Resumos
OBJETIVO:
Identificar aspectos relacionados ao consumo alcoólico entre estudantes de um município do interior do sudeste brasileiro.
MÉTODOS:
Neste estudo transversal foram avaliados 638 alunos de 13 a 17 anos, sendo 355 (55,6%) meninas, escolhidos de modo randomizado em 13/40 (32,5%) escolas públicas entre novembro de 2009 e agosto de 2010. Foi utilizado um questionário estruturado para coleta de dados pessoais/familiares e o Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) para avaliar o consumo alcoólico. Foi usada análise bivariada e regressão logística.
RESULTADOS:
Foi verificado que 516 (80,9%) estudantes fizeram uso de álcool na vida e 115 (18,4%) faziam consumo de risco (AUDIT ≥ 8). Pela análise bruta, o consumo de risco associou-se à faixa etária (16 a 17 anos), idade do primeiro consumo (≤ 12 anos), maior renda familiar, ambiente familiar conflituoso, não praticar uma religião e consumo alcoólico dos pais. Pela análise ajustada observou-se associação com a idade do primeiro consumo (≤ 12 anos), sendo odds ratio (OR) = 2,5 e intervalo de confiança de 95% (IC95%) 1,4 - 4,4. Vida sexual foi mais frequente entre os que já fizeram uso de álcool na vida (OR = 3,3; IC95% 2,0 - 5,3). Sob efeito do álcool, 22/103 alunos (21,4%) nem sempre utilizaram preservativos. Entre todos, 25,4% acreditam que não há risco em beber e 98% já compraram bebidas alcoólicas. Sentir vontade de beber após assistir a propagandas de bebidas alcoólicas foi mais frequente entre adolescentes que já as consumiram (OR = 1,7; IC95% 1,1 - 2,6).
CONCLUSÃO:
Foi verificado preocupante e precoce consumo alcoólico entre estudantes, mostrando a necessidade tanto de conscientização dos jovens e de seus responsáveis para os riscos desse consumo, quanto de se cumprir a lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores de idade.
Adolescente; Comportamento do adolescente; Saúde do adolescente; Consumo de bebidas alcoólicas; Fatores de risco; Sexo sem proteção
INTRODUÇÃO
A propensão para assumir riscos e a procura por sensações durante a adolescência podem se associar ao uso de substâncias, lícitas ou ilícitas, e a potenciais problemas de saúde a longo prazo11. Bava S, Tapert SF. Adolescent brain development and the risk for alcohol and other drug problems. Neuropsychol Rev 2010; 20(4): 398-413.. A susceptibilidade do adolescente ao uso do álcool associada a fatores incentivadores e/ou facilitadores desse consumo, tais como publicidade22. Faria R, Vendrame A, Silva R, Pinsky I. Propaganda de álcool e associação ao consumo de cerveja por adolescentes. Rev Saúde Pública 2011; 45(3): 441-7.,33. Jones SC, Magee CA. Exposure to alcohol advertising and alcohol consumption among Australian adolescents. Alcohol Alcohol 2011; 46(5): 630-7., baixos preços44. Duailibi S, Laranjeira R. Políticas públicas relacionadas às bebidas alcoólicas. Rev Saúde Pública 2007; 41(5): 839-48., uso de álcool pelos pais e a sua permissividade ao uso de álcool pelos filhos55. Vieira PC, Aerts DRGC, Freddo SL, Bittencourt A, Monteiro L. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(11): 2487-98. podem ser decisivos na experimentação e no consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Dessa forma, o que se tem observado é que a experimentação e o uso regular de álcool estão acontecendo em idades muito precoces em todo o mundo33. Jones SC, Magee CA. Exposure to alcohol advertising and alcohol consumption among Australian adolescents. Alcohol Alcohol 2011; 46(5): 630-7.,66. Donath C, Grässel E, Baier D, Pfeiffer C, Karagülle D, Bleich S, et al. Alcohol consumption and binge drinking in adolescents: comparison of different migration backgrounds and rural vs. urban residence-a representative study. BMC Public Health 2011; 11: 84.,77. Fraga S, Sousa S, Ramos E, Dias S, Barros H. Alcohol use among 13-year-old adolescents: associated factors and perceptions. Public Health 2011; 125(7): 448-56..
