Caracterização das internações hospitalares por causas externas no sistema público de saúde, Brasil, 2011

Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas Marilisa Berti de Azevedo Barros Sobre os autores

RESUMO:

Com o objetivo de descrever as características das internações hospitalares por causas externas no sistema público de saúde do Brasil em 2011, analisaram-se dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) para obter frequência, coeficiente de internação e indicadores de morbidade hospitalar. Das 973.015 internações, predominaram internações por quedas (38,4%) e acidentes de transporte terrestre (15,8%). A estimativa do coeficiente de internação hospitalar por causas externas revelou-se crescente com a idade, mais elevada no sexo masculino e na Região Centro-Oeste do país. A permanência média foi maior nas internações por acidentes de transporte terrestre (6,1 dias) e agressões (6,0 dias), enquanto a letalidade hospitalar atingiu maiores valores nas internações por agressões (4,7%) e lesões autoprovocadas (4,0%). Evidencia-se, a partir do conhecimento das características descritas, a utilidade dos dados de morbidade hospitalar para o planejamento de ações assistenciais e de prevenção das causas externas.

Palavras-chave:
Causas externas; Acidentes; Violência; Morbidade; Hospitalização; Epidemiologia descritiva.

INTRODUÇÃO

As causas externas de morbidade e mortalidade abrangem os acidentes e as violências que provocam algum tipo de lesão, seja física ou psíquica, e que podem ou não ter o óbito como desfecho11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria n. 737, de 16 de maio de 2001. Aprova a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Diário Oficial da União, Brasília, p. 3, 18 maio 2001. Seção 1.. Os acidentes (colisões no trânsito, afogamentos, intoxicações, quedas e queimaduras) são eventos não intencionais e evitáveis, causadores de lesões físicas e emocionais, ocorridos no âmbito doméstico ou social, como trabalho, escola, esporte e lazer11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria n. 737, de 16 de maio de 2001. Aprova a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Diário Oficial da União, Brasília, p. 3, 18 maio 2001. Seção 1.. A violência, manifestada sobretudo por agressões, homicídios, suicídios, consiste no uso da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação22. World Health Organization. World report on violence and health. Geneva: World Health Organization; 2002..

Esses eventos são responsáveis pela morte de cinco milhões de pessoas no mundo a cada ano (~9% da mortalidade mundial), configurando-se em um grande desafio para o setor saúde, principalmente nos países em desenvolvimento33. World Health Organization. Injuries. Disponível em: http://www.who.int/topics/injuries/about/en/index.html (Acessado em 25 de julho de 2012).
http://www.who.int/topics/injuries/about...
. Apesar de serem uma das principais causas de mortalidade, as causas externas também são responsáveis pela hospitalização de dezenas de milhões de pessoas. Dependendo da gravidade das lesões, muitos daqueles que sobrevivem a acidentes e atos de violência continuam sofrendo com sequelas temporárias ou permanentes44. World Health Organization. Injuries and violence: the facts.; Geneva: World Health Organization 2010..

A despeito das evidências de declínio para algumas causas específicas, homicídios e lesões relacionadas ao trânsito representam quase dois terços dos óbitos devidos a causas externas no Brasil55. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello Jorge MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. The Lancet 2011; 377(9781): 1962-75.. Em 2010, morreram 143.256 brasileiros em decorrência de acidentes e violências (12,5% do total de mortes no país), dos quais 36,5% eram vítimas de homicídios, e 29,9%, de acidentes de transporte terrestre66. Brasil; Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2011: uma análise da situação de saúde e a vigilância da saúde da mulher. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. No mesmo ano, foram autorizadas 929.893 internações hospitalares por lesões decorrentes de causas externas, representando 8,2% das internações financiadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a um custo de 940,5 milhões de reais (8,7% do valor total das internações pagas pelo SUS)77. Mascarenhas MDM, Monteiro RA, Sá NNB, Gonzaga LAA, Neves ACM, Silva MMA, et al. Epidemiologia das causas externas no Brasil: morbidade por acidentes e violências. In: Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2010: Uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: Ministério da Saúde 2011. p. 203-24..

