A satisfação com o entorno físico e social e o hábito de fumar cigarros na região metropolitana de Belo Horizonte

Ricardo Alexandre de Souza Cláudia Di Lorenzo Oliveira Maria Fernanda Lima-Costa Fernando Augusto Proietti Sobre os autores

Resumo

O objetivo do trabalho foi examinar a associação entre a satisfação com o entorno físico e social da vizinhança e o hábito de fumar cigarros. Foram utilizados dados do Inquérito de Saúde dos Adultos da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os participantes do estudo (n = 12.299) foram selecionados por meio de amostra probabilística entre os residentes com 20 anos ou mais de idade. A variável resposta foi o hábito de fumar e a variável explicativa de interesse foi a percepção da vizinhança. Potenciais variáveis de confusão incluíram características demográficas, outros comportamentos em saúde e indicadores de posição socioeconômica. As prevalências de fumantes atuais, ex-fumantes e dos que nunca fumaram foram 20,8; 14,1 e 65,1%, respectivamente; 74,4% e 25,5% dos participantes foram categorizados como mais satisfeitos e menos satisfeitos com a vizinhança, respectivamente. Em comparação aos que jamais fumaram, os ex-fumantes (odds ratio ajustado = 1,40; intervalo de confiança de 95% 1,20 - 1,62) e os fumantes atuais (odds ratio ajustado = 1,17; intervalo de confiança de 95% 1,03 - 1,34) eram menos satisfeitos com a vizinhança em comparação aos que nunca fumaram. Os resultados deste trabalho mostraram que existe associação independente entre o hábito de fumar e pior percepção da vizinhança na região metropolitana de Belo Horizonte, que independe de características individuais, tradicionalmente reportadas como associadas ao hábito de fumar.

Hábito de fumar; Habitação; Distribuição Espacial da População; Inquéritos epidemiológicos; Percepção; Percepção Social


INTRODUÇÃO

O hábito de fumar é fator de risco para doença isquêmica do coração, doença cerebrovascular, infecções do trato respiratório inferior, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer no aparelho respiratório e tuberculose, dentre outras11. U.S. Department of Health and Human Services. Centers for Disease Control and Prevention. National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion. Office on Smoking and Health. The health consequences smoking - 50 years of progress: a report of the Surgeon General. Atlanta: U.S. Government Printing Office; 2014.. Atualmente, o tabaco é a droga mais utilizada no mundo, sendo responsável por aproximadamente 5,4 milhões de mortes a cada ano, das quais 50% ocorrem em países de média e baixa renda22. World Health Organization (WHO). Tobacco Control: Country Profiles. Genebra: WHO; 2003.. Ao hábito de fumar cigarros podem ser atribuídos 25% das doenças cerebrovasculares, 30% dos óbitos por neoplasias malignas, 45% das doenças cardiovasculares e 85% das doenças respiratórias33. BRASIL. Instituto Nacional do Câncer. Programa Nacional de Controle do Tabagismo [Internet]. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=programa&link=introducao.htm. (Acessado em 12 de fevereiro de 2014)
http://www1.inca.gov.br/tabagismo/frames...
. Adicionalmente, o fumo passivo é a 3ª maior causa de morte evitável no mundo, subsequente ao hábito de fumar cigarros e ao consumo excessivo de álcool44. World Health Organization (WHO). WHO Framework Convention on Tobacco Control: why is it important? Genebra; 2012. [Internet] Disponível em: http://www.who.int/features/qa/34/en/. (Acessado em 12 de fevereiro de 2014)
http://www.who.int/features/qa/34/en/...
. No Brasil, estima-se que cerca de 200 mil mortes por ano estão associadas ao hábito de fumar55. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. O cigarro brasileiro: análises e propostas para redução do consumo. Rio de Janeiro: INCA; 2000..

