Acidentes de trânsito em Belo Horizonte: o que revelam três diferentes fontes de informações, 2008 a 2010

Traffic accidents in Belo Horizonte: the view from three different sources, 2008 to 2010

Lúcia Maria Miana Mattos Paixão Eliane Dias Gontijo Eliane de Freitas Drumond Amélia Augusta de Lima Friche Waleska Teixeira Caiaffa Sobre os autores

Resumos

OBJETIVO:

Analisar a contribuição de três diferentes fontes de informações na descrição de acidentes de trânsito em Belo Horizonte.

MÉTODOS:

Estudo exploratório dos Sistemas de Informação da Empresa de Transportes e Trânsito, de Internações Hospitalares e Mortalidade, com análise de proporções, coeficientes e medidas de associação.

RESULTADOS:

Preenchimento inadequado nas três fontes, destacando o uso de equipamentos de segurança e de álcool pelo condutor. Perfil de homens, jovens, ocupantes de motocicleta ou pedestres semelhante nos três sistemas. Além do alto coeficiente de mortalidade dos residentes em Belo Horizonte (19,4 por cem mil habitantes) no período, observou-se aumento dos acidentes e de vítimas não fatais com concomitante elevação na taxa de internação (34%) e custos hospitalares (53%) e maior envolvimento de motocicletas, proporcionalmente à frota. Os homens condutores apresentaram mais chance de serem feridos ou mortos. Passageiros ou pedestres apresentaram 1,8 vezes a chance de morrer, comparados aos condutores. Verificou-se aumento (12%) das mortes em via pública com 55% de positividade nos exames toxicológicos e 50% mais chance de acidentes fatais nos finais de semana.

CONCLUSÃO:

Apesar da incompletude dos registros, foi possível caracterizar como principais fatores associados aos acidentes os pedestres idosos, motociclistas, o uso de álcool e excesso de velocidade. O estudo demonstrou a complementaridade das três fontes de dados, com seus diferentes objetivos e permitiu revelar importantes aspectos da cadeia de eventos relacionados aos acidentes e vítimas de trânsito, desde sua ocorrência até a eventual evolução fatal, fornecendo informações relevantes da magnitude do problema para guiar estratégias de controle.

Acidentes de trânsito; Fontes de dados; Sistemas de informação; Hospitalização; Mortalidade; Avaliação


INTRODUÇÃO

Acidentes de trânsito (AT) representam importante problema de saúde pública global, demandando esforços conjuntos para a prevenção eficaz e sustentável11. World Health Organization. Global status report on road safety: time for action. Geneva: World Health Organization; 2009.. O Brasil ocupa a quinta posição entre os países com maior número de mortes por AT, estimando-se, ao ano, 40.000 óbitos22. Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02. (Acessado em 08 de julho de 2014).
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
, que somados aos feridos graves, ultrapassam 150 mil vítimas, e custos totais relacionados aos acidentes em torno de R$ 28 bilhões anuais33. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública 2011; 45(5): 949-63.. O maior impacto da morbimortalidade por AT ocorre principalmente na população jovem do sexo masculino44. Morais Neto OL, Montenegro MMS, Monteiro RA, Siqueira Junior JB, Silva MMA, Lima CM, et al. Mortalidade por acidentes de transporte terrestre no Brasil na última década: tendência e aglomerados de risco. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2223-36., com grande repercussão nos serviços de saúde.

A implantação e o desenvolvimento de políticas de prevenção dos acidentes de trânsito dependem diretamente de informações qualificadas para o sistema de vigilância, monitoramento e análise da situação, capaz de determinar a magnitude das ocorrências, o perfil das vítimas, os meios de transporte envolvidos e a localização das áreas de risco55. Cabral APS, Souza WV, Lima MLC. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência: um observatório dos acidentes de transportes terrestre em nível local. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1): 3-14.. Estas informações ainda não são completamente disponíveis na maioria dos países, incluindo o Brasil.

Medidas adotadas no país para redução da morbimortalidade por AT não têm apresentado o efeito esperado33. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública 2011; 45(5): 949-63.. Entre os motivos apontados na literatura, dados sobre as vítimas, capazes de fornecer subsídios para o planejamento e o monitoramento, encontram-se dispersos em diversos sistemas de informação e, isoladamente, não são capazes de expressar a real magnitude do problema. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que mais de uma fonte de dados seja utilizada, como caminho mais curto e menos dispendioso para ampliação do entendimento dos problemas de saúde66. Gawryszewski VP, Kahn T, Mello Jorge MHP. Informações sobre homicídios e sua integração com o setor de segurança pública. Rev Saúde Publica 2005; 39(4): 627-33.. Os AT com vítimas são rotineiramente registrados pela autoridade policial local nos boletins de ocorrência (BO). Esse instrumento legal informa sobre o tipo de acidente, número de pessoas envolvidas, se houveram feridos ou mortos. Os casos que demandam atendimento hospitalar são registrados em laudos de internação e prontuários. As vítimas fatais, independentemente do tempo decorrido entre o acidente e a morte, são registradas nas declarações de óbito, que devem ser emitidas pelo Instituto Médico Legal (IML), procedimento obrigatório para os óbitos ocorridos por causas externas.