O perfil da mortalidade por causas externas da população brasileira tem sido bastante estudado por pesquisas que abordam as características epidemiológicas das vítimas, a magnitude e a tendência desses agravos, bem como a qualidade dos dados. Tais análises utilizam os dados disponibilizados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que fornece, a partir da declaração de óbito (DO), informações que são sistematicamente analisadas e amplamente divulgadas para o planejamento de intervenção88. Mello-Jorge MHP, Laurenti R, Gotlieb SLD. Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do SINASC. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12(3): 643-54..

No entanto, ainda há escassez de estudos referentes ao padrão epidemiológico das hospitalizações decorrentes das causas externas no Brasil. A análise epidemiológica das hospitalizações impõe-se como um grande desafio à saúde pública99. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Grupo Técnico de Prevenção de Acidentes e Violências. Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof. Alexandre Vranjac". Coordenadoria de Controle de Doenças. Internações hospitalares por causas externas no Estado de São Paulo em 2005. Rev Saúde Pública 2007; 41(1): 163-6. . Mesmo ainda subutilizados em análises epidemiológicas e restritos aos serviços financiados pelo SUS, os dados provenientes do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) vêm sendo gradativamente empregados em análises que extrapolam o âmbito financeiro, e que permitem analisar o comportamento epidemiológico da morbidade hospitalar, inclusive das causas externas1010. Bittencourt AS, Camacho LAB, Leal MC. O Sistema de Informação Hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cad Saúde Pública 2006; 22(1): 19-30. 1111. Tomimatsu MFAI, Andrade SM, Soares DA, Mathias TAF, Sapata MPM, Soares DFPP, et al. Qualidade da informação sobre causas externas no Sistema de Informações Hospitalares. Rev Saúde Pública 2009; 43(3): 413-20..

O SIH/SUS fornece, a partir da autorização de internação hospitalar (AIH), dados demográficos e clínicos, permitindo descrever a morbidade e a mortalidade hospitalar no âmbito dos serviços próprios e conveniados ao SUS. Estima-se que a cobertura desse sistema atinja cerca de 70% das internações hospitalares do país, com variações entre as Regiões e os Estados brasileiros, em função do percentual da população usuária de planos de saúde privados1212. Pepe VE. Sistema de informações hospitalares do sistema único de saúde (SIH-SUS). In: Brasil. Ministério da Saúde. A experiência brasileira em sistemas de informação em saúde. Brasília: Ministério da Saúde 2009. p. 65-86..

Considerando que os eventos não fatais são mais comuns do que os desfechos captados pelos registros de mortalidade, torna-se fundamental conhecer os aspectos epidemiológicos das hospitalizações por causas externas, a fim de subsidiar o planejamento de ações para a prevenção desses agravos. Face ao exposto, o objetivo deste artigo foi caracterizar as internações hospitalares por causas externas no sistema público de saúde do Brasil no ano 2011.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo cuja população compreendeu todas as hospitalizações por causas externas realizadas nos serviços próprios e conveniados ao SUS em 2011. Os dados foram obtidos do SIH/SUS, disponibilizados pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde por meio do portal eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).

Foram selecionados os registros cujo diagnóstico secundário correspondia a um dos códigos do capítulo XX da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão (CID-10)1313. Organização Mundial da Saúde. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Revisão. São Paulo: Edusp; 1995., de acordo com os seguintes agrupamentos:

  • Acidentes de transporte terrestre - ATT (V01-V89): pedestres (V01-V09), ciclistas (V10-V19), motociclistas (V20-V39), ocupantes de veículos (V40-V79), outros ATT (V80-V89);

  • Quedas (W00-W19): no mesmo nível (W00-W03, W18), de um nível a outro (W04-W17), não especificadas (W19);

  • Demais acidentes (V90-V99, W20-X59);

  • Agressões e intervenções legais - homicídios (X85-Y09, Y35-Y36): agressões por arma de fogo (X93-X95), agressões por instrumento perfurocortante (X99), outros meios (X85-X92, X96-X98, Y00-Y09, Y35-Y36);

  • Lesões autoprovocadas intencionalmente - suicídios (X60-X84);

  • Eventos de intenção indeterminada (Y10-Y34);

  • Demais causas externas (Y40-Y98).

