicídios e as variáveis que medem melhores condições de vida, tal como na presente análise. Um fator que também tem sido mencionado¹²12. Cruz OG. Homicídios no Estado do Rio de Janeiro: Análise da distribuição espacial e sua evolução [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 1996. é a urbanização desordenada, levando a altas taxas de homicídios.

É necessário pontuar que uma das limitações do estudo é a pouca disponibilidade de dados de acesso livre, que possibilitem o maior entendimento dos processos violentos. Para isso seriam importantes informações da Segurança Pública acerca das apreensões de armas de fogo e drogas, bem como o acompanhamento e a divulgação de ações sociais ligadas à promoção da paz e prevenção da violência, que poderiam ser disponibilizadas pelos municípios.

Dessa forma, o tema em questão tem gerado uma gama extensa de hipóteses a serem verificadas. Em outros estudos⁴4. Peres MFT, Vicentin D, Nery MB, de Lima RS, de Souza ER, Cerda M, Cardia N, Adorno S. Queda dos homicídios em São Paulo, Brasil: uma análise descritiva. Rev Panam Salud Publica 2011; 29(1): 17-26. ^{, 23}23. Nadanovsky P, Celeste RK, Wilson M, Daly M. Homicide and impunity: an ecological analysis at state level in Brazil. Rev Saúde Pública 2009; 43(5): 733-42., identificou-se que investimentos nas áreas de Segurança Pública e de Educação são fatores explicativos para a queda de homicídios em São Paulo. Portanto, deve-se avaliar o investimento atualmente aplicado nessas áreas como um possível início de um processo de reversão do aumento dos homicídios no Estado da Bahia.

Mostram-se também como boas alternativas ao problema, exemplos bem sucedidos, como os das cidades de Nova York⁴4. Peres MFT, Vicentin D, Nery MB, de Lima RS, de Souza ER, Cerda M, Cardia N, Adorno S. Queda dos homicídios em São Paulo, Brasil: uma análise descritiva. Rev Panam Salud Publica 2011; 29(1): 17-26., nos Estados Unidos, e de Cali²⁴24. World report on violence and health: a summary [Relatório mundial sobre violência e saúde: um resumo]. Genebra, Organização Mundial da Saúde, 2002., na Colômbia, onde se iniciou a redução dos índices de criminalidade, com um plano integrado de prevenção e repressão das atitudes criminosas mais simples, até a ação de orientar as comunidades sobre a importância de sua relação com o espaço físico, preservando praças, monumentos, mantendo as ruas limpas e lições sobre civismo nas escolas.

CONCLUSÃO

Ao utilizar o modelo de análise espacial, foi possível avaliar a existência de associações entre as variáveis estudadas e os homicídios, atendendo ao pressuposto de controlar o efeito da autocorrelação espacial nessas associações. Mas os achados também indicam que as explicações para esse fenômeno são complexas e necessitam ser melhor entendidas.

O presente trabalho corrobora os achados obtidos em diversos estudos nacionais⁵5. de Lima MLC, Ximenes RAA, de Souza ER, Luna CF, de Albuquerque MFPM. Análise espacial dos determinantes socioeconômicos dos homicídios no estado de Pernambuco. Rev Saúde Pública 2005; 39(2): 176-82. ^{, 12} 12. Cruz OG. Homicídios no Estado do Rio de Janeiro: Análise da distribuição espacial e sua evolução [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 1996.e internacionais²⁵25. Messner SF, Anselin L, Baller RD, Hawkins DF, Deane G, Tolnay SE. The spatial patterning of county homicide rates: an application of exploratory spatial data analysis. Journal of Quantitative Criminology 1999; 15(4): 423-50. ^{, 26}26. Breetzke GD. A socio-structural analysis of crime in the city of Tshwane, South Africa. S Afr J Sci 2012; 106(11/12): 4-7., que apontam sistematicamente para a necessidade de redução da desigualdade social, nos municípios com altas taxas de homicídio.

É importante ressaltar algumas limitações desse estudo, como a falta de informações mais detalhadas sobre os municípios que possibilitem o entendimento dos processos violentos. Outra limitação se refere ao fato das informações serem agregadas na unidade de análise do município, impossibilitando captar as diferenças intramunicipais existentes.

Além disso, trata-se de um estudo ecológico, e seus resultados não podem ser explicados em nível individual²⁷27. Rothman KJ, Greenland S, & Lash TL. Modern Epidemiology. Philadelphia: Lippincott, Williams & Wilkins; 2008.. Também é preciso pontuar que a qualidade das informações existentes nos bancos de dados secundários se caracteriza como mais uma limitação dos estudos.

Vale lembrar que a violência é um fenômeno social que faz parte da história da humanidade, e assume contornos específicos de acordo com o tempo e o lugar²⁸28. Minayo MCS. A violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad Saúde Pública 1994; 10 (Suppl 1): 7-18.. Assim, estamos longe de ter soluções definitivas para o problema, sendo toda e qualquer medida adotada, encarada como um desafio para o poder público e para a sociedade civil, a fim de, conjuntamente, buscarem resultados auspiciosos.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

Histórico