Em 2008, aproximadamente 3,3 bilhões de indivíduos, mais da metade da população mundial, viviam em cidades. Em 2030, estima-se que em torno de 5 bilhões de pessoas viverão em áreas urbanas. Globalmente, portanto, todo o crescimento populacional futuro ocorrerá nas cidades, já densamente povoadas66. The Department of Economic and Social Affairs of the United Nations (DESA). World urbanization prospects. The 2007 revision. New York: DESA; 2008.. No Brasil, a proporção da população residindo em áreas urbanas passou de 31,3% em 1940 para 84,3% em 201177. Brito F, Souza J. Expansão urbana nas grandes metrópoles: o significado das migrações intrametropolitanas e da mobilidade pendular na reprodução da pobreza. São Paulo Perspec 2005; 4: 48-63.; consequentemente, os centros urbanos concentrarão a maioria dos fumantes do país.

Estudos recentes têm mostrado que o entorno físico e social (EFS) do local de moradia está associado ao hábito de fumar88. Chuang YC, Li YS, Wu YH, Chao HJ. A multilevel analysis of neighborhood and individual effects on individual smoking and drinking in Taiwan. BMC Public Health; 2007; 7: 151. , 99. Adams RJ, Howard N, Tucker G, Appleton S, Taylor AW, Chittleborough C, et al. Effects of area deprivation on health risks and outcomes: a multilevel, cross-sectional, Australian population study. Int J Public Health 2009; 54(3): 183-92.. Alguns desses estudos sugerem que essa associação pode ser independente da posição socioeconômica individual1010. Ahern J, Galea S, Hubbard S, Syme S. Neighborhood smoking norms modify the relation between collective efficacy and smoking behavior. Drug Alcohol Depend 2009; 100(1-2): 138-45.

11. Cubbin C, Sundquist K, Ahlén H, Johansson SE, Winkleby MA, Sundquist J. Neighborhood deprivation and cardiovascular disease risk factors: protective and harmful effects. Scand J Public Health 2006; 34(3): 228-37.

12. Datta G, Subramanian SV, Colditz GA, Kawachi I, Palmer JR, Rosenberg L. Individual, neighborhood, and state-level predictors of smoking among US Black women: a multilevel analysis. Soc Sci Med 2006; 63(4): 1034-44.
- 1313. Diez-Roux AV, Nieto FJ, Mutaner C, Tyroler HA, Comstock GW, Shahar E, et al. Neighborhood environments and coronary heart disease: a multilevel analysis. Am J Epidemiol 1997; 146(1): 48-63.. No Brasil, a influência do EFS da vizinhança e o hábito de fumar cigarros têm recebido pouca atenção e, ao nosso conhecimento, não existem estudos epidemiológicos de base populacional em grandes centros urbanos sobre o tema.

O presente estudo tem por objetivo examinar e quantificar a associação entre a percepção da vizinhança e o hábito de fumar entre adultos residentes na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

MÉTODOS

Fonte de dados e população

A fonte de dados para o presente estudo foi o Inquérito de Saúde da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), conduzido entre maio e julho de 2003. A amostra do inquérito foi delineada para produzir estimativas da população não institucionalizada com idade igual ou superior a 10 anos, residente nos cerca de 20 municípios que compunham a RMBH. Trata-se de uma amostra probabilística de conglomerados, estratificada em dois estágios. Os setores censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram usados como unidade primária de seleção e a unidade amostral foi o domicílio. As perdas estimadas no cálculo amostral foram de 20%. Todos os residentes no domicílio com idade igual ou superior à acima mencionada foram elegíveis para entrevista face a face. Dos 7.500 domicílios amostrados, 5.922 (79%) participaram da pesquisa. Maiores detalhes podem ser vistos em outra publicação1414. Lima-Costa MFF. A saúde dos adultos na Região Metropolitana de Belo Horizonte: um estudo epidemiológico de base populacional. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz, Universidade Federal de Minas Gerais; 2004.. Para o presente estudo foram selecionados todos os participantes do inquérito de saúde com idade igual ou superior a 20 anos.

Variável resposta

O hábito de fumar foi definido por meio da seguinte pergunta: "Qual das seguintes frases define melhor seus hábitos em relação ao cigarro?" com seis alternativas: (1) nunca fumou; (2) ao longo de toda a vida jamais fumou 100 cigarros; (3) já fumou 100 cigarros durante toda a sua vida, mas parou de fumar; (4) menos de 20 cigarros por dia; (5) de 21 a 40 cigarros por dia; e (6) mais de 40 cigarros por dia. Aqueles que responderam positivamente às opções 1 ou 2 foram classificados como não fumantes, aqueles que responderam positivamente à opção 3 foram classificados como ex-fumantes e fumantes atuais os que responderam positivamente às demais opções. As questões relativas ao uso de cigarros utilizadas no presente estudo foram traduzidas para o português do questionário do National Center for Health Statistics (NCHS)1515. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). National Center for Health Statistics (NCHS). National Center for Health Statistics (NCHS). Plan and operation of the Third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Series 1: programs and collection procedures. Washington: NCHS; 1994..

Variáveis explicativas

A variável explicativa principal foi a percepção da vizinhança, categorizada como percepção satisfatória e insatisfatória. Essas categorias foram construídas a partir das respostas (sim/não) às seguintes perguntas: (1) "Você se sente confortável no bairro onde mora, ou seja, você se sente em casa?"; (2) "Você está satisfeito com a forma que o quarteirão onde mora é cuidado?"; (3) "O seu bairro é um bom lugar para viver?"; (4) "Você fica orgulhoso quando diz para os outros o lugar onde mora?"; (5) "Seus vizinhos ajudam uns aos outros?"; (6) "As crianças ou os jovens da sua vizinhança tratam os adultos com respeito?" e (7) "O seu bairro é um bom lugar para as crianças brincarem e para criar adolescentes?". Mais de três respostas positivas (sim) foram definidas como percepção satisfatória da vizinhança. Três ou menos respostas positivas foram definidas como percepção da vizinhança ser menos agradável. Essa variável foi construída pelos autores por ser o ponto médio das sete respostas possíveis e após análise fatorial.

Outras variáveis explicativas constituíram quatro domínios: (1) características socioeconômicas e demográficas (idade, sexo, situação conjugal, tempo de residência na RMBH, escolaridade completa, filiação a plano privado de saúde e emprego atual); (2) comportamentos em saúde (consumo excessivo de bebidas alcoólicas, atividades físicas nos momentos de lazer e consumo diário nos últimos 30 dias de frutas, verduras ou legumes); (3) história de diagnóstico médico para doenças e condições crônicas. O consumo excessivo de bebidas alcoólicas foi definido pela ingestão de 5 ou mais doses em uma única ocasião nos últimos 30 dias1616. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Behavioral Risk Factor Surveillance System [Internet]. 2001. Disponível em: http://www.cdc.gov/brfss/. (Acessado em 15 de fevereiro de 2014).
http://www.cdc.gov/brfss/...
. As atividades físicas nos períodos de lazer foram definidas pela frequência semanal nos últimos 90 dias de atividades de qualquer intensidade por 20 a 30 minutos. A ingestão de verduras, frutas e hortaliças foi definida pela ingestão diária em qualquer quantidade nos últimos 30 dias. A condição de ser portador de uma ou mais doenças crônicas foi definida pela pergunta "Algum médico já disse que você tem", considerando as seguintes doenças ou condições crônicas: artrite, câncer, hipertensão, asma/bronquite, diabetes, angina, infarto, outra doença do coração, derrame, doença renal crônica e depressão.

Análise estatística

A análise não ajustada dos dados foi baseada no teste do χ2 para comparações entre frequências e na análise de variância para comparações entre médias A análise multivariada foi baseada em odds ratios (OR) e intervalos de confiança de 95% (IC95%) estimados por meio de regressão logística multinomial. A variável explicativa principal foi construída referenciada na literatura consultada e análise fatorial das respostas do inquérito que deu origem a este trabalho. Todas as variáveis que na análise não ajustada apresentaram associações com o hábito de fumar em nível inferior a 20% (p < 0,20) foram incluídas no modelo logístico; aquelas que persistiram associadas com o hábito de fumar em nível inferior a 5% (p < 0,05) foram mantidas no modelo multivariado final. A condição do respondente (próprio ou substituto) foi considerada, a priori, variável de confusão no estudo e mantida no modelo final. As análises foram conduzidas utilizando o programa Stata 10.0 (Stata Corporation, College Station, Texas). Foi utilizado o procedimento survey (svy) para inquéritos populacionais com amostras complexas, que considera o efeito do delineamento1717. Lê TN, Verma VK. Demographic and Health Surveys (DHS). DHS Analytical Reports. An Analysis of Sampling Designs and Sampling Errors of the Demographic and Health Surveys. Calverton: Macro International Inc; 1997., o peso dos indivíduos na amostra e o conglomerado por domicílio.

O Inquérito de Saúde da Região Metropolitana de Belo Horizonte foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, Belo Horizonte, Minas Gerais (Parecer número 011 de 20/12/2001).

RESULTADOS

Dos 13.636 participantes do Inquérito de Saúde da RMBH com 20 anos ou mais de idade, 12.129 (88,9%) tinham informações completas para todas as variáveis do estudo e foram incluídos nesta análise. Participantes e não participantes eram semelhantes (p < 0,05) em relação ao sexo, à idade, à escolaridade, ao hábito de fumar e à percepção da vizinhança.

Com referência ao hábito de fumar cigarros, 65,1% dos participantes nunca haviam fumado, 14,1% eram ex-fumantes e 20,8% eram fumantes atuais. A satisfação com a vizinhança predominou amplamente na população estudada (74,5%).

Entre os participantes do estudo, a média da idade foi de 40,5 anos, com predomínio da faixa etária de 20 a 29 anos (29,9%), do sexo feminino (54,3%) e do baixo grau de escolaridade (44,4% possuíam o primeiro grau incompleto ou eram analfabetos); como pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição de frequência de acordo com variáveis selecionadas para 12.299 participantes. Inquérito de Saúde dos Adultos, região metropolitana de Belo Horizonte, MG, Brasil. 2003.

Na Tabela 2 estão mostrados os resultados da análise univariada da associação entre a percepção da vizinhança e características socioeconômicas e demográficas com o hábito de fumar. A percepção da vizinhança, idade, sexo, situação conjugal, tempo de residência na RMBH, grau de escolaridade, filiação a um plano privado de saúde e situação ocupacional apresentaram associações estatisticamente significantes com o hábito de fumar. O consumo excessivo de bebidas alcoólicas, as atividades físicas nos momentos de lazer, o consumo diário de legumes, frutas e hortaliças e a condição de portador de pelo menos uma doença crônica apresentaram associações estatisticamente significantes com o hábito de fumar.

Tabela 2
Análise univariada da associação entre satisfação com o entorno físico e social, características sócio demográficas e o hábito de fumar cigarros. Inquérito de Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte, MG, Brasil. 2003.

Os resultados finais da análise multivariada (Tabela 3) mostram que a percepção da vizinhança, a faixa etária e o sexo apresentaram associações estatisticamente significantes com o hábito de fumar. Comparados aos que nunca fumaram, os ex-fumantes estavam menos satisfeitos com a sua vizinhança, eram homens e mais velhos. Comparados àqueles nunca fumaram, os fumantes atuais estavam menos satisfeitos com sua vizinhança, eram homens e concentram-se na faixa etária entre 30 e 59 anos.

Tabela 3
Regressão logística multinominal para o hábito de fumar cigarros de acordo com a satisfação com o entorno físico e social, idade e sexo, para 12.299 participantes. Inquérito de Saúde dos Adultos, região metropolitana de Belo Horizonte, MG, Brasil. 2003.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo indicam presença de associação entre a percepção menos satisfatória da vizinhança e ser fumante na RMBH. Essa associação persistiu mesmo após ajustamentos por características socioeconômicas e demográficas, comportamentos relacionados à saúde e condições de saúde autorreferidas.

Em geral, esses resultados são consonantes com estudos conduzidos em cidades de países de alta renda, como Amsterdã, na Holanda, e Minneapolis, nos Estados Unidos1818. Reijneveld SA. The impact of individual and area characteristics on urban socioeconomic differences in health and smoking. Int J Epidemiol 1998; 27(1): 33-40. , 1919. Patterson JM, Eberly L, Ding Y, Hargreaves M. Associations of smoking prevalence with individual and area level social cohesion. J Epidemiol Community Health 2004; 58(8): 692-7.. Alguns estudos são conclusivos em relação à importância da vizinhança para o hábito de fumar cigarros. Estudo conduzido em Londres, Inglaterra, utilizando modelo multinível reportou que residir em áreas mais vulneráveis em relação às características do entorno físico e social estaria relacionado à frequência maior do uso de cigarros e ao hábito de fumar cigarro2020. Giskes K, van Lenthe FJ, Turrell G, Brug J, Mackenbach JP. Smokers living in deprived areas are less likely to quit: a longitudinal follow-up. Tob Control 2006; 15(6): 485-8.. Ainda, em Manchester, Inglaterra, residir em locais com maior vulnerabilidade do entorno físico e social foi preditor da quantidade de cigarros fumados pelos participantes2121. Duncan C, Jones K, Moon G. Smoking and deprivation: are there neighbourhood effects? Soc Sci Med 1999; 48(4): 497-505.. Mais recentemente, estudo conduzido em várias cidades da França mostrou que o risco de ser fumante era comparativamente maior em áreas com renda média menor, mesmo controlando para fatores individuais (educação, renda, ocupação)2222. Chaix B, Chauvin P. Tobacco and alcohol consumption, sedentary lifestyle and overweightness in France: a multilevel analysis of individual and area-level determinants. Eur J Epidemiol 2003; 18(6): 531-8.. Em Austin, nos Estados Unidos, estudo na população afrodescendente, mostrou que o entorno físico e social estava mais fortemente associado ao hábito de fumar cigarros do que as características individuais das pessoas ali aninhadas2323. Reitzel LR, Vidrine JI, Businelle MS, Kendzor DE, Cao Y, Mazas CA, et al. Neighborhood perceptions are associated with tobacco dependence among African American smokers. Nicotine Tob Res 2012; 14(7): 786-93.. Estudo multinível realizado em cidades do condado de Norfolk, na Inglaterra, demonstrou que quanto maior a vulnerabilidade social (pior posição socioeconômica dos indivíduo e seu nível educacional), maior era a chance dos indivíduos serem fumantes de cigarros2424. Shohaimi S, Luben R, Wareham N, Day N, Bingham S, Welch A, et al. Residential area deprivation predicts smoking habit independently of individual educational level and occupational social class. A cross sectional study in the Norfolk cohort of the European Investigation into Cancer (EPIC-Norfolk). J Epidemiol Community Health 2003; 57(4): 270-6.. Em outro estudo, homens moradores de Minneapolis, Estados Unidos, que avaliavam sua vizinhança como possuidora de maior coesão social, tinham menores chances de serem fumantes1919. Patterson JM, Eberly L, Ding Y, Hargreaves M. Associations of smoking prevalence with individual and area level social cohesion. J Epidemiol Community Health 2004; 58(8): 692-7.. Estudo multinível em Adelaide, na Austrália, mostrou que características agregadas (indicador de desvantagem socioeconômica relativa, obesidade e qualidade de vida) da área de moradia contribuem para o tabagismo, independentes dos fatores individuais99. Adams RJ, Howard N, Tucker G, Appleton S, Taylor AW, Chittleborough C, et al. Effects of area deprivation on health risks and outcomes: a multilevel, cross-sectional, Australian population study. Int J Public Health 2009; 54(3): 183-92.. Estudo recente realizado na Holanda demonstrou que moradores de áreas mais vulneráveis apresentaram menor probabilidade de abandonarem o uso de tabaco2020. Giskes K, van Lenthe FJ, Turrell G, Brug J, Mackenbach JP. Smokers living in deprived areas are less likely to quit: a longitudinal follow-up. Tob Control 2006; 15(6): 485-8..

Algumas limitações deste estudo devem ser mencionadas. Nos estudos seccionais não é possível estabelecer relações temporais e garantir a assimetria entre a exposição e o evento de interesse. Com relação à variável resposta, em nosso estudo a duração do uso de cigarros não foi mensurada. Assim, entre os fumantes, há indivíduos que fazem uso de cigarro por períodos de tempo que podem ser muito distintos. Ainda, potenciais participantes deste estudo que seriam "fumantes inveterados" podem não ter participado do inquérito, por terem falecido ou estarem muito doentes e hospitalizados. Ainda, uma possível razão para a maior magnitude da associação para os ex-fumantes encontrada em nosso estudo pode estar relacionada a seu desenho transversal, sendo possível que o grupo de ex-fumantes seja composto por indivíduos que recentemente abandonaram o hábito de fumar e outros que o fizeram há longa data.

Por outro lado, alguns aspectos positivos deste estudo devem ser destacados, como o tamanho da amostra, a abrangência geográfica da terceira maior região metropolitana do país e, em recente revisão da literatura, a ausência de estudo semelhante a esse no Brasil.

Nossos resultados sugerem que programas de combate ao tabagismo devem levar em consideração a importância do entorno físico e social (EFS) da vizinhança, determinante de saúde muitas vezes negligenciado. Intervenções sobre o entorno físico e social da vizinhança não tradicionalmente associados à área da saúde podem ter impacto positivo sobre o hábito de fumar cigarros2525. Sallis JF, Owen N, Fisher EB. Ecological models of health behavior. In: Glanz K, Rimer BK, Viswanath K. Health behavior and health education: theory, research, and practice. San Francisco: Jossey-Bass; 2008. p. 465-86. , 2626. Sundquist J, Malmström M, Johansson SE. Cardiovascular risk factors and the neighbourhood environment: a multilevel analysis. Int J Epidemiol 1999; 28(5): 841-5..

CONCLUSÃO

Os resultados encontrados podem ser associados às condições desfavoráveis do entorno físico e social mais vulnerável da vizinhança. Mais estudos no Brasil para investigar outros fatores associados ao uso de cigarros, que não somente os individuais devem ser conduzidos55. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. O cigarro brasileiro: análises e propostas para redução do consumo. Rio de Janeiro: INCA; 2000. para melhor entendimento desse e de outros graves problemas de saúde pública. Adjuvantes a isso, os programas públicos de combate ao tabagismo no Brasil devem levar em consideração a importância do entorno físico e social (EFS) da vizinhança, determinante de saúde muitas vezes negligenciado. Assim, intervenções sobre o entorno físico e social da vizinhança, não tradicionalmente associados à área da saúde, podem ter impacto positivo sobre comportamentos e estilos de vida, como o hábito de fumar cigarros.

Agradecimentos

A Victor Camargos pela ajuda na elaboração do banco de dados.

À Secretaria de Vigilância à Saúde do Ministério da Saúde e ao Banco Mundial pelo financiamento. Maria Fernanda Furtado Lima-Costa e Fernando Augusto Proietti são bolsistas de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Referências bibliográficas

  • 1
    U.S. Department of Health and Human Services. Centers for Disease Control and Prevention. National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion. Office on Smoking and Health. The health consequences smoking - 50 years of progress: a report of the Surgeon General. Atlanta: U.S. Government Printing Office; 2014.
  • 2
    World Health Organization (WHO). Tobacco Control: Country Profiles. Genebra: WHO; 2003.
  • 3
    BRASIL. Instituto Nacional do Câncer. Programa Nacional de Controle do Tabagismo [Internet]. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=programa&link=introducao.htm. (Acessado em 12 de fevereiro de 2014)
    » http://www1.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=programa&link=introducao.htm
  • 4
    World Health Organization (WHO). WHO Framework Convention on Tobacco Control: why is it important? Genebra; 2012. [Internet] Disponível em: http://www.who.int/features/qa/34/en/. (Acessado em 12 de fevereiro de 2014)
    » http://www.who.int/features/qa/34/en/
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. O cigarro brasileiro: análises e propostas para redução do consumo. Rio de Janeiro: INCA; 2000.
  • 6
    The Department of Economic and Social Affairs of the United Nations (DESA). World urbanization prospects. The 2007 revision. New York: DESA; 2008.
  • 7
    Brito F, Souza J. Expansão urbana nas grandes metrópoles: o significado das migrações intrametropolitanas e da mobilidade pendular na reprodução da pobreza. São Paulo Perspec 2005; 4: 48-63.
  • 8
    Chuang YC, Li YS, Wu YH, Chao HJ. A multilevel analysis of neighborhood and individual effects on individual smoking and drinking in Taiwan. BMC Public Health; 2007; 7: 151.
  • 9
    Adams RJ, Howard N, Tucker G, Appleton S, Taylor AW, Chittleborough C, et al. Effects of area deprivation on health risks and outcomes: a multilevel, cross-sectional, Australian population study. Int J Public Health 2009; 54(3): 183-92.
  • 10
    Ahern J, Galea S, Hubbard S, Syme S. Neighborhood smoking norms modify the relation between collective efficacy and smoking behavior. Drug Alcohol Depend 2009; 100(1-2): 138-45.
  • 11
    Cubbin C, Sundquist K, Ahlén H, Johansson SE, Winkleby MA, Sundquist J. Neighborhood deprivation and cardiovascular disease risk factors: protective and harmful effects. Scand J Public Health 2006; 34(3): 228-37.
  • 12
    Datta G, Subramanian SV, Colditz GA, Kawachi I, Palmer JR, Rosenberg L. Individual, neighborhood, and state-level predictors of smoking among US Black women: a multilevel analysis. Soc Sci Med 2006; 63(4): 1034-44.
  • 13
    Diez-Roux AV, Nieto FJ, Mutaner C, Tyroler HA, Comstock GW, Shahar E, et al. Neighborhood environments and coronary heart disease: a multilevel analysis. Am J Epidemiol 1997; 146(1): 48-63.
  • 14
    Lima-Costa MFF. A saúde dos adultos na Região Metropolitana de Belo Horizonte: um estudo epidemiológico de base populacional. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz, Universidade Federal de Minas Gerais; 2004.
  • 15
    Centers for Disease Control and Prevention (CDC). National Center for Health Statistics (NCHS). National Center for Health Statistics (NCHS). Plan and operation of the Third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Series 1: programs and collection procedures. Washington: NCHS; 1994.
  • 16
    Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Behavioral Risk Factor Surveillance System [Internet]. 2001. Disponível em: http://www.cdc.gov/brfss/. (Acessado em 15 de fevereiro de 2014).
    » http://www.cdc.gov/brfss/
  • 17
    Lê TN, Verma VK. Demographic and Health Surveys (DHS). DHS Analytical Reports. An Analysis of Sampling Designs and Sampling Errors of the Demographic and Health Surveys. Calverton: Macro International Inc; 1997.
  • 18
    Reijneveld SA. The impact of individual and area characteristics on urban socioeconomic differences in health and smoking. Int J Epidemiol 1998; 27(1): 33-40.
  • 19
    Patterson JM, Eberly L, Ding Y, Hargreaves M. Associations of smoking prevalence with individual and area level social cohesion. J Epidemiol Community Health 2004; 58(8): 692-7.
  • 20
    Giskes K, van Lenthe FJ, Turrell G, Brug J, Mackenbach JP. Smokers living in deprived areas are less likely to quit: a longitudinal follow-up. Tob Control 2006; 15(6): 485-8.
  • 21
    Duncan C, Jones K, Moon G. Smoking and deprivation: are there neighbourhood effects? Soc Sci Med 1999; 48(4): 497-505.
  • 22
    Chaix B, Chauvin P. Tobacco and alcohol consumption, sedentary lifestyle and overweightness in France: a multilevel analysis of individual and area-level determinants. Eur J Epidemiol 2003; 18(6): 531-8.
  • 23
    Reitzel LR, Vidrine JI, Businelle MS, Kendzor DE, Cao Y, Mazas CA, et al. Neighborhood perceptions are associated with tobacco dependence among African American smokers. Nicotine Tob Res 2012; 14(7): 786-93.
  • 24
    Shohaimi S, Luben R, Wareham N, Day N, Bingham S, Welch A, et al. Residential area deprivation predicts smoking habit independently of individual educational level and occupational social class. A cross sectional study in the Norfolk cohort of the European Investigation into Cancer (EPIC-Norfolk). J Epidemiol Community Health 2003; 57(4): 270-6.
  • 25
    Sallis JF, Owen N, Fisher EB. Ecological models of health behavior. In: Glanz K, Rimer BK, Viswanath K. Health behavior and health education: theory, research, and practice. San Francisco: Jossey-Bass; 2008. p. 465-86.
  • 26
    Sundquist J, Malmström M, Johansson SE. Cardiovascular risk factors and the neighbourhood environment: a multilevel analysis. Int J Epidemiol 1999; 28(5): 841-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2013
  • Revisado
    24 Abr 2014
  • Aceito
    09 Maio 2014
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br