Na adolescência, o álcool consumido de forma abusiva inibe a neurogênese, prejudicando o desenvolvimento cerebral e piorando a performance neurocognitiva. Vários problemas mentais e psicossociais também são frequentemente observados em jovens que abusam do álcool11. Bava S, Tapert SF. Adolescent brain development and the risk for alcohol and other drug problems. Neuropsychol Rev 2010; 20(4): 398-413.,88. Skala K, Walter H. Adolescence and alcohol: a review of the literature. Neuropsychiatr 2013; 27(4): 202-11.. O consumo de bebidas alcoólicas na adolescência também pode aumentar as chances de desenvolvimento de abuso ou dependência de álcool na idade adulta99. Silveira CM, Silveira CC, Silva JG, Silveira LM, Andrade AG, Andrade LHSG. Epidemiologia do beber pesado e beber pesado episódico no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Rev Psiquiatr Clín 2008; 35(Suppl 1): 31-8., além de poder se associar ao uso concomitante de drogas ilícitas99. Silveira CM, Silveira CC, Silva JG, Silveira LM, Andrade AG, Andrade LHSG. Epidemiologia do beber pesado e beber pesado episódico no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Rev Psiquiatr Clín 2008; 35(Suppl 1): 31-8.,1010. Stolle M, Sack PM, Thomasius R. Binge drinking in childhood and adolescence: epidemiology, consequences, and interventions. Dtsch Arztebl Int 2009; 106(19): 323-8.. O uso do álcool também tem sido relacionado a maiores frequências de acidentes de trânsito44. Duailibi S, Laranjeira R. Políticas públicas relacionadas às bebidas alcoólicas. Rev Saúde Pública 2007; 41(5): 839-48.,1010. Stolle M, Sack PM, Thomasius R. Binge drinking in childhood and adolescence: epidemiology, consequences, and interventions. Dtsch Arztebl Int 2009; 106(19): 323-8., a violências44. Duailibi S, Laranjeira R. Políticas públicas relacionadas às bebidas alcoólicas. Rev Saúde Pública 2007; 41(5): 839-48.,1010. Stolle M, Sack PM, Thomasius R. Binge drinking in childhood and adolescence: epidemiology, consequences, and interventions. Dtsch Arztebl Int 2009; 106(19): 323-8.,1111. McCoy SI, Jewell NP, Hubbard A, Gerdts CE, Doherty IA, Padian NS, et al. A trajectory analysis of alcohol and marijuana use among Latino adolescents in San Francisco, California. J Adolesc Health 2010; 47(6): 564-74., ao baixo desempenho escolar99. Silveira CM, Silveira CC, Silva JG, Silveira LM, Andrade AG, Andrade LHSG. Epidemiologia do beber pesado e beber pesado episódico no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Rev Psiquiatr Clín 2008; 35(Suppl 1): 31-8., ao comportamento sexual de risco1212. Sanchez ZM, Nappo SA, Cruz JI, Carlini EA, Carlini CM, Martins SS. Sexual behavior among high school students in Brazil: alcohol consumption and legal and ilegal drug use associated with unprotected sex. Clinics (São Paulo) 2013; 68(4): 489-94. e à gravidez indesejada1010. Stolle M, Sack PM, Thomasius R. Binge drinking in childhood and adolescence: epidemiology, consequences, and interventions. Dtsch Arztebl Int 2009; 106(19): 323-8..
No Brasil, em um levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no ano de 2005, observou-se que 54,3% dos adolescentes de 12 a 17 anos já tinham feito uso de álcool na vida e que 7% eram dependentes dessa substância1313. Carlini EA, Galduróz JC, Noto AR, Carlini CM, Oliveira LG, Nappo SA, et al. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo: Páginas & Letras; 2007.. Em outros países também foram observadas preocupantes frequências de consumo de bebidas alcoólicas entre adolescentes. Em Coimbra, Portugal, 65% dos adolescentes de 12 a 18 anos já consumiram álcool e 19% já se embriagaram1414. Barroso T, Mendes A, Barbosa A. Analysis of the alcohol consumption phenomenon among adolescents: study carried out with adolescents in intermediate public education. Rev Lat Am Enfermagem 2009; 17(3): 347-53.; em New South Wales, Austrália, 61% dos adolescentes de 12 a 17 anos já experimentaram bebidas alcoólicas33. Jones SC, Magee CA. Exposure to alcohol advertising and alcohol consumption among Australian adolescents. Alcohol Alcohol 2011; 46(5): 630-7. e na Alemanha, essa frequência foi de 93% entre adolescentes de 15 a 16 anos1010. Stolle M, Sack PM, Thomasius R. Binge drinking in childhood and adolescence: epidemiology, consequences, and interventions. Dtsch Arztebl Int 2009; 106(19): 323-8..
A precocidade e o aumento na frequência de experimentação de bebidas alcoólicas e de seu uso abusivo entre adolescentes justificam a necessidade de se realizar estudos para se conhecer os fatores associados a tais consumos. No Brasil, os estudos sobre o consumo de bebidas alcoólicas entre adolescentes têm sido realizados mais frequentemente em capitais de estados1515. Galduróz JCF, Sanchez ZM, Opaleye ES, Noto AR, Fonseca AM, Gomes PLS, et al. Fatores associados ao uso pesado de álcool entre estudantes das capitais brasileiras. Rev Saúde Pública 2010; 44(2): 267-73.
16. Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, et al. Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(Suppl 1): 136-46.-1717. Silva SED, Padilha MI. Atitudes e comportamentos de adolescentes em relação à ingestão de bebidas alcoólicas. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(5): 1063-9. e em regiões metropolitanas22. Faria R, Vendrame A, Silva R, Pinsky I. Propaganda de álcool e associação ao consumo de cerveja por adolescentes. Rev Saúde Pública 2011; 45(3): 441-7.,55. Vieira PC, Aerts DRGC, Freddo SL, Bittencourt A, Monteiro L. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(11): 2487-98., porém fatores socioculturais e demográficos produzem particularidades que podem influenciar o estilo de vida e o comportamento dos adolescentes que moram em cidades do interior, incluindo sua relação com o uso de bebidas alcoólicas.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi verificar as frequências de uso de álcool na vida e do seu consumo abusivo entre estudantes de escolas públicas de um município no interior do Brasil, além dos fatores associados a esse consumo.
MÉTODOS
Este estudo transversal foi realizado no município de Uberlândia, estado de Minas Gerais, região sudeste do Brasil, distante 546 km da capital do estado, Belo Horizonte. A população estimada desse município no ano de 2010 era de 604.013 habitantes, de acordo com o censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano de 2009 havia, nas escolas públicas, 52.303 estudantes matriculados nos períodos escolares elegíveis para este estudo.
Foram avaliados estudantes na faixa etária de 13 a 17 anos, matriculados em escolas públicas da zona urbana ou rural, no período de novembro de 2009 a agosto de 2010. Alunos nessa faixa etária habitualmente estão matriculados nos três últimos dos nove anos do ensino fundamental (EF) e nos três anos do ensino médio (EM). Entre as 27 escolas da área urbana que oferecem o EF e/ou EM, 10 (37%) foram escolhidas por sorteio, sendo cinco escolas localizadas na área central e cinco localizadas nas áreas periféricas da cidade. Em cada uma dessas escolas foi sorteada uma classe (do 7º ao 9º ano do EF e do 1º ao 3º ano do EM). Prevendo que haveria perda, pois era necessária a concordância do aluno em participar, além da autorização de seus responsáveis, em cada classe foram convidados 25 alunos, através de sorteio utilizando a lista de matrícula, totalizando 750 alunos de escolas centrais e 750 alunos de escolas periféricas. Entre as 13 escolas localizadas na zona rural, três (23,1%) foram escolhidas por sorteio. Devido ao menor número de alunos matriculados nessas escolas, todos aqueles com idade entre 13 e 17 anos foram convidados a participar deste estudo, totalizando 150 estudantes.
Inicialmente, foram explicados aos estudantes os objetivos desta pesquisa e os métodos que seriam utilizados. Todos que cumpriram as exigências em relação aos aspectos éticos foram incluídos neste estudo. O primeiro questionário aplicado foi desenvolvido pelos autores deste estudo, por não haver questionário validado no Brasil com questões que possibilitassem atingir os objetivos desta pesquisa. É um questionário estruturado, autoaplicável e composto por 37 itens para coleta de dados pessoais, sociodemográficos e familiares (documento complementar). As leis brasileiras proíbem o consumo e a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos de idade e, por isso, foi avaliado como os alunos conseguem as bebidas alcoólicas para o seu próprio uso.
O questionário Alcohol Use Disorders Identificacion Test (AUDIT), também autoaplicável, foi utilizado para avaliar o consumo alcoólico nos últimos 12 meses. O AUDIT foi desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde, possui 10 questões e classifica o indivíduo quanto ao seu consumo alcoólico, isto é, consumo de baixo risco ou abstinência (0 - 7 pontos), consumo de risco (8 - 15 pontos), consumo nocivo (16 - 19 pontos) ou provável dependência (≥ 20 pontos)1818. Babor TF, Higgins-Biddle JC, Saunders JB, Monteiro MG. AUDIT: The Alcohol Use Disorders Identification Test: guidelines for use in primary health care. 2 ed. Geneva: Publication WHO/MSD/MSB; 2001.. Esse questionário foi validado para a população brasileira1919. Lima CT, Freire ACC, Silva APB, Teixeira RM, Farrell M, Prince M. Concurrent and construct validity of the AUDIT in an urban Brazilian sample. Alcohol Alcohol 2005; 40(6): 584-9. e apresenta boa sensibilidade (0,76) e especificidade (0,79) na identificação do consumo de risco (escore ≥ 8) entre adolescentes2020. Cook RL, Chung T, Kelly TM, Clark DB. Alcohol screening in young persons attending a sexually transmitted disease clinic. Comparison of AUDIT, CRAFFT, and CAGE instruments. J Gen Intern Med 2005; 20(1): 1-6..
Os questionários foram aplicados somente por um dos autores (TGR), os alunos tiveram privacidade para o preenchimento e para isso gastaram em média 20 minutos. A amostra mínima calculada para este estudo foi de 382 estudantes, estimando-se uma prevalência de uso de álcool na vida em 50%, erro de 5% e intervalo de confiança de 95% (IC95%). Os resultados foram analisados no programa SPSS versão 17.0 (IBM Inc., Chicago, IL, USA, 2008) e no programa BioStat 5.0(r) (Brasil). Os odds ratio brutos (ORb) com seus respectivos IC95% foram calculados diretamente das frequências observadas para identificar a associação entre as variáveis dependentes (uso de álcool na vida e consumo de risco) e independentes. Considerou-se como "uso de álcool na vida" a ingestão, em pelo menos uma ocasião, de uma dose de bebida alcoólica (12 g de álcool) que corresponde a 150 mL de vinho, 350 mL de cerveja ou 35 mL de destilados.
As variáveis independentes foram: região escolar (urbana/rural); faixa etária (13 - 15/16 - 17 anos); sexo; estrutura familiar (nuclear/outros); renda familiar (≤ 3/> 3 salários mínimos - SM); escolaridade dos pais (≤ EF/≥ EM); consumo de álcool (sim/não) ou de outras drogas (sim/não) pelos pais; permissão dos pais para o consumo alcoólico (permite ou indiferente/não permite); trabalho (sim/não); idade do primeiro consumo alcoólico (≤ 12/≥ 13 anos), quem ofereceu a bebida (pai ou mãe/amigo/irmão ou outro parente/outros) e local (própria casa/festa/casa de parentes/outros); ambiente familiar (tranquilo/conflituoso); religião (pratica/não pratica); se já teve relação sexual (sim/não); propagandas de bebidas alcoólicas (atrativas/não atrativas) e vontade de beber após assisti-las (sim/não). Para os cálculos de OR ajustados (ORa) foi utilizado o teste de regressão logística múltipla, considerando-se as variáveis que na análise bruta tiveram valores de p < 0,20; as variáveis que não foram contempladas por esse critério estatístico também não foram consideradas como sendo confundidoras. Para esses cálculos foram considerados somente os questionários que tinham respostas para todas as variáveis envolvidas. Valores de p ≤ 0,05 foram considerados significantes.
De cada estudante obteve-se a autorização de seus responsáveis através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), além da assinatura do próprio aluno no Termo de Esclarecimento, para a sua participação. O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Uberlândia. Houve aprovação das diretorias das escolas selecionadas para a realização desta pesquisa. Não existem conflitos de interesse dos autores em relação a este estudo.
RESULTADOS
Entre os 1.650 alunos convidados, participaram 638 (38,7%), sendo 231 (36,2%) da região central, 326 (51,1%) da região periférica e 81 (12,7%) da zona rural. Não houve diferenças significantes em relação às variáveis estudadas entre alunos de escolas periféricas e centrais (dados não mostrados) e por isso formaram o grupo urbano [n = 557; 306/555 (55,1%) meninas; dois alunos não informaram o sexo]; suas características sociodemográficas estão descritas na Tabela 1. Entre todos os alunos convidados, 1012 (61,3%) não participaram e os motivos foram não ter trazido o TCLE assinado pelos pais, falta às aulas no dia da aplicação dos questionários, e um dos alunos teve sua participação negada pela mãe.
Entre todos, verificou-se que 516 (80,9%) estudantes já consumiram álcool. Dos 513 alunos que relataram a idade da primeira experimentação, 269 (52,4%) disseram que foi entre 10 e 13 anos, 204 (39,8%) entre 14 e 17 anos e 40 (7,8%) antes dos 10 anos de idade. Dos 508 alunos que relataram o local do primeiro consumo, 251 (49,4%) disseram que foi em festas, 99 (19,5%) em casa de parentes, 79 (15,6%) na própria casa e 79 (15,6%) relataram diversos outros locais. Entre os 504 estudantes que relataram quem ofereceu a bebida, para 236 (46,8%) foram os amigos, para 162 (32,1%) foram irmãos/parentes, para 47 (9,3%) o pai ou mãe e 59 (11,7%) citaram várias outras fontes.
Entre os alunos que já consumiram bebidas alcoólicas, 252 (48,8%) acreditam que o álcool pode causar dependência, 232 (45%) que pode gerar violência e 201 (39%) que pode piorar os problemas, no entanto, 131 (25,4%) estudantes acham que não há risco em consumi-lo. Entre 413 alunos que consumiram álcool no último ano, 165 (40%) relataram ter bebido para interagir com amigos, 81 (19,6%) devido à timidez, 70 (17%) devido "aos problemas" e 223 (54%) citaram vários motivos (ansiedade, solidão, tristeza ou por emoção). Suas bebidas preferidas são as destiladas [270 (65,4%)], o vinho [200 (48,4%)] e a cerveja [190 (46%)].
Pela análise bivariada, o uso de álcool na vida associou-se ao sexo (feminino), à faixa etária (16 - 17 anos), ao ambiente familiar (conflituoso), à região escolar (urbana), à escolaridade (≥ EM) e ao consumo alcoólico dos pais (sim). Na análise multivariada, o uso de álcool na vida manteve-se associado ao ambiente familiar conflituoso, morar na zona urbana e, em relação aos pais, à maior escolaridade e ao consumo de álcool (Tabela 2). O uso de álcool na vida não se associou (p = 0,14; ORb = 1,8; IC95% 0,9 - 3,8) ao uso de outras drogas pelos pais [63/72 (87,5%) versus 397/500 (79,4%)].
Pela análise bivariada, observou-se que o uso de risco [115/624 (18,4%) alunos] associou-se à faixa etária (16 - 17 anos), idade do primeiro consumo (≤ 12 anos), à renda familiar (> 3 SM), ao ambiente familiar (conflituoso), à religião (não praticar) e ao consumo alcoólico dos pais (sim). Na análise multivariada, somente a idade do primeiro consumo (≤ 12 anos) manteve associação com o consumo de risco (Tabela 3). Entre os estudantes, 19/504 (3,8%; IC95% 2,2 - 5,2) fazem consumo nocivo ou são prováveis dependentes.
Vida sexual é mais frequente (p = 0,00; ORb = 3,3; IC95% 2,0 - 5,3) entre estudantes que já fizeram uso de álcool na vida [224/509 (44%) versus 23/119 (19,3%)]. Sob o efeito do álcool, 96/219 (43,8%) estudantes tiveram pelo menos uma relação sexual, 33/222 (14,9%) tiveram a primeira relação sexual, 25/94 (26,6%) se arrependeram de tais relações e 22/103 (21,4%) nem sempre utilizaram preservativos.
Já conseguiram comprar bebidas alcoólicas 432/442 (97,7%) estudantes, e 428/441 (97,0%) nunca ou nem sempre foram questionados sobre suas idades pelo vendedor; 115 alunos já solicitaram a um adulto para que lhes comprassem bebidas alcoólicas e para 105/114 (92,1%) os adultos aceitaram comprar.
Em relação ao consumo alcoólico, 290/486 (59,7%) pais e 265/499 (53,1%) mães permitem ou são indiferentes; essa tolerância é mais frequente (p = 0,00; ORb = 1,9; IC95% 1,3 - 2,7) entre pais [232/423 (54,8%) versus 69/177 (39%)] e mais frequente (p < 0,00; ORb = 1,97; IC95% 1,4 - 2,7) entre mães [166/312 (53,2%) versus 110/300 (36,7%)] que bebem. Sentir vontade de beber após assistir a propagandas de bebidas alcoólicas foi mais frequente (p = 0,00; ORb = 3,6; IC95% 1,7 - 7,5) entre os alunos que já fizeram uso do álcool na vida [106/511 (20,7%) versus 8/117 (6,8%)] e mais frequente (p < 0,00; ORb = 3,4; IC95% 2,1 - 5,3) entre os que fazem uso de risco [41/114 (36%) versus 72/506 (14,2%)].
DISCUSSÃO
A frequência de uso de álcool na vida (81%) foi maior do que as verificadas entre adolescentes em estudos multicêntricos realizados no Brasil em 2001 (48,3%)2121. Galduróz JC, Carlini EA. Use of alcohol among the inhabitants of the 107 largest cities in Brazil-2001. Braz J Med Biol Res 2007; 40(3): 367-75. e em 2005 (54,3%; 60,8% na região sudeste)1313. Carlini EA, Galduróz JC, Noto AR, Carlini CM, Oliveira LG, Nappo SA, et al. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo: Páginas & Letras; 2007., maior do que as verificadas em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 2009 (74%)1616. Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, et al. Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(Suppl 1): 136-46. e menor do que as descritas entre estudantes de escolas privadas em São Paulo no ano de 2008 (88%)2222. Locatelli D, Sanchez Z, Opaleye E, Carlini C, Noto A. Socioeconomic influences on alcohol use patterns among private school students in São Paulo. Rev Bras Psiquiatr 2012; 34(2): 193-200.. As diferenças podem se dever a fatores socioculturais e demográficos, mas também a um aumento na frequência de experimentação de bebidas alcoólicas. A frequência de uso de álcool na vida é maior do que as descritas em Portugal (50%77. Fraga S, Sousa S, Ramos E, Dias S, Barros H. Alcohol use among 13-year-old adolescents: associated factors and perceptions. Public Health 2011; 125(7): 448-56. e 65%1414. Barroso T, Mendes A, Barbosa A. Analysis of the alcohol consumption phenomenon among adolescents: study carried out with adolescents in intermediate public education. Rev Lat Am Enfermagem 2009; 17(3): 347-53.) e menor do que na Alemanha (90%)66. Donath C, Grässel E, Baier D, Pfeiffer C, Karagülle D, Bleich S, et al. Alcohol consumption and binge drinking in adolescents: comparison of different migration backgrounds and rural vs. urban residence-a representative study. BMC Public Health 2011; 11: 84..
A precocidade na experimentação verificada neste estudo também foi observada em outros estudos no Brasil55. Vieira PC, Aerts DRGC, Freddo SL, Bittencourt A, Monteiro L. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(11): 2487-98.,2323. Sanchez ZM, Santos MG, Pereira AP, Nappo SA, Carlini EA, Carlini CM, et al. Childhood alcohol use may predict adolescent binge drinking: a multivariate analysis among adolescents in Brazil. J Pediatr 2013; 163(2): 363-8., em Portugal77. Fraga S, Sousa S, Ramos E, Dias S, Barros H. Alcohol use among 13-year-old adolescents: associated factors and perceptions. Public Health 2011; 125(7): 448-56. e na Alemanha1010. Stolle M, Sack PM, Thomasius R. Binge drinking in childhood and adolescence: epidemiology, consequences, and interventions. Dtsch Arztebl Int 2009; 106(19): 323-8.. O uso precoce do álcool pode aumentar as chances de seu uso problemático ainda na adolescência2323. Sanchez ZM, Santos MG, Pereira AP, Nappo SA, Carlini EA, Carlini CM, et al. Childhood alcohol use may predict adolescent binge drinking: a multivariate analysis among adolescents in Brazil. J Pediatr 2013; 163(2): 363-8., e no presente estudo observou-se que os adolescentes que já fazem consumo de risco mais frequentemente tiveram a primeira experimentação antes dos 12 anos de idade.
As altas frequências de uso de álcool na vida e de consumo de risco foram semelhantes entre meninos e meninas. O organismo feminino é mais susceptível aos efeitos nocivos do álcool2424. Masters SB. Os álcoois. In: Katzung BG. Farmacologia básica e clínica. 8 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p. 334-40., seu consumo pode levar ao descuido com a anticoncepção e o seu uso pode ocorrer durante a gravidez. Em outros estudos foi verificada maior frequência de experimentação entre as meninas77. Fraga S, Sousa S, Ramos E, Dias S, Barros H. Alcohol use among 13-year-old adolescents: associated factors and perceptions. Public Health 2011; 125(7): 448-56.,1616. Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, et al. Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(Suppl 1): 136-46., mas episódios de embriaguez1616. Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, et al. Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(Suppl 1): 136-46., uso de risco2525. Campos JADB, Almeida JC, Garcia PPNS, Faria JB. Consumo de álcool entre estudantes do ensino médio do município de Passos - MG. Ciênc Saúde Colet 2011; 16(12): 4745-54. e consumo regular77. Fraga S, Sousa S, Ramos E, Dias S, Barros H. Alcohol use among 13-year-old adolescents: associated factors and perceptions. Public Health 2011; 125(7): 448-56. de bebidas foram mais frequentes entre meninos.
O primeiro consumo alcoólico ocorreu mais frequentemente em festas, as bebidas foram oferecidas por amigos e utilizadas para a interação entre eles. Conviver com amigos que consomem bebidas alcoólicas é um fator que predispõe ao seu uso55. Vieira PC, Aerts DRGC, Freddo SL, Bittencourt A, Monteiro L. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(11): 2487-98.,77. Fraga S, Sousa S, Ramos E, Dias S, Barros H. Alcohol use among 13-year-old adolescents: associated factors and perceptions. Public Health 2011; 125(7): 448-56.,2626. Ferreira MM, Torgal MC. Tobacco and alcohol consumption among adolescents. Rev Lat Am Enfermagem 2010; 18(2): 255-61.,2727. Stickley A, Koyanagi A, Koposov R, McKee M, Roberts B, Murphy A, et al. Binge drinking among adolescents in Russia: prevalence, risk and protective factors. Addict Behav 2013; 38(4): 1988-95., e as bebidas são frequentemente usadas para facilitar a socialização1717. Silva SED, Padilha MI. Atitudes e comportamentos de adolescentes em relação à ingestão de bebidas alcoólicas. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(5): 1063-9.. Muitos estudantes acreditam que não há riscos nesse consumo, o que também foi observado em 13,3% dos jovens consumidores de álcool na cidade de Porto, Portugal2626. Ferreira MM, Torgal MC. Tobacco and alcohol consumption among adolescents. Rev Lat Am Enfermagem 2010; 18(2): 255-61.. Isso mostra a necessidade de programas de informações para adolescentes, pois o conhecimento sobre os efeitos deletérios do álcool para a saúde é um fator de prevenção contra a embriaguês1414. Barroso T, Mendes A, Barbosa A. Analysis of the alcohol consumption phenomenon among adolescents: study carried out with adolescents in intermediate public education. Rev Lat Am Enfermagem 2009; 17(3): 347-53..
As bebidas preferidas foram as destiladas, o que pode se dever ao menor preço e à maior concentração de álcool, o que leva o adolescente a sentir os seus efeitos mais rápida e intensamente, com maiores riscos de intoxicação. Os sabores de frutas acrescentados a esse tipo de bebida também podem contribuir para que os destilados sejam as bebidas de escolha entre os adolescentes, particularmente entre as meninas.
Após análise ajustada, a renda ou estrutura familiar e o trabalho não se associaram com os padrões avaliados de consumo alcoólico. Esses resultados diferem daqueles de outros estudos, nos quais adolescentes de menor renda2828. Pinsky I, Sanches M, Zaleski M, Laranjeira R, Caetano R. Patterns of alcohol use among Brazilian adolescents. Rev Bras Psiquiatr 2010; 32(3): 242-9., que trabalham1515. Galduróz JCF, Sanchez ZM, Opaleye ES, Noto AR, Fonseca AM, Gomes PLS, et al. Fatores associados ao uso pesado de álcool entre estudantes das capitais brasileiras. Rev Saúde Pública 2010; 44(2): 267-73.,2525. Campos JADB, Almeida JC, Garcia PPNS, Faria JB. Consumo de álcool entre estudantes do ensino médio do município de Passos - MG. Ciênc Saúde Colet 2011; 16(12): 4745-54.,2828. Pinsky I, Sanches M, Zaleski M, Laranjeira R, Caetano R. Patterns of alcohol use among Brazilian adolescents. Rev Bras Psiquiatr 2010; 32(3): 242-9. e filhos de pais separados1515. Galduróz JCF, Sanchez ZM, Opaleye ES, Noto AR, Fonseca AM, Gomes PLS, et al. Fatores associados ao uso pesado de álcool entre estudantes das capitais brasileiras. Rev Saúde Pública 2010; 44(2): 267-73. tinham maiores chances de fazer uso ou abuso do álcool. Entre estudantes de escolas privadas de São Paulo, foram verificadas maiores taxas de uso de álcool entre aqueles de classes sociais mais elevadas2222. Locatelli D, Sanchez Z, Opaleye E, Carlini C, Noto A. Socioeconomic influences on alcohol use patterns among private school students in São Paulo. Rev Bras Psiquiatr 2012; 34(2): 193-200..
O uso de álcool na vida, mas não o consumo de risco, associou-se ao ambiente familiar conflituoso. É possível que em decorrência do sofrimento psicológico os adolescentes utilizem bebidas alcoólicas como fuga para os problemas1717. Silva SED, Padilha MI. Atitudes e comportamentos de adolescentes em relação à ingestão de bebidas alcoólicas. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(5): 1063-9.. Em outros estudos foi verificado que um ambiente familiar desfavorável é um fator de risco para o uso pesado de álcool99. Silveira CM, Silveira CC, Silva JG, Silveira LM, Andrade AG, Andrade LHSG. Epidemiologia do beber pesado e beber pesado episódico no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Rev Psiquiatr Clín 2008; 35(Suppl 1): 31-8.,1010. Stolle M, Sack PM, Thomasius R. Binge drinking in childhood and adolescence: epidemiology, consequences, and interventions. Dtsch Arztebl Int 2009; 106(19): 323-8.,1515. Galduróz JCF, Sanchez ZM, Opaleye ES, Noto AR, Fonseca AM, Gomes PLS, et al. Fatores associados ao uso pesado de álcool entre estudantes das capitais brasileiras. Rev Saúde Pública 2010; 44(2): 267-73.. Embora já se tenha relatado que a religiosidade ou a espiritualidade possam ser fatores de proteção contra o uso ou abuso do álcool1515. Galduróz JCF, Sanchez ZM, Opaleye ES, Noto AR, Fonseca AM, Gomes PLS, et al. Fatores associados ao uso pesado de álcool entre estudantes das capitais brasileiras. Rev Saúde Pública 2010; 44(2): 267-73.,2828. Pinsky I, Sanches M, Zaleski M, Laranjeira R, Caetano R. Patterns of alcohol use among Brazilian adolescents. Rev Bras Psiquiatr 2010; 32(3): 242-9.,2929. Piko BF, Kovacs E, Kriston P, Fitzpatrick KM. "To believe or not to believe?" Religiosity, spirituality, and alcohol use among Hungarian adolescents. J Stud Alcohol Drugs 2012; 73(4): 666-74., no presente estudo essa associação não foi evidente.
Adolescentes da zona urbana mais frequentemente fazem uso de álcool na vida, mas a frequência de consumo de risco é semelhante à daqueles da zona rural. Em um estudo nacional foi observado que as frequências de abuso ou dependência do álcool eram semelhantes entre adolescentes da área urbana ou não urbana, mas episódio de embriaguez foi mais frequente entre aqueles da área urbana3030. Madruga CS, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Zaleski M, Ferri CP. Use of licit and illicit substances among adolescents in Brazil - a national survey. Addict Behav 2012; 37(10): 1171-5.. Na zona rural, a menor disponibilidade de atividades sociais e de acesso à bebidas alcoólicas pode dificultar a experimentação dessas bebidas, porém, uma vez iniciado esse consumo, ele tende a ter um padrão similar à da zona urbana. Na Alemanha66. Donath C, Grässel E, Baier D, Pfeiffer C, Karagülle D, Bleich S, et al. Alcohol consumption and binge drinking in adolescents: comparison of different migration backgrounds and rural vs. urban residence-a representative study. BMC Public Health 2011; 11: 84. e na França3131. Legleye S, Janssen E, Spilka S, Le Nézet O, Chau N, Beck F. Opposite social gradient for alcohol use and misuse among French adolescents. Int J Drug Policy 2013; 24(4): 359-66., consumo de risco e episódios de embriaguez são mais frequentes entre jovens de localidades consideradas rurais, o que pode refletir um padrão cultural rural ou um modo de socialização.
Uso de álcool na vida é mais frequente entre estudantes cujos pais têm maior grau de escolaridade, o que também foi observado em Portugal77. Fraga S, Sousa S, Ramos E, Dias S, Barros H. Alcohol use among 13-year-old adolescents: associated factors and perceptions. Public Health 2011; 125(7): 448-56.. Poder-se-ia supor que a maior escolaridade, e consequentemente o maior nível socioeconômico, facilitaria a aquisição de bebidas pelos adolescentes, no entanto, no presente estudo não se encontrou relação do consumo alcoólico do adolescente com a renda familiar.
A experimentação é mais frequente entre adolescentes cujos pais bebem, o que também foi observado em um município no sul do Brasil55. Vieira PC, Aerts DRGC, Freddo SL, Bittencourt A, Monteiro L. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(11): 2487-98.. Nessa situação, o adolescente pode considerar natural o consumo de bebidas alcoólicas. Além disso, foi observado que pais e mães que consomem bebidas alcoólicas são mais permissivos ao consumo alcoólico pelos filhos. Por outro lado, em outros estudos foi observado que normas e monitoramento parentais são fatores de proteção contra o início do uso do álcool2727. Stickley A, Koyanagi A, Koposov R, McKee M, Roberts B, Murphy A, et al. Binge drinking among adolescents in Russia: prevalence, risk and protective factors. Addict Behav 2013; 38(4): 1988-95.,3232. Stoolmiller M, Wills TA, McClure AC, Tanski SE, Worth KA, Gerrard M, et al. Comparing media and family predictors of alcohol use: a cohort study of US adolescents. BMJ Open 2012; 2: e000543..
Adolescentes sexualmente ativos são mais frequentes entre aqueles que já fizeram uso de álcool na vida, o que também foi observado em Portugal2626. Ferreira MM, Torgal MC. Tobacco and alcohol consumption among adolescents. Rev Lat Am Enfermagem 2010; 18(2): 255-61.. Isso pode ser decorrente dos efeitos de desinibição provocados pelo álcool. Vários adolescentes se arrependeram das relações sexuais que tiveram sob o efeito do álcool, o que também foi observado entre meninas na Alemanha1010. Stolle M, Sack PM, Thomasius R. Binge drinking in childhood and adolescence: epidemiology, consequences, and interventions. Dtsch Arztebl Int 2009; 106(19): 323-8.. O álcool diminui a capacidade crítica e as pessoas podem ter comportamentos que não teriam se estivessem sóbrias. Vários alunos sob o efeito do álcool nem sempre utilizam preservativo, e já foi verificado que jovens alcoolizados são os que mais praticam sexo sem proteção1212. Sanchez ZM, Nappo SA, Cruz JI, Carlini EA, Carlini CM, Martins SS. Sexual behavior among high school students in Brazil: alcohol consumption and legal and ilegal drug use associated with unprotected sex. Clinics (São Paulo) 2013; 68(4): 489-94..
Praticamente todos os adolescentes que tentaram comprar bebidas alcoólicas tiveram êxito, e mais de 90% daqueles que solicitaram a um adulto para que lhes comprassem foram atendidos. Isso mostra a necessidade de conscientização da população sobre os riscos que envolvem o início precoce do consumo alcoólico e de se cumprir as leis que proíbem a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos.
Sentir vontade de consumir bebidas alcoólicas após assistir suas propagandas é mais frequente entre adolescentes que já as experimentaram. O desenho transversal deste estudo não permite concluir se essas propagandas estimulam a vontade de beber ou se aqueles que já beberam dão maior atenção a elas. É descrito que as propagandas de bebidas alcoólicas são grandes influenciadoras dos hábitos do seu uso e que a redução desse tipo de publicidade teria impacto na diminuição do consumo22. Faria R, Vendrame A, Silva R, Pinsky I. Propaganda de álcool e associação ao consumo de cerveja por adolescentes. Rev Saúde Pública 2011; 45(3): 441-7.,3333. Pinsky I, El Jundi SARJ. O impacto da publicidade de bebidas alcoólicas sobre o consumo entre jovens: revisão da literatura internacional. Rev Bras Psiquiatr 2008; 30(4): 362-74..
Entre as limitações deste estudo incluem-se seu delineamento transversal, que nem sempre permite estabelecer a direção causa-efeito, mas possibilita concluir a existência ou não de uma relação entre as variáveis analisadas. O uso de questionários facilita a omissão de informações, porém, por serem anônimos, deixam o participante com mais liberdade para responder questões pessoais. As escolas urbanas incluídas neste estudo foram escolhidas por sorteio simples e não por conglomerado, no entanto, acredita-se que isso não prejudique os resultados por não terem sido observadas diferenças entre os alunos dessas escolas para qualquer variável estudada. Não se avaliou a frequência do uso de preservativo entre os estudantes abstêmios, o que não permite verificar a influência do álcool na sua não utilização. Houve importante perda devido à recusa na participação, no entanto, a amostra final foi maior do que a amostra mínima calculada para este estudo, com participações semelhantes de meninos e meninas. Foram avaliados estudantes da rede pública que estavam presentes na sala de aula e que concordaram em participar, assim, os resultados obtidos podem não refletir o que ocorre com estudantes de escolas particulares, com os que habitualmente faltam às aulas, que não estão matriculados ou evadiram das escolas. Esses resultados também devem mais representar o que ocorre em outras cidades do interior do Brasil do que serem atípicos, o que precisa ser confirmado com estudos em outras regiões do país.
CONCLUSÃO
Observou-se, entre os adolescentes avaliados, frequente e precoce consumo de bebidas alcoólicas. Após ajuste das variáveis estudadas, somente o consumo alcoólico mais precoce associou-se significantemente com o consumo de risco. Também podem contribuir para esse consumo a permissividade dos pais e a facilidade em se conseguir as bebidas alcoólicas. Esses resultados mostram a necessidade da implementação de programas de conscientização de toda a população, particularmente os jovens e seus responsáveis, sobre os riscos envolvidos no consumo de bebidas alcoólicas durante a adolescência. Programas de prevenção deveriam existir em todas as escolas. Também é necessário maior rigor no cumprimento das leis que proíbem a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos.
AGRADECIMENTOS
Aos alunos que participaram deste estudo e aos seus pais. Aos funcionários das escolas, que gentilmente colaboraram na realização deste estudo. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pela bolsa de mestrado. Ao Prof. Dr. Morun Bernardino Neto pelas orientações sobre as análises estatísticas.
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- Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2015
Histórico
- Recebido
19 Mar 2013 - Revisado
23 Nov 2013 - Aceito
18 Jan 2013