A avaliação negativa dos serviços odontológicos entre idosos brasileiros está associada ao tipo de serviço utilizado?

Andréa Maria Eleutério de Barros Lima Martins Lorena Amaral Jardim João Gabriel Silva Souza Carlos Alberto Quintão Rodrigues Raquel Conceição Ferreira Isabela Almeida Pordeus Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se avaliar a prevalência de avaliação negativa dos serviços odontológicos e constatar se ela foi maior entre usuários de serviços públicos ou filantrópicos do que entre idosos brasileiros usuários de serviços particulares ou de planos de saúde. Além disso, foram identificados os fatores associados a tal avaliação negativa. Foram utilizados dados do levantamento epidemiológico das condições de saúde bucal da população brasileira de 2002/2003, obtidos por meio de entrevistas e exames conduzidos nos domicílios por examinadores treinados e calibrados. A variável dependente foi obtida a partir das respostas sequenciais às perguntas: "Já foi ao dentista alguma vez na vida?; Há quanto tempo? e Como avalia o atendimento?", categorizadas em péssimo/ruim; regular e bom/ótimo. A principal variável independente foi o "Sistema de atenção à saúde utilizado (plano de saúde/particular; público/filantrópico)". Foram conduzidas análises descritivas, univariadas (prova de tendência linear do χ2) e múltiplas, utilizou-se a regressão logística ordinal de Odds proporcionais parciais. Dentre os idosos, 196 (3,7%) avaliaram negativamente (péssimo/ruim) os serviços odontológicos. A avaliação negativa foi superior entre aqueles que usaram serviços públicos/filantrópicos; homens; com maior escolaridade; que não receberam informações sobre como evitar problemas bucais; que autoperceberam dor nos dentes e gengivas nos últimos seis meses, a saúde bucal e a fala como ruim/péssima. Conclui-se que a avaliação negativa foi maior entre usuários de serviços públicos e filantrópicos independentemente das demais variáveis investigadas.

Avaliação; Assistência odontológica; Idosos; Saúde bucal; Usuários


INTRODUÇÃO

O aumento da longevidade da população brasileira e a redução nas taxas de mortalidade e fecundidade mudaram o perfil demográfico do país, configurando-se como uma das populações que envelhecem mais rapidamente no mundo11. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377(9781): 1949-61.. Estima-se que, em 2020, o Brasil terá a sexta maior população de idosos do mundo22. Lima-Costa MF, Veras R. Saúde pública e envelhecimento. Cad Saúde Pública 2003; 19(3): 700-1.. As demandas e necessidades do contingente idoso brasileiro estão aumentando, particularmente no campo da saúde33. Benedetti TRB, Mello ALSF, Gonçalves LHT. Idosos de Florianópolis: autopercepção das condições de saúde bucal e utilização de serviços odontológicos. Cienc Saúde Coletiva 2007; 12(6): 1683-90., observando-se o requerimento de uma maior atenção à saúde bucal dos idosos, o que na maioria das vezes não acontece44. Colussi CF, Freitas SFT. Aspectos epidemiológicos da saúde bucal do idoso no Brasil. Cad Saúde Pública 2002; 18(5): 1313-20.. Sendo assim, conhecer as necessidades e os fatores determinantes do uso de serviços e viabilizar o acesso a serviços de saúde de qualidade para os idosos apresentam-se como novos desafios55. Moreira MM. O envelhecimento da população brasileira em nível regional; 1940-2050. In: XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Anais... Caxambu: Associação Brasileira de Estudos Populacionais; 1998. p. 3030-3124.. Além disso, a avaliação dos serviços de saúde na perspectiva dos usuários tem sido empregada na tentativa de organizar e ordenar os recursos, objetivando atender às necessidades de saúde da população apropriadamente; portanto, uma importante ferramenta para o desenvolvimento das estratégias de gestão para o setor66. Gouveia GC, Souza WV, Luna CF, Souza-Júnior PRB, Szwarcwald CL. Satisfação dos usuários do sistema de saúde brasileiro: fatores associados e diferenças regionais. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(3): 281-96..

Estudos que avaliaram os serviços de saúde receberam destaque na literatura, principalmente na década de 1970, em países como os Estados Unidos e a Inglaterra. O aperfeiçoamento dos serviços de saúde é alcançado quando se tem como uma de suas metas a satisfação dos usuários. No Brasil, tais estudos foram conduzidos a partir da década de 1990, principalmente com o fortalecimento do controle social no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da participação comunitária nos processos de planejamento e avaliação77. Favaro P, Ferris LE. Program evaluation with limited fiscal and human resources. Cad Saúde Pública 1991; 11(3): 425-38..

A opinião dos usuários quanto à qualidade da atenção tem sido sugerida com o intuito de promover subsídios para aqueles que administram tais serviços e para a equipe que presta os cuidados, possibilitando a superação das limitações detectadas88. Robles ACC, Grosseman S, Bosco VL. Satisfação com o atendimento odontológico: estudo qualitativo com mães de crianças atendidas na Universidade Federal de Santa Catarina. Cienc Saúde Coletiva 2008; 13(1): 43-9.. Isso ajuda, visto que a participação dos usuários na avaliação dos serviços ultrapassa a sua mera utilização passiva, fornece informações essenciais para a definição dos padrões de qualidade dos atendimentos prestados, pois se trata de uma perspectiva que permite complementar as avaliações técnicas de qualidade da assistência com uma visão compartilhada da percepção dos indivíduos que recebem o cuidado99. Bottan ER, Sperb RAL, Telles PS, Uriarte Neto M. Avaliação de serviços odontológicos: a visão dos pacientes. Rev ABENO 2006; 6(2): 128-33..

A necessidade de avaliar serviços de saúde, além de melhorar o desempenho dos prestadores de serviço, dá condições favoráveis a funcionários e usuários, aprimora as circunstâncias de trabalho e a qualidade de vida das pessoas, proporcionando maior eficiência e efetividade ao sistema1010. Chiavenato I. Gerenciando pessoas: o passo decisivo para a administração participativa. 2 ed. São Paulo: Makron Books; 1994.. A qualidade dos serviços de saúde pode ser considerada como o resultado de vários fatores, entre eles competência profissional, acessibilidade, efetividade, eficiência e satisfação do usuário1111. Gattinara BC, Ibacache J, Puente CT, Giaconi J, Caprara A. Percepción de la comunidad acerca de la calidad de los servicios de salud públicos en los Distritos Norte e Ichilo, Bolivia. Cad Saúde Pública 1995; 14(1): 61-70.. Dentro deste contexto, o serviço de saúde odontológico deve também ser avaliado. Isso foi pioneiramente realizado em uma amostra representativa da população idosa do Brasil no levantamento epidemiológico das condições de saúde bucal da população brasileira (Projeto SB Brasil), estudo de base populacional realizado pelo Ministério da Saúde (MS) nos anos de 2002 e 2003. Tal pesquisa gerou um relatório descritivo sobre as condições de saúde bucal da população brasileira, que contemplou ainda informações sobre cárie dentária, doença periodontal, edentulismo, anomalias dentofaciais, fluorose, caracterização socioeconômica, acesso a serviços odontológicos e autopercepção em saúde bucal. No referido relatório, divulgou-se que 3,9% dos idosos avaliaram de forma negativa (péssimo/ruim) os serviços odontológicos1212. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004..

Não foram identificados estudos caracterizando os idosos brasileiros que avaliaram estes serviços de forma negativa. Portanto, identificar se a prevalência da avaliação negativa dos serviços odontológicos entre idosos brasileiros foi maior entre usuários de serviços públicos ou filantrópicos, assim como os fatores associados a essa análise, poderá subsidiar mudanças nas políticas de saúde pública e assistencial na área, com implantação de ações preventivas reabilitadoras e de promoção de saúde1313. Silva SRC, Fernandes RAC. Autopercepção das condições de saúde bucal por idosos. Rev Saúde Pública 2001; 35(4): 349-55..

Ao serem avaliados os sistemas de saúde, identificaram-se questões como acessibilidade, cobertura e equidade. A qualidade é vista, com frequência, como um fator primordial a ser considerado na avaliação dos serviços de saúde1414. Donabedian A. Evaluating the quality of medical care. Milbank Quarterly 2005; 83(4): 691-729. , 1515. Vuori HV. Quality Assurance of Health Services. Concepts and Methodology. Copenhagen: WHO Regional office for Europe; 1982.. Donabedian1414. Donabedian A. Evaluating the quality of medical care. Milbank Quarterly 2005; 83(4): 691-729. propõe que a melhor estratégia para avaliar tais serviços deve envolver um conjunto de indicadores representativos da tríade: estrutura-processo-resultados. A estrutura refere-se às características que envolvem seus provedores, aos instrumentos e recursos, bem como às condições físicas e organizacionais dos serviços; o processo corresponderia à relação estabelecida entre profissionais e pacientes durante as atividades desenvolvidas; e os resultados seriam as mudanças verificadas no estado de saúde, conhecimentos, comportamentos e satisfação do usuário decorrente dos cuidados prestados1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60..

O modelo teórico mais difundido para a análise dos fatores associados de forma independente ao uso de serviços odontológicos foi o de Andersen e Davidson1717. Andersen RM, Davidson PL. Ethnicity, aging, and oral health outcomes: a conceptual framework. Adv Dent Res 1997; 11(2): 203-9.. Sua versão expandida foi desenvolvida especificamente para avaliação do uso de serviços odontológicos entre adultos e idosos nos Estados Unidos, em 1997. Tal versão propõe que os determinantes primários da saúde bucal (características do ambiente externo e aquelas pessoais da população e sistema de atenção à saúde bucal) influenciam o comportamento (uso de serviços odontológicos e práticas pessoais de higiene bucal). Esses, por sua vez, influenciam os desfechos em saúde bucal (condição de saúde bucal avaliada por um profissional e autopercebida pelos indivíduos e satisfação dos indivíduos). Nesse sentido, um dos desfechos de saúde bucal do referido modelo é a avaliação dos serviços de saúde na perspectiva dos usuários destes serviços.

Com base no exposto, este estudo objetivou identificar a prevalência de avaliação negativa dos serviços odontológicos e constatar se ela foi maior entre usuários de serviços públicos ou filantrópicos do que naqueles usuários de serviços particulares ou planos de saúde, assim como identificar os fatores associados à avaliação negativa dos serviços odontológicos entre idosos brasileiros, a partir de dados do Projeto SB Brasil 2002/20031212. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.. Utilizou-se como referencial teórico o modelo proposto por Andersen e Davidson, em 19971717. Andersen RM, Davidson PL. Ethnicity, aging, and oral health outcomes: a conceptual framework. Adv Dent Res 1997; 11(2): 203-9., previamente descrito1818. Martins AMEL, Barreto SM, Pordeus IA. Características associadas ao uso de serviços odontológicos entre idosos dentados e edentados no Sudeste do Brasil: Projeto SB Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(1): 81-92., e considerou ainda a tríade proposta por Donabedian1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60..

MÉTODOS

Participaram do Projeto SB Brasil 2002/2003, 108.921 indivíduos, residentes em 250 municípios das cinco macrorregiões brasileiras, selecionados por amostragem probabilística por conglomerados por meio de sorteio. Foram realizadas entrevistas e exames nos domicílios ou nas escolas. A coleta de dados foi realizada por cirurgiões-dentistas treinados e calibrados a partir do cálculo da estatística Kappa (> 0,61) e/ou concordância percentual (% variável conforme condição bucal avaliada). Isso foi feito para permitir que os examinadores fossem a campo, entretanto não foram divulgados, pelos organizadores do SB Brasil 2002/2003, os valores de concordância alcançados na calibração. Os exames foram realizados sob iluminação natural, com o auxílio de espelho bucal, espátulas de madeira e sonda periodontal1212. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.. Conforme proposta da Organização Mundial de Saúde (OMS)1919. World Health Organization. Oral health surveys: basic methods. 4 ed. Geneva: ORH/EPID; 1997., além das condições sociodemográficas, da avaliação e do uso de serviços odontológicos, o inquérito investigou a autopercepção da necessidade de tratamento odontológico e da saúde bucal e as condições de saúde bucal (cárie, necessidade de tratamento, uso e necessidade de prótese, alterações de tecidos moles), entre idosos1212. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004..

Foram examinados e entrevistados, em seus domicílios, 5.349 idosos (de 65 a 74 anos). Na presente investigação utilizou-se um recorte do banco de dados, sendo considerados os idosos (65 a 74 anos) que utilizaram os serviços odontológicos pelo menos uma vez na vida e que responderam à questão sobre avaliação dos serviços odontológicos, totalizando 5.013 participantes.

A tríade proposta por Donabedian1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60. envolve um conjunto de indicadores passíveis de ser utilizados para avaliação dos serviços de saúde: estrutura-processo-resultados. Na presente pesquisa, não foram encontradas variáveis referentes ao indicador estrutura. Foi considerado processo a questão referente ao acesso à informação sobre como evitar problemas bucais. O indicador 'resultados' foi avaliado a partir da satisfação do usuário.

A variável dependente estudada "Avaliação dos Serviços Odontológicos" foi obtida a partir de respostas sequenciais às perguntas: "Já foi ao dentista alguma vez na vida? Há quanto tempo? (nunca foi ao dentista/menos de um ano/ de um a dois anos/ há três ou mais anos); Como avalia o atendimento?" (Péssimo / Ruim / Regular / Bom/ Ótimo). Foram excluídos da presente investigação os participantes que nunca foram ao dentista e, portanto, não avaliaram os serviços odontológicos. As respostas à última pergunta foram agregadas em três categorias, respectivamente: avaliação positiva - aqueles que consideraram os serviços odontológicos como sendo bons/ótimos; intermediária - os que consideraram o serviço como regular e negativa - como ruim/péssimo.

A principal variável independente foi: sistema de atenção à saúde utilizado (plano de saúde/particular; público/filantrópico). Além disso, foram consideradas variáveis independentes, propostas no modelo teórico de Andersen e Davidson1717. Andersen RM, Davidson PL. Ethnicity, aging, and oral health outcomes: a conceptual framework. Adv Dent Res 1997; 11(2): 203-9., aquelas reunidas em cinco grupos: ambiente externo, características individuais, comportamento relacionado à saúde, condições normativas e subjetivas de saúde. O ambiente externo incluiu: macrorregiões brasileiras (Sudeste; Sul; Centro-oeste; Nordeste; Norte) e local de residência (zona urbana; zona rural). As características individuais investigadas foram: idade em anos (65 a 69; 70 a 74), sexo (feminino; masculino), raça/cor autodeclarada (branco e amarelo/pardo/negro/indígena), escolaridade em anos (cinco ou mais; um a quatro e zero) e o acesso às informações sobre como evitar problemas bucais (sim; não).

A disponibilidade de recursos foi avaliada pela renda domiciliar per capita em reais em tercis (R$ 201,00 ou mais; R$ 100,00 a 200,00 reais; R$ 0,00 a 99,00). A variável referente ao comportamento relacionado à saúde incluiu o uso de serviços odontológicos (há três anos ou menos; há mais de três anos). As condições normativas de saúde referiram-se à presença de alterações dos tecidos moles (não; sim), número de dentes permanentes presentes (10 ou mais; um a nove; zero), número de dentes permanentes cariados (zero; um a três; quatro ou mais), edentulismo (não; sim) e uso de prótese (não; sim). As condições subjetivas relacionadas à saúde bucal incluíram autopercepção da dor dos dentes e gengivas nos últimos seis meses (não; sim), da saúde bucal (ótima/boa/regular; ruim/péssima), da aparência e gengivas (ótima/boa/regular; ruim/péssima), da mastigação (ótima/boa/regular; ruim/péssima), da fala quanto aos dentes e gengivas (ótima/boa/regular; ruim/péssima), do relacionamento em função da saúde bucal (não afeta/afeta pouco; afeta mais ou menos/afeta muito) e da necessidade de tratamento (não; sim).

As análises estatísticas foram conduzidas utilizando-se os programas estatísticos Predictive Analytics Software (PASW(r), versão 17 for Windows) e Stata (StataCorp LP, versão 12.0). Inicialmente, os idosos brasileiros foram caracterizados segundo avaliação dos serviços odontológicos, ambiente externo, características individuais, comportamentos relacionados à saúde, condições normativas de saúde e subjetivas relacionadas à saúde. Em seguida, foram conduzidas análises univariadas para identificação dos fatores associados à avaliação negativa dos serviços odontológicos, entre idosos brasileiros, a partir do teste do χ2 de tendência (nível de significância < 0,25). O teste escore foi utilizado para cada variável independente a fim de checar se o pressuposto das Odds proporcionais foi violado2020. Brant R. Assessing proportionality in the proportional odds model for ordinal logistic regression. Biometrics 1990; 46(4): 1171-8.. Houve violação para as variáveis escolaridade (p = 0,00503), renda per capita (p = 0,02914), autopercepção da dor (p = 0,02464), da saúde bucal (p = 0,0005), da necessidade de tratamento odontológico (p = 0,01075), do relacionamento (p = 0,00214) e da fala (p = 0,00712).

Para as outras variáveis independentes, os valores p variaram de 0,1256 a 0,8409. Dessa forma, na análise múltipla, optou-se pelo modelo de Odds proporcionais parciais, que foi realizado utilizando-se o comando gologit2 do Stata2121. Williams R. Generalized Ordered Logit/ Partial Proportional Odds Models for Ordinal Dependent Variables. The Stata Journal 2006; 6(1): 58-82. , 2222. Abreu MNS, Siqueira AL, Caiaffa WT. Regressão logística ordinal em estudos epidemiológicos. Rev Saúde Pública 2009; 43(1): 183-94., o qual testa a suposição de Odds proporcionais por meio da opção autofit e ajusta coeficientes para as diversas categorias das variáveis em que essa suposição é violada. O modelo permite que as variáveis independentes sejam modeladas com obtenção de coeficientes para cada categoria comparada.

Todas as variáveis que apresentaram uma associação com nível de significância de 5% permaneceram nos modelos. A correção pelo efeito de desenho foi feita usando-se o comando svy do Stata para analisar dados oriundos de amostras complexas. Esse ajuste foi necessário porque a amostra do Projeto SB Brasil foi realizada por conglomerados, e estimativas que não levam em consideração a organização por cluster da amostra tendem à superestimação e perda da precisão das estimativas. Todos os sorteados para fazerem parte do estudo assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido conforme os princípios éticos da Declaração de Helsinki, contidos na Resolução do Conselho Nacional de Saúde 196/96 e aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP (parecer 581/2000).

RESULTADOS

Dos 5.349 idosos que participaram do Projeto SB Brasil, 5.013 (93,7%) fizeram uso dos serviços odontológicos e responderam à questão sobre avaliação dos serviços odontológicos e, portanto, foram incluídos no presente trabalho. Dos 5.013 idosos, 196 (3,7%) avaliaram os serviços odontológicos negativamente (ruim/péssimo), 496 (10,7%) de forma intermediária e 4.321 (85,6%) positivamente.

A maioria dos idosos era do sexo feminino, com faixa etária entre 65 a 69 anos, se autodeclarou como não branco, tinha escolaridade entre um a quatro anos, não teve acesso a informações sobre como evitar problemas bucais, declarou renda per capita de R$ 100,00 a 200,00, residia nas macrorregiões Sul e Nordeste do país, com maior concentração na zona urbana. Fizeram uso de serviços odontológicos há três anos ou menos 31,8% dos participantes e há mais de três anos, 68,2% dos idosos. Quanto ao sistema de atenção à saúde utilizado, notou-se uma predominância para o particular (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos idosos segundo avaliação dos serviços odontológicos, ambiente externo, características individuais, comportamentos relacionados à saúde, condições normativas de saúde e condições subjetivas relacionadas à saúde, SB Brasil, 2002/2003 (n = 5.013).

Nas análises univariadas, verificou-se que estiveram significativamente associados à avaliação negativa dos serviços odontológicos, com uma significância menor ou igual a 0,25, diversos fatores, dentre eles o sistema de atenção à saúde utilizado (Tabela 2).

Tabela 2
Análise univariada para identificação dos fatores associados à avaliação negativa (ruim/péssima) dos serviços odontológicos entre idosos, SB Brasil, 2002/2003.

Na análise múltipla, constatou-se que a prevalência de avaliação negativa dos serviços odontológicos foi maior entre usuários de serviços públicos ou filantrópicos do que entre idosos brasileiros que frequentam serviços particulares ou de planos de saúde. Além disso, mais seis variáveis permaneceram associadas à avaliação negativa dos serviços odontológicos (Tabela 3).

Tabela 3
Análise múltipla dos fatores associados à avaliação negativa dos serviços odontológicos entre idosos, SB Brasil, 2002/2003.

DISCUSSÃO

A velocidade do processo de transição demográfica e epidemiológica traz uma série de questões cruciais para gestores e pesquisadores dos sistemas de saúde, com repercussões para a sociedade como um todo, especialmente num contexto de acentuada desigualdade social, pobreza e fragilidade das instituições2323. Veras R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev Saúde Pública 2009; 43(3): 548-54.. Identificar a prevalência de avaliação negativa dos serviços odontológicos, constatar se ela foi maior entre usuários de serviços públicos ou filantrópicos do que entre os idosos brasileiros usuários de serviços particulares ou de planos de saúde, assim como identificar os fatores associados à avaliação negativa desses serviços na perspectiva dos usuários, tornam-se importante na tentativa de superar as limitações do modelo biomédico. Já que nesse modelo a doença é considerada um processo biológico, as questões socioculturais, comunitárias e a percepção das pessoas a respeito de suas condições de saúde não são consideradas nas avaliações do processo saúde-doença2424. Roseiro MNV, Takayanagui AMM. Novos indicadores no processo saúde-doença. Saude 2007; 33(1): 37-42..

A precariedade das condições de saúde bucal dos idosos e o fato de a grande maioria necessitar de algum tratamento12 12. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.podem ser responsáveis pela avaliação negativa dos serviços odontológicos, por outro lado, o edentulismo, que atinge mais da metade dos idosos1212. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004., parece ser aceito como um fenômeno natural, pois, apesar das precárias condições de saúde e do fato de serem desdentados1212. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004., a maioria desses idosos autoavaliou sua saúde bucal de forma positiva2525. Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Auto-avaliação de saúde bucal em idosos: análise com base em modelo multidimensional. Cad Saúde Pública 2009; 25(2): 421-35.. Ressalta-se, entretanto, que esses idosos são de uma época em que a perda dos dentes era normal, e as condições de saúde bucal refletiam o modelo de atenção à saúde adotado no país, com pouca acessibilidade, falta de equidade, atenção básica ineficaz e tratamentos mutiladores2626. Moreira RS, Nico LS, Tomita NE, Ruiz T. A saúde bucal do idoso brasileiro: revisão sistemática sobre o quadro epidemiológico e acesso aos serviços de saúde bucal. Cad Saúde Pública 2005; 21(6): 1665-75.. Sendo assim, a baixa prevalência de avaliação negativa constatada na presente investigação talvez se fundamente na aceitação destas condições precárias de saúde bucal, baseando-se em uma questão cultural.

Poucos estudos abordaram a avaliação dos serviços odontológicos. Quando se considerou a dimensão acessibilidade e alguns aspectos que abrangem o ambiente físico dos serviços odontológicos, a maioria dos usuários demonstrou insatisfação2727. Lima ACS, Cabral ED, Vasconcelos MMVB. Patient satisfaction at Specialized Dental Clinics, in Recife, Pernambuco, State, Brazil. Cad Saúde Pública 2010; 26(5): 991-1002.. Na presente investigação, questões referentes à acessibilidade e ao ambiente físico não foram avaliadas. Quando se comparou os serviços de saúde em geral com os odontológicos, a maioria dos usuários mostrou-se mais insatisfeito com os odontológicos2828. Moimaz SAS, Marques JAM, Saliba O, Garbin CAS, Zina LG, Saliba NA. Satisfação e percepção dos usuários do SUS sobre o serviço Público de Saúde. Physis Revista de Saúde Coletiva 2010; 20(4): 1419-40.. Apesar disto, independentemente das diversas formas de se conceber e medir a satisfação dos usuários, como na presente investigação, a maioria dos estudos trouxe como resultado baixas prevalências de insatisfação2727. Lima ACS, Cabral ED, Vasconcelos MMVB. Patient satisfaction at Specialized Dental Clinics, in Recife, Pernambuco, State, Brazil. Cad Saúde Pública 2010; 26(5): 991-1002. , 2929. Esperedião M, Trad LAB. Avaliação da satisfação de usuários: considerações teórico-conceituais. Cad Saúde Pública 2006; 22(6): 1267-76. , 3030. Santos SAS, Meneghim MC, Pereira AC. Análise da organização da demanda e grau de satisfação do profissional e usuário de serviço público odontológico do Município de Campos de Goytacazes/RJ/Brasil. Rev Odontol UNESP 2007; 36(2): 169-74.. Esse fato é conhecido como efeito de "elevação" das taxas de satisfação e é reportado mesmo quando as expectativas sobre os serviços são negativas. Era de se esperar que, em países em desenvolvimento como o Brasil, onde o acesso a serviços de saúde de boa qualidade ainda é precário, os usuários manifestassem maior prevalência de insatisfação com os serviços que lhes são oferecidos pelo SUS ou por entidades filantrópicas2828. Moimaz SAS, Marques JAM, Saliba O, Garbin CAS, Zina LG, Saliba NA. Satisfação e percepção dos usuários do SUS sobre o serviço Público de Saúde. Physis Revista de Saúde Coletiva 2010; 20(4): 1419-40.. Por outro lado, os resultados encontrados no presente artigo podem ser consequência de bons e resolutivos serviços odontológicos prestados por planos de saúde ou entidades particulares.

Na análise múltipla constatou-se que, dos cinco grupos propostos por Andersen e Davidson1717. Andersen RM, Davidson PL. Ethnicity, aging, and oral health outcomes: a conceptual framework. Adv Dent Res 1997; 11(2): 203-9., somente não permaneceram associadas à avaliação negativa dos serviços odontológicos variáveis dos comportamentos relacionados à saúde e às condições normativas de saúde. Ainda, dentre as questões relacionadas à tríade estrutura-processo-resultados, que seriam importantes medidas de avaliação destes serviços1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60., não foi identificada nenhuma variável referente à estrutura. No que diz respeito ao processo, a investigação do acesso a informações sobre como evitar problemas bucais foi avaliada conforme propõe Donabedian1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60.. Acredita-se que a falta de significância estatística (e de associações), entre a variável dependente e aquelas propostas no modelo teórico, ocorra devido à ausência de variáveis coletadas no Projeto SB Brasil1212. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004., as quais representassem todas as dimensões teóricas do modelo proposto1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60., portanto não foi possível avaliar questões referentes à estrutura. No banco de dados do Projeto SB Brasil, somente uma questão pode ser avaliada para identificar a associação entre avaliação negativa dos serviços odontológicos e o "processo" (acesso à informação sobre como evitar problemas bucais)1212. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.. Sabe-se, entretanto, que a avaliação da relação entre profissionais e usuários demandaria a análise de outras questões, tais como respeito, tempo de espera, liberdade para fazer perguntas, dentre outras1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60..

A avaliação da qualidade da assistência à saúde é uma importante ferramenta no planejamento e na gestão dos serviços e sistemas de saúde3131. Westaway MS, Rheeder P, Zyl DGV, Seager JR. Interpersonal and organizational dimensions of patient satisfaction: the moderating effects of health status. Int J Qual Health Care 2003; 15(4): 337-44.. Nessa perspectiva, considera-se que um serviço tenha boa qualidade quando o problema que gerou sua busca seja resolvido, assim como nas situações em que a assistência prestada ao usuário gere satisfação com o serviço prestado tanto no que diz respeito a sua estrutura física quanto na relação entre profissionais e usuários1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60.. Com o intuito de avaliar o grau de satisfação de usuários com os serviços de saúde, alguns estudos foram conduzidos66. Gouveia GC, Souza WV, Luna CF, Souza-Júnior PRB, Szwarcwald CL. Satisfação dos usuários do sistema de saúde brasileiro: fatores associados e diferenças regionais. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(3): 281-96. , 88. Robles ACC, Grosseman S, Bosco VL. Satisfação com o atendimento odontológico: estudo qualitativo com mães de crianças atendidas na Universidade Federal de Santa Catarina. Cienc Saúde Coletiva 2008; 13(1): 43-9. , 3232. Oliveira DF, Arieta CEL, Temporini ER, Kara-Jose N. Quality of health care: patient satisfaction in a university hospital. Arq Bras Oftalmol 2006; 69(5): 731-6. , 3333. Trad LAB, Bastos ACS, Santana EM, Nunes MO. Estudo etnográfico da satisfação do usuário do Programa de Saúde da Família (PSF) na Bahia. Cienc Saúde Colet 2002; 7(3): 581-9.. Abordar essa satisfação implica fazer a avaliação sobre características dos serviços e, portanto, sobre sua qualidade. Deste modo, a perspectiva dos usuários fornece informação importante para aperfeiçoar a qualidade dos serviços3434. Atkinson SJ. Anthropology in research on the quality of health services. Cad Saúde Pública 1993; 9(3): 283-99.. Não foram encontradas associações entre avaliação negativa dos serviços e condições normativas de saúde bucal. Segundo proposta de Donabedian1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60., tais serviços poderiam ser considerados insatisfatórios uma vez que os resultados, ou seja, condições de saúde bucal dos idosos, eram negativos. Ressalta-se, entretanto que estas condições são consequências de serviços ofertados ao longo de toda a vida dos idosos e que, provavelmente, os que foram analisados foram aqueles utilizados pela última vez pelos idosos, visto que a avaliação dos serviços odontológicos foi baseada na sequência de perguntas: "Já foi ao dentista alguma vez na vida?"; "Há quanto tempo?" e "Como avalia o atendimento?". No entanto, constataram-se associações estatisticamente significantes com questões subjetivas que também podem ser consideradas condições de saúde, ou seja, resultados. Segundo o Departamento de Saúde do Reino Unido, a saúde bucal envolve um conjunto de atributos que garante a mastigação, a fala e a socialização dos indivíduos, além da inexistência de doença ou desconforto, visando o bem-estar geral3535. United Kingdom. Department of Health. An oral health strategy for England. London; 1994., sendo assim a consideração de questões subjetivas são também medidas de saúde. Nesse contexto, quando se propõe avaliar serviços de saúde bucal, deve-se compreender as condições de saúde bucal dos usuários3636. Matos DL, Lima-Costa MF, Guerra HL, Marcenes W. Projeto Bambuí: avaliação de serviços odontológicos privados, públicos e de sindicato. Rev Saúde Pública 2002; 36(2): 237-43., assim como a percepção dos mesmos sobre estas condições.

A prevalência de avaliação negativa foi maior entre os idosos que utilizaram os serviços públicos e/ou filantrópicos. Estudos que abordaram a satisfação dos usuários com os serviços públicos de saúde apontam para a necessidade de melhorias no atendimento, na humanização, no acolhimento e na aquisição de recursos físicos e materiais2828. Moimaz SAS, Marques JAM, Saliba O, Garbin CAS, Zina LG, Saliba NA. Satisfação e percepção dos usuários do SUS sobre o serviço Público de Saúde. Physis Revista de Saúde Coletiva 2010; 20(4): 1419-40.. Na presente investigação, questões referentes à humanização, ao acolhimento e à aquisição de recursos físicos e materiais não foram avaliadas, o que pode ter comprometido os resultados apresentados. Sugere-se que a reestruturação dos serviços públicos de saúde é importante para suprir as necessidades dessa clientela extremamente carente de cuidados3737. Melo I, Costa D, Maciel SML, Cavalcanti AL. Acesso aos serviços odontológicos e motivos da procura por atendimento por pacientes idosos em Campina Grande - PB. Odontol Clin Cientif 2008; 7(4): 331-5..

A avaliação negativa dos serviços odontológicos foi maior entre homens, visto que essa percepção pode ser influenciada pelo sexo2828. Moimaz SAS, Marques JAM, Saliba O, Garbin CAS, Zina LG, Saliba NA. Satisfação e percepção dos usuários do SUS sobre o serviço Público de Saúde. Physis Revista de Saúde Coletiva 2010; 20(4): 1419-40.. O sexo masculino aponta os problemas de saúde bucal como motivos de limitação no desempenho de suas atividades em maior proporção do que as mulheres3838. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saúde Colet 2002; 7(4): 687-707., embora a frequência de uso desses serviços entre o sexo feminino seja maior3737. Melo I, Costa D, Maciel SML, Cavalcanti AL. Acesso aos serviços odontológicos e motivos da procura por atendimento por pacientes idosos em Campina Grande - PB. Odontol Clin Cientif 2008; 7(4): 331-5.

38. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saúde Colet 2002; 7(4): 687-707.

39. Matos DL, Giatti L, Lima-Costa MF. Fatores sócio-demográficos associados ao uso dos serviços odontológicos entre idosos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios. Cad Saúde Pública 2004; 20(5): 1290-7.
- 4040. Baldani MH, Brito WH, Lawder JAC, Mendes YBE, Silva FFM, Antunes JLF. Determinantes individuais da utilização de serviços odontológicos por adultos e idosos de baixa renda. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1): 150-62.. O fato de os homens usarem os serviços e cuidarem menos de saúde pode estar ligado a questões socioculturais, à dificuldade no acesso às redes assistenciais no horário de trabalho e em reconhecer suas necessidades de saúde. Além disso, os serviços e as estratégias de comunicação em sua maioria são direcionados à atenção das mulheres4141. Gomes R, Nascimento EF, Araújo FC. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad Saúde Pública 2007; 23(3): 565-74.. Sugere-se que a maior prevalência da avaliação negativa dos serviços odontológicos entre homens pode ser resultante das condições de saúde bucal apresentadas e das restrições que são geradas por elas, assim como de uma maior dificuldade de acesso a esses serviços nesse estrato ao longo da vida, uma vez que foram investigados idosos3939. Matos DL, Giatti L, Lima-Costa MF. Fatores sócio-demográficos associados ao uso dos serviços odontológicos entre idosos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios. Cad Saúde Pública 2004; 20(5): 1290-7.. Sabe-se que a maioria dos serviços públicos ou filantrópicos é ofertado no horário de trabalho dos homens, portanto políticas de saúde pública específicas para os homens são recomendadas para garantir o acesso a tais serviços durante a noite, podendo reverter esse quadro.

A escolaridade pode refletir nas condições socioeconômicas. Nesse sentido, acredita-se que a renda interfere na avaliação dos serviços de saúde e que, na presente investigação, a maior prevalência da avaliação negativa entre aqueles com maior escolaridade tenha sido encontrada em função da homogeneidade da população quanto à renda4242. Martins AMEBL, Barreto SM, Silveira MF, Santa-Rosa TT, Pereira RD. Autopercepção da saúde bucal entre idosos brasileiros. Rev Saúde Pública 2010; 44(5): 912-22.. Sugere-se que a maior prevalência da avaliação negativa entre aqueles com maior escolaridade, independentemente do tipo de serviço utilizado, seja pelo fato dos idosos com maior escolaridade serem mais exigentes no que diz respeito aos serviços prestados. Assim como pelo fato da educação em saúde poder influenciar na avaliação dos serviços1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60.. Os idosos que receberam informações sobre como evitar problemas bucais relataram maior satisfação com os serviços prestados4343. Oliveira RS, Magalhães BG, Gaspar GS, Rocha RACP, Góes PSA. Avaliação do grau de satisfação dos usuários nos serviços de saúde bucal da Estratégia de Saúde da Família. Rev Bras Pesq Saúde 2009; 11(4): 34-8. , 4444. Mialhe FL, Oliveira CSR, Silva DD. Acesso e avaliação dos serviços de saúde bucal em uma localidade rural da região sul do Brasil. Arq Cienc Saúde Unipar 2006; 10(3): 145-9.. A educação em saúde contribui para a conscientização dos indivíduos e para a valorização da saúde bucal, facilitando, assim, a prática de hábitos e comportamentos saudáveis4545. Saliba NA, Pereira AA, Moimaz SAS, Garbin CAS, Arcieri RM. Programa de educação em saúde bucal: A experiência da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP. Odontol Clin Cientif 2003; 2(3): 197-200.. Na presente investigação, a avaliação negativa foi maior entre aqueles que não obtiveram informações sobre como evitar os problemas bucais, independentemente do tipo de serviço utilizado, portanto, recomenda-se que, para que o baixo percentual de idosos que avaliaram negativamente os serviços odontológicos (3,7%), venha-se a avaliar de forma positiva tais serviços, uma das mudanças a ser considerada é o incremento na oferta de informações sobre como evitar problemas bucais, especialmente nos serviços públicos e filantrópicos.

As condições subjetivas relacionadas à saúde podem interferir no desfecho da avaliação dos serviços de saúde1616. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Quality Review Bulletin 1992; 18: 356-60.. Dentre as sete condições investigadas, no presente estudo, três estiveram associadas à avaliação negativa dos serviços odontológicos. Não foram encontrados estudos prévios que identificaram tais associações. No entanto, sabe-se que a autopercepção entre idosos é influenciada pelas percepções dos diversos aspectos de saúde bucal4646. Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Factors associated to self perceived need of dental care among Brazilian elderly. Rev Saúde Pública 2008; 42(3): 487-96.

47. Ekanayake L, Perera I. Perceived need for dental care among dentate older individuals in Sri Lanka. Spec Care Dentist 2005; 25(4): 199-205.
- 4848. Heft MW, Gilbert GH, Shelton BJ, Ducan RP. Relationship of dental status, sociodemographic status, and oral symptoms to perceived need for dental care. Community Dent Oral Epidemiol 2003; 31(5): 351-60.. A percepção positiva da saúde bucal, mesmo entre idosos com precárias condições de saúde bucal, sugere que condições normativas são preditores fracos da autopercepcão4848. Heft MW, Gilbert GH, Shelton BJ, Ducan RP. Relationship of dental status, sociodemographic status, and oral symptoms to perceived need for dental care. Community Dent Oral Epidemiol 2003; 31(5): 351-60.

49. Benyamini Y, Leventhal H, Leventahal EA. Self rated oral health as an independent predictor of self rated general health, self esteem and life satisfaction. Soc Sci Med 2004; 59(5): 1109-16.

50. Reisine ST, Bailit HL. Clinical oral health status and adult perceptions of oral health. Soc Sci Med 1980; 14(6): 597-605.
- 5151. Matthias RE, Atchison KA, Lubben JE, De Jong F, Schweitzer SO. Factors affecting self-ratings of oral health. J Public Health Dent 1995; 55(4): 197-204.. Isso ocorre provavelmente porque a maioria das doenças bucais é assintomática e desconhecida pelos pacientes, que só se veem doentes diante da manifestação aguda das doenças bucais5050. Reisine ST, Bailit HL. Clinical oral health status and adult perceptions of oral health. Soc Sci Med 1980; 14(6): 597-605., ou ainda porque as condições normativas medem apenas a doença e as questões subjetivas avaliam experiências humanas de saúde5252. Locker D, Slade G. Association between clinical and subjective indicators of oral health status in an older adult population. Gerodontology 1994; 11(2): 108-14..

As limitações do presente estudo referem-se à variável dependente, que considera a avaliação dos serviços odontológicos a partir de uma única questão; ao processo dinâmico da associação entre a avaliação dos serviços odontológicos e as variáveis investigadas, uma vez que causas e efeitos certamente variam ao longo da vida e, sendo este um estudo seccional, não é possível estabelecer uma relação temporal entre as associações observadas. Além disso, é importante salientar que, em estudos com amostras complexas, recomenda-se, nas análises estatísticas, a correção pelo efeito de desenho5353. Queiroz RCS, Portela MC, Vasconcellos MTL. Pesquisa sobre as Condições de Saúde Bucal da População Brasileira (SB Brasil 2003): seus dados não produzem estimativas populacionais, mas há possibilidade de correção. Cad Saúde Pública 2009; 25(1): 47-58.. Tais correções acarretam menor impacto nas estatísticas inferenciais, objetivo da presente investigação, do que nas descritivas5454. Narvai PC, Antunes JLF, Moysés SJ, Frazão P, Peres MA, Glazer K, et al. Validade científica de conhecimento epidemiológico gerado com base no estudo Saúde Bucal Brasil 2003. Cad Saúde Pública 2010; 26(4): 647-70., sendo que parte dela foi feita a partir do comando svy do Stata para analisar dados oriundos de amostras complexas. A ponderação não foi feita já que os dados necessários para estimar as distintas probabilidades de composição da amostra não foram disponibilizados.

CONCLUSÕES

O conhecimento da avaliação dos serviços odontológicos na perspectiva dos usuários deve ser considerado nas políticas de saúde, nas ações de promoção da saúde, preventivas e reabilitadoras, que buscam melhorar a qualidade de vida da população. A prevalência da avaliação negativa foi baixa e maior entre usuários de serviços públicos e filantrópicos, independentemente das demais variáveis investigadas. Foram encontradas associações com variáveis de três dos cinco subgrupos propostos no modelo teórico.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Coordenação de Saúde Bucal do Ministério da Saúde e à equipe de campo do inquérito, às Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE/SOEBRAS) e à Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) pelo apoio logístico, bem como aos participantes do estudo. Martins é bolsista de pós-doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ); Souza foi bolsista de iniciação científica da FUNORTE/SOEBRAS; Ferreira é bolsista de produtividade da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e Pordeus é bolsista de produtividade do CNPQ.

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  • Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (Fapemig).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2013
  • Revisado
    01 Set 2013
  • Aceito
    18 Nov 2013
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