As internações codificadas apenas com a natureza da lesão (S00-S99; T00-T98 do capítulo XIX) foram incluídas no agrupamento das "demais causas externas", para evitar a subestimação no total de internações por causas externas.

Os dados populacionais foram baseados nos Censos de 2000 e 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponibilizados no sítio do DATASUS, utilizando-se o método de cálculo de interpolação aritmética para estimar a população residente no ano 2011. As variáveis descritoras foram: sexo (masculino, feminino); faixa etária (≤ 9, 10 - 19, 20 - 39, 40 - 59, ≥ 60 anos); raça/cor da pele (branca, negra - preta e parda -, amarela, indígena); região geográfica de residência (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste).

Calculou-se o estimador do coeficiente de internação hospitalar por 100 mil habitantes, a partir da razão entre o número de internações por causas externas pagas pelo SUS segundo local de residência (numerador) e a população residente (denominador). Dessa forma, como a AIH utiliza o evento (hospitalização) como unidade de registro e notificação, o indicador construído foi uma razão de número de eventos (hospitalizações por causas externas) dividido pela população residente. Logo, esse indicador não expressa risco, mas permite conhecer a magnitude do objeto de estudo, aqui restrito às internações que foram pagas pelo SUS. Também foram calculados os indicadores de permanência média (total de dias de internação/total de internações no período) e de letalidade hospitalar (quantidade de internações que tiveram saída por óbito x 100/total de internações no período).

Utilizou-se o programa TabWin 3.5 para importar as tabulações realizadas no sítio do DATASUS. A seguir, utilizou-se o programa Microsoft Excel 2010 para o cálculo dos coeficientes de internação hospitalar, permanência média, letalidade hospitalar e razão de coeficientes.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí (NOVAFAPI), sob o parecer nº 137.435, de 01 de novembro de 2012.

RESULTADOS

Foram registradas 973.015 internações por causas externas nos serviços hospitalares vinculados ao SUS do Brasil em 2011. Quanto às características sociodemográficas, a maioria dos pacientes era do sexo masculino (70,4%), tinha idade de 20 a 39 anos (36,9%), cor branca (33,5%), com grande participação dos residentes na Região Sudeste (41,9%), que detinha 42,1% da população brasileira em 2011. Predominaram as internações por causas acidentais, representadas pelas quedas (38,4%) e pelos acidentes de transporte terrestre (15,8%), enquanto as internações por violência apresentaram as menores frequências: agressões (5,1%) e lesões autoprovocadas (0,9%). As demais causas externas, dentre elas os demais acidentes e os eventos de intenção indeterminada, representaram 39,9% das internações. A distribuição das diferentes causas de internação segundo sexo, faixa etária, raça/cor da pele e região geográfica de residência é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1:
Número e proporção de internações hospitalares por causas externas segundo causas específicas, sexo, faixa etária, raça/cor da pele e região geográfica de residência. Brasil, 2011.

Em relação à distribuição das internações por causas externas segundo causas específicas e sexo dos pacientes, os acidentes de transporte terrestre (17,6%) e as agressões (5,9%) apresentaram maior proporção entre as internações de homens, quando comparados às mulheres (11,5 e 3,2%, respectivamente). Para as mulheres, a proporção de internações por quedas (44,1%) e lesões autoprovocadas (1,2%) ultrapassou o valor observado entre os homens. Em valores absolutos, o número de internações foi maior no sexo masculino para todas as causas, chegando a ser de 3,6 a 4,5 vezes o número de internações no sexo feminino por acidentes de transporte terrestre e agressões, respectivamente. As internações por acidentes envolvendo ciclistas e motociclistas do sexo masculino foram 4,4 e 5,3 vezes, respectivamente, o observado no sexo feminino. Dentre as internações por agressões, a frequência de eventos envolvendo arma de fogo entre vítimas do sexo masculino foi 10,6 vezes a observada entre pacientes do sexo feminino (Tabela 2).