Os registros gerenciados por diferentes instituições devem ser considerados para melhor compreensão deste fenômeno contemporâneo, que tanto impacta a saúde pública.

Este estudo, como parte da Avaliação do Projeto Vida no Trânsito77. Morais Neto OL, Silva MMA, Lima CM, Malta DC, Silva Jr JB, et al. Vida no Trânsito Project: evaluation of the implementation in five Brazilian state capitals, 2011-2012. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22(3): 373-82., busca avaliar a complementaridade dos distintos sistemas de informação para aprimorar a caracterização dos acidentes de trânsito e suas vítimas, ocorridos em Belo Horizonte, Minas Gerais.

MÉTODOS

Estudo exploratório realizado a partir de três diferentes fontes de dados: Sistema de Informação da BHTRANS, Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BH10), Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), no período de 2008 a 2010.

O BH10 inclui os acidentes de trânsito ocorridos no município com dados dos boletins de ocorrência (BO) policiais, lavrados no momento e local, com informações dos envolvidos e das circunstâncias do acidente.

Considera-se como envolvidos todas as pessoas incluídas nos registros dos boletins de ocorrência (condutor do veículo, vítimas, testemunhas, custodiantes). Em relação a eles, sempre que pertinente, estão disponíveis informações referentes à faixa etária, sexo, presença de ferimentos, desfecho fatal, condição de condutor ou passageiro, uso de equipamento de segurança (cinto, capacete, dispositivo de retenção para criança), habilitação e uso de bebida alcoólica, quando condutor. Os dados relativos ao tipo e circunstâncias do acidente incluem: tipo de acidente (colisão, atropelamento, queda); veículo envolvido (automóvel, bicicleta, ônibus, motocicleta, caminhão); gravidade (fatal, não fatal); mês, dia da semana, final de semana (sábado e domingo), horário e local de ocorrência; condições da via: sinalização do local, tipo de pavimentação (asfalto, outros); condições do clima (bom, chuva, nublado).

O SIH possui as informações das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) para pagamento de serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Selecionaram-se os registros com diagnóstico principal ou secundário de acidentes de trânsito, segundo os códigos V01 a V89 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª revisão (CID10). Os registros que apresentavam como motivo da alta "permanência" foram excluídos da análise, por corresponderem a uma ação administrativa realizada quando o paciente permanece internado, mas submetido a novo procedimento em seu tratamento. Entretanto, esses registros foram considerados nas análises de custo da internação, tipo de procedimento e uso de terapia intensiva. Foram analisadas as seguintes variáveis relacionadas aos hospitalizados na rede própria e contratada/conveniada ao SUS: faixa etária, sexo, escolaridade, ocupação, municípios de residência e de internação (Belo Horizonte, outros). Para obter a informação sobre o tipo de usuário da via (pedestre, ocupante de bicicleta, motocicleta, automóvel, ônibus, caminhão, veículo não especificado) utilizou-se o código da CID-10 registrado no diagnóstico secundário.

Dados da internação incluíram os motivos da hospitalização (diagnóstico primário), datas da admissão e alta, motivo da alta (cura, melhora, óbito, transferência, outro), tipo de procedimento (clínico, cirúrgico) e custo da internação, uso de unidade de terapia intensiva e natureza jurídica do estabelecimento (público, contratado/conveniado).

As informações sobre os óbitos foram obtidas das declarações de óbito (DO) e das informações dos laudos emitidos pelo IML e registradas no SIM. A seleção dos óbitos foi feita pela causa básica, códigos V01 a V89 da CID-10.

Analisaram-se as variáveis faixa etária, sexo, escolaridade, estado civil (solteiro, casado, viúvo, separado), raça/cor (branca, preta, parda) e local do óbito (hospital/estabelecimento de saúde, via pública). O tipo de usuário da via foi obtido da causa básica. As variáveis município de residência e de ocorrência foram agrupadas em Belo Horizonte e outros.

Presença de álcool, maconha e cocaína/crack post mortem foi analisada a partir dos laudos periciais do IML, obtidos por busca ativa e inseridos no SIM pela Vigilância Epidemiológica do município. Os resultados dos exames toxicológicos foram codificados pela CID-10. Alcoolemia positiva foi identificada pelos códigos Y90.0 a Y90.9; metabólitos de maconha no sangue, pelos códigos F12.0 a F12.9 e de cocaína/crack, pelos códigos F14.0 a F14.9.

