Resumo
OBJETIVO:
Estimar a prevalência de ferimentos entre adolescentes, e examinar os fatores associados aos mesmos, como características sócio-demográficas, comportamentos de risco, relações familiares e outros fatores.
MÉTODO:
Foi estimada a prevalência do desfecho (ferimento) com intervalo de confiança de 95%. Para verificar fatores associados aos ferimentos, realizou-se análise bivariada com estimativas de razões de chance (OR) com seus respectivos intervalos de confiança, e realizada analise multivariada, permanecendo no modelo variáveis aquelas com nível descritivo igual ou inferior a 5% (p < 0,05).
RESULTADOS:
O estudo de ferimentos em adolescentes, feito a partir dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares (PeNSE), apontou que 10,3% dos adolescentes sofreram lesões graves nos últimos 12 meses, como cortes ou perfurações, ossos quebrados ou juntas deslocadas. Permaneceram independentemente associadas a "sofrer ferimentos graves" as variáveis: ser adolescente do sexo masculino; pertencer à raça/cor preta, parda, ou indígena e trabalhar. Fatores familiares têm força quando os laços são frágeis entre os membros: os adolescentes que mais se ferem são os que sofrem agressões em casa, faltam às aulas sem avisar aos pais, não moram com os pais e têm baixa supervisão familiar. Os aspectos mais relevantes da saúde mental são sofrer insônia e solidão. Os fatores associados à exposição a situações de violência que permaneceram no modelo foram: insegurança na escola e no trajeto casa-escola; ser conduzido por alguém alcoolizado; dirigir veículo motorizado; não usar cinto de segurança; não usar capacete na moto e sofrer bullying. Dentre os fatores de risco de comportamento individual, destacam-se: uso de álcool; uso de cigarro; experimentação de drogas ilícitas e ter relação sexual precoce.
CONCLUSÃO:
A análise dos fatores determinantes da ocorrência de ferimentos na infância e adolescência mostra a complexa relação dos fatores associados, apontando para a necessidade de atuação em várias frentes para a redução das desigualdades sociais, para o fortalecimento de laços familiares e para a prevenção dos contextos de violência e dos fatores de risco individuais.
Adolescente; Violência; Acidentes; Lesões; Bebidas alcoólicas; Tabagismo; Saúde mental
INTRODUÇÃO
As lesões são a principal causa de morbimortalidade em crianças e adolescentes menores de 18 anos, sendo estimadas pela OMS cerca de 875.000 mortes anuais, além de afetar a vida de cerca de 30 milhões por ferimentos, incapacidades e transtornos psíquicos11. Organização Mundial da Saúde and United Nations Children's Fund. Child and adolescent injury prevention: a global call to action. Genebra: WHO e UNICEF; 2005.. Cerca de 98% das lesões não intencionais na infância ocorrem em países de baixa e média renda11. Organização Mundial da Saúde and United Nations Children's Fund. Child and adolescent injury prevention: a global call to action. Genebra: WHO e UNICEF; 2005.,22. Hyder AA, Puvanachandra P, Tran NH. Child and adolescent injuries: a new agenda for child health. Inj Prev 2008; 14: 67..
Estudos da Global School and Health Survey apontaram 41,3% de prevalência anual de lesões ou ferimentos referidos por adolescentes com idade entre 11 a 15 anos, nos últimos 12 meses, em 11 países industrializados. Este estudo também apontou grande variação entre os países33. Pickett W, Molcho M, Simpson K, Janssen I, Kuntsche E, Mazur J, et al. Cross-national study of injury and social determinants in adolescents. Inj. Prev 2005; 11: 213-18.. A grande maioria dos estudos aponta que as lesões não intencionais são mais frequentes entre meninos33. Pickett W, Molcho M, Simpson K, Janssen I, Kuntsche E, Mazur J, et al. Cross-national study of injury and social determinants in adolescents. Inj. Prev 2005; 11: 213-18.
4. Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil, 2012: Uma análise de Situação de Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.
5. Malta DC, Mascarenhas MD, Bernal RT, Andrade SS, Neves AC, Melo EM, et al. Causas externas em adolescentes: atendimentos em serviços sentinelas de urgência e emergência Capitais Brasileiras - 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2291-304.-66. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93..
No Brasil, em 2010, as mortes por acidentes e violência entre crianças e adolescentes de 10 a 19 anos totalizaram 16.232 óbitos, taxa de 47,5/100.000, além de constituírem os eventos de maior magnitude de vitimização entre adolescentes no país44. Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil, 2012: Uma análise de Situação de Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013..
Análises sobre causas externas em adolescentes que utilizam dados de morbidade ou mortalidade são as mais freqüentes no Brasil55. Malta DC, Mascarenhas MD, Bernal RT, Andrade SS, Neves AC, Melo EM, et al. Causas externas em adolescentes: atendimentos em serviços sentinelas de urgência e emergência Capitais Brasileiras - 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2291-304.,77. Soares Filho AM. Vitimização por homicídios segundo características de raça no Brasil. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 745-55., tornando-se importante avançar na analise de estudos sobre a ocorrência de lesões em âmbito populacional.
Pickett et al.66. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93.destacam que a ocorrência dos agravos na juventude envolve uma complexa interação entre vários elementos sociais, ambientais, culturais e comportamentais. O autor destaca também a ocorrência de associação entre diversos fatores de risco, ou riscos múltiplos, como preditores de lesões/ferimentos. A literatura aponta múltiplos fatores associados aos ferimentos entre jovens, tais como: ser do sexo masculino11. Organização Mundial da Saúde and United Nations Children's Fund. Child and adolescent injury prevention: a global call to action. Genebra: WHO e UNICEF; 2005.,33. Pickett W, Molcho M, Simpson K, Janssen I, Kuntsche E, Mazur J, et al. Cross-national study of injury and social determinants in adolescents. Inj. Prev 2005; 11: 213-18.
4. Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil, 2012: Uma análise de Situação de Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.-55. Malta DC, Mascarenhas MD, Bernal RT, Andrade SS, Neves AC, Melo EM, et al. Causas externas em adolescentes: atendimentos em serviços sentinelas de urgência e emergência Capitais Brasileiras - 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2291-304., ser da raça/cor preta ou parda77. Soares Filho AM. Vitimização por homicídios segundo características de raça no Brasil. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 745-55., ter baixo nível socioeconômico66. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93.; residir em ambientes violentos e inseguros33. Pickett W, Molcho M, Simpson K, Janssen I, Kuntsche E, Mazur J, et al. Cross-national study of injury and social determinants in adolescents. Inj. Prev 2005; 11: 213-18.,66. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93., relatar insegurança no deslocamento de casa para a escola, da escola para casa e dentro do próprio ambiente escolar88. Malta DC, Souza ER, Silva MM, Silva CS, Andreazzi MA, Crespo C et al. Vivência de violência entre escolares brasileiros: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(2): 3053-063. e ser vítima de bullying99. Andrade SS, Yokota RT, Sá NN, Silva MM, Araújo WN, Mascarenhas MD, et al. Relação entre violência física, consumo de álcool e outras drogas e bullying entre adolescentes escolares brasileiros. Cad Saúde Pública 2012; 28(9): 1725-36.. São descritos ainda como comportamentos individuais de risco a não utilização de cinto de segurança e capacete e o uso de álcool, cigarro e drogas66. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93.,1010. Starkuniviene S, Zaborskis A. Links between accidents and lifestyle factors among Lithuanian school children. Medicina (Kaunas) 2005; 41: 73-80..
Outros fatores de risco também mencionados nos estudos dizem respeito aos comportamentos da vida em família e da forma como se relacionam pais e filhos, sobretudo quando usam formas violentas de se comunicar e de se comportar, quando há pouca supervisão dos pais sobre a vida estudantil e social dosfilhos, quando os adolescentes evadem das escolas, relegam suas obrigações estudantis e têm baixo rendimento escolar, quando vivem longos períodos fora de casa e não informam a seus responsáveis sobre como utilizam o tempo livre66. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93.,1111. Malta DC, Porto DL, Melo FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.. Estudo destaca também outros aspectos associados aos ferimentos, como o sofrimento mental, os sentimentos de solidão, e o isolamento66. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93.. A literatura também aponta que a prática esportiva pode ser um fator de risco1212. Williams JM, Wright P, Currie CE, Beattie TF. Sports related injuries in Scottish Adolescents Aged 11-15. Br J Sports Med 1998; 32(4): 291-96..
Conhecer fatores associados aos ferimentos é importante para fomentar ações de prevenção e promoção à saúde, em diferentes contextos. No Brasil, estes estudos ainda são uma lacuna. Com a realização da II Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), em 2012, foram introduzidas questões referentes a ferimentos, tornando possível este tipo de análise junto aos escolares1313. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013..
Este estudo tem por objetivo estimar a prevalência de ferimentos entre adolescentes, e examinar os fatores associados aos mesmos, como características sociodemográficas, comportamentos de risco, relações familiares e outros fatores.
MÉTODOS
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 20121313. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013., investigou alguns fatores comportamentais de risco e de proteção à saúde numa amostra de estudantes que frequentavam o 9º ano (antiga 8ª série) do ensino fundamental, nos turnos diurnos de escolas públicas ou privadas, situadas nas zonas urbanas ou rurais de um conjunto de municípios situados em todo o território brasileiro. Esta faixa etária é comparável com a pesquisa Global School and Health Survey, realizada pela Organização Mundial da Saúde1414. Organização Mundial de Saúde. Social determinants of health and well-being among young people. Health behaviour in school-aged children (HBSC) study: international report from the 2009/2010 survey. Copenhagen: WHO; 2012..
O cadastro utilizado para seleção da amostra foi constituído pelas escolas de ensino fundamental, listadas no Censo Escolar 2010, que informavam possuir turmas do 9º ano do ensino fundamental nos turnos diurnos. A amostra estimou parâmetros populacionais (prevalências) em diversos domínios geográficos: cada uma das 26 capitais dos Estados da federação e Distrito Federal, o conjunto dessas capitais, cada uma das cinco grandes regiões geográficas e o país como um todo.
Estavam matriculados nas turmas selecionadas 134.310 alunos do 9º ano (antiga 8ª série) do ensino fundamental, nos turnos diurnos de escolas situadas nas zonas urbanas ou rurais em todo o Brasil. Desses, 132.123 frequentavam as aulas, 110.873 estavam presentes no momento do estudo e 109.104 responderam ao questionário de pesquisa (83% dos que frequentavam as aulas). Cerca de 90% dos escolares tinham entre 13 a 15 anos, sendo 52% do sexo feminino e 48% do sexo masculino1313. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013..
Utilizou-se o processo de amostragem probabilística por conglomerados, e o plano amostral foi formado pelas escolas (unidades primárias) e turmas (unidades secundárias). Fora das capitais, as unidades primárias foram constituídas por agrupamentos de municípios; as unidades secundárias, por escolas; e as turmas configuraram as unidades terciárias de amostragem.
DESFECHO PESQUISADO
A variável de desfecho estudada, "ter sofrido ferimento sério nos últimos 12 meses", foi extraída da pergunta: "nos últimos 12 meses, quantas vezes você foi ferido seriamente?", e foi categorizada em: "Não, nenhuma vez" e "Sim, uma vez ou mais".
Para explorar melhor a gravidade da lesão sofrida, perguntas adicionais foram feitas aos que sofreram ferimento - sobre o tipo de lesão ou ferimento: "nos últimos 12 meses, qual foi o ferimento/lesão mais sério que aconteceu com você?" As opções de resposta contemplaram: osso quebrado ou junta deslocada; corte ou perfuração; traumatismo ou outra lesão na cabeça ou pescoço; desmaio; dificuldade de respiração; queimadura grave; lesão ou machucado. Sobre a causa da lesão ou ferimento: "nos últimos 12 meses, qual foi a principal causa do ferimento/lesão mais sério que aconteceu com você?" As opções de respostas poderiam ser: acidente ou atropelamento por veículo motorizado; queda; algo que caiu sobre si; ataque sofrido; briga com alguém; incêndio ou algo quente; inalação; ter engolido algo que fez mal e outros.
VARIÁVEIS EXPLICATIVAS
Foi testado o modelo de associação entre lesões ou ferimentos sérios sofridos nos últimos 12 meses expresso na Figura 1. O modelo foi proposto pelos autores e fundamentado em evidencias da literatura33. Pickett W, Molcho M, Simpson K, Janssen I, Kuntsche E, Mazur J, et al. Cross-national study of injury and social determinants in adolescents. Inj. Prev 2005; 11: 213-18.
4. Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil, 2012: Uma análise de Situação de Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.
5. Malta DC, Mascarenhas MD, Bernal RT, Andrade SS, Neves AC, Melo EM, et al. Causas externas em adolescentes: atendimentos em serviços sentinelas de urgência e emergência Capitais Brasileiras - 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2291-304.
6. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93.
7. Soares Filho AM. Vitimização por homicídios segundo características de raça no Brasil. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 745-55.
8. Malta DC, Souza ER, Silva MM, Silva CS, Andreazzi MA, Crespo C et al. Vivência de violência entre escolares brasileiros: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(2): 3053-063.
9. Andrade SS, Yokota RT, Sá NN, Silva MM, Araújo WN, Mascarenhas MD, et al. Relação entre violência física, consumo de álcool e outras drogas e bullying entre adolescentes escolares brasileiros. Cad Saúde Pública 2012; 28(9): 1725-36.
10. Starkuniviene S, Zaborskis A. Links between accidents and lifestyle factors among Lithuanian school children. Medicina (Kaunas) 2005; 41: 73-80.
11. Malta DC, Porto DL, Melo FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.-1212. Williams JM, Wright P, Currie CE, Beattie TF. Sports related injuries in Scottish Adolescents Aged 11-15. Br J Sports Med 1998; 32(4): 291-96. que apontam múltiplas determinações associadas à ocorrência de lesões/ferimentos em crianças e adolescentes, que incluem elementos sociodemográficos, ambientais, culturais e comportamentais55. Malta DC, Mascarenhas MD, Bernal RT, Andrade SS, Neves AC, Melo EM, et al. Causas externas em adolescentes: atendimentos em serviços sentinelas de urgência e emergência Capitais Brasileiras - 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2291-304.
6. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93.
7. Soares Filho AM. Vitimização por homicídios segundo características de raça no Brasil. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 745-55.
8. Malta DC, Souza ER, Silva MM, Silva CS, Andreazzi MA, Crespo C et al. Vivência de violência entre escolares brasileiros: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(2): 3053-063.
9. Andrade SS, Yokota RT, Sá NN, Silva MM, Araújo WN, Mascarenhas MD, et al. Relação entre violência física, consumo de álcool e outras drogas e bullying entre adolescentes escolares brasileiros. Cad Saúde Pública 2012; 28(9): 1725-36.
10. Starkuniviene S, Zaborskis A. Links between accidents and lifestyle factors among Lithuanian school children. Medicina (Kaunas) 2005; 41: 73-80.
11. Malta DC, Porto DL, Melo FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.-1212. Williams JM, Wright P, Currie CE, Beattie TF. Sports related injuries in Scottish Adolescents Aged 11-15. Br J Sports Med 1998; 32(4): 291-96.. Neste caso, foram realizadas análises incluindo diversas variáveis explicativas que podem ser agrupadas em:
Modelo hierárquico proposto para determinação de ocorrência de ferimentos sérios em adolescentes escolares brasileiros, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2012
1. Aspectos sociodemográficos:
sexo, idade, raça/cor, escolaridade materna, tipo de escola em que estuda; trabalho entre adolescentes.
2. Comportamentos individuais de risco e ou de proteção:
Consumo regular de tabaco nos últimos 30 dias ("em quantos dias você fumou cigarros?");
Consumo regular de álcool nos últimos 30 dias ("você tomou pelo menos uma dose de bebida alcoólica?", sendo as opções de resposta "Não, nenhuma vez" e "Sim, uma ou mais vezes");
Experimentação de drogas ilegais ("alguma vez na vida você usou drogas, tais como: maconha, cocaína, crack, cola, loló, lança perfume, ecstasy, oxy, e outras?", sendo as opções "Não, não usei" e "Sim, usei uma ou mais vezes");
Ter tido relação sexual alguma vez na vida ("você já teve relação sexual (transou) alguma vez?", sendo as opções "Sim" e "Não");
Prática de atividade física ("nos últimos 7 dias, em quantos você fez atividade física por 60 minutos/dia?", sendo as opções "Sim", para quem respondeu 5 dias e mais e "Não", para quem respondeu 4 dias e menos).
3. Fatores ligados à saúde mental:
Sentir-se sozinho ("nos últimos 12 meses, quantas vezes você já se sentiu solitário?", sendo as opções de resposta "Nunca ou às vezes" e "Sim: na maioria das vezes ou sempre");
Ter insônia ("nos últimos 12 meses, com que frequência voce não conseguiu dormir à noite porque algo o preocupava muito?", sendo as opções "Não: não e às vezes" e "Sim: na maioria das vezes e sempre");
Ter amigos próximos ou viver isolado ("quantos amigos você tem?", sendo as opções "Não" e "Sim: um, dois e mais amigos").
4. Contexto familiar:
Morar com a mãe e/ou pai ("você mora com sua mãe? Você mora com seu pai?", sendo as opções "Sim: mora com pai e ou mãe" e "Não: não mora com pai ou mãe");
Ter supervisão familiar (nos últimos 30 dias, com que frequência seus pais ou responsáveis sabiam realmente o que você estava fazendo em seu tempo livre?", sendo as opções "Sim: na maior parte do tempo e sempre" e "Não: nunca, raramente e às vezes");
Faltar às aulas sem permissão ("nos últimos 30 dias, em quantos você faltou às aulas ou à escola sem permissão dos seus pais ou responsáveis?", sendo as opções "Sim, de um a 10 dias" e "Não");
Sofrer agressão e apanhar de familiares ("nos últimos 30 dias, quantas vezes você foi agredido fisicamente por um adulto da sua família?", sendo as opções "Não: nenhuma" e "Sim: uma, duas, três e mais vezes").
5. Fatores contextuais de violência:
Insegurança no trajeto casa-escola e escola-casa, combinando as respostas de duas questões ("nos últimos 30 dias, em quantos deles você deixou de ir à escola porque não se sentia seguro nesse trajeto?");
Insegurança na escola ("nos últimos 30 dias, em quantos deles você não frequentou a escola por não se sentir seguro nesse ambiente?");
Sofrer bullying ("nos últimos 30 dias, com que frequência algum dos seus colegas de sua escola te esculachou, zombou, mangou, intimidou ou caçoou que você ficou magoado/incomodado/aborrecido/ofendido/humilhado?", sendo as opções "Não: nunca, raramente, às vezes" e "Sim: abrangeu a maior parte do tempo, ou sempre");
Usar cinto de segurança ("nos últimos 30 dias, quantas vezes você usou o cinto de segurança quando estava em um carro ou outro veículo motorizado dirigido por outra pessoa?", sendo as opções "Não: nunca, raramente e às vezes" e "Sim: sempre"). Foram excluídos indivíduos que disseram não andar de veículo;
Usar capacete na moto ("nos últimos 30 dias, quantas vezes você usou um capacete ao andar de motocicleta?", sendo as opções "Não: nenhuma vez, raramente, na maioria das vezes" e "Sim: sempre"). Foram excluídos indivíduos que disseram não andar de motocicleta;
Dirigir veículo automotor nos últimos trinta dias ("quantas vezes você dirigiu um veículo motorizado de transporte: carro, motocicleta, voadeira, barco, e outros?", sendo as opções "Não, não dirigi" e "Sim, uma ou mais vezes");
Ser conduzido por alguém alcoolizado ("nos últimos 30 dias, quantas vezes você andou em carro ou outro veículo motorizado dirigido por alguém que tinha consumido alguma bebida alcoólica?", sendo as opções "Não, nenhuma vez" e "Sim, uma ou mais vezes").
Inicialmente, foi feita uma estimativa da prevalência do desfecho (ferimento) com intervalo de confiança de 95% (IC95%), bem como a descrição do tipo de ferimento.
Para verificar fatores associados aos ferimentos, realizou-se análise bivariada com estimativas de razões de chance (OR) com seus respectivos intervalos de confiança. Subsequentemente, foram inseridas todas as variáveis de interesse no modelo multivariado, permanecendo aquelas com nível descritivo igual ou inferior a 5% (p ≤ 0,05) e com fundamento epidemiológico, permanecendo no modelo ajustado final as variáveis estatisticamente significativas (p < 0,05).
Para corrigir as diferentes probabilidades de seleção de cada escolar, foram utilizados pesos na estimativa das proporções. A análise foi feita no software SPSS versão 20, utilizando procedimentos do Complex Samples Module, adequado para análises de dados obtidos por plano amostral complexo.
O estudo que dá origem a este artigo foi aprovado no Conselho de Ética em Pesquisas do Ministério da Saúde, sob o parecer nº 192/2012, Registro nº 16805 do CONEP/MS, em 27/03/2012.
RESULTADOS
Dos adolescentes que compuseram a amostra, 10,3% relataram ter sofrido ferimento sério nos últimos 12 meses. Destes, 6,8% sofreram apenas uma lesão, 2% tiveram eventos repetidos duas a três vezes e 1,5%, quatro ou mais vezes (Tabela 1).
Os ferimentos de menor ou média gravidade, lesão ou machucado e corte ou perfuração, foram os mais referidos pelos adolescentes. Em seguida vieram as lesões mais graves, como osso quebrado ou junta deslocada. As menores frequências, abaixo de 4%, foram queimaduras, traumatismo ou outra lesão na cabeça ou pescoço, com desmaio/dificuldade de respirar. Dentre as causas dos ferimentos, a mais citada foi queda (44%), seguida de outros motivos não especificados (cerca de um terço), sendo que as demais causas, como ser atingido por algum objeto, ser atacado ou participar de briga, sofrer acidente ou atropelamento por veículo motorizado, ocorreram em menos de 10% dos casos.
A análise segundo fatores sociodemográficos mostrou que os ferimentos foram mais frequentes no sexo masculino, crescendo com o aumento da idade, em adolescentes de raça/cor preta, parda, amarela e indígenas, filhos de mãe sem escolaridade, que estudam em escola pública e que trabalham (Tabela 2).
Freqüência de ocorrência de ferimento sério nos últimos 12 meses (% e IC95%) entre escolares do 9º ano do ensino fundamental, segundo características sócio econômicas e demográficas, 2012.
Dentre os comportamentos individuais de risco, mostraram-se associados aos ferimentos os adolescentes que usaram cigarro, drogas ilícitas, álcool ou tiveram relação sexual.
Mostraram-se associadas aos ferimentos as variáveis correspondentes ao domínio saúde mental: relato de insônia, solidão, não ter amigos. As seguintes situações de exposição a situações de violência e acidentes mostraram-se associados aos ferimentos: sentir insegurança na escola, sentir insegurança no trajeto casa-escola, sofrer bullying, ser conduzido por alguém alcoolizado, dirigir veículo motorizado, não usar cinto de segurança e não usar capacete na motocicleta (Tabela 3).
Prevalência, OR bruto e ajustado, das variáveis Saúde Mental, Contexto Familiar, Exposição a Situações de Risco de Violência e Acidentes, e fatores comportamentais de risco ou proteção (tabaco, álcool, relação sexual, atividade física) associados à ocorrência de ferimento sério (% e IC95%) entre escolares do 9º ano do ensino fundamental, Brasil. 2012.
Os fatores do contexto familiar associados a ferimentos foram: agressão de familiares, faltar às aulas sem avisar aos pais e não morar com pai e ou mãe. Mostraram proteção adolescentes que relatam supervisão familiar, ou o fato dos pais ou responsáveis saberem o que o adolescente faz em seu tempo livre (Tabela 3).
No modelo final, permaneceram independentemente associadas a sofrer ferimentos graves as seguintes variáveis: ser do sexo masculino, raça/cor preta, parda, e indígena e trabalhar, além dos fatores de risco individuais, como uso do álcool, cigarro, experimentação de drogas e relação sexual precoce. A atividade física perdeu significância estatística no modelo final. Quanto à saúde mental, permaneceram associadas as variáveis sofrer insônia e sentir-se solitário; no contexto familiar, sofrer agressão de familiares, faltar às aulas sem avisar pais e não morar com o pai ou com a mãe. A supervisão familiar mostrou-se fator de proteção. Os fatores associados à exposição a situações de violência foram: sentir insegurança na escola e no trajeto casa-escola, ser conduzido por alguém alcoolizado, dirigir veículo motorizado, não usar cinto de segurança, não usar capacete ao andar de moto e sofrer bullying (Tabela 4).
Variáveis finais do modelo "sofrer ferimento sério", ajustadas por todas as variáveis do modelo, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Brasil, 2012.
DISCUSSÃO
O estudo de ferimentos em adolescentes a partir dos dados da PeNSE apontou que 1 em cada dez adolescentes sofreram lesões graves nos últimos 12 meses, como cortes ou perfurações, ossos quebrados ou juntas deslocadas. Lesões mais graves, como traumatismo craniano, desmaio ou dificuldade de respirar, foram menos citadas (cerca de 2%). As causas dos ferimentos, em primeiro lugar, se devem a quedas, que constituíram quase metade das lesões citadas. Ataques ou brigas e atropelamento por veículo motorizado somaram menos de 10%. Na análise de fatores associados, permanecerem independentemente associadas a sofrer lesões: ser adolescente do sexo masculino, pertencer à raça/cor preta, parda, ou indígena e trabalhar. Fatores familiares foram encontrados quando os laços são frágeis entre os membros: os adolescentes que mais se ferem são os que sofrem agressões em casa, faltam às aulas sem avisar aos pais, não moram com os pais e têm baixa supervisão familiar. Os aspectos mais relevantes da saúde mental são sofrer insônia e solidão. Os fatores associados à exposição a situações de violência que permaneceram no modelo foram: insegurança na escola e no trajeto casa-escola, ser conduzido por alguém alcoolizado, dirigir veículo motorizado, não usar cinto de segurança, não usar capacete na moto e sofrer bullying. Dentre os fatores de risco de comportamento individual, destacam-se: uso de álcool, cigarro, experimentação de drogas ilícitas e ter relação sexual precoce.
Numa visão comparativa, as prevalências de ferimentos graves em adolescentes no país (10%) são menores que no estudo do Canadian Youth, que encontrou 36% de prevalência anual1515. King MA, Pickett W, King AJ. Injury in Canadian youth: a secondary analysis of the 1993-1994 Health Behaviour in School-Aged Children survey. Can J Public Health 1998; 89(6): 397-401.. Na África do Sul, as prevalências foram mais elevadas com predominância da vitimização dos meninos (52%) em relação às meninas (33%)1616. Peltzer K. Injury and lifestyle factors among school-aged Black and White South African children in the Limpopo Province. Afri Saf Promot 2006; 4: 15-25.. Outro estudo sobre o tema em seis países africanos, realizado por Peltzer1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8., encontrou uma média de 62% de prevalência de lesões entre adolescentes de 13 a 15 anos, predominando a vitimização de meninos. As prevalências mais baixas no Brasil podem ser explicadas por contextos culturais distintos e também pela compreensão da pergunta por parte dos escolares. Na PeNSE, foi usada a referencia a ter sido ferido seriamente, o que pode ter levado a maior especificidade na pergunta. Além disto, contextos internacionais tão distintos podem limitar as comparações.
Entretanto, todos os estudos1515. King MA, Pickett W, King AJ. Injury in Canadian youth: a secondary analysis of the 1993-1994 Health Behaviour in School-Aged Children survey. Can J Public Health 1998; 89(6): 397-401.
16. Peltzer K. Injury and lifestyle factors among school-aged Black and White South African children in the Limpopo Province. Afri Saf Promot 2006; 4: 15-25.-1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8. foram unânimes em identificar, como é o caso no Brasil, a maior prevalência em meninos que em meninas. O sexo masculino é apontado como variável preditora de comportamentos violentos, quer seja em situações de violências intencionais ou não intencionais1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8.. A maior prevalência de ferimentos em meninos tem sido descrita desde a infância, seguida da adolescência, em jovens e em adultos, levando a sobre-mortalidade masculina por causas externas1919. Souza ER. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10(1): 59-70.,2020. Malta DC, Mascarenhas MD, Silva MM, Macario EM. Perfil dos atendimentos de emergência por acidentes envolvendo crianças menores de dez anos: Brasil, 2006 a 2007. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14(5): 1669-679.. Uma possível explicação que tem sido dada pelos autores é em função de comportamentos culturais nos quais os meninos são mais estimulados a brincadeiras coletivas ao ar livre, como jogar bola, usar bicicleta e brincadeiras violentas com armas, enquanto as meninas são estimuladas a brincar com bonecas em casa1919. Souza ER. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10(1): 59-70.,2020. Malta DC, Mascarenhas MD, Silva MM, Macario EM. Perfil dos atendimentos de emergência por acidentes envolvendo crianças menores de dez anos: Brasil, 2006 a 2007. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14(5): 1669-679.. Estas diferenças culturais de gênero acabam por expor os meninos a maior risco de acidentes e ferimentos1818. Hanson RF, Borntrager C, Self-Brown S, Kilpatrick DG, Saunders BE, Resnick HS, et al. Relations among Gender, Violence Exposure, and Mental Health: The National Survey of Adolescents I. Am J Orthopsychiatry 2008; 78(3): 313-21., o que decorre de uma cultura machista que incita à beligerância e à belicosidade, ao domínio e a correr riscos2121. Minayo MC. Laços perigosos entre machismo e violência. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10(1): 18-34.,2222. Minayo, MC, Constantino P. Visão ecossistêmica do homicídio. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(12): 3269-278..
Alguns autores advertem que pesquisar o longo período recordatório de 12 meses nesta faixa etária pode levar à subestimação das informações, e recomendam estudar períodos mais curtos (1 - 3 meses)1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8.; entretanto, o mesmo autor assinala que o recordatório de 12 meses permite lembrar eventos e lesões mais graves. Assim, optou-se na PeNSE por manter a referencia aos 12 meses, como utilizado no GSHS.
A frequência maior das quedas como causa de lesões neste estudo coincide com o que tem sido apurado pelo sistema de Vigilância de Acidentes e Violências (VIVA), inquérito que é conduzido a cada três anos nas portas de entrada de urgência e emergência no país. O VIVA aponta que as quedas foram predominantes, seguidas de outros acidentes, e, em terceiro, os acidentes de transporte55. Malta DC, Mascarenhas MD, Bernal RT, Andrade SS, Neves AC, Melo EM, et al. Causas externas em adolescentes: atendimentos em serviços sentinelas de urgência e emergência Capitais Brasileiras - 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2291-304..
No VIVA, as queimaduras apresentam prevalência baixa, como no atual estudo55. Malta DC, Mascarenhas MD, Bernal RT, Andrade SS, Neves AC, Melo EM, et al. Causas externas em adolescentes: atendimentos em serviços sentinelas de urgência e emergência Capitais Brasileiras - 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2291-304.. As queimaduras foram relatadas em 4,9% nos estudos sobre países africanos1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8.. Na África Subsaariana, as queimaduras são uma das principais causas de internação prolongada, deformação, incapacidade e de morte de adolescentes2323. Hyder AA, Kashyap KS, Fishman S, Wali SA. Review of childhood burn injuries in sub-Saharan Africa: a forgotten public health challenge. Afr Saf Promot 2004; 2(2): 43-52..
Alguns autores apontam grande prevalência de lesões e traumas em adolescentes por atividades esportivas e recreativas. É o caso das pesquisas de Peltzer1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8. na África, de estudos no Canadá2424. Pickett W, Dostaler S, Craig W, Janssen I, Simpson K, Shelley SD, et al. Associations between risk behavior and injury and the protective roles of social environments: an analysis of 7235 Canadian school children. Inj Prev 2006; 12(2): 87-92.,2525. Simpson K, Janssen I, Craig W, Pickett W. Multilevel analysis of associations between socioeconomic status injury among Canadian adolescents. J Epidemiol Community Health 2005; 59(12): 1072-77. e da investigação "Scottish School Children", na Escócia1212. Williams JM, Wright P, Currie CE, Beattie TF. Sports related injuries in Scottish Adolescents Aged 11-15. Br J Sports Med 1998; 32(4): 291-96.. A PeNSE não incluiu perguntas específicas sobre lesões na prática de esportes por adolescentes brasileiros, o que dificulta a comparação no âmbito internacional. Entretanto, foram analisadas questões referentes à prática regular de atividades físicas por uma hora ou mais ao dia. Nesse caso, a análise bivariada mostra que tais atividades realizadas de forma regular são protetoras, embora não tenham permanecido no modelo final. Os benefícios das atividades físicas para os jovens, em geral, estão associadas a hábitos saudáveis e menor exposição a riscos, além de melhor condicionamento muscular e articular2626. Organização Mundial da Saúde. Handbook for guideline development. Genebra: WHO; 2009.,2727. Janssen I. Physical activity guidelines for children and youth. Can J Public Health 2007; 98(2): S109-21..
Como na PeNSE, outros estudos1010. Starkuniviene S, Zaborskis A. Links between accidents and lifestyle factors among Lithuanian school children. Medicina (Kaunas) 2005; 41: 73-80.,1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8.,2323. Hyder AA, Kashyap KS, Fishman S, Wali SA. Review of childhood burn injuries in sub-Saharan Africa: a forgotten public health challenge. Afr Saf Promot 2004; 2(2): 43-52. mostraram associações entre ferimentos e comportamentos de risco, como tabagismo, álcool e drogas ilícitas. Estudo internacional1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8. mostrou a embriaguez associada à ocorrência de lesões em jovens, o que foi confirmado pela PeNSE, tanto em relação ao uso regular do álcool, como em relação à embriaguez (dados não mostrados). O uso de substâncias (tabaco, álcool e drogas) em adolescentes é preditor de outros comportamentos de risco, ao aumentar a chance de envolver-se em práticas perigosas, como dirigir veículo automotor e envolver-se em brigas, e constitui um fator de risco para lesões e ferimentos11. Organização Mundial da Saúde and United Nations Children's Fund. Child and adolescent injury prevention: a global call to action. Genebra: WHO e UNICEF; 2005.,1010. Starkuniviene S, Zaborskis A. Links between accidents and lifestyle factors among Lithuanian school children. Medicina (Kaunas) 2005; 41: 73-80..
Outros estudos apontam determinantes considerados mais distais, como a pobreza e a desigualdade social, associados a lesões e ferimentos1010. Starkuniviene S, Zaborskis A. Links between accidents and lifestyle factors among Lithuanian school children. Medicina (Kaunas) 2005; 41: 73-80.,1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8.,2323. Hyder AA, Kashyap KS, Fishman S, Wali SA. Review of childhood burn injuries in sub-Saharan Africa: a forgotten public health challenge. Afr Saf Promot 2004; 2(2): 43-52.. No presente estudo, as variáveis ligadas ao nível socioeconômico mantidas no modelo final foram: raça/cor parda, negra e indígena e o fato de o adolescente trabalhar. Estas variáveis são potenciais marcadores das desigualdades sociais e podem expor os adolescentes a viver em locais inseguros, deslocar-se em trajetos inseguros, com maior exposição a violências e conflitos1111. Malta DC, Porto DL, Melo FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.. O trabalho nesta faixa etária expõe os adolescentes a situações de risco, com exposições perigosas a maquinários inadequados e sobrecarga de trabalho, além de violência física e emocional2828. Libório RM, Ungar M. Children's labour as a risky pathways to resilience: children's growth in contexts of poor resources. Psicol Reflex Crit 2010; 23(2): 232-42., podendo resultar em maior risco de acidentes e lesões.
No estudo de Peltzer1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8. em seis países africanos, o autor encontrou variações na força e direção das associações, segundo diferentes tipos de lesão. Indicador de baixa condição econômica e solidão foram os maiores preditores de lesões por veículos motorizados, enquanto a evasão escolar associada a luta física e depressão mostraram-se fortes preditores de sofrer queimaduras. No estudo atual, as seguintes variáveis também se mostraram associadas a maior prevalência de ferimentos: pior status socioeconômico, faltar às aulas e sintomas relacionados a pior estado de saúde. As maiores forças de associação foram encontradas no fato de o jovem sofrer agressão familiar, viver em contexto violento, sentir-se inseguro na escola, padecer de insônia e sentir solidão. Todas estas situações expõem os adolescentes a situações vulneráveis de violências.
No presente estudo, a supervisão familiar foi a única variável com efeito protetor associada aos ferimentos. Estudos têm destacado o papel protetor da supervisão dos pais. Springer et al.2929. Springer AE, Sharma S, de Guardado AM, Nava FV, Kelder SH: Perceived parental monitoring and health risk behavior among public secondary school students in El Salvador. ScientificWorldJournal 2006; 6: 1810-4. relataram que a supervisão dos pais cumpre um papel de proteção, reduzindo situações de violência, e por conseqüência, ferimentos, além de comportamentos sexuais de risco, dentre outros.
Destacamos ainda a associação das lesões com múltiplos comportamentos de risco66. Pickett W, Schmid H, Boyce WF, Simpson K, Scheidt PC, Mazur J, et al. Multiple risk behavior and injury: an international study of youth in 12 countries. Arch Pediatr Adolesc Med 2002; 156: 786-93.. É o caso da pesquisa de Peltzer1717. Peltzer K. Injury and social determinants among in-school adolescents in six African countries. Inj Prev 2008; 14(6): 381-8.com jovens de países Africanos: esse autor encontrou uma elevação no gradiente de lesões conforme o aumento do número de comportamentos de risco. Os dados trabalhados neste estudo também confirmam o peso dos múltiplos riscos associados: uso de tabaco, de álcool, de drogas ilícitas, não uso de capacetes, não uso de cinto de segurança, ser conduzido por alguém alcoolizado, dirigir veículo, sofrer bullying e ter relações sexuais precoces, mostrando a complexidade das politicas para promoção a saúde e prevenção de acidentes e violências nesta faixa etária.
É preciso também assinalar os limites desta pesquisa:
Trabalhou-se com adolescentes que frequentavam escola, e não com uma amostra representativa de todos os jovens do país. A hipótese é que maiores riscos de ferimentos e de violências ocorrem com aqueles adolescentes os que estão fora do âmbito escolar;
Conforme já assinalado, há estudos que apontam o recordatório de 12 meses como um período longo, que eventualmente pode ser responsável por lapso de memória;
Algum tipo de pergunta do questionário pode não ter tido a devida compreensão dos estudantes;
Por fim, este estudo baseou-se em dados coletados num estudo de cunho transversal, que tem limites na atribuição de causalidade em relação aos fatores associados e o desfecho (ferimentos), não se podendo estabelecer relação de temporalidade, ou a direção da causalidade para estas associações encontradas3030. Rothman KJ. Epidemiology: An Introduction. New York: Oxford University Press; 2012.;
Finalmente, a análise foi limitada aos fatores incluídos na PeNSE, portanto, outros tantos riscos quanto fatores de proteção podem não ter sido medidos. Consequentemente, os fatores apresentados podem superestimar as associações com o desfecho (ferimentos), ou até mesmo permanecerem como fatores associados em substituição a um fator não avaliado diretamente pela pesquisa.
CONCLUSÕES
Este artigo, fruto de uma pesquisa com dados da PeNSE, assinala mais um tipo de vitimização de adolescentes que, embora frequente, é pouco estudado: sofrer ferimentos severos. Em lugar de pensar esse fenômeno como algo autônomo e casual, observa-se sua associação com vários fatores. Assim como em todas as pesquisas sobre violência, os jovens do sexo masculino são os mais vulneráveis.
A maioria dos estudos citados neste artigo concorda em alguns pontos, e, em outros, difere dos achados encontrado na pesquisa. Um ponto de concordância relevante é o aumento das lesões mediante a associação com vários comportamentos de risco. Este estudo traz um conhecimento inédito, que reforça a importância de atuar de forma integrada nas políticas de saúde para as crianças e adolescentes. Os programas educativos desenvolvidos pelos setores de saúde e educação, que abordam as causas e determinantes do comportamento, ao invés de se deterem nos fatores de risco individuais, podem usufruir de uma reflexão mais complexa ao observarem a articulação entre várias situações e levá-las em conta na atuação a favor da saúde dos adolescentes.
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- Fonte de financiamento: nenhuma.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
2014
Histórico
- Recebido
23 Nov 2013 - Revisado
17 Fev 2014 - Aceito
20 Fev 2014