Tabela 2:
Número e proporção de internações hospitalares por causas externas segundo sexo e causas específicas. Brasil, 2011.

A estimativa do coeficiente de internação hospitalar por causas externas no Brasil, em 2011, foi de 504,3 internações por 100 mil habitantes, evidenciando grande variação segundo sexo, faixa etária e tipo de causa. Os coeficientes mais elevados foram observados para internações devidas a lesões por quedas (193,5/100 mil hab.) e acidentes de transporte terrestre (79,6/100 mil hab.), seguidas das internações por agressões (25,5/100 mil hab.) e lesões autoprovocadas (4,5/100 mil hab.). Em todas as causas e em todos os estratos etários os coeficientes foram mais elevados no sexo masculino, exceto nas hospitalizações por quedas no grupo com idade a partir 60 anos. O coeficiente de internação por quedas revelou-se crescente com a idade, atingindo valor de 433,8 internações por 100 mil mulheres com 60 anos ou mais. O mais elevado coeficiente de internação por acidentes de transporte terrestre foi observado entre os homens de 20 a 39 anos (198,6/100 mil hab.) e as mulheres de 20 a 39 (40,1/100 mil hab.) e a partir de 60 anos (41,0/100 mil hab.). O maior coeficiente de internação por agressões foi observado entre os homens de 20 a 39 anos (69,8/100 mil hab.) e as mulheres de 20 a 39 e de 60 anos ou mais. O coeficiente de internação por lesões autoprovocadas atingiu seus valores máximos entre homens de 40 a 59 anos (7,6/100 mil hab.) e mulheres de 20 a 39 anos (4,9/100 mil hab.). O coeficiente de internação por causas externas foi maior na Região Centro-Oeste, exceto para as internações decorrentes de quedas e lesões autoprovocadas, cujo indicador foi maior nas Regiões Sul e Sudeste, respectivamente (Tabela 3).

Tabela 3:
Coeficiente de internação hospitalar* por causas externas segundo causas específicas, sexo, faixa etária e região geográfica de residência. Brasil, 2011.

A permanência média das internações por causas externas foi de 5,2 dias, variando de 4,1 dias para as internações por lesões autoprovocadas a 6,1 dias para internações por acidentes de transporte terrestre. A duração da internação foi maior entre os pacientes do sexo masculino, exceto nas internações por quedas, e apresentou evolução diretamente proporcional ao aumento da idade dos pacientes, variando de 3,4 dias para as crianças de até 9 anos de idade a 6,8 dias para os pacientes com idade a partir de 60 anos. A letalidade hospitalar foi de 2,5% para o total de internações por causas externas, sendo que as internações por agressões (4,7%) e lesões autoprovocadas (4,0%) apresentaram os maiores valores. A letalidade hospitalar foi maior no sexo masculino, com exceção das internações por quedas, e diretamente proporcional ao aumento da idade dos pacientes (Tabela 4).

Tabela 4:
Permanência média e letalidade em internações hospitalares por causas externas segundo causas específicas, sexo e faixa etária. Brasil, 2011.

As quedas de mesmo nível e de um nível a outro resultaram em internações com duração média de 4,7 e 5,4 dias, respectivamente, e letalidade de 2,2%. Dentre as internações por acidentes de transporte terrestre, as vítimas de atropelamento (pedestres) e ocupantes de veículos demandaram maior tempo de hospitalização (permanência média = 6,4 dias), apresentando os maiores coeficientes de letalidade (4,6 e 5,1%, respectivamente). As internações por lesões decorrentes de arma de fogo duraram, em média, 7,3 dias, resultando em letalidade hospitalar de 9,5%, a mais elevada dentre as causas específicas de internação (Tabela 5).