As análises incluíram distribuição de frequência absoluta e relativa, estimativa do índice de acidentes e da razão de vítimas fatais por dez mil veículos, considerando como denominador a frota de Belo Horizonte dos respectivos anos88. Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTRANS). Frota de veículos em Belo Horizonte - SisMob-BH. Disponível em: http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/page/portal/portalpublicodl/Temas/Observatorio/SISMOBBH-2013/Tabelas14_FrotaSisMob-BH-Tab14b190413.pdf. (Acessado em 5 de junho de 2013).
http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/pag...
e cálculo de taxas de internação e mortalidade por AT para os residentes de Belo Horizonte99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010 - Dado Belo Horizonte. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/painel/?nivel=mn. (Acessado em 15 de janeiro de 2013).
http://www.censo2010.ibge.gov.br/painel/...
, por município de ocorrência do óbito.

Análise univariada e estimativa de risco com intervalo de confiança de 95%(IC95%) de acidentes fatais nos finais de semana (sábado e domingo); óbito no local do acidente, se condutor do veículo ou pedestre/passageiro e ferimento ou óbito no local do acidente entre os condutores em relação ao sexo. A organização dos dados e análises estatísticas foram feitas no software EpiInfo versão 3.5.1.

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da UFMG e da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, pareceres nº158.014/2012 e nº182.177/2012.

RESULTADOS

Cada base de dados contribuiu com informações essenciais para a compreensão dos acidentes e das vítimas (Tabela 1).

Tabela 1.
Disponibilidade de informações sobre acidentes de trânsito, por base de dados, Belo Horizonte, 2008 - 2010.

O sistema de informação do trânsito permitiu a caracterização do acidente e incluiu informações dos envolvidos nos AT: identificação das vítimas, com ferimentos ou fatais, sua descrição por sexo e idade e características do condutor. Esses campos apresentaram 93% de preenchimento. Apesar de ser a única fonte para variáveis importantes na identificação de fatores associados aos acidentes (uso de equipamentos de segurança, de bebida alcoólica pelo condutor, condições da via e de sinalização e tipo de habilitação do condutor), verificou-se baixa completude no preenchimento desses campos, limitando essa análise. Constatou-se ausência de dados para avaliação socioeconômica e de residência dos envolvidos e sobre a gravidade da lesão, limitando-se ao registro da morte ocorrida no local ou nas primeiras horas após o AT (Tabela 1).

Os sistemas de informação de internação e mortalidade apresentaram dados mais completos sobre as características das vítimas, sendo que variáveis para análise socioeconômica (escolaridade e raça/cor da pele) só estavam adequadamente disponíveis no SIM e apresentaram altos percentuais de completude (acima de 96%). A completude do preenchimento das variáveis grau de instrução e ocupação no SIH foi insatisfatória (menos de 10%). Custo da internação, procedimentos e necessidade de terapia intensiva puderam estimar o impacto sobre os serviços de saúde no SIH. O uso de códigos (CID-10) menos específicos no diagnóstico secundário do SIH e na causa básica do SIM limitou a análise sobre as características do acidente. A falta dessas informações, ao não correlacionar a internação ou morte com o AT, subestima o número de vítimas ou dificulta a caracterização do acidente (Tabela 1).

No SIM, os registros sobre ocupação e acidentes de trabalho foram inadequadamente preenchidos. O endereço do local do acidente estava ausente em 80% dos registros de 2008 e 2009 e em 55% nos registros de 2010. O SIM permitiu identificar, também, os óbitos ocorridos na via pública e fora do município. Entre 2008 e 2010, ocorreram 48.918 AT com vítimas no perímetro urbano de Belo Horizonte, incluindo as rodovias que cruzam a cidade, resultando em 109.322 envolvidos e 61.959 vítimas, segundo o BH10. As 10.374 internações (SIH) e os 1.869 óbitos (SIM) corresponderam a acidentes ocorridos tanto no município como fora. As mortes ocorreram em via pública ou em estabelecimentos de saúde.

ACIDENTES COM VÍTIMAS SEGUNDO INFORMAÇÕES POLICIAIS - BH 10

Observou-se aumento de 6% no número de vítimas, predominando homens (72%), jovens de 18 a 29 anos (45%) ou adultos de 30 a 39 anos (22%). A Tabela 2 mostra redução na razão de vitimas fatais e persistência de mais óbitos entre pedestres (41%).

Tabela 2.
Acidentes com vítimas e fatais, número de envolvidos, vítimas e óbitos no local do acidente de trânsito e índice de acidentes e razão de vitimas fatais por 10.000 veículos, total e estratificada por automóvel e motocicleta, Belo Horizonte, 2008 - 2010.

A gravidade dos acidentes de motocicleta foi evidenciada pela razão de vítimas fatais, cerca de três vezes maior em relação à razão de vítimas fatais por automóveis (Tabela 2). As colisões entre veículos (70%) e os atropelamentos (19%) foram os principais tipos de acidentes. Enquanto os acidentes, em geral, foram mais frequentes às sextas feiras (16%) e no período de 12 às 21 horas (54%), os fatais apresentaram 50% mais chance de ocorrer nos finais de semana (IC95% 1,20 2,05), concentrando-se (42%) no período entre 21 e 6 horas. Boas condições climáticas (91%) e vias asfaltadas (97%) estavam registradas na quase totalidade dos boletins de ocorrência dos AT.

