Resumo
OBJETIVO:
Analisar as diferenças de utilização de serviços de saúde pelos usuários do SUS e beneficiários da Saúde Suplementar (SS).
MÉTODOS:
Um total de 288 indivíduos adultos, residentes em Belo Horizonte, participantes do inquérito telefônico VIGITEL em 2009, compuseram a amostra cujas variáveis foram analisadas segundo a classificação de usuários do SUS ou beneficiários da SS. Razões de Prevalência (RP), ajustadas por sexo, idade e escolaridade, foram calculadas para avaliar diferenças entre os grupos.
RESULTADOS:
A necessidade e a procura por serviços de saúde foram similares entre os grupos e os usuários do SUS obtiveram menor êxito no atendimento (RP = 0,78; p = 0,027). Os participantes de ambos os grupos avaliaram, na sua maioria, o atendimento recebido como muito bom/bom, sem diferenças significativas.
CONCLUSÃO:
Embora ocorram diferenças na utilização dos serviços de saúde em Belo Horizonte, o atendimento recebido é bem avaliado por usuários do SUS e de planos de saúde.
Acesso aos serviços de saúde; Avaliação de serviços de saúde; Saúde suplementar; Sistema Único de Saúde; Epidemiologia; Saúde pública
INTRODUÇÃO
A saúde no Brasil é uma garantia constitucional e apresenta-se como direito da cidadania a ser garantido pelo Estado. Neste sentido, o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde deve ser buscado de forma constante11. Assis MMA, Villa TCS, Nascimento MAA. Acesso aos serviços de saúde: uma possibilidade a ser construída na prática. Ciên Saúde Colet 2003; 8(3): 815-23., pois isso atenua as desigualdades entre pobres e ricos22. Marmot M. Health in an unequal world. Lancet 2006; 368(9552): 2081-94..
A organização do sistema de saúde brasileiro é de tipo misto, com um componente público de orientação universal, integral e equânime, o Sistema Único de Saúde (SUS), e um componente privado formado a partir da oferta de seguros e planos de saúde, a Saúde Suplementar (SS), além da modalidade de assistência com pagamento direto33. Ribeiro MCSA, Barata RB, Almeida MF, Silva ZP. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização de serviços de saúde para usuários e não-usuários do SUS - PNAD 2003. Ciên Saúde Colet 2006; 11(4): 1011-22.. Esta pluralidade gera implicações sobre a equidade em saúde44. Travassos C, Viacava F, Fernandes C, Almeida CM. Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciên Saúde Colet 2000; 5(1): 133-49., pois os beneficiários da SS podem ter duplicação de cobertura55. Santos IS, Ugá MAD, Porto SM. O mix público-privado no Sistema de Saúde Brasileiro: financiamento, oferta e utilização de serviços de saúde. Ciên Saúde Colet 2008; 13(5): 1431-40..
Vários autores apontam que o indicador de utilização dos serviços de saúde é importante para avaliação da qualidade da atenção à saúde e de equidade, possibilitando orientar o desenho de políticas66. Fernandes LCL, Bertoldi AD, Barros AJD. Utilização dos serviços de saúde pela população coberta pela Estratégia de Saúde da Família. Rev Saúde Pública 2009; 43(4): 595-603.
7. Louvison MCP, Lebrão ML, Duarte YAO, Santos JLF, Malik AM, Almeida ES. Desigualdades no uso e acesso aos serviços de saúde entre idosos do município de São Paulo. Rev Saúde Pública 2008; 42(4): 733-40.-88. Starfield B, Shi L, Macinko J. Contribution of primary care to health systems and health. Milbank Q 2005; 83(3): 457-502..
A utilização dos serviços representa todo contato direto ou indireto com as instituições de saúde99. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saúde Pública 2004; 20(2): S190-98.. Entre os determinantes do uso dos serviços de saúde estão as características sociodemográficas dos usuários, a organização da oferta e aspectos relacionados aos prestadores de serviços99. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saúde Pública 2004; 20(2): S190-98.. Acrescentam-se, ainda, os recursos oferecidos pelo SUS e a cobertura por planos de saúde66. Fernandes LCL, Bertoldi AD, Barros AJD. Utilização dos serviços de saúde pela população coberta pela Estratégia de Saúde da Família. Rev Saúde Pública 2009; 43(4): 595-603..
Estudos comparando usuários exclusivos do SUS com beneficiários da SS apontaram menores frequências de realização de consultas médicas e exames de rastreamento, além de pior avaliação do estado de saúde no primeiro grupo1010. Lima-Costa MF, Guerra HL, Firmo JOA, Vidigal PG, Uchoa E, Barreto SM. The Bambuí Health and Aging Study (BHAS): private health plan and medical care utilization by older adults. Cad Saúde Pública 2002; 18(1): 177-86.
11. Lima-Costa MF. Estilos de vida e uso de serviços preventivos de saúde entre adultos filiados ou não a plano privado de saúde (inquérito de saúde de Belo Horizonte). Ciên Saúde Colet 2004; 9(4): 857-64.-1212. Malta DC, Moura EC, Oliveira M, Santos FP. Usuários de planos de saúde: morbidade referida e uso de exames preventivos, por inquérito telefônico, Brasil, 2008. Cad Saúde Pública 2011; 27(1): 57-66.. Entretanto, são incipientes as investigações que contrastaram a utilização dos serviços de saúde segundo as modalidades pública ou privada de financiamento do atendimento, particularmente, as características relacionadas ao acesso, à porta de entrada na rede assistencial, à qualidade da assistência e aos procedimentos realizados. Esse conjunto de fatores foi objeto das análises do presente estudo e, portanto, nossos achados podem gerar informações capazes de contribuir para melhor conhecimento da utilização dos serviços de saúde, fornecendo subsídios para que os gestores em saúde implementem ações com vistas à consolidação das diretrizes do SUS de universalização, equidade e integralidade.
Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar as diferenças de utilização de serviços de saúde pelos usuários do SUS e beneficiários da SS no município de Belo Horizonte.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, descritivo e exploratório que foi desenvolvido com indivíduos maiores de 18 anos, residentes na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, que participaram do Sistema de Monitoramento de Doenças Crônicas não Transmissíveis por Inquérito Telefônico do Ministério da Saúde (Vigilância de Fatores e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico/VIGITEL) no ano de 2009.
Por meio de parceria entre Ministério da Saúde e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dentre as cerca de 2.000 entrevistas realizadas no VIGITEL em Belo Horizonte, foi sorteada uma subamostra para segunda entrevista telefônica sobre o tema deste estudo (utilização e avaliação dos serviços de saúde), contemplando as réplicas três, quatro e seis do VIGITEL, e contabilizando 353 linhas telefônicas elegíveis. Desse total, houve 1,7% de recusa na participação no estudo (n = 6), 16,7% não foram encontrados no domicílio mesmo após várias tentativas de aprazamento e depois de pelo menos 10 ligações feitas em dias e horários variados (n = 59) e 81,6% compuseram a amostra final (n = 288).
Essa segunda entrevista telefônica foi realizada no período entre julho e agosto de 2009 por uma empresa contratada, sediada em Belo Horizonte. A equipe responsável pelas entrevistas, envolvendo cinco entrevistadores, um supervisor e um coordenador, recebeu treinamento prévio e foi supervisionada continuamente durante a operação do sistema por um pesquisador da UFMG.
O instrumento de coleta de dados foi transformado em questionário eletrônico para realização da entrevista com o auxílio de um computador (Entrevista Telefônica Assistida por Computador/ETAC). Durante a entrevista, as perguntas foram lidas na tela do computador e as respostas registradas diretamente e imediatamente no banco de dados do sistema. O questionário permitia, ainda, o salto automático das questões não aplicáveis em face às respostas anteriores, a crítica imediata de respostas não válidas e a cronometragem da duração da entrevista.
Como foram aplicados dois questionários distintos na mesma população (n = 288), o primeiro pelo Ministério da Saúde e o segundo pela UFMG (utilização e avaliação dos serviços de saúde), formou-se um banco de dados único, por meio de link das duas bases.
A amostra de adultos entrevistada pelo sistema VIGITEL em cada cidade é obtida a partir do sorteio de linhas telefônicas residenciais existentes e, nesta medida, rigorosamente, só permite inferências populacionais para adultos que moram em domicílios cobertos pela rede de telefonia fixa.
A cobertura dessa rede, embora tenha crescido nos últimos anos, não é evidentemente universal, e estimativas calculadas a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizado pelo IBGE apontam que a cidade de Belo Horizonte tem as maiores coberturas de telefonia fixa (76,0%)1313. Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2009: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2010..
No intuito de corrigir, ao menos parcialmente, vícios nas estimativas para a população residente no município de Belo Horizonte determinados pela não cobertura universal da rede telefônica fixa, neste estudo, foi aplicado um peso final a cada indivíduo entrevistado, resultado da multiplicação de três fatores de ponderação:
Inverso do número de linhas telefônicas no domicílio do entrevistado;
Número de adultos no domicílio do entrevistado;
Peso pós-estratificação, que objetiva igualar a composição sociodemográfica da amostra de adultos estudada pelo VIGITEL, distribuída em 36 categorias sociodemográficas, resultantes da sua estratificação segundo sexo (masculino, feminino), faixas etárias (18 - 24, 25 - 34, 35 - 44, 45 - 54, 55 - 64, 65 ou mais anos) e escolaridade (0 - 8, 9 - 11, 12 ou mais anos).
Maiores detalhes da metodologia utilizada pelo VIGITEL podem ser vistos em outras publicações1313. Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2009: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2010..
Um banco de dados foi criado automaticamente por meio do software usado na entrevista e, posteriormente, importado e analisado utilizando os programas Epi Info versão 3.3.2, Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 17.0 e Statistical Software for Professionals (STATA) versão 9.0.
A amostra foi caracterizada de acordo com as seguintes variáveis sociodemográficas:
Sexo (masculino, feminino);
Faixa etária (18 - 24 , 25 - 34, 35 - 44, 45 - 54, 55 - 64, 65 ou mais anos);
Escolaridade (0 - 8, 9 - 11, 12 ou mais anos);
Estado civil (solteiro, casado, separado, viúvo);
Cor de pele (branca, negra, parda ou morena, amarela/ascendência oriental).
As seguintes variáveis de utilização dos serviços de saúde também fizeram parte da caracterização da amostra:
Necessidade de serviço de saúde nas duas últimas semanas anteriores à entrevista (não, sim);
Procura de atendimento para o problema (não, sim);
Local de procura pelo atendimento (Unidade Básica de Saúde - UBS, consultório da SS, pronto socorro/hospital/UPA do SUS, clínica particular);
Sucesso na 1ª vez que procurou atendimento (não, sim);
Realização de exames complementares - laboratoriais, radiológicos, gráficos - ou encaminhamento para especialista/outro serviço (não, sim);
Avaliação do atendimento (muito bom/bom; regular/ruim);
Realização de exame de rotina/check-up (menos de um ano, mais de um ano).
As diferenças nas características sociodemográficas e de utilização dos serviços de saúde entre os usuários exclusivos do SUS e pelos beneficiários da SS foram analisadas pelo teste χ2 de Pearson. Ademais, foram estimadas as associações entre a modalidade de financiamento e as variáveis de utilização dos serviços de saúde por meio do cálculo da Razão de Prevalência (RP) e de seus respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC95%) com o auxílio da regressão multivariada de Poisson, tendo o sexo, a idade e a escolaridade como fatores de ajuste.
Vale ressaltar, novamente, que todas as análises foram realizadas com o uso dos fatores de ponderação descritos anteriormente, e foi considerado o nível de significância estatística de 5% (p < 0,05).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde. Por se tratar de entrevista por telefone, o consentimento livre e esclarecido foi substituído pelo consentimento verbal obtido por ocasião dos contatos telefônicos com os entrevistados. Além disso, o presente estudo teve anuência do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da UFMG, parecer nº ETIC 144/08. Ademais, os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.
RESULTADOS
Participaram deste estudo 288 indivíduos com 18 ou mais anos de idade, sendo 122 (42,4%) usuários exclusivos do SUS e 166 (57,6%) beneficiários da SS.
Na amostra como um todo, observou-se predominância de indivíduos do sexo feminino (54,2%), com idades menores que 45 anos (57,5%), entre 0 e 8 anos de estudo (39,1%), estado civil casado (47,1%) e cor da pele branca (49,0%). Com relação às comparações entre as características demográficas e socioeconômicas dos usuários exclusivos do SUS e beneficiários da SS, verificaram-se diferenças significativas entre esses dois grupos quanto a escolaridade, cor de pele, estado civil e faixa etária (p < 0,001). Entre usuários exclusivos do SUS, sobressaíram os indivíduos com menor tempo de estudo (0 a 8 anos - 47,1%), cor parda ou morena (51,8%), estado civil solteiro (54,0%) e idades menores que 55 anos (80,7%). Entre os beneficiários da SS, observou-se maior tempo de estudo (12 ou mais anos - 65,7%), cor branca (65,3%), estado civil casado (55,7%) e idades maiores que 55 anos (31,4%) (Tabela 1).
No que se refere à utilização dos serviços de saúde em Belo Horizonte, dos entrevistados, 23,7% relatou necessidade de algum atendimento nas duas últimas semanas anteriores à participação no estudo. Destes, 87,4% procuraram atendimento para está necessidade e 86,2% foram atendidos na primeira tentativa. A maior parte buscou as UBS ou os consultórios da SS (66,8%) e avaliou positivamente o atendimento recebido (78,2%) (dados não mostrados).
Quando comparada à utilização de serviços segundo a modalidade de financiamento, observou-se que os usuários exclusivos do SUS relataram maior necessidade de serviço de saúde (28,0%) em relação aos beneficiários da SS (19,9%) (p = 0,012). Entre os usuários exclusivos do SUS, 84,9% procuraram atendimento para este problema, enquanto que essa situação ocorreu para 90,7% dos beneficiários da SS. Percebe-se que o êxito no atendimento foi maior entre os beneficiários da SS (96,9%) em relação aos usuários exclusivos do SUS (77,2%) (p = 0,001). Houve diferenças também quanto ao local de procura pelo atendimento, pois os usuários do SUS buscaram atendimento com maior frequência no nível primário/UBS (83,2%), enquanto que os beneficiários da SS o fizeram no nível secundário/terciário (54,0%) (p < 0,001).
Quanto à realização ou pedido de exames complementares no atendimento recebido, nota-se uma maior frequência nos usuários exclusivos do SUS na realização de exames laboratoriais (60,7%), radiológicos (72,0%) e gráficos (31,6%), em relação aos beneficiários da SS (40,4, 49,0 e 25,3%, respectivamente) (p < 0,05). Nos atendimentos realizados no SUS, observa-se uma grande proporção de usuários encaminhados para especialistas ou outros serviços (51,6%), e na SS apenas 28,8% tiveram este desfecho (p = 0,008). O check-up em menos de um ano foi realizado mais frequentemente pelos beneficiários da SS (61,6%) em relação aos usuários do SUS (50,6%) (p = 0,001) (Tabela 2).
Nas comparações da utilização dos serviços de saúde entre os usuários exclusivos do SUS e beneficiários da SS ajustadas por sexo, idade e escolaridade, mantiveram-se as diferenças significativas na procura do primeiro atendimento no nível primário (RP = 11,92; IC95% 3,29 - 43,24), menor sucesso no atendimento na primeira procura (RP = 0,78; IC95% 0,62 - 0,97) e maior encaminhamento para especialista ou outro serviço de saúde (RP = 2,11; IC95% 1,08 - 4,11) dos usuários do SUS em relação aos beneficiários da SS (Tabela 3).
DISCUSSÃO
No presente estudo, houve similaridade na necessidade e na procura de serviços de saúde nas duas últimas semanas anteriores à realização do estudo. Porém, os beneficiários da SS foram atendidos na primeira vez que procuraram o serviço com mais facilidade. A atenção primária constitui-se como porta de entrada para os usuários do SUS, em detrimento da maior procura pelos setores secundário e terciário entre os beneficiários da SS. No que diz respeito aos serviços utilizados, não houve diferença na realização de exames radiológicos, laboratoriais e do check-up em menos de um ano. Por outro lado, os usuários do SUS foram encaminhados em maior frequência para consultas com especialistas e outros serviços de saúde. Ademais, a avaliação positiva do atendimento recebido foi similar aos usuários do SUS e SS.
Cerca de um quarto das pessoas entrevistadas sentiram necessidade de algum serviço de saúde nas duas últimas semanas. Embora esse percentual tenha sido maior entre os usuários do SUS, não houve diferença estatística após o ajuste. Os dados da PNAD 2008 apontam resultados similares, mostrado que 26,4% dos participantes manifestaram necessidade de atendimento de saúde nos quinze dias anteriores à pesquisa1414. Brasil. Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: um panorama da saúde no Brasil. Acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde 2008. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010..
No geral, 86,7% dos entrevistados que procuraram os serviços de saúde tiveram sucesso no atendimento. Entretanto, essa porcentagem foi inferior à inferida pela PNAD 20081414. Brasil. Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: um panorama da saúde no Brasil. Acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde 2008. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010., na qual 97,5% das pessoas que procuraram por atendimento nas duas últimas semanas anteriores a pesquisa obtiveram êxito.
No presente estudo, os beneficiários da SS foram mais bem sucedidos na primeira vez que procuraram atendimento para algum problema de saúde, independentemente do sexo, faixa etária e nível de escolaridade. Esse mesmo fenômeno também é descrito em outro trabalho desenvolvido com amostra representativa da população brasileira44. Travassos C, Viacava F, Fernandes C, Almeida CM. Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciên Saúde Colet 2000; 5(1): 133-49.. Em inquérito domiciliar realizado em quatro municípios no Rio de Janeiro, observou-se menor tempo de espera entre usuários da SS1515. Szwarcwald CL, Souza-Júnior PRB, Esteves MAP, Damacena GN, Viacava F. Socio-demographic determinants of self-rated health in Brazil. Cad Saúde Pública 2005; 21(1): S54-64.. Diferenças na utilização dos serviços de saúde conforme a modalidade de financiamento também foram encontradas por outros pesquisadores33. Ribeiro MCSA, Barata RB, Almeida MF, Silva ZP. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização de serviços de saúde para usuários e não-usuários do SUS - PNAD 2003. Ciên Saúde Colet 2006; 11(4): 1011-22.,77. Louvison MCP, Lebrão ML, Duarte YAO, Santos JLF, Malik AM, Almeida ES. Desigualdades no uso e acesso aos serviços de saúde entre idosos do município de São Paulo. Rev Saúde Pública 2008; 42(4): 733-40.,1111. Lima-Costa MF. Estilos de vida e uso de serviços preventivos de saúde entre adultos filiados ou não a plano privado de saúde (inquérito de saúde de Belo Horizonte). Ciên Saúde Colet 2004; 9(4): 857-64.,1212. Malta DC, Moura EC, Oliveira M, Santos FP. Usuários de planos de saúde: morbidade referida e uso de exames preventivos, por inquérito telefônico, Brasil, 2008. Cad Saúde Pública 2011; 27(1): 57-66.,1616. Viacava F, Souza-Júnior PRB, Szwarcwald CL. Coverage of the Brazilian population 18 years and older by private health plans: an analysis of data from the World Health Survey. Cad Saúde Pública 2005; 21(1): S119-28.. Portanto, a cobertura por plano é um importante fator relacionado a diferenças no acesso e no uso de serviços de saúde.
Verificou-se, ainda, no presente trabalho, que a porta de entrada nos serviços de saúde também foi diferente. Os usuários exclusivos do SUS utilizaram a rede básica enquanto que os beneficiários da SS acessaram os níveis secundário e terciário: ambulatórios, clínicas e hospitais privados. Esse padrão também foi observado em outros estudos33. Ribeiro MCSA, Barata RB, Almeida MF, Silva ZP. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização de serviços de saúde para usuários e não-usuários do SUS - PNAD 2003. Ciên Saúde Colet 2006; 11(4): 1011-22.,66. Fernandes LCL, Bertoldi AD, Barros AJD. Utilização dos serviços de saúde pela população coberta pela Estratégia de Saúde da Família. Rev Saúde Pública 2009; 43(4): 595-603.,77. Louvison MCP, Lebrão ML, Duarte YAO, Santos JLF, Malik AM, Almeida ES. Desigualdades no uso e acesso aos serviços de saúde entre idosos do município de São Paulo. Rev Saúde Pública 2008; 42(4): 733-40.. Na PNAD 2008, foi explicitado que 77% dos usuários com baixa renda que eram assistidos pelo SUS acessaram o sistema de saúde pelas UBS, enquanto indivíduos com 5 ou mais salários mínimos e com posse de planos acessaram os consultórios privados1414. Brasil. Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: um panorama da saúde no Brasil. Acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde 2008. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010.. A SS tem outra característica na sua organização, não existindo nacionalmente uma rede própria de atenção primária neste segmento. Dessa forma, os usuários acessam a rede de serviços, ou pelos consultórios privados, composto na maioria de especialistas, ou pela rede hospitalar.
Outro resultado importante do nosso estudo é que não houve diferenças, após o ajuste multivariado, entre os usuários do SUS e os beneficiários da SS com relação à realização de procedimentos diagnósticos e preventivos (exames laboratoriais, radiológicos e gráficos, check-up em menos de um ano). Esse resultado foi diferente dos encontrados em outro estudo, no qual todos os serviços preventivos de saúde foram significativamente mais frequentes entre os filiados aos planos e seguros de saúde, independente do sexo e da escolaridade1111. Lima-Costa MF. Estilos de vida e uso de serviços preventivos de saúde entre adultos filiados ou não a plano privado de saúde (inquérito de saúde de Belo Horizonte). Ciên Saúde Colet 2004; 9(4): 857-64..
Neste estudo, mostrou-se, também, a maior proporção de encaminhamentos para outros serviços e especialidades dos usuários do SUS após o primeiro atendimento. Esse achado talvez possa ser explicado pelo fato da porta de entrada da SS, na grande maioria, ser consultórios ou clínicas particulares, nas quais o paciente é avaliado por especialistas, enquanto que no SUS, os médicos do primeiro atendimento tendem a ser generalistas ou da Saúde da Família, revelando maior necessidade de segunda opinião. Portanto, esse achado se justifica pelas diferenças na forma de organização da rede de atenção entre o serviço público e privado de saúde, e não pela baixa resolutividade da assistência prestada pelos profissionais do SUS.
O presente trabalho apontou que os usuários avaliaram bem os serviços de saúde, independente de serem públicos ou privados. Também, na PNAD 2008, o atendimento de saúde foi avaliado como "muito bom ou bom" por 86,4% das pessoas, sendo que 79,5% foram atendidas nos serviços públicos e 94,3% nos privados1414. Brasil. Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: um panorama da saúde no Brasil. Acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde 2008. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010..
A avaliação dos usuários consiste em importante indicador de resultado de desempenho dos serviços de saúde1717. Donabedian A. The quality of care. How can it be assessed? JAMA 1988; 260(12): 1743-48.. Em geral, o usuário tende a avaliar bem o serviço caso tenha seu problema de saúde resolvido ou melhorado1717. Donabedian A. The quality of care. How can it be assessed? JAMA 1988; 260(12): 1743-48.. Nesse caso, a avaliação positiva identificada em ambos os serviços, público ou privado, mostra a satisfação e a capacidade dos mesmos em responder à demanda do usuário.
Entre os limites deste estudo destacam-se os fatos de:
A amostra se restringir àqueles que possuem telefone fixo; entretanto, Belo Horizonte possui elevada cobertura (76%) e o uso de pesos pós-estratificação do VIGITEL reduz os possíveis vícios1818. Bernal R, Silva NN. Cobertura de linhas telefônicas residenciais e vícios potenciais em estudos epidemiológicos. Rev Saúde Pública 2009; 43(3): 421-6.;
A análise na segunda entrevista de uma subamostra do VIGITEL resultar em grandes variabilidades nos intervalos de confiança, e diferenças podem não ter sido identificadas em função do pequeno número de indivíduos reavaliados.
CONCLUSÃO
Este trabalho contribui nas discussões atuais sobre diferenças na utilização e na resolutividade dos serviços prestados pelo SUS e pela SS. Um importante achado foi a constatação da atenção primária como porta de entrada para o serviço público de saúde e a maior dificuldade de acesso aos serviços pelos usuários do SUS. Entretanto, a boa avaliação que os usuários têm dos serviços, independentemente de serem públicos ou privados, possibilita verificar, mesmo que de maneira aproximada, a qualidade e a eficiência da assistência. Desta forma, ao se analisar indicadores de utilização dos serviços de saúde, torna-se possível identificar avanços e problemas, orientando o desenho de políticas públicas.
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- 4Travassos C, Viacava F, Fernandes C, Almeida CM. Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciên Saúde Colet 2000; 5(1): 133-49.
- 5Santos IS, Ugá MAD, Porto SM. O mix público-privado no Sistema de Saúde Brasileiro: financiamento, oferta e utilização de serviços de saúde. Ciên Saúde Colet 2008; 13(5): 1431-40.
- 6Fernandes LCL, Bertoldi AD, Barros AJD. Utilização dos serviços de saúde pela população coberta pela Estratégia de Saúde da Família. Rev Saúde Pública 2009; 43(4): 595-603.
- 7Louvison MCP, Lebrão ML, Duarte YAO, Santos JLF, Malik AM, Almeida ES. Desigualdades no uso e acesso aos serviços de saúde entre idosos do município de São Paulo. Rev Saúde Pública 2008; 42(4): 733-40.
- 8Starfield B, Shi L, Macinko J. Contribution of primary care to health systems and health. Milbank Q 2005; 83(3): 457-502.
- 9Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saúde Pública 2004; 20(2): S190-98.
- 10Lima-Costa MF, Guerra HL, Firmo JOA, Vidigal PG, Uchoa E, Barreto SM. The Bambuí Health and Aging Study (BHAS): private health plan and medical care utilization by older adults. Cad Saúde Pública 2002; 18(1): 177-86.
- 11Lima-Costa MF. Estilos de vida e uso de serviços preventivos de saúde entre adultos filiados ou não a plano privado de saúde (inquérito de saúde de Belo Horizonte). Ciên Saúde Colet 2004; 9(4): 857-64.
- 12Malta DC, Moura EC, Oliveira M, Santos FP. Usuários de planos de saúde: morbidade referida e uso de exames preventivos, por inquérito telefônico, Brasil, 2008. Cad Saúde Pública 2011; 27(1): 57-66.
- 13Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2009: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
- 14Brasil. Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: um panorama da saúde no Brasil. Acesso e utilização dos serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde 2008. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
2014
Histórico
- Recebido
11 Nov 2013 - Revisado
11 Mar 2014 - Aceito
28 Abr 2014