Tabela 5:
Permanência média e letalidade em internações hospitalares por causas externas segundo causas específicas. Brasil, 2011.

DISCUSSÃO

As características das internações hospitalares por causas externas no Brasil, no ano 2011, revelaram a concentração de internações de pacientes do sexo masculino e de adultos jovens. A estimativa do coeficiente de internação hospitalar foi mais elevada no sexo masculino e revelou-se crescente com o aumento da idade das vítimas. A preponderância de pacientes do sexo masculino em praticamente todos os tipos de causas externas de internação chama a atenção para as relações de gênero envolvidas na sociedade em que os pacientes se encontram inseridos, resultando em uma distribuição desigual das internações. Esses aspectos, assim como a influência das diferenças comportamentais e de estilo de vida entre homens e mulheres, são comprovados por estudos que também apontam a predominância de homens e adultos jovens dentre as internações hospitalares decorrentes de causas externas no Brasil66. Brasil; Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2011: uma análise da situação de saúde e a vigilância da saúde da mulher. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 1414. Gawryszewski VP, Rodrigues EMS. The burden of injury in Brazil, 2003. Sao Paulo Med J 2006; 124(4): 208-13. 1515. Lignani LO, Villela LCM. Estudo descritivo sobre a morbidade hospitalar por causas externas em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, Brasil, 2008-2010. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22(2): 225-34. 1616. Souza ER, Lima MLC. Panorama da violência urbana no Brasil e suas capitais. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11(Suppl): 1211-22..

As quedas ocuparam a primeira posição dentre as internações por causas externas, apresentando maior impacto na população idosa, na qual a estimativa do coeficiente de internação entre as mulheres ultrapassou aquela observada entre os homens. Diversos estudos têm apontado a população idosa como a mais vulnerável à ocorrência de quedas1717. Perez M, Lourenço RA. Rede FIBRA-RJ: fragilidade e risco de hospitalização em idosos da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2013; 29(7): 1381-91.. Em Campinas (SP), pesquisa realizada para avaliar o perfil de idosos vítimas de trauma atendidos em serviços de urgência detectou que a maioria dos pacientes era do sexo feminino, com idade de 70 a 74 anos, com maior incidência de quedas da própria altura1818. Lima RS, Campos MLP. Perfil do idoso vítima de trauma atendido em uma Unidade de Urgência e Emergência. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(3): 659-64.. Pesquisa realizada em um bairro de Fortaleza (CE) apontou que a ocorrência de quedas entre idosos esteve relacionada ao ambiente doméstico inadequado, com destaque para as superfícies escorregadias, resultando em fraturas e com necessidade de internação em um terço dos idosos que referiram episódio de queda1919. Cavalcante ALP, Aguiar JB, Gurgel LA. Fatores associados a quedas em idosos residentes em um bairro de Fortaleza, Ceará. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012; 15(1): 137-46..

Os acidentes de transporte terrestre ocuparam a segunda posição como causa mais frequente de internações por causas acidentais externas. O coeficiente de internação por acidentes de transporte terrestre entre os homens foi 3,8 vezes o observado entre as mulheres. Acidentes de transporte constituem problema mundial de saúde pública, especialmente nos países em desenvolvimento. Nas duas últimas décadas, tem sido observado o aumento nas mortes e internações por acidentes de transporte, principalmente quando se trata de acidentes envolvendo motociclistas, visto que tais eventos afetam desproporcionalmente homens jovens. A importância dos motociclistas para o atual padrão de mortalidade e morbidade por acidentes de transporte foi demonstrada quando Marín-León et al.2020. Marín-León L, Belon AP, Barros MBA, Almeida SDM, Restitutti MC. Tendência dos acidentes de trânsito em Campinas, São Paulo, Brasil: importância crescente dos motociclistas. Cad Saúde Pública 2012; 28(1): 39-51. analisaram a tendência de ocorrência de acidentes de trânsito entre 1995 e 2008 na cidade de Campinas (SP). Nesse período, a frota de motocicletas cresceu 241%. As motos foram responsáveis pelos maiores coeficientes de atropelamento (66,7 atropelados/mil acidentes) e de atropelamentos seguidos de morte (4 óbitos/mil acidentes). Os homens mantiveram risco de morrer no trânsito muito superior ao das mulheres. Outra análise, realizada no município de Maringá (PR), estimou o risco médio de internação por acidentes de transporte em 19,4/100 vítimas (673 internações), identificando como categorias de maior risco de internação as vítimas pedestres, ciclistas e motociclistas2121. Soares DFPP, Barros MBA. Fatores associados ao risco de internação por acidentes de trânsito no Município de Maringá-PR. Rev Bras Epidemiol 2006; 9(2): 193-205..