VÍTIMAS DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO SEGUNDO INFORMAÇÕES DE INTERNAÇÕES HOSPITALARES - SIH/SUS

Três hospitais públicos responderam por mais de 90% das internações por AT. O aumento progressivo das internações por AT nos três anos analisados e o predomínio de homens (81%), jovens de 18 a 29 anos (39%) ou adultos de 30 a 39 anos (19%) confirmaram as informações do BH10. Entre os residentes na capital (47%), a taxa de internação aumentou de 6,2 para 8,3 internações por dez mil habitantes. A Tabela 3 mostra o predomínio de ocupantes de motocicletas entre os acidentados. No período, triplicaram as hospitalizações por acidente de automóvel, elevaram aquelas por acidente de motocicleta (43%) e de pedestres (13%) e houve redução nas decorrentes de acidentes com bicicletas.

Tabela 3.
Distribuição das internações por acidentes de trânsito e transporte, segundo motivo da alta hospitalar e dos óbitos por tipo de usuário da via em Belo Horizonte, 2008 - 2010.

Traumatismos de cabeça e pescoço (31%), dos membros inferiores (28%) e politraumatismos (6%) foram as principais causas de internação, sendo que 23% necessitaram de terapia intensiva. Procedimentos cirúrgicos foram realizados em mais de 70%. No período, observou-se aumento de 12% na proporção das altas hospitalares por cura ou melhora e redução de 20% nos óbitos. Em 2010, ocorreu evolução favorável em 3.191 (79%) das internações, e para óbito em 283 (7%). As altas por transferência e outros motivos corresponderam a 543 (14%) das internações nesse ano (Tabela 3). Os custos aumentaram 53% entre 2008 e 2010, passando de 9,3 para 14,2 milhões, em decorrência de internações em unidades de terapia intensiva, que passaram a representar mais da metade dos gastos, em 2010.

VÍTIMAS FATAIS DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO SEGUNDO INFORMAÇÕES DO SIM

Ocorreram 1.869 óbitos por AT no período, correspondendo a 26% das mortes por causas externas. As vítimas fatais eram, em sua maioria (53%), residentes em Belo Horizonte, homens (79%), jovens de 18 a 29 anos (30%) ou adultos de 30 a 39 anos (18%), solteiros (60%), de cor da pele parda ou preta (62%) e escolaridade inferior a oito anos (56%). O percentual de idosos entre os óbitos por AT (21%) foi mais elevado do que o encontrado nas internações (7%) ou nos boletins de ocorrência policial (6%). Cerca de 30% dos óbitos de residentes em Belo Horizonte ocorreram em outros municípios. Verificou-se aumento de quase 40% no coeficiente de mortalidade de residentes, passando de 13,9 para 19,4 óbitos por cem mil habitantes, na inclusão de óbitos ocorridos fora da cidade.

Entre os óbitos anuais por AT, mais de dois terços (479, em média) ocorreram em estabelecimentos de saúde, sendo a quase totalidade (96%) na rede pública. Observou-se 12% de aumento do número de óbitos ocorridos em via pública, no local do acidente (de 129 em 2008 para 145 em 2010). Verificou-se maior percentual de óbitos entre pedestres, seguidos dos ocupantes de motocicleta e de automóvel (Tabela 3). No ano de 2009, foi verificada elevação no número de óbitos por acidentes de trânsito "não especificados" em relação aos anos de 2008 e 2010, alcançando 26% do total de óbitos. Entretanto, a distribuição dos tipos de usuários da via se manteve semelhante em todos os anos. Em 2010, os automóveis foram os principais veículos envolvidos nos atropelamentos (28%), seguidos dos veículos pesados, ônibus e caminhões (22%) e das motocicletas (21%).

As principais lesões registradas nas declarações de óbito foram os politraumatismos (53%), traumatismos de cabeça ou pescoço (35%) e abdome ou tórax (6%).

Nos três anos do estudo, em 348 (18,6%) vítimas fatais, o exame toxicológico foi positivo para álcool, maconha e/ou cocaína/crack. Dentre as 432 vítimas fatais no local do acidente, 55% apresentaram exame toxicológico positivo, enquanto que entre os óbitos ocorridos em hospital (1.437), foram positivos apenas 11%. Em 275 (79%) dos exames positivos, foi detectada alcoolemia isoladamente. A associação de álcool e drogas ilícitas (maconha, cocaína/crack) foi encontrada em 38 óbitos (11%), e em 35 (10%), a identificação isolada de drogas ilícitas.

DISCUSSÃO

Esse estudo possibilitou uma compreensão ampliada dos acidentes de trânsito em Belo Horizonte ao trazer informações produzidas por policiais militares no local da ocorrência do acidente, por profissionais de saúde no estabelecimento de internação e por médicos legistas na declaração do óbito. Os achados apontam para a viabilidade do uso de fontes de dados com origens e objetivos distintos e justificam plenamente sua crescente utilização. Informações complementadas por múltiplas fontes, mais completas e fidedignas1010. Mello Jorge MHP, Koizumi MS. Acidentes de transito no Brasil: breve análise de suas fontes de dados. Rev ABRAMET 2001; 38: 49-57.,1111. Tomimatsu MFAI, Andrade SM, Soares DA, Mathias TAF, Sapata MPM, Soares DFPP, et al. Qualidade da informação sobre causa externas no Sistema de Informações Hospitalares. Rev Saúde Pública 2009; 43(3): 413-20. podem ser utilizadas como ferramenta para avaliação e qualificação dos sistemas de informação e o aprimoramento de ações, mais eficazes para a redução dos AT.

Ausência de informações foi verificada nos três bancos de dados, confirmando resultados obtidos em estudos prévios de avaliação de Sistemas de Informação1212. Lima CRA, Schramm JMA, Coeli CM, Silva MEM. Revisão das dimensões de qualidade dos dados e métodos aplicados na avaliação dos sistemas de informação em saúde. Cad Saúde Pública 2009; 25(10): 2095-109., com preenchimento inadequado de importantes fatores de risco para acidentes graves e fatais: uso de álcool pelo condutor e falta de equipamentos de segurança11. World Health Organization. Global status report on road safety: time for action. Geneva: World Health Organization; 2009.. A melhoria da qualidade desses registros deve ser continuamente incentivada1212. Lima CRA, Schramm JMA, Coeli CM, Silva MEM. Revisão das dimensões de qualidade dos dados e métodos aplicados na avaliação dos sistemas de informação em saúde. Cad Saúde Pública 2009; 25(10): 2095-109.. A disponibilidade limitada da informação sobre o local do acidente (condições da via e sinalização) aponta a possibilidade de uso de ferramentas como o Google Street View para auxiliar na análise desses fatores1313. Clarke P, Ailshire J, Melendez R, Bader M, Morenoff J. Using Google Earth to conduct a neighborhood audit: Reliability of a virtual audit instrument. Health & Place 2010; 16(6): 1224-9.. O SIH, apesar de permitir apenas a análise de internações pelo SUS, apresenta boa cobertura dos acidentes muito graves, para os quais o serviço público é a porta de entrada. Os óbitos hospitalares podem traduzir a gravidade dos acidentes ou a precariedade da atenção prestada, assim como as altas podem informar sobre a qualidade da assistência. A cobertura universal do SIM permite identificar a totalidade dos óbitos, incluindo os ocorridos na via pública, em hospitais e fora do município. A oscilação dos percentuais de óbitos por acidente de trânsito classificados como não especificados, no período estudado, com elevação em 2009, revela o desafio da qualificação continuada de bancos de dados secundários e aponta a importância da complementaridade das informações pelo uso de outras fontes, como a busca ativa de notícias publicadas em jornais sobre o acidente1414. Villela LCM, Rezende EM, Drumond EF, Ishitani LH, Carvalho GML. Utilização da imprensa escrita na qualificação das causas externas de morte. Rev Saúde Pública 2012; 46(4): 730-6., assim como a consulta aos laudos e outros registros do IML. A distribuição dos óbitos por estabelecimento de saúde registrada no SIM permite conhecer os serviços com maior volume de atendimento dos casos com evolução fatal.

A redução do número de AT em relação à frota veicular verificada em Belo Horizonte também foi observada em Campinas por Marín-León et al.1515. Marín-León L, Belon AP, Barros MBA, Almeida SDM, Restitutti MC. Tendência dos acidentes de trânsito em Campinas, São Paulo, Brasil: importância crescente dos motociclistas. Cad Saúde Pública 2012; 28(1): 39-51., que atribuíram esse achado à lentidão do trânsito urbano em decorrência do aumento da frota. A análise isolada desse indicador deve ser evitada, por não traduzir efetiva redução no risco de lesão e morte. Ainda que o aumento dos acidentes não tenha guardado proporção com o incremento da frota veicular, a magnitude do agravo revelou-se pela elevação anual do número de acidentes com vítimas e de internados, o que o coloca como um dos principais problemas de saúde pública local, como nas demais cidades do Brasil44. Morais Neto OL, Montenegro MMS, Monteiro RA, Siqueira Junior JB, Silva MMA, Lima CM, et al. Mortalidade por acidentes de transporte terrestre no Brasil na última década: tendência e aglomerados de risco. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2223-36.. Além disso, os coeficientes de mortalidade por AT estimados para a cidade são elevados, indicando necessidade de intervenções eficazes para alcançar redução sustentável desses índices33. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública 2011; 45(5): 949-63.,44. Morais Neto OL, Montenegro MMS, Monteiro RA, Siqueira Junior JB, Silva MMA, Lima CM, et al. Mortalidade por acidentes de transporte terrestre no Brasil na última década: tendência e aglomerados de risco. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2223-36.. Apesar do aprimoramento da legislação, implantação do controle municipal do trânsito, melhoria da segurança dos veículos e uso da fiscalização eletrônica, não foi observada redução nos acidentes, mortes e incapacidades decorrentes das lesões33. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública 2011; 45(5): 949-63..

O perfil identificado nos três sistemas de informação foi semelhante ao descrito na literatura33. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública 2011; 45(5): 949-63.

4. Morais Neto OL, Montenegro MMS, Monteiro RA, Siqueira Junior JB, Silva MMA, Lima CM, et al. Mortalidade por acidentes de transporte terrestre no Brasil na última década: tendência e aglomerados de risco. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2223-36.
-55. Cabral APS, Souza WV, Lima MLC. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência: um observatório dos acidentes de transportes terrestre em nível local. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1): 3-14.. O maior percentual de idosos entre as vítimas fatais, em relação aos internados e aos registros do trânsito, sugere maior gravidade das lesões nessa população, em decorrência da maior fragilidade e da presença de comorbidades, comuns nesse grupo1616. Silveira R, Rodrigues RAP, Costa Junior ML. Idosos que foram vítimas de acidentes de trânsito no município de Ribeirão Preto, em 1998. Rev Lat Am Enferm 2002; 10(6): 765-71.. Além disso, grande parte deles encontrava-se na condição de pedestre, mais vulneráveis pela exposição direta ao impacto com veículos1616. Silveira R, Rodrigues RAP, Costa Junior ML. Idosos que foram vítimas de acidentes de trânsito no município de Ribeirão Preto, em 1998. Rev Lat Am Enferm 2002; 10(6): 765-71..

Identificação do predomínio das vítimas fatais de cor da pele preta/parda ou com baixa escolaridade aponta iniquidade na morte por AT, com raízes nos determinantes sociais1717. Montenegro MMS, Duarte EC, Prado RR, Nascimento AF. Mortalidade de motociclistas em acidentes de transporte no Distrito Federal, 1996-2007. Rev Saúde Pública 2011; 45(3): 529-38.,1818. Caiaffa WT, Friche AAL. Urbanização, globalização e segurança viária: um diálogo possível em busca da equidade? Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2238-41.. Essas informações, somente disponíveis no SIM, são essenciais na definição de estratégias em políticas públicas para os grupos vulneráveis.

O maior envolvimento de jovens condutores de motocicletas do sexo masculino ou de automóveis, em finais de semana33. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública 2011; 45(5): 949-63., sugere a relação entre os AT e o uso de substâncias psicoativas, evidenciado pela detecção de álcool ou drogas ilícitas em mais da metade dos óbitos ocorridos na via pública. Estudo de vítimas fatais no Distrito Federal encontrou altos índices de alcoolemia positiva (43%)1919. Modelli MES, Pratesi R, Tauil PL. Alcoolemia em vítimas fatais de acidentes de trânsito no Distrito Federal, Brasil. Rev Saúde Pública 2008; 42(2): 350-2.. Inquérito sobre padrões de consumo de álcool no Brasil estimou em 35% a prevalência de beber e dirigir, em seis vezes a chance de ser homem e dirigir após consumo de álcool e sete vezes de ter tido acidente prévio associado ao consumo de álcool2020. Pechansky E, De Boni R, Diemen LV, Bumaguin D, Pinsky I, Zaleski M, et al. Highly reported prevalence of drinking and driving in Brazil: data from first representative household study. Rev Bras Psiquiatr 2009;31(2): 125-30.. Maior fiscalização com uso de etilômetros poderia reduzir o número dessas ocorrências1919. Modelli MES, Pratesi R, Tauil PL. Alcoolemia em vítimas fatais de acidentes de trânsito no Distrito Federal, Brasil. Rev Saúde Pública 2008; 42(2): 350-2.,2121. Mascarenhas MDM, Malta DC, Silva MMA, Gazal-Carvalho C, Monteiro RA, Morais Neto OL. Consumo de álcool entre vítimas de acidentes e violências atendidas em serviços de emergência no Brasil, 2006 e 2007. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14(5): 1789-96.. O consumo prévio de drogas ilícitas em 21% das vítimas fatais aponta para a necessidade de serem viabilizadas fiscalizações voltadas para essas substâncias, uma vez que já existe legislação sobre esse tema2222. Brasil. Lei 11.705 de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996. Diário Oficial da União 2008; Jun 20..

Maior circulação de motocicletas e a vulnerabilidade dos seus ocupantes, principal grupo entre os internados e segundo entre os mortos, tornou-os prioritários para ações de prevenção2323. Veronese AM, Oliveira DLLC. Os riscos dos acidentes de trânsito na perspectiva dos moto-boys: subsídios para a promoção da saúde. Cad Saúde Pública 2006; 22(12): 2717-21.. Motocicletas são utilizadas como ferramentas de trabalho e os motofretistas estão sujeitos a pressão de clientes e empregadores, a longos turnos de trabalho e baixa remuneração2424. Silva DW, Andrade SM, Soares DA, Soares DFPP, Mathias TAF. Perfil do trabalho e acidentes de trânsito entre motociclistas de entregas em dois municípios de médio porte do Estado do Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(11): 2643-52.. O estudo revelou ainda que os motociclistas têm sido responsáveis por importante parcela dos atropelamentos33. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública 2011; 45(5): 949-63.,2525. Barros AJ, Amaral RL, Oliveira MS, Lima SC, Goncalves EV. Acidentes de trânsito com vítimas: sub-registro, caracterização e letalidade. Cad Saúde Pública 2003; 19: 979-86., que ocorrem especialmente em menores de 15 anos e em idosos. Autores apontaram risco duas vezes maior de atropelar um pedestre entre motociclistas, comparados aos condutores de automóvel2525. Barros AJ, Amaral RL, Oliveira MS, Lima SC, Goncalves EV. Acidentes de trânsito com vítimas: sub-registro, caracterização e letalidade. Cad Saúde Pública 2003; 19: 979-86.. Freitas et al., analisando acidentes de trânsito na faixa pediátrica, identificaram que 76% deles decorriam de atropelamentos ou acidentes com bicicleta2626. Freitas JPP, Ribeiro LA, Jorge MT. Vítimas de acidentes de trânsito na faixa etária pediátrica atendidas em um hospital universitário: aspectos epidemiológicos e clínicos. Cad Saúde Pública 2007; 23(12): 3055-60.. Estudo sobre vítimas de trauma apontou o atropelamento como a segunda causa de trauma entre idosos, antecedida pelas quedas1616. Silveira R, Rodrigues RAP, Costa Junior ML. Idosos que foram vítimas de acidentes de trânsito no município de Ribeirão Preto, em 1998. Rev Lat Am Enferm 2002; 10(6): 765-71.. A vulnerabilidade dos pedestres foi demonstrada na análise das internações e das mortes33. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública 2011; 45(5): 949-63..

O grande número de vítimas fatais no próprio local do acidente, inclusive de ocupantes de automóvel, reforça a hipótese de que, apesar do aumento da segurança dos veículos e da presença de redutores de velocidade, os acidentes foram mais graves pelo excesso de velocidade, mesmo em vias urbanas2727. Thielen IP, Hartmann RC, Soares DP. Percepção de risco e excesso de velocidade. Cad Saúde Pública 2008; 24(1): 131-9.. O aumento de internação aponta para a gravidade dos acidentes, evidenciada também pelas lesões registradas nas declarações de óbito e nas autorizações de internação hospitalar. Os politraumatismos foram a principal causa da morte, muitas vezes imediata, e os traumatismos cranianos foram o principal motivo da internação. Em estudo de revisão, cabeça/pescoço foi a segunda região do corpo mais atingida dentre os acidentados, sendo antecedida por lesões em membros inferiores/superiores2828. Calil AM, Sallum EA, Domingues CA, Nogueira LS. Mapping injuries in traffic accident victims: a literature review. Rev Lat Am Enfermagem 2009; 17(1): 120-5.. O aumento da alta hospitalar por cura e a redução do percentual de óbitos entre os pacientes internados pode sugerir uma melhor assistência pré-hospitalar e hospitalar. Porém, diante do elevado número de óbitos no local do acidente, faz-se necessário estudo específico sobre esse tema.

A rede pública de atendimento a urgências e emergências em Belo Horizonte conta, principalmente, com três grandes hospitais de referência para atendimento ao trauma, que responderam pela quase totalidade das internações por AT, apontando que ações para melhorar o atendimento a vítimas de AT devem ser dirigidas a esses serviços66. Gawryszewski VP, Kahn T, Mello Jorge MHP. Informações sobre homicídios e sua integração com o setor de segurança pública. Rev Saúde Publica 2005; 39(4): 627-33.. Assim como, nesses locais, deve ser estimulada a codificação correta dos diagnósticos na AIH, que irão gerar informações mais qualificadas das internações por AT, importante problema de saúde pública no Brasil.

Os altos custos das internações, especialmente elevados para o sistema público de saúde, foram observados em outros estudos2929. Mello-Jorge MHP, Koizumi MS. Gastos governamentais do SUS com internações por causas externas. Rev Bras Epidemiol 2004; 7(2): 228-38.,3030. Melione LP, Mello-Jorge MHP. Gastos do Sistema Único de Saúde com internações por causas externas em São José dos Campos, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(8): 1814-24.. Os gastos decorrem de procedimentos mais complexos, como cirurgias e tratamento intensivo. As internações por causas externas apresentaram gastos superiores às por causas naturais e, dentre elas, as internações por AT apresentaram maior gasto médio2929. Mello-Jorge MHP, Koizumi MS. Gastos governamentais do SUS com internações por causas externas. Rev Bras Epidemiol 2004; 7(2): 228-38.. A redução do número de internações, da gravidade das lesões e de seus custos seria alcançada pela observação às medidas de prevenção aos acidentes e lesões, como o uso correto de equipamentos de segurança33. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública 2011; 45(5): 949-63..

Em 2001, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violência3131. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 723, de 16 de maio de 2001. Dispõe sobre a Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violência. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/politicapromocao.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquiv...
, implementada em Belo Horizonte, com base na magnitude, risco e importância dos AT na mortalidade geral44. Morais Neto OL, Montenegro MMS, Monteiro RA, Siqueira Junior JB, Silva MMA, Lima CM, et al. Mortalidade por acidentes de transporte terrestre no Brasil na última década: tendência e aglomerados de risco. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2223-36.,3232. Souza ER, Minayo MCS, Franco LG. Avaliação do processo de implantação e implementação do Programa de Redução da Morbimortalidade por acidentes de Trânsito. Epidemiol Serv Saúde 2007; 16(1): 19-31., situação confirmada pelos achados deste estudo. Em 2010, estas proposições do Ministério da Saúde foram ampliadas e potencializadas com o Projeto Vida no Trânsito77. Morais Neto OL, Silva MMA, Lima CM, Malta DC, Silva Jr JB, et al. Vida no Trânsito Project: evaluation of the implementation in five Brazilian state capitals, 2011-2012. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22(3): 373-82..

Apesar de não ter sido observada redução na morbimortalidade pelos AT, destacam-se a mobilização da Secretaria Municipal de Saúde e o processo de articulação intersetorial que permitiu, entre outras ações, a integração das informações dos boletins de ocorrência aos demais dados produzidos pelo setor de saúde. Essa iniciativa possibilitou a implantação de ações de fiscalização e de educação para o trânsito, com priorização dos grupos mais vulneráveis.

O uso de bancos de dados secundários com preenchimento inadequado de algumas variáveis limitou a análise de aspectos importantes, como o uso de álcool pelo condutor e de equipamentos de segurança. A avaliação isolada dos diferentes sistemas não garante que esteja sendo feita a análise dos mesmos indivíduos. Nem todos aqueles classificados como feridos nos BO foram internados, assim como as internações e óbitos ocorridos no município não corresponderam exclusivamente aos AT ocorridos na cidade, que são os únicos passíveis de intervenção pelos órgãos de trânsito locais.

O relacionamento de bancos de dados possibilitaria a complementação de informações faltantes em cada uma das bases, além de permitir que os registros sobre cada indivíduo sejam acompanhados do acidente ao seu desfecho, ampliando a compreensão desse relevante problema de saúde pública.

CONCLUSÃO

O estudo demonstrou a complementaridade das três fontes de informação, com seus diferentes objetivos, e permitiu trazer à tona importantes aspectos da cadeia de eventos relacionados aos acidentes de trânsito, desde sua ocorrência até a eventual evolução fatal.

As diferentes estimativas do número de feridos e mortos obtidas nas diversas fontes de dados revelaram a dificuldade de mensurar a real magnitude dos acidentes de trânsito. Apesar da incompletude e do uso de códigos inespecíficos nos registros, o que dificulta a enumeração das vítimas, o estudo revelou a maior vulnerabilidade de homens jovens, especialmente os motociclistas, e de pedestres, com destaque para os idosos. Demonstrou também a gravidade dos acidentes, traduzida pelo grande número de vítimas fatais no próprio local do acidente e do tipo de lesões registradas, levantando a hipótese do excesso de velocidade como fator associado, assim como o uso de álcool e/ou drogas, identificado em mais da metade dos óbitos ocorridos em via pública.

A elevação do coeficiente de mortalidade por AT dos residentes em Belo Horizonte, com a inclusão das mortes ocorridas fora da cidade, em grande parte nas rodovias com gestão estadual ou federal, apontou a necessidade de políticas mais amplas e a importância de ações intersetoriais e interinstitucionais.

A identificação de grupos vulneráveis e de fatores de risco para acidentes de trânsito são essenciais na elaboração de políticas públicas baseadas em evidências, subsidiando o planejamento e intervenções mais focadas e efetivas para a redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito.

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  • Fonte de financiamento: Fundo Nacional de Saúde (MS 25000.052443/2012-80) e recurso adicional obtido pelo CNPq em bolsa produtividade em pesquisa da autora Waleska Teixeira Caiaffa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2013
  • Revisado
    21 Jul 2014
  • Aceito
    11 Ago 2014
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br