Polifarmácia, doenças crônicas e marcadores nutricionais em idosos

Erika Aparecida Silveira Luana Dalastra Valéria Pagotto Sobre os autores

Resumo

A polifarmácia configura-se como uma prática frequente entre os idosos, mas poucos estudos já avaliaram sua associação com marcadores nutricionais. O objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de polifarmácia e sua associação com marcadores nutricionais, doenças crônicas, variáveis sociodemográficas e de saúde. Esta pesquisa integra o Projeto Idosos/Goiânia, que avaliou 418 idosos da comunidade em estudo transversal. Definiu-se polifarmácia como o uso de cinco ou mais medicamentos concomitantes. Os marcadores nutricionais coletados foram: IMC, circunferência da cintura, percentual de gordura corporal, ganho e perda de peso, uso de dieta, consumo diário de frutas, hortaliças, leite desnatado e integral. Realizou-se Regressão de Poisson multivariada por modelo hierarquizado com nível de significância de 5%. A prevalência de polifarmácia foi de 28% (IC95% 23,1 - 32,5), observando-se associação significativa com sexo feminino, faixa etária 75 - 79 anos, estado nutricional eutrófico e obeso, uso de dieta, percepção de saúde péssima, presença de duas, três ou mais doenças crônicas. A elevada prevalência de polifarmácia e sua associação com marcadores nutricionais e doenças crônicas demonstra a necessidade de vigilância e monitoramento nutricional em idosos.

Idosos; Polifarmácia; Estado nutricional; Dieta; Doenças crônicas; Autoavaliação


INTRODUÇÃO

O cenário demográfico e epidemiológico do Brasil, caracterizado pelo aumento progressivo da expectativa de vida1. Veras R. Envelhecimento populacional e as informações de saúde do PNAD: Demandas e Desafios Contemporâneos. Cad Saúde Pública 2007; 23(10): 2463-6. e pela alta prevalência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)2. Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM et al. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: carga e desafios atuais. In: Victora CG et al. Saúde no Brasil: a série The Lancet. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011. p. 61-74., muitas delas concomitantes3. Ferreira CCC, Peixoto MRG, Barbosa MA, Silveira EA. Prevalência de Fatores de Risco Cardiovascular em Idosos Usuários do Sistema Único de Saúde de Goiânia. Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 621-8., tem como consequência a utilização de vários medicamentos.

A polifarmácia (consumo de cinco medicamentos concomitantes ou mais) constitui-se uma prática frequente entre os idosos, cuja prevalência em estudos brasileiros varia de 5 a 27%6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64.

. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9.

. Flores VB, Benvegnú LA. Perfil de utilização de medicamentos em idosos da zona urbana de Santa Rosa, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(6): 1439-46.

. Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53.

10 . Loyola-Filho AI, Uchôa E, Lima-Costa MF. Estudo epidemiológico de base populacional sobre uso de medicamentos entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22(12): 2657-67.

11 . Carvalho MFC. A polifarmácia em idosos do Município de São Paulo: Estudo SABE - Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (dissertação de mestrado). São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da USP; 2007.

12 . Marin MJS, Cecílio LCO, Perez AEWVF, Santella F, Silva CBA, Roceti LC. Caracterização do uso de medicamentos entre idosos de uma unidade do Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública 2008; 24(7): 1545-55.
- 1313 . Duarte LR, Gianini RJ, Ferreira LR, Camargo MAS, Galhardo SD. Hábitos de consumo de medicamentos entre idosos usuários do SUS e de plano de saúde. Cad Saúde Colet 2012; 20(1): 64-71.. Entre os fatores associados a essa prática, destacam-se: sexo feminino6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64. , 7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9. , 9. Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53. , 1212 . Marin MJS, Cecílio LCO, Perez AEWVF, Santella F, Silva CBA, Roceti LC. Caracterização do uso de medicamentos entre idosos de uma unidade do Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública 2008; 24(7): 1545-55. , 1313 . Duarte LR, Gianini RJ, Ferreira LR, Camargo MAS, Galhardo SD. Hábitos de consumo de medicamentos entre idosos usuários do SUS e de plano de saúde. Cad Saúde Colet 2012; 20(1): 64-71., idade ≥ 80 anos6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64. , 7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9. , 9. Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53. , 1010 . Loyola-Filho AI, Uchôa E, Lima-Costa MF. Estudo epidemiológico de base populacional sobre uso de medicamentos entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22(12): 2657-67., autoavaliação de saúde regular1414 . Lima-Costa MF, Firmo JOA, Uchoa EA. A estrutura da autoavaliação da saúde entre idosos: projeto Bambuí. Rev Saúde Pública 2004; 38(6): 827-34., doenças crônicas6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64. , 7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9. , 9. Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53. , 1111 . Carvalho MFC. A polifarmácia em idosos do Município de São Paulo: Estudo SABE - Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (dissertação de mestrado). São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da USP; 2007. e número de consultas médicas no último ano7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9. , 8. Flores VB, Benvegnú LA. Perfil de utilização de medicamentos em idosos da zona urbana de Santa Rosa, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(6): 1439-46.. O crescimento da indústria farmacêutica e o marketing de medicamentos também podem contribuir para o aumento das prescrições pelos profissionais de saúde, propiciando o uso de múltiplos medicamentos pelos idosos4. Secoli SR. Polifarmácia: interações e reações adversas no uso de medicamentos por idosos. Rev Bras Enferm 2010; 63(1): 136-40. , 5. Rozenfeld S. Prevalência, fatores associados e mau uso de medicamentos entre os idosos: uma revisão. Cad Saúde Pública 2003; 19(3): 717-24..

Entre esses fatores que contribuem para a polifarmácia, as doenças crônicas são as que apresentam maior relevância e associação. Embora o tratamento farmacológico seja importante para o controle das doenças crônicas, o tratamento não farmacológico, como mudanças no estilo de vida, com destaque para a dietoterapia, é fundamental no tratamento de adultos e idosos com tais doenças1515 . Sociedade Brasileira de Cardiologia. Departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Prevencão da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol; 2007; 88(Suppl.1): 1-19. , 1616 . Sociedade Brasileira de Cardiologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol 2010; 95(Suppl.1): 1-51. Entretanto, poucos estudos analisaram as relações entre polifarmácia e marcadores nutricionais entre os idosos, tais como estado nutricional, gordura corporal, consumo de alimentos e dietoterapia1717 . Jyrkkä J, Mursu J, Enlund H, Lönnroos E. Polypharmacy and nutritional status in elderly people. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2012; 15(1): 1-6. , 1818 . Heuberger RA, Caudell K. Polypharmacy and nutritional status in older adults: a cross-sectional study. Drugs Aging. 2011; 28(4): 315-23.. A elevada prevalência de doenças crônicas3. Ferreira CCC, Peixoto MRG, Barbosa MA, Silveira EA. Prevalência de Fatores de Risco Cardiovascular em Idosos Usuários do Sistema Único de Saúde de Goiânia. Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 621-8. em idosos pode requerer tratamento nutricional com prescrição de dieta e de alguns alimentos específicos1515 . Sociedade Brasileira de Cardiologia. Departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Prevencão da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol; 2007; 88(Suppl.1): 1-19. , 1616 . Sociedade Brasileira de Cardiologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol 2010; 95(Suppl.1): 1-51, sendo relevante estudar a associação deles com polifarmácia. Diante disso, o objetivo deste estudo foi investigar a associação de marcadores nutricionais, presença de doenças crônicas, variáveis sociodemográficas e de saúde com polifarmácia em idosos da comunidade, bem como estimar sua prevalência.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de delineamento transversal, inserido em um projeto matriz denominado Projeto Idosos/Goiânia, que avaliou condições de saúde e nutrição em idosos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) em Goiânia (GO)3. Ferreira CCC, Peixoto MRG, Barbosa MA, Silveira EA. Prevalência de Fatores de Risco Cardiovascular em Idosos Usuários do Sistema Único de Saúde de Goiânia. Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 621-8. , 1919 . Pagotto V, Nakatani AYE, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública 2011; 27(8): 1593-602. , 2020 . Pagotto V, Silveira EA, Velasco WD. Perfil das hospitalizações e fatores associados em idosos usuários do SUS. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18(10): 3061-70. , 2121 . Pagotto V, Silveira EA. Applicability and agreement of different diagnostic criteria for sarcopenia estimation in the elderly. Arch Gerontol Geriatr 2014; 59: 288-294.. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (CEP/UFG) e todos que consentiram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram incluídos 418 idosos, mediante amostragem probabilística e proporcional aos nove Distritos Sanitários do município de Goiânia. Esse tamanho amostral foi definido pelos seguintes parâmetros: prevalência de 13% de diabetes mellitus (desfecho de menor prevalência na pesquisa matriz); poder de 80%, nível de confiança de 95%; e razão de expostos para não expostos de 1:2; razão de prevalência de 2. Como a prevalência de polifarmácia é superior ao desfecho utilizado para o cálculo, a amostra do Projeto Idosos/Goiânia é suficiente para garantir a validade do estudo, além de conferir maior poder estatístico.

A coleta de dados foi realizada no domicílio do idoso entre novembro de 2008 e março de 2009. Os procedimentos de amostragem em múltiplos estágios, estudo piloto, treinamento da equipe, instrumentos de coleta de dados, padronização de antropometristas, técnicas antropométricas2222 . Lohman TG, Roache, AF. Anthropometric standardization reference manual. Illinois: Human Kinetics Books; 1992. e outras informações metodológicas já se encontram descritas em outras publicações3. Ferreira CCC, Peixoto MRG, Barbosa MA, Silveira EA. Prevalência de Fatores de Risco Cardiovascular em Idosos Usuários do Sistema Único de Saúde de Goiânia. Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 621-8. , 1919 . Pagotto V, Nakatani AYE, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública 2011; 27(8): 1593-602. ,20.

Ao final da coleta de dados, realizou-se checagem e codificação dos questionários, seguidas de digitação em dupla entrada para análise de consistência interna no Epi-Data versão 3.1.

A variável desfecho deste estudo foi a polifarmácia, definida como uso concomitante de 5 ou mais medicamentos4. Secoli SR. Polifarmácia: interações e reações adversas no uso de medicamentos por idosos. Rev Bras Enferm 2010; 63(1): 136-40. , 6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64. , 7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9.. A variável foi dicotomizada em sim (uso de 5 ou mais medicamentos) e não (uso de 0 a 4 medicamentos). O uso de medicamentos foi avaliado por meio da resposta do idoso à pergunta: "Quais remédios o(a) Sr.(a) costuma tomar todos os dias". Além disso, era solicitado ao idoso que mostrasse a receita e a embalagem do medicamento utilizado, sendo que 100% as apresentaram ao entrevistador. No questionário, era anotado o princípio ativo para posteriormente classificá-los conforme a referência do Anatomical-Therapeutical-Chemical Classification System (ATC), um método de classificação de substâncias farmacêuticas (princípio ativo) desenvolvido pelo WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology 2323 . WHO Colaboranting Center for drug statistics methodology. Guidelines for ATC classification and DDD assignment. Oslo: World Health Organization; 2007..

Foram estudadas as seguintes variáveis de exposição: sociodemográficas (sexo, idade, cor da pele, viver com companheiro, anos de estudo e classe econômica), marcadores nutricionais (estado nutricional, circunferência da cintura, percentual de gordura corporal, ganho de peso e perda de peso, estar seguindo dieta, consumo diário de frutas, consumo diário de hortaliças, consumo diário de leite desnatado e integral), doenças crônicas e outras condições de saúde (autoavaliação de saúde, hospitalização no último ano).

A variável classe econômica foi categorizada em A/B, C, D/E de acordo com a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP)2424 . Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de Classificação Econômica Brasil. 2008. Disponível em: http://www.abep.org/novo/Utils/FileGenerateashx?id=12 (Acessado em março de 2009).
http://www.abep.org/novo/Utils/FileGener...
, cuja classificação se dá a partir dos itens duráveis do domicílio e do nível de instrução do chefe da família.

O estado nutricional foi definido pelo Índice de Massa Corporal (IMC), a partir de peso e altura aferidos. Os idosos foram classificados em baixo peso (IMC < 22,0 kg/m2); eutrófico (IMC 22,0 - 27,0 kg/m2); e obesos (IMC > 27,0 kg/m2)2525 . Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim Care 1994; 21(1): 55-67. , 2626 . Silveira EA, Kac G, Barbosa LS. Prevalência e fatores associados à obesidade em idosos residentes em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil: classificação da obesidade segundo dois pontos de corte do índice de massa corporal. Cad Saúde Pública 2009; 25(7): 1569-77.. A circunferência da cintura (CC) foi classificada conforme os pontos de corte propostos pela Organização Mundial de Saúde (OMS): CC aumentada (entre 80 - 88 cm para mulheres e 94 - 102 cm para homens); CC muito aumentada (> 102 cm para homens e > 88 cm para mulheres)2727 . World Health Oranization Technical Report Series. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: World Health Organization; 2000. p. 9-11..

A porcentagem de gordura corporal foi avaliada por meio do protocolo de somatório de quatro dobras cutâneas. Utilizou-se a equação da densidade corporal de Durnin e Womersley2828 . Durnin JGA, Womersley J. Body fat assessed from total body density and its estimation from skinfold tickness: measurements on 481 men and women age from 16 to 72 years. Br J Nutr 1974; 32(1): 77-97. (1974): D (g/cm3. Ferreira CCC, Peixoto MRG, Barbosa MA, Silveira EA. Prevalência de Fatores de Risco Cardiovascular em Idosos Usuários do Sistema Único de Saúde de Goiânia. Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 621-8.) = 1,1339 - 0,0648 x log (å 4DC) e para conversão da densidade corporal em percentual de gordura corporal, aplicou-se equação de Siri2929 . Siri SE. Body composition from fluid spaces and density: analysis of methods. In: Brozek J, Henschel A. Techniques for Measuring Body Composition. Washington: National Academy of Sciences-National Research Council; 1961. p. 223-44. (1961): %G = (495 / D) - 450. Para classificar o percentual de gordura em adiposidade excessiva, utilizou-se a proposição de Gallagher3030 . Gallagher D, Heymsfield SB, Heo M, Jebb SA, Murgatroyd PR, Sakamoto Y. Healthy percentage body fat ranges: an approach for developing guidelines based on body mass index. Am J Clin Nutr 2000; 72(3): 694-701., em que os pontos de corte para idosos são 42% para mulheres e 30% para homens.

Para a classificação do consumo diário de frutas, hortaliças, leite desnatado e integral, foi analisado o item consumo uma vez ao dia, do Questionário de Frequência Alimentar (QFA). Essas variáveis foram classificadas em sim (consome no mínimo 1 vez ao dia) e não (não consome no mínimo 1 vez ao dia). O seguimento de dieta foi avaliado por meio da pergunta: "O(a) Sr.(a) está seguindo alguma dieta ou recomendação alimentar?".

As doenças crônicas foram identificadas por meio das respostas à pergunta: "Quais doenças o médico já disse que o(a) Sr(a). tem?". Posteriormente, foram classificadas em crônicas ou não e categorizadas numericamente em: 0 - 1; 2; > 3. A autoavaliação de saúde foi avaliada por meio da pergunta: "O que o(a) Sr(a). acha do seu estado de saúde no último mês?", cujas opções de respostas eram: "muito bom", "bom", "regular", "fraco","péssimo"1919 . Pagotto V, Nakatani AYE, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública 2011; 27(8): 1593-602..

Os dados foram analisados no software STATA 8.0(r). Realizou-se análise descritiva dos tipos e classes de medicamentos mais utilizados. Para avaliar a associação entre a polifarmácia e as variáveis de exposição, realizou-se Regressão de Poisson simples com seus respectivos intervalos de confiança (IC95%). Aplicou-se também o qui-quadrado de tendência linear. A análise multivariada foi realizada de forma hierárquica, em três níveis: Nível 1 - variáveis sociodemográficas; Nível 2 - marcadores nutricionais; Nível 3 - doenças crônicas e demais variáveis de saúde. Foram incluídas no modelo todas as variáveis que, na análise bivariada, apresentaram valores de p menores que 0,20.

RESULTADOS

A amostra final do Projeto Idosos/Goiânia foi constituída por 418 idosos, sendo 66% mulheres, 48,5% com idade entre 60 - 69 anos e 46,9% pertencentes a classe social C. A prevalência da polifarmácia foi 28,0% (IC95% 23,1 - 32,5), sendo significativamente maior no sexo feminino (32,7%), na faixa etária 75 - 79 anos, em eutróficos e obesos, na presença de 2 doenças crônicas e/ou 3 doenças crônicas e para autoavaliação de saúde péssima (Figura 1). O consumo de médio de medicamentos foi de 3,7 (±2,4), com valor máximo de 12 medicamentos por idoso. As classes medicamentosas mais utilizadas foram: cardiovasculares (49,2%), trato alimentar e metabolismo (18,0%) e sistema nervoso central (12,2%) (Figura 2).

Figura 1
Prevalência de polifarmácia em idosos usuários da Atenção Básica conforme sexo, estado nutricional e número de doenças crônicas, Goiânia, GO, 2009.

Figura 2
Distribuição das categorias terapêuticas em idosos da comunidade, Goiânia, GO, 2009.

As variáveis que se associaram a polifarmácia na análise bivariada foram: sexo feminino (RP = 1,76; IC95% 1,14 - 2,73) (Tabela 1), autoavaliação de saúde péssima (RP = 2,86; IC95% 1,63 - 5,08), hospitalização no último ano (RP = 1,57; IC95% 1,07 - 2,31), presença de duas doenças crônicas (RP = 3,20; IC95% 2,12 - 4,83) e de três ou mais doenças crônicas (RP = 3,85; IC95% 2,29 - 6,48) (Tabela 2).

Tabela 1
Prevalência e associação entre polifarmácia com variáveis sociodemográficas em idosos da comunidade, Goiânia, GO, 2009 (n = 418).
Tabela 2
Prevalência e associação entre polifarmácia com marcadores nutricionais, doenças crônicas e demais variáveis de saúde entre idosos da comunidade, Goiânia, GO, 2009, (n = 418).

Em relação aos marcadores nutricionais, ainda na análise bivariada observou-se associação entre polifarmácia e estado nutricional nas categorias eutrófico (RP = 2,28; IC95% 1,07 - 4,86) e obeso (RP = 2,67; IC95% 1,28 - 5,55); circunferência da cintura muito aumentada (RP = 2,24; IC95% 1,29 - 3,89); estar seguindo dieta (RP = 2,19; IC95% 1,48 - 3,23); consumo diário de leite desnatado (RP = 1,70; IC95% 1,10 - 2,63) (Tabela 2).

Após análise multivariada hierarquizada (Tabela 3), permaneceram associados à polifarmácia: sexo feminino (RP = 1,76; IC95% 1,21 - 2,65), faixa etária 75 - 79 anos (RP = 1,98; IC95% 1,03 - 3,79), estado nutricional eutrófico (RP = 2,17; IC 95% 1,11 - 4,27) e obeso (RP = 2,41; IC95% 1,24 - 4,70), estar seguindo dieta (RP = 2,09; IC95% 1,49 - 2,92), autoavaliação de saúde péssima (RP = 1,96; IC95% 1,25 - 3,09), presença de duas doenças crônicas (RP = 2,76; IC95% 1,92 - 3,96) e de três ou mais doenças crônicas (RP = 2,73; IC95% 1,77 - 4,20).

Tabela 3
Razões de prevalência ajustadas para associação entre polifarmácia e variáveis sociodemográficas, marcadores nutricionais e condições de saúde em idosos da comunidade, Goiânia, GO, 2009.

DISCUSSÃO

O uso de medicamentos é uma prática comum entre os idosos, tendo em vista que, neste estudo, 72% consumiam um ou mais medicamentos e a prevalência de polifarmácia foi 28%. Esses achados são superiores a estudos já desenvolvidos no Brasil6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64. , 1010 . Loyola-Filho AI, Uchôa E, Lima-Costa MF. Estudo epidemiológico de base populacional sobre uso de medicamentos entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22(12): 2657-67., mas similares aos resultados do Projeto Bambuí9 . Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53.e de Porto Alegre7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9.. Alguns fatores podem contribuir para o consumo elevado de medicamentos, como a baixa frequência de uso de tratamentos não farmacológicos para as doenças crônicas e/ou outros problemas de saúde e o fácil acesso a medicações7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9.. Além desses fatores, em alguns casos, na tentativa de amenizar sintomas ou ter respostas mais rápidas em relação a terapias não farmacológicas, os profissionais prescrevem de forma distorcida ou impulsiva, o que pode contribuir para o uso desnecessário de fármacos e aumentar o número de medicamentos consumidos pelos idosos5. Rozenfeld S. Prevalência, fatores associados e mau uso de medicamentos entre os idosos: uma revisão. Cad Saúde Pública 2003; 19(3): 717-24.. Uma das consequências do uso de múltiplos fármacos é o aumento do risco de Reações Adversas a Medicamentos (RAM), que por sua vez, amplia a morbimortalidade entre os idosos4. Secoli SR. Polifarmácia: interações e reações adversas no uso de medicamentos por idosos. Rev Bras Enferm 2010; 63(1): 136-40..

Os medicamentos mais utilizados foram os que atuam no sistema cardiovascular, seguidos dos que atuam no sistema digestivo, metabolismo e sistema nervoso central, o que apresenta consistência com resultados encontrados em estudos anteriores6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64.

. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9.

. Flores VB, Benvegnú LA. Perfil de utilização de medicamentos em idosos da zona urbana de Santa Rosa, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(6): 1439-46.

. Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53.

10 . Loyola-Filho AI, Uchôa E, Lima-Costa MF. Estudo epidemiológico de base populacional sobre uso de medicamentos entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22(12): 2657-67.
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As mulheres apresentaram prevalência 1,76 vezes maior de polifarmácia que os homens, corroborando resultados de outros estudos6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64. , 7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9. , 9. Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53. , 1212 . Marin MJS, Cecílio LCO, Perez AEWVF, Santella F, Silva CBA, Roceti LC. Caracterização do uso de medicamentos entre idosos de uma unidade do Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública 2008; 24(7): 1545-55.. Considerando o cenário demográfico e epidemiológico atual, as mulheres apresentam alta prevalência de doenças, maior expectativa de vida que os homens1. Veras R. Envelhecimento populacional e as informações de saúde do PNAD: Demandas e Desafios Contemporâneos. Cad Saúde Pública 2007; 23(10): 2463-6. e uma postura diferente em relação à doença, pois relatam com maior frequência sinais e sintomas e utilizam mais os serviços de saúde, estando, portanto, mais sujeitas à medicalização7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9. , 9. Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53. .

Este estudo também corrobora a maioria dos estudos epidemiológicos, que demonstram aumento significativo do uso de medicamentos com o avanço da idade6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64. , 7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9. , 9. Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53. , 1010 . Loyola-Filho AI, Uchôa E, Lima-Costa MF. Estudo epidemiológico de base populacional sobre uso de medicamentos entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22(12): 2657-67., com maior prevalência de polifarmácia na faixa etária de 75 a 79 anos. Entretanto, observou-se baixa prevalência de polifarmácia na faixa etária de 80 anos ou mais. Com o aumento da expectativa de vida, a faixa etária de 80 anos ou mais, vem sendo considerada uma faixa etária distinta. Sugere-se que pesquisas futuras investiguem as práticas medicamentosas neste grupo etário.

Dentre as variáveis relacionadas ao estado de saúde, a autoavaliação de saúde péssima e a presença de duas ou mais doenças crônicas apresentaram associações estatisticamente significantes com a polifarmácia, conforme já descrito em estudos prévios6. Coelho-Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2004; 38(4): 557-64. , 7. Flores LM, Mengue SS. Drug use by the elderly in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2005; 39(6): 924-9. , 9. Loyola-Filho AI, Uchôa E, Firmo JOA. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto Bambuí. Cad Saúde Pública 2005; 21(2): 545-53. , 1111 . Carvalho MFC. A polifarmácia em idosos do Município de São Paulo: Estudo SABE - Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (dissertação de mestrado). São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da USP; 2007. , 1414 . Lima-Costa MF, Firmo JOA, Uchoa EA. A estrutura da autoavaliação da saúde entre idosos: projeto Bambuí. Rev Saúde Pública 2004; 38(6): 827-34. , 1919 . Pagotto V, Nakatani AYE, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública 2011; 27(8): 1593-602.. Esse é um resultado esperado, tendo em vista que os idosos que apresentam múltiplas doenças podem utilizar múltiplos medicamentos e consequentemente autoavaliar a sua saúde como ruim/péssima. A autoavaliação de saúde expressa a percepção do sujeito baseada em interpretações da saúde física, cognitiva, emocional, além de suas expectativas e de seus referenciais de comparação1919 . Pagotto V, Nakatani AYE, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública 2011; 27(8): 1593-602.. Assim, a rotina do uso de medicamentos, incluindo horários, via de administração, medicamento e dose correta, bem como a quantidade de medicamentos consumidos, podem contribuir para uma sensação de ausência de saúde e consequente autoavaliação ruim/péssima da saúde. A presença de múltiplas doenças, as possíveis interações medicamentosas ou efeitos adversos podem reforçar o autorrelato de saúde ruim/péssima. Esses achados reafirmam a necessidade da atuação dos profissionais de saúde no tratamento não farmacológico e em atividades de educação em saúde, o que, por sua vez, poderá contribuir com a redução da polifarmácia e melhor percepção de saúde.

Quanto aos marcadores nutricionais, observou-se que, à medida que aumenta o IMC, aumenta a prevalência da polifarmácia. Estudo de revisão1818 . Heuberger RA, Caudell K. Polypharmacy and nutritional status in older adults: a cross-sectional study. Drugs Aging. 2011; 28(4): 315-23. demonstrou existência de associação entre polifarmácia e estado nutricional, mas com controvérsias, pois em alguns estudos a polifarmácia associou-se à perda de peso e em outros à obesidade. No entanto, os estudos1818 . Heuberger RA, Caudell K. Polypharmacy and nutritional status in older adults: a cross-sectional study. Drugs Aging. 2011; 28(4): 315-23. apresentam maior consistência na associação entre polifarmácia e obesidade, corroborando os achados da presente pesquisa. A hipótese para essa associação baseia-se no conhecimento de que a obesidade é fator de risco para ocorrência de comorbidades como diabetes e hipertensão arterial, além de dificultar o controle da glicemia e dos níveis de pressão arterial3. Ferreira CCC, Peixoto MRG, Barbosa MA, Silveira EA. Prevalência de Fatores de Risco Cardiovascular em Idosos Usuários do Sistema Único de Saúde de Goiânia. Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 621-8., sendo, portanto, necessário o uso de fármacos1515 . Sociedade Brasileira de Cardiologia. Departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Prevencão da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol; 2007; 88(Suppl.1): 1-19. , 1616 . Sociedade Brasileira de Cardiologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol 2010; 95(Suppl.1): 1-51 .

A redução do IMC, independentemente do uso de fármacos, leva a redução da pressão arterial e da glicemia. Assim, o tratamento não farmacológico incluindo dietoterapia (ou tratamento nutricional) consiste em uma importante abordagem terapêutica para controle dessas doenças crônicas1515 . Sociedade Brasileira de Cardiologia. Departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Prevencão da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol; 2007; 88(Suppl.1): 1-19. , 1616 . Sociedade Brasileira de Cardiologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol 2010; 95(Suppl.1): 1-51 . Nesta pesquisa, observou-se associação entre uso de dieta e polifarmácia, o que pode indicar que os idosos receberam prescrição dietoterápica em decorrência da presença de doenças crônicas, ou seja, receberam tratamento farmacológico e não farmacológico. Destaca-se que a prescrição dietoterápica não foi solicitada ao idoso, sendo, portanto, uma informação autorrelatada pelo mesmo. Ressalta-se ainda que os idosos dessa pesquisa são usuários do SUS e a rede de atenção primária a saúde do município é composta por equipe multiprofissional, incluindo o nutricionista, que atendem em consultas individuais e em grupos de educação em saúde e nutricional. Tal fato pode ter facilitado o acesso dos idosos a informações sobre a importância do uso de dieta para tratamento das doenças.

As variáveis de consumo alimentar não permaneceram significativamente associadas à polifarmácia após os ajustes no modelo final de regressão multivariada. Trata-se, porém, de informações relevantes que esta pesquisa agrega, pois não foram localizadas outras que avaliassem associação entre consumo alimentar e polifarmácia.

Em função do delineamento transversal, este estudo não é adequado para testar relações entre causas e efeitos, uma vez que elas pressupõem garantia de que variáveis selecionadas antecedem, no tempo, o desfecho. Contudo, pode-se constatar que há associação entre polifarmácia e as variáveis acima descritas, o que por si só traduz ligações importantes entre características dos indivíduos e uso de medicamentos. Por outro lado, foram tomados alguns cuidados para garantir a qualidade das informações: treinamento, padronização de antropometristas, estudo piloto e calibração de equipamentos. Os dados sobre os medicamentos também foram cuidadosamente coletados, para garantir a precisão e validade dos resultados.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa evidenciou associação entre polifarmácia e sexo feminino, faixa etária 75 - 79 anos, estado nutricional eutrófico e obeso, uso de dieta, percepção de saúde péssima, presença de duas, três ou mais doenças crônicas.

Estudos como este são importantes, pois sinalizam reflexões acerca da necessidade de reorientação da atenção farmacêutica e da adoção de tratamentos não farmacológicos entre a população idosa. Além disso, direcionam a atuação de todos os profissionais de saúde para tornar a terapia medicamentosa mais eficiente em contextos internos e externos do SUS. Orientações nutricionais com o objetivo de melhorar os hábitos alimentares para o controle das doenças, o esclarecimento da família, dos cuidadores e dos próprios idosos sobre os efeitos da polifarmácia e a qualificação dos profissionais quanto à prescrição são possibilidades de prevenção da polifarmácia e, consequentemente, de possíveis interações medicamentosas.

Recomenda-se que outros estudos sobre polifarmácia sejam desenvolvidos, com ênfase nos aspectos nutricionais, principalmente de coorte, para avançar e aprimorar estratégias não farmacológicas acessíveis e eficazes à população idosa.

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  • Fonte de financimento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Edital Universal 014/2008

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2013
  • Revisado
    04 Fev 2014
  • Aceito
    28 Abr 2014
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br