Os resultados obtidos na presente análise são consistentes com a descrição do perfil dos pacientes de acidentes de transporte atendidos em serviços de pronto atendimento de Goiânia (GO), dentre os quais predominaram vítimas do sexo masculino, jovens (idade média de 19,88; desvio padrão de 2,7 anos) e ocupantes de motocicleta (67%)2222. Caixeta CR, Minamisava R, Oliveira LMAC, Brasil VV. Morbidade por acidentes de transporte entre jovens de Goiânia, Goiás. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14(5): 1807-15.. Fatores como as recentes mudanças econômicas dos países da América Latina, o rápido incremento nos coeficientes de motorização, a elevada disponibilidade de motocicletas como meio de transporte, associados à falha nas políticas de transporte público e fiscalização dos condutores, contribuem para o crescente aumento dos acidentes envolvendo motocicletas2323. Rodrigues EMS, Villaveces A, Sanhueza A, Escamilla-Cejudo JA. Trends in fatal motorcycle injuries in the Americas, 1998-2010. Int J Inj Contr Saf Promot 2013; DOI: 10.1080/17457300.2013.792289
https://doi.org/10.1080/17457300.2013.79...
. Diante desse trágico cenário, faz-se necessário implantar medidas efetivas de prevenção desses acidentes e, consequentemente, contribuir para a redução das internações e mortes por eles causadas. São necessárias medidas de educação dirigidas aos grupos mais vulneráveis, incentivo ao uso de equipamentos de segurança e fiscalização que priorizem os períodos de maior ocorrência dos acidentes2222. Caixeta CR, Minamisava R, Oliveira LMAC, Brasil VV. Morbidade por acidentes de transporte entre jovens de Goiânia, Goiás. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14(5): 1807-15. 2424. Soares DFPP, Mathias TAF, Silva DW, Andrade SM. Motociclistas de entrega: algumas características dos acidentes de trânsito na região sul do Brasil. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(3): 435-44..

As agressões são consideradas uma das mais impactantes causas de óbito dentre as causas externas, mas apresentaram reduzida participação no panorama de internações. A baixa frequência de internações por agressões, em relação ao número de óbitos pela mesma causa, seria explicada pela sua alta letalidade no local de ocorrência e pelo sub-registro no hospital, seja por receio do paciente em revelar a agressão, seja por desinteresse/receio dos profissionais de saúde em coletar e registrar tal informação2525. Melione LPR, Mello-Jorge MHP. Gastos do Sistema Único de Saúde com internações por causas externas em São José dos Campos, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(8): 1814-24.. Embora o impacto das agressões seja maior no perfil de mortalidade, as internações por essas causas devem ser analisadas com atenção. As internações por agressões representaram cerca de 5% dos casos hospitalizados por causas externas no Brasil, e apresentaram comportamento semelhante ao verificado na mortalidade por essas causas: predomínio de jovens do sexo masculino1414. Gawryszewski VP, Rodrigues EMS. The burden of injury in Brazil, 2003. Sao Paulo Med J 2006; 124(4): 208-13.. Todavia, as mulheres também aparecem no rol de vítimas de agressões. Em estudo realizado no Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre (RS), o perfil de hospitalização por agressões entre mulheres apontou que a maioria dos casos era de jovens de 18 a 29 anos de idade, predominando as agressões por arma de fogo2626. Ilha MM, Leal SMC, Soares JSF. Mulheres internadas por agressão em um hospital de pronto socorro: (in)visibilidade da violência. Rev Gaúcha Enferm 2010; 31(2): 328-34..

