Uso de substâncias psicoativas, contexto familiar e saúde mental em adolescentes brasileiros, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares (PeNSE 2012)

Deborah Carvalho Malta Maryane Oliveira-Campos Rogério Ruscitto do Prado Silvania Suely Caribé Andrade Flávia Carvalho Malta de Mello Antonio José Ribeiro Dias Denise Birche Bomtempo Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO:

Avaliar a associação entre o consumo de substâncias psicoativas (tabaco, bebidas alcoólicas e drogas ilícitas) e variáveis demográficas, saúde mental e o contexto familiar em escolares.

MÉTODOS:

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar foi realizada em uma amostra nacional de 109.104 alunos. Foram coletadas informações referentes às variáveis demográficas, contexto familiar e saúde mental. A regressão logística múltipla foi utilizada para avaliar as associações de interesse.

RESULTADOS:

As análises multivariadas mostraram que o consumo de álcool foi mais elevado entre as meninas, experimentação de drogas foi mais elevada entre os meninos e não houve diferença entre os sexos para tabagismo. Idade mais jovem e ser da cor parda estiveram associados negativamente ao uso do tabaco, bebidas alcoólicas e drogas ilícitas. Também estiveram associadas negativamente a tais comportamentos de risco as características do contexto familiar representadas por: morar com os pais, fazer refeição em conjunto e supervisão parental (os pais saberem o que o filho faz no tempo livre). Por outro lado, características da saúde mental como a solidão e insônia estiveram associadas positivamente ao uso do tabaco, bebidas alcoólicas e drogas ilícitas. Não ter amigos associou-se positivamente ao uso do tabaco e drogas ilícitas, e negativamente ao uso do álcool.

CONCLUSÕES:

O estudo aponta o efeito protetor da supervisão familiar no uso de tabaco, álcool e drogas, e, ao contrário, o aumento do consumo em função de aspectos relacionados à saúde mental, como solidão, insônia e não ter amigos. Os achados do estudo podem apoiar ações dos profissionais de saúde, educação, famílias e governo na prevenção contra o uso destas substâncias junto aos adolescentes.

Adolescentes; Inquéritos; Família; Tabaco; Bebidas alcoólicas; Drogas; Solidão; Saúde mental


INTRODUÇÃO

O uso de substâncias psicoativas como o tabaco, álcool e outras drogas pode levar a inúmeras consequências prejudiciais à saúde. Essas substâncias podem aumentar a ocorrência de acidentes e violências, transtornos de humor, doenças mentais, comprometimento do desenvolvimento psicossocial, gravidez indesejada, exposição às doenças sexualmente transmissíveis, mortalidade, dentre outros11. Organização Mundial da Saúde. Social determinants of health and well-being among young people. Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) study: international report from the 2009/2010 survey. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2012 (Health Policy for Children and Adolescents, No. 6).

2. Malta DC, Porto DL, Melo FC, Monteiro RA, Sardinha LM, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev. Bras. Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.
-33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85.. Além disso, é um importante preditor de uso e dependência na vida adulta44. Kumpulainen K. Psychiatric symptoms and deviance in early adolescence predict heavy alcohol use 3 years later. Addiction 2000; 95(12): 1847-57..

Os adolescentes estão continuamente expostos a comportamentos de risco, dentre eles o uso de substâncias psicoativas. São diversos os meios de contínua exposição a esses fatores, por exemplo, campanhas publicitárias de álcool pelos meios de comunicação, internet, redes sociais, publicidade do tabaco, influencia dos amigos e celebridades, dentre outros55. Vendrame A, Pinsky I, Faria R, Silva R. Apreciação de propagandas de cerveja por adolescentes: relações com a exposição prévia às mesmas e o consumo de álcool. Cad Saúde Pública 2009; 25(2): 359-65.,66. Brown JD, Witherspoon EM. The mass media and American adolescents' health. J Adolesc Health 2002; 31(6): 153-70.. Além disso, muitos adolescentes experimentam substâncias por curiosidade, estimulo de colegas e desafio às leis e autoridades33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85.,77. Suris JC, Michaud PA, Akre C, Sawyer SM. Health risk behaviors in adolescents with chronic conditions. Pediatrics 2008; 122(5): e1113-8..

As causas que levam o adolescente a se envolver com o tabaco, álcool e outras drogas são extremamente complexas, e estudos têm apontado que estes riscos são reduzidos na presença de famílias que exercem seu papel de proteção, monitorando e apoiando os adolescentes22. Malta DC, Porto DL, Melo FC, Monteiro RA, Sardinha LM, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev. Bras. Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.,88. Griffin KW, Botvin GJ, Scheier LM, Diaz T, Miller NL. Parenting practices as predictors of substance use, delinquency, and aggression among urban minority youth: moderating effects of family structure and gender. Psychol Addict Behav 2000; 14(2): 174-84.. O apoio dos pais, a comunicação entre pais e filhos e o monitoramento parental são exemplos de efeito protetor em relação a estes comportamentos22. Malta DC, Porto DL, Melo FC, Monteiro RA, Sardinha LM, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev. Bras. Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.,88. Griffin KW, Botvin GJ, Scheier LM, Diaz T, Miller NL. Parenting practices as predictors of substance use, delinquency, and aggression among urban minority youth: moderating effects of family structure and gender. Psychol Addict Behav 2000; 14(2): 174-84.

9. Horta RL, Horta BL, Pinheiro RT. Drogas: famílias que protegem e que expõem adolescentes ao risco. J Bras Psiquiatr 2006; 55(4): 268-72.
-1010. De Micheli D, Formigoni ML. Drug use by Brazilian students: associations with family, psychosocial, health, demographic and behavioral characteristics. Addiction 2004; 99(5): 570-8..

Conhecer estes fatores se torna importante para abordagens de prevenção, redução ou eliminação de riscos. O papel da família na prevenção de comportamentos de risco em jovens tem sido enfatizado, bem como o fortalecimento de vínculos familiares, passando pelo monitoramento parental, apoio e comunicação entre pais e filhos22. Malta DC, Porto DL, Melo FC, Monteiro RA, Sardinha LM, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev. Bras. Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.,88. Griffin KW, Botvin GJ, Scheier LM, Diaz T, Miller NL. Parenting practices as predictors of substance use, delinquency, and aggression among urban minority youth: moderating effects of family structure and gender. Psychol Addict Behav 2000; 14(2): 174-84.,1111. Duncan SC, Duncan TE, Strycker LA. Alcohol use from ages 9 to 16: A cohort-sequential latent growth model. Drug Alcohol Depend 2006; 81(1): 71-81.,1212. Chilcoat HD, Anthony JC: Impact of parent monitoring on initiation of drug use through late childhood. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1996; 35(1): 91-100..

A família agrega um conjunto de valores, crenças, conhecimentos e práticas que podem influenciar práticas que promovem a saúde de seus membros, ou, ao contrário, aumentam a vulnerabilidade dos mesmos para doenças1313. Organização Mundial da Saúde. Inequalites in young people´s health. Health Behavior in School-Aged Children. International Report from the 2005-2006 survey. Copenhagen: WHO, Regional Office for Europe; 2008 (Health Policy for Children and Adolescents, No. 5).. A prevenção de condutas de risco se faz na medida em que os pais ou responsáveis se envolvem no monitoramento das atividades dos adolescentes e estabelecem laços de afeto, ambiência de diálogo e acolhimento das demandas dos jovens1313. Organização Mundial da Saúde. Inequalites in young people´s health. Health Behavior in School-Aged Children. International Report from the 2005-2006 survey. Copenhagen: WHO, Regional Office for Europe; 2008 (Health Policy for Children and Adolescents, No. 5).,1414. Guimarães AB, Hochgraf PB, Brasiliano S, Ingberman YK. Aspectos familiares de meninas adolescentes dependentes de álcool e drogas. Rev Psiq Clín 2009; 36(2): 69-74.. Estudo longitudinal nos Estados Unidos apontou diversos fatores protetores entre as famílias, incluindo a conexão e coesão familiares, assim como a supervisão familiar. Estas atitudes dos pais resultaram na redução do uso do álcool1515. Sale E, Sambrano S, Springer JF, Peña C, Pan W, Kasim R. Family protection and prevention of alcohol use among Hispanic youth at high risk. Am J Community Psychol 2005; 36(3-4): 195-205..

Outro fator importante é a saúde mental. Evidências científicas sugerem que os adolescentes que apresentam depressão, solidão e outros sintomas tendem a ter maior uso de substâncias, durante a adolescência e posteriormente na vida adulta33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85.,1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Brasil). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PENSE 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013.. Estudos do Global School-Based Health Survey (GSHS) têm examinado a associação entre comportamentos de risco (tabaco, álcool e uso de drogas) e saúde mental, sentimentos de solidão, não ter amigos e insônia33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85., apontando a importante associação entre a saúde mental e uso de substâncias em adolescentes.

Estes estudos têm sido realizados com alguma frequência em outros países88. Griffin KW, Botvin GJ, Scheier LM, Diaz T, Miller NL. Parenting practices as predictors of substance use, delinquency, and aggression among urban minority youth: moderating effects of family structure and gender. Psychol Addict Behav 2000; 14(2): 174-84.,1111. Duncan SC, Duncan TE, Strycker LA. Alcohol use from ages 9 to 16: A cohort-sequential latent growth model. Drug Alcohol Depend 2006; 81(1): 71-81.,1212. Chilcoat HD, Anthony JC: Impact of parent monitoring on initiation of drug use through late childhood. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1996; 35(1): 91-100.,1515. Sale E, Sambrano S, Springer JF, Peña C, Pan W, Kasim R. Family protection and prevention of alcohol use among Hispanic youth at high risk. Am J Community Psychol 2005; 36(3-4): 195-205.. Entretanto, no Brasil, ainda são poucos os estudos com esta temática. Destacamos estudos conduzidos no Sul do Brasil99. Horta RL, Horta BL, Pinheiro RT. Drogas: famílias que protegem e que expõem adolescentes ao risco. J Bras Psiquiatr 2006; 55(4): 268-72. e análises da I Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar22. Malta DC, Porto DL, Melo FC, Monteiro RA, Sardinha LM, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev. Bras. Epidemiol 2011; 14(1): 166-77..

Avaliar o uso de substâncias entre adolescentes brasileiros é útil para apoiar políticas públicas de promoção e prevenção. Este estudo analisa os dados da II Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar realizada em 2012 pelo IBGE, em parceria com o Ministério da Saúde, e busca avaliar a associação entre o consumo de substâncias psicoativas (tabaco, bebidas alcoólicas e drogas ilícitas) e variáveis demográficas, saúde mental e contexto familiar em escolares.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE, 2012), realizado pelo IBGE, em parceria com o Ministério da Saúde, em escolares do 9º ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas brasileiras. A amostra da PeNSE 2012 representou o Brasil, as cinco Regiões e as 26 capitais dos estados brasileiros e do Distrito Federal. A pesquisa foi realizada em 3.004 escolas, em 4.288 turmas, e 109.104 estudantes foram entrevistados1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Brasil). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PENSE 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013..

Para o plano amostral, foram definidos 27 estratos geográficos correspondendo a todas as capitais de estados e o Distrito Federal. Os demais municípios foram agrupados dentro de cada uma das cinco grandes regiões geográficas, formando cinco estratos geográficos. A amostra de cada estrato geográfico foi alocada proporcionalmente ao número de escolas segundo a dependência administrativa das escolas (privada e pública)1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Brasil). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PENSE 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013..

Nas capitais e DF, a amostra de conglomerados foi selecionada em dois estágios: o primeiro estágio foi nas escolas, e o segundo, em turmas elegíveis nas escolas selecionadas (9º ano do ensino fundamental).

As cinco regiões foram representadas pelas capitais e pelos municípios não capitais, e nestes últimos a amostra foi selecionada em três estágios: Agrupamentos homogêneos de municípios vizinhos1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Brasil). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PENSE 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013. foram as unidades primárias de amostragem; as escolas foram as unidades secundárias de amostragem; e as turmas foram as unidades terciárias de amostragem. Em ambos os casos, todos os alunos das turmas selecionadas presentes no dia da coleta de dados formaram a amostra de estudantes e foram convidados a participar da pesquisa1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Brasil). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PENSE 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013..

O 9º ano foi escolhido pelo fato dos alunos desta série, em sua maioria com idade entre 13 a 15 anos, já terem adquirido habilidades necessárias para responder ao questionário autoaplicável, por já se encontrarem suscetíveis à exposição a diversos fatores de risco e por possibilitar a relativa comparabilidade com sistemas de outros países1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Brasil). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PENSE 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013..

O questionário estruturado autoaplicável foi inserido no smartphone e tem 128 perguntas. Em 2012, foram realizados alguns ajustes no questionário, visando seu aperfeiçoamento e a introdução de novo temas, bem como a sua comparabilidade com pesquisas internacionais como o HBSC-Health Behavior in School-aged Children e GSHS- Global School-Based Health Survey.

VARIÁVEIS

As variáveis de desfecho foram: Tabagismo atual (Nos últimos 30 dias, em quantos dias você fumou cigarros?), sendo categorizada em "Não, nunca fumei, nenhum dia" ou "Sim, um ou mais dias nos últimos 30 dias"; Consumo atual de álcool (Nos últimos 30 dias, em quantos dias você tomou pelo menos um copo ou uma dose de bebida alcoólica?), sendo categorizada em "Não, nenhum" ou "Sim, um ou mais nos últimos 30 dias"; Uso de drogas (Alguma vez na vida, você já usou alguma droga como maconha, cocaína, crack, cola, loló, lança-perfume, ecstasy, oxy, etc.?), categorizada como "Não" ou "Sim".

As variáveis independentes do contexto familiar foram: Morar com a mãe e/ou pai, categorizada em "Não" ou "Sim"; Realizar refeições com os pais (Você costuma almoçar ou jantar com sua mãe, pai ou responsável?), categorizada em "≤ 2 vezes ou menos semanais", "3 a 4 vezes semanais" ou "≥ 5 vezes semanais"; Supervisão familiar, medida pela questão referente a informação dos pais sobre o tempo livre dos filhos (Nos últimos 30 dias, com que frequência seus pais ou responsáveis sabiam realmente o que você estava fazendo em seu tempo livre?), categorizada em Não: nunca, raramente ou Sim: as vezes, a maioria das vezes, sempre; Faltar às aulas sem permissão dos pais (Nos últimos 30 dias, em quantos dias você faltou às aulas ou à escola sem permissão dos seus pais ou responsáveis?), categorizada em Não: nenhum dia, zero dias ou Sim: 1 ou mais dias.

As variáveis independentes do módulo de saúde mental foram: Sentir-se sozinho (Nos últimos 12 meses quantas vezes você já se sentiu solitário?), sendo dicotomizadas as opções de resposta em "Não: nunca, às vezes" e "Sim: na maioria das vezes, sempre"; Insônia (Durante o últimos 12 meses, com que frequência você não conseguiu dormir à noite porque algo o preocupava muito?), sendo dicotomizadas as opções de resposta em "Não: nunca, às vezes" e "Sim: na maioria das vezes, sempre"; Amigos próximos (Quantos amigos próximos você tem?), categorizada como "Não, nenhum" e "Sim, 1, 2, 3, ou mais amigos".

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Inicialmente, foi feito o cálculo da prevalência de tabagismo regular, consumo atual de álcool e uso de drogas segundo as variáveis demográficas e variáveis explicativas do contexto familiar e saúde mental. Posteriormente, foi realizada a análise univariada, calculando o odds ratio (OR) bruto, empregando o teste do χ2 de Pearson com nível de significância de 0,05. Por último, foi feita a análise multivariada para cada um dos desfechos examinados (tabaco, álcool e outras drogas), inserindo no modelo as variáveis independentes que apresentaram associação com os desfechos ao nível p < 0,20, calculando o OR ajustado, com intervalo de confiança de 95% (IC95%). As informações coletadas foram analisadas com auxílio do pacote estatístico SPSS versão 20.0.

O estudo foi aprovado no Conselho de Ética em Pesquisas do Ministério da Saúde, sob o parecer nº. 192/2012, referente ao Registro nº 16805 do CONEP/MS, em 27/03/2012.

RESULTADOS

A PeNSE investigou cerca de 109 mil escolares do 9º ano, a maioria com idade entre 13 e 15 anos (86%), sendo 47,8% do sexo masculino e 52,2% do sexo feminino. A distribuição estimada dos escolares segundo a cor/raça mostrou maiores proporções de pardos (42,2%) e brancos (36,8%), seguido de pretos (13,4%), amarelos (4,1%) e indígenas (3,5%).

TABAGISMO ATUAL

A prevalência do tabagismo foi de 5,1% (IC95% 4,9 - 5,2) e aumentou com a idade, chegando a 9,7% (IC95% 9,3 - 10,2) em estudantes com 16 anos e mais. Não houve diferença da prevalência do uso do tabaco de acordo com o sexo. Quanto à raça/cor, a variação foi de 4,8% (IC95% 4,6 - 5,0) em brancos e pardos, 6,1% (IC95%5,6 - 6,6) em pretos e 6,3% (IC95%5,6 - 7,2) em indígenas. Em alunos das escolas privadas, a prevalência foi de 3,1% (IC95% 2,9 - 3,4), e de 5,5% (IC95% 5,0 - 6,0) em alunos das escolas públicas. No contexto familiar, a prevalência do fumo foi de 4,9% (IC95% 4,5 - 5,4) entre escolares que residem com pai e/ou mãe, e de 8,3% (IC95% 7,6 - 9,0) entre os que não residem. Já em alunos que faziam refeições com os pais cinco ou mais vezes, a prevalência de tabagismo foi de 4,1% (IC95% 3,8 - 4,4) versus 8,9% (IC95% 8,5 - 9,4) nos que não faziam. Nos alunos que tinham supervisão familiar, a prevalência foi de 3,0% (IC95% 2,9 - 3,2), e de 7,9% (IC95% 7,7 - 8,2) nos estudantes que não tinham. Entre os estudantes que faltaram às aulas sem permissão dos pais, houve também maior prevalência de tabagismo (10,5%; IC95% 10,0 - 11,0). Em relação à saúde mental, houve maior prevalência de uso de tabaco entre os estudantes que costumam sentir-se solitários (7,5%; IC95% 7,1 - 8,0), ter insônia, (10,1%; IC95% 9,4 - 10,7) e que não têm amigos próximos (7,9%; IC95% 7,0 - 8,8).

Após ajuste por todas as variáveis do modelo, permaneceram associados ao tabagismo atual os fatores de proteção, como ser mais jovem, ou seja, idade ≤ 13 anos (OR = 0,47; IC95% 0,31 - 0,71), 13 anos (OR = 0,39; IC95% 0,36 - 0,43), 14 anos (OR = 0,50; IC95% 0,47 - 0,54) ou 15 anos (OR = 0,80; IC95% 0,74 - 0,87), além da cor/raça parda (OR = 0,86; IC95% 0,80 - 0,91). Apresentaram maior chance de fumar os estudantes de escola pública (OR = 1,23; IC95% 1,12 - 1,35) e os que faltaram às aulas sem permissão dos pais (OR = 2,69; IC95% 2,54 - 2,85). No contexto familiar, foram fatores protetores: morar com pai e/ou mãe (OR = 0,83; IC95% 0,75 - 0,92); fazer refeições com os pais 2 vezes na semana (OR = 0,82; IC95% 0,75 - 0,90), 3 a 4 vezes (OR = 0,78; IC95% 0,68 - 0,90) ou 5 vezes (OR = 0,67; IC95% 0,62 - 0,72); e os pais saberem o que faziam no tempo livre (OR = 0,49; IC95% 0,46 - 0,52). Em relação às variáveis da saúde mental, esteve associado à maior chance de fumar o relato de sentir-se solitário (OR = 1,27; IC95% 1,19 - 1,37), ter insônia (OR = 1,77; IC95% 1,63 - 1,91) e não ter amigos próximos (OR = 1,25; IC95% 1,10 - 1,42) (Tabela 1).

Tabela 1
Prevalência e associação do uso de tabaco com características sociodemográficas, saúde mental e contexto familiar entre escolares brasileiros, PeNSE 2012.

CONSUMO ATUAL DE ÁLCOOL

A prevalência do consumo141 atual de álcool aumentou com a idade passando em menores de 13 anos de 11,4% (IC95% 9,4 - 13,8) para 37,4% (IC95% 36,7 - 38,2) em maiores de 16 anos. O consumo de álcool foi maior entre as meninas que os meninos (26,9% vs. 25,2%) e nas escolas públicas em relação as privadas (26,7% vs. 23,0%). Em relação a raça/cor, a prevalência foi maior com entre os pretos, amarelos e indígenas (cerca de 27%). No contexto familiar, a prevalência do consumo atual de álcool foi 25,7% (IC95% 24,7 - 26,8) entre escolares que residem com pai e/ou mãe e de 32,6% (IC95% 31,4 - 33,8) entre os estudantes que não moram. A prevalência foi menor entre os estudantes que fazem as refeições com os pais ou responsáveis em cinco dias ou mais da semana (23,3%; IC95% 22,6 - 24,0) e entre os que tem supervisão familiar (20,7%; IC95% 20,2 - 21,1). Em relação a saúde mental, a maior prevlência de consumo de álcool foi entre os que se sentiram solitários (31,8%; IC95%31,1 - 32,6), tiveram insônia (37,4%; 36,4 - 38,4) e que tem um ou mais amigos próximos (26,2%; IC95% 24,7 - 27,7).

A prevalência do consumo atual de álcool foi de 26,1% (IC95% 25,8 - 26,4), e houve grande semelhança quanto a comportamento em relação ao tabaco. Após ajuste por todas as variáveis do modelo, permaneceram associadas ao consumo do álcool como fatores de proteção as seguintes variáveis: ser do sexo masculino (OR = 0,85; IC95% 0,82 - 0,87); ser mais jovem, ou seja, idade ≤ 13 anos (OR = 0,27; IC95% 0,21 - 0,33), 13 anos (OR = 0,46; IC95% 0,43 - 0,48), 14 anos (OR = 0,58; IC95% 0,56 - 0,61), 15 anos (OR = 0,85; IC95% 0,81 - 0,89); cor/raça preta (OR = 0,89; IC95% 0,85 - 0,93), amarela (OR = 0,90; IC95% 0,84 - 0,97) e parda (OR = 0,85; IC95% 0,82 - 0,88). Ao contrário do tabaco, alunos da escola pública mostraram menor chance de beber (OR = 0,96; IC95% 0,92 - 1,00).

No contexto familiar, foram fatores de proteção: morar com pai e/ou mãe (OR = 0,92; IC95% 0,87 - 0,98); fazer refeições com os pais 2 vezes na semana (OR = 0,90; IC95% 0,86 - 0,95) ou 5 vezes por semana (OR = 0,75; IC95% 0,72 - 0,78); os pais saberem o que os estudantes faziam no tempo livre (OR = 0,60; IC95% 0,58 - 0,61). Entretanto, faltar às aulas sem permissão dos pais foi associado a maior chance de beber (OR = 1,98; IC95% 1,92 - 2,04). Em relação à saúde mental, aumentaram a chance de usar álcool sentir-se solitário (OR = 1,16; IC95% 1,11 - 1,20) e ter insônia (OR = 1,46; IC95% 1,39 - 1,53). Entretanto, ao contrário do uso do tabaco, não ter amigos mostrou-se protetor do uso do álcool (OR = 0,71; IC95% 0,65 - 0,77). Ou seja, o uso do álcool é maior em quem tem mais amigos (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência e associação do uso de álcool com características sociodemográficas, saúde mental e contexto familiar entre escolares brasileiros, PeNSE 2012.

USO DE DROGAS ALGUMA VEZ NA VIDA

A prevalência do uso de drogas aumentou com a idade passando em menores de 13 anos de 6,0% (IC95% 4,5 - 7,8) para 10,6% (IC95% 10,1 - 11,1) em maiores de 16 anos. O uso de drogas foi maior entre os meninos que as meninas (7,9% vs. 6,3%) e nas escolas públicas em relação as privadas (7,2% vs. 6,3%). Em relação a raça/cor, a prevalência foi maior com entre os pretos, amarelos e indígenas (8,6% em todas as categorias). No contexto familiar, a prevalência de uso de drogas foi menor entre escolares que residem com pai e/ou mãe (6,9%; IC95% 6,3 - 7,5), entre os estudantes que fazem as refeições com os pais ou responsáveis em cinco dias ou mais da semana (5,7%; IC95% 5,4% - 6,1), entre os que tem supervisão familiar (5,2%; IC95% 4,9 - 5,4) e não faltam as aulas sem a permissão dos pais (5,5%; IC95% 5,4 - 5,7). Em relação a saúde mental, a maior prevalência de uso de drogas foi entre os que se sentiram solitários (9,4%; IC95% 9,0 - 9,9), tiveram insônia (11,7%; 11,0 - 12,3) e não tem amigos próximos (10,3%; IC95% 9,4 - 11,4).

A prevalência de experimentação de outras drogas como maconha, cocaína, crack, cola, loló, lança-perfume, ecstasy, oxy, etc., foi de 7,1% (IC95% 6,9 - 7,2). Depois ajustado por todas as variáveis do modelo, permaneceram associadas como fatores de proteção ao uso de drogas: ser mais jovem, ou seja, idade ≤ 13 anos (OR = 0,71; IC95% 0,53 - 0,97), 13 anos (OR = 0,51; IC95% 0,47 - 0,56) ou 14 anos (OR = 0,68; IC95% 0,63 - 0,73). Ser da raça/cor parda foi fator protetor (OR = 0,78; IC95% 0,74 - 0,82). Alunos da escola pública mostraram menor chance de experimentar drogas (OR = 0,92; IC95% 0,86 - 0,99). Entretanto, ser do sexo masculino apresentou maior chance de uso de drogas (OR = 1,21; IC95% 1,16 - 1,28). No contexto familiar, mostraram-se protetores: residir com pai e/ou mãe (OR = 0,84; IC95% 0,77 - 0,92); fazer refeições com os pais 2 vezes na semana (OR = 0,83; IC95% 0,77 - 0,90) ou 5 vezes (OR = 0,61; IC95% 0,57 - 0,65) e os pais saberem o que os alunos faziam no tempo livre (OR = 0,63; IC95% 0,60 - 0,66). Entretanto, faltar às aulas sem permissão dos pais aumentou as chances de uso de drogas (OR = 1,79; IC95% 1,70 - 1,88). Em relação à saúde mental, foi associado ao uso de outras drogas: sentir-se solitário (OR = 1,22; IC95% 1,14 - 1,30); ter insônia (OR = 1,53; IC95% 1,42 - 1,64) e não ter amigos (OR = 1,19; IC95% 1,06 - 1,33) (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência e associação da experimentação de drogas com características sociodemográficas, saúde mental e contexto familiar entre escolares brasileiros, PeNSE 2012.

DISCUSSÃO

A PeNSE apontou que o uso de substâncias (tabagismo, álcool e outras drogas) aumenta com a idade e está associado ao contexto familiar e à saúde mental. Há diferenças de gênero segundo a substância utilizada, com predominância do uso de álcool entre as meninas e de outras drogas entre os meninos. Em relação a raça/cor, o uso de substâncias foi menor entre os pardos e pretos. Estudantes de escola pública têm maior risco de uso de tabaco, e, em oposição, alunos de escola privada maior chance de uso de álcool e outras drogas. No contexto familiar, práticas familiares como fazer refeição com pais ou responsáveis, residir com os pais e estes saberem onde os filhos estavam no tempo livre têm efeito protetor no uso de substâncias, enquanto faltar às aulas sem avisar aos pais encontra-se fortemente associado com todos os três comportamentos de risco. Indicadores de saúde mental como solidão e insônia mostraram maior risco de uso de substâncias, enquanto não ter amigos próximos está associado ao uso de tabaco e drogas.

Inquéritos realizados pela OMS11. Organização Mundial da Saúde. Social determinants of health and well-being among young people. Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) study: international report from the 2009/2010 survey. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2012 (Health Policy for Children and Adolescents, No. 6).,33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85.,1717. Siziya S, Muula AS, Rudatsikira E. Prevalence and correlates of truancy among adolescents in Swaziland: findings from the Global School-Based Health Survey Child Adolesc Psychiatry Ment Health 2007; 1: 15. mostram que o uso de substâncias psicoativas é maior entre os meninos e aumenta com a idade33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85.,1818. Reddy P, Resnicow K, Omardien R, Kambaran N. Prevalence and correlates of substance use among high school students in South Africa and the United States. Am J Public Health 2007; 97(10): 1859-64.. Na PeNSE, ser mais jovem foi fator protetor, compatível com a literatura11. Organização Mundial da Saúde. Social determinants of health and well-being among young people. Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) study: international report from the 2009/2010 survey. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2012 (Health Policy for Children and Adolescents, No. 6).,33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85.,1717. Siziya S, Muula AS, Rudatsikira E. Prevalence and correlates of truancy among adolescents in Swaziland: findings from the Global School-Based Health Survey Child Adolesc Psychiatry Ment Health 2007; 1: 15.. Em relação ao sexo, o uso de drogas foi maior entre os meninos e, ao contrário da literatura, o uso de álcool foi maior entre as meninas. O Health Behavior in School Aged Children (HBSC) encontrou prevalência de uso de álcool de 17% no sexo feminino e de 25% no sexo masculino1, e este comportamento ocorreu na grande maioria dos países pesquisados. Estes achados podem ser explicados pela puberdade mais precoce entre as meninas, predispondo-as ao consumo do álcool. Entretanto, com o passar dos anos, elas são superadas pelos meninos1919. Schulte MT, Ramo D, Brown SA. Gender Differences in Factors Influencing Alcohol Use and Drinking Progression Among Adolescents. Clin Psychol Rev 2009; 29(6): 535-47..

O risco de uso de tabaco foi maior entre os estudantes de escolas públicas, e o de consumo regular de álcool e experimentação com outras drogas foi maior entre aqueles que estudam em escolas privadas, que, neste estudo, seria o fator mais próximo a um maior nível socioeconômico. Estudo realizado na Califórnia mostrou que estudantes com dinheiro disponível no bolso tendem a se engajar mais frequentemente em comportamentos considerados de risco, pelo seu maior poder de compra e independência2020. Unger JB, Sun P, Johnson CA. Socioeconomic correlates of smoking among an ethnically diverse sample of 8th grade adolescents in Southern California. Prev Med 2007; 44(4): 323-7..

No contexto familiar, os fatores de proteção mais importantes para reduzir o uso de substâncias psicoativas foram: supervisão familiar ou saber o que seu filho está fazendo no tempo livre, fazer refeição em conjunto e morar com os pais, o que foi consistente com outros estudos33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85.,88. Griffin KW, Botvin GJ, Scheier LM, Diaz T, Miller NL. Parenting practices as predictors of substance use, delinquency, and aggression among urban minority youth: moderating effects of family structure and gender. Psychol Addict Behav 2000; 14(2): 174-84.. A literatura aponta a importância dos pais demonstrarem interesse em relação à vida cotidiana dos filhos, aos lugares que frequentam, ao que fazem no tempo livre, aos amigos com que se relacionam. São práticas que influenciam no comportamento de risco na adolescência, como uso de álcool e outras drogas1010. De Micheli D, Formigoni ML. Drug use by Brazilian students: associations with family, psychosocial, health, demographic and behavioral characteristics. Addiction 2004; 99(5): 570-8., além de comportamento sexual de risco2121. Oliveira-Campos M, Giatti L, Malta D, Barreto SM. Contextual factors associated with sexual behavior among Brazilian adolescents. Ann Epidemiol 2013; 23(10): 629-35..

Todos os três comportamentos de risco foram associados a práticas de baixo monitoramento e pouco apoio dos pais, o que é consistentes com outros estudos sobre o contexto familiar22. Malta DC, Porto DL, Melo FC, Monteiro RA, Sardinha LM, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev. Bras. Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.,88. Griffin KW, Botvin GJ, Scheier LM, Diaz T, Miller NL. Parenting practices as predictors of substance use, delinquency, and aggression among urban minority youth: moderating effects of family structure and gender. Psychol Addict Behav 2000; 14(2): 174-84.,2222. Beyers JM, Toumbourou JW, Catalano RF, Arthur MW, Hawkins JD. A crossnational comparison of risk and protective factors for adolescent substance use: the United States and Australia. J Adolesc Health 2004; 35(1): 3-16.

23. Pokhrel P, Unger JB, Wagner KD, Ritt-Olson A, Sussman S. Effects of parental monitoring, parent-child communication, and parents' expectation of the child's acculturation on the substance use behaviors of urban, Hispanic adolescents. J Ethn Subst Abuse 2008; 7(2): 200-13.
-2424. Wagner KD, Ritt-Olson A, Chou CP, Pokhrel P, Duan L, Baezconde-Garbanati L, et al. Associations between family structure, family functioning, and substance use among Hispanic/Latino adolescents. Psychol Addict Behav 2010; 24(1): 98-108.. O indicador mais significativo do baixo monitoramento pelos pais foi o hábito de faltar às aulas sem consentimento. Observa-se ainda um gradiente efeito dose-resposta: quanto mais os estudantes faltam às aulas, maior o risco de uso de substâncias. Os achados sobre o uso de substâncias associado ao hábito faltar às aulas sem avisar aos pais (propiciando a evasão escolar) também encontra apoio na literatura. Faltar às aulas/evasão escolar é um importante marcador de risco e em geral associa-se ao ambiente familiar instável. Outros estudos apontam que os alunos que estavam ausentes da escola tem maior envolvimento com uso de substâncias do que os presentes2525. Bovet P, Viswanathan B, Faeh D, Warren W. Comparison of smoking, drinking, and marijuana use between students present or absent on the day of a school-based survey. J Sch Health 2006; 76(4): 133-7..

A convivência e coesão familiares, assim como participar de atividades conjuntas com a família, exercem efeito protetor na prevenção contra o uso de álcool e outras drogas1414. Guimarães AB, Hochgraf PB, Brasiliano S, Ingberman YK. Aspectos familiares de meninas adolescentes dependentes de álcool e drogas. Rev Psiq Clín 2009; 36(2): 69-74.. É destacado na literatura que a realização de atividades em família, como conversar, sair juntos para passear e realizar refeições em conjunto constituem fatores protetores que reduzem condutas de risco1313. Organização Mundial da Saúde. Inequalites in young people´s health. Health Behavior in School-Aged Children. International Report from the 2005-2006 survey. Copenhagen: WHO, Regional Office for Europe; 2008 (Health Policy for Children and Adolescents, No. 5).. A importância da relação positiva entre pais tem sido bem documentada na redução de riscos como delinquência juvenil, depressão e sintomas psicossomáticos2626. Soldera M, Dalgalarrondo P, Corrêa Filho HR, Silva CA. Uso de drogas psicotrópicas por estudantes: prevalência e fatores sociais associados. Rev Saúde Pública 2004; 38(2): 277-83.. Assim, "fazer refeições na companhia dos pais" protege contra condutas de risco, como fumar, beber e usar drogas22. Malta DC, Porto DL, Melo FC, Monteiro RA, Sardinha LM, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev. Bras. Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.. O apoio dos pais e uma boa comunicação entre pais e filhos, assim como o monitoramento dos escolares pelos responsáveis, exercem uma forte proteção contra estes comportamentos de risco22. Malta DC, Porto DL, Melo FC, Monteiro RA, Sardinha LM, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares. Rev. Bras. Epidemiol 2011; 14(1): 166-77.,33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85.. Há também outros fatores familiares que, ao contrário, podem gerar riscos, como a presença de pais dependentes de substâncias2626. Soldera M, Dalgalarrondo P, Corrêa Filho HR, Silva CA. Uso de drogas psicotrópicas por estudantes: prevalência e fatores sociais associados. Rev Saúde Pública 2004; 38(2): 277-83., violência familiar, dentre outros2727. Andrade SS, Yokota RT, Sá NN, Silva MM, Araújo WN, Mascarenhas MD, et al. Relação entre violência física, consumo de álcool e outras drogas e bullying entre adolescentes escolares brasileiros. Cad Saúde Pública 2012; 28(9): 1725-36..

Todas as variáveis pesquisadas sobre saúde mental foram associadas ao uso de substâncias psicoativas. Estes resultados sugerem que abordar estas características psicossociais pode levar a benefícios para a prevenção de vários comportamentos de risco. Segundo Alwan et al.33. Alwan H, Viswanathan B, Rousson V, Paccaud F, Bovet P. Association between substance use and psychosocial characteristics among adolescents of the Seychelles. BMC Pediatr 2011; 11: 85., não ter amigos, ou ter menos de dois amigos íntimos, geralmente aumenta a probabilidade de uso de substâncias, pois a solidão e o isolamento social estariam associados a um aumento nesse uso. Por outro lado, ter muitos amigos e ser popular teria resultados controversos. Alguns estudos mostram que os alunos populares tendem a ter taxas mais elevadas de comportamentos de risco2828. La Greca AM, Prinstein MJ, Fetter MD. Adolescent peer crowd affiliation: linkages with health-risk behaviors and close friendships. J Pediatr Psychol 2001; 26(3): 131-43., e explicam que isto poderia ser o resultado de mais oportunidade em adotar estes comportamentos, em função de ter uma rede social mais ampla. Entretanto, isto é controverso, e outros estudos sugerem que ter muitos amigos seria um fator de proteção contra comportamentos de risco2929. Sussman S, Dent CW, Stacy AW, Burciaga C, Raynor A, Turner GE, et al. Peer-group association and adolescent tobacco use. J Abnorm Psychol. 1990;99(4):349-52..

A PeNSE mostrou que não ter amigos propicia o uso de tabaco e outras drogas ilícitas. Ou seja, estas substancias estão mais ligadas a comportamentos de isolamento social e ao sofrimento mental. Estudos apontam ainda que os individuos tendem a usar substâncias psicoativas para tentar lidar com o estresse, tensões e situações de sofrimento mental44. Kumpulainen K. Psychiatric symptoms and deviance in early adolescence predict heavy alcohol use 3 years later. Addiction 2000; 95(12): 1847-57.,3030. Machado IE, Lana FC, Felisbino-Mendes MS, Malta DC. Factors associated with alcohol intake and alcohol abuse among women in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil. Cad Saúde Pública 2013; 29(7): 1449-59., mostrando a importância de abordar temas relativos ao sofrimento mental já na infância. Entretanto, o oposto foi encontrado para o uso do álcool: não ter amigos foi fator protetor para o uso de álcool, e ter um ou mais amigos aumentou a chance de uso de álcool em escolares. Este resultado é coerente com a forma como o álcool é usado na nossa cultura, estando associado ao prazer, à convivencia, às celebrações e festas, sendo estimulado o seu uso no convívio social3131. Huurre T, Lintonen T, Kaprio J, Pelkonen M, Marttunen M, Aro H. Adolescent risk factors for excessive alcohol use at age 32 years. A 16- year prospective follow-up study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2010; 45(1): 125-34..

Dentre os limites do estudo, a PeNSE utilizou entrevista autoaplicável, que pode conter erros de aferição por sub-relato ou mesmo por dificuldade de compreensão das questões pelos alunos participantes da pesquisa. No caso, o relato de uso de substâncias pode refletir a percepção do uso da substância, e não a situação real, o que poderia acabar refletindo mais a experimentação que o uso regular. Além disso, o estudo foi feito entre os estudantes que estavam presentes na escola e a prevalência real do uso de substâncias entre os adolescentes pode estar subestimada, dado que os alunos que faltam à escola tendem a ter uma maior prevalência de comportamentos de risco do que os alunos não faltam à escola2525. Bovet P, Viswanathan B, Faeh D, Warren W. Comparison of smoking, drinking, and marijuana use between students present or absent on the day of a school-based survey. J Sch Health 2006; 76(4): 133-7.. Além disso, trata-se de estudo transversal, e as associações observadas não necessariamente têm relação de causa-efeito, o que seria melhor captado em estudos longitudinais. Existem ainda outras situações e variáveis que não foram incluídas neste estudo e que podem influir no uso de substâncias, como a relação com os pares, as condições sócio-econômicas, dentre outras.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo evidenciam a importância da família e da saúde mental na adoção do uso de substâncias psicoativas em adolescentes brasileiros. O estudo aponta o efeito protetor da supervisão familiar, e também a associação entre aspectos relacionados à saúde mental, como solidão, insônia e não ter amigos, ao uso de tabaco, álcool e drogas.

Hábitos adquiridos nesta fase da vida tendem a ser fixados na vida adulta, além de aumentar a vulnerabilidade destes jovens para diversas situações de risco, em especial o envolvimento em situações de acidentes e violência. Os achados referentes ao contexto familiar apontam que a supervisão familiar exerce efeito protetor ao abuso de substâncias na adolescência. A família exerce um papel fundamental que necessita ser incentivado e estudado, destacando a importância de laços familiares bem estruturados na vida dos adolescentes.

Profissionais que trabalham na saúde dos adolescentes devem considerar que o estado de saúde mental e situações do contexto familiar podem influenciar no apoio ao desenvolvimento de comportamentos saudáveis.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2014

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2013
  • Revisado
    08 Dez 2013
  • Aceito
    09 Dez 2013
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