Outro componente importante da morbidade por causas externas refere-se às lesões autoprovocadas, que, embora apresentando as mais baixas frequências, devem ser consideradas diante da persistência desse tipo de ocorrência. Os coeficientes de internação foram mais elevados entre os homens em todas as idades, com destaque para o grupo de 20 a 59 anos. Entre as mulheres, o grupo de 20 a 39 anos foi o que apresentou o maior coeficiente de internação por esse tipo de lesão. Deve-se destacar a diferença do coeficiente de internação por lesões autoprovocadas entre os homens idosos, cujo valor foi 2,4 vezes o observado entre as idosas. Tal resultado pode ser corroborado pelo estudo de Minayo et al.2727. Minayo MCS, Pinto LW, Assis SG, Cavalcante FG, Mangas RMN. Tendência da mortalidade por suicídio na população brasileira e idosa, 1980-2006. Rev Saúde Pública 2012; 46(2): 300-9., no qual se demonstra o crescimento significativo da mortalidade por suicídio no Brasil, principalmente na população masculina a partir dos 60 anos de idade.

Em pesquisa realizada em um hospital de referência para internação de pacientes vítimas de causas externas, na cidade de São José dos Campos (SP), Melione e Mello-Jorge2525. Melione LPR, Mello-Jorge MHP. Gastos do Sistema Único de Saúde com internações por causas externas em São José dos Campos, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(8): 1814-24. encontraram tempo médio de permanência hospitalar semelhante ao encontrado no presente estudo, porém o tempo médio para internações por quedas naquele município foi o dobro do estimado com base nos dados do Brasil, o que pode ser explicado pela qualidade do preenchimento dos registros hospitalares, os quais apresentam grande variação dentre os diversos estabelecimentos que fornecem os dados para o SIH/SUS, ou pelo perfil da clientela hospitalizada naquele município.

Ao descrever a letalidade hospitalar, pode-se identificar, indiretamente, a gravidade das lesões decorrentes de causas externas que demandaram hospitalização. Assim, as lesões mais graves foram decorrentes de agressões, sobretudo aquelas que envolviam arma de fogo, tentativas de suicídio e acidentes de transporte terrestre, principalmente quando a vítima era ocupante de veículo ou pedestre. Isso se deve ao fato de que as tentativas de homicídio e de suicídio envolvem meios mais letais, reduzindo a chance de sobrevida das vítimas2828. Hennington EA, Meneghel SN, Barros FS, Silva LB, Grano MS, Siqueira TP, et al. Mortalidade por homicídios em Município da Região Sul do Brasil, 1996 a 2005. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(3): 431-41. 2929. Vidal CEL, Gontijo ECDM, Lima LA. Tentativas de suicídio: fatores prognósticos e estimativa do excesso de mortalidade. Cad Saúde Pública 2013; 29(1): 175-87..

No caso dos acidentes de transporte terrestre, tem-se como fatores que contribuem para a alta letalidade entre pedestres a grande exposição da superfície corporal, a falta de equipamentos de proteção e a vulnerabilidade ao peso do veículo envolvido no acidente. Para os ocupantes de veículos, tem-se a falta do uso de cinto de segurança, a exposição a deslocamentos e os lançamentos durante a colisão. Deve-se considerar, ainda, a diferença de idade das vítimas segundo os tipos de acidentes de transporte terrestre, pois a letalidade hospitalar é mais elevada entre idosos. A velocidade dos veículos envolvidos também é um elemento fundamental na determinação da gravidade das lesões entre pedestres e ocupantes2020. Marín-León L, Belon AP, Barros MBA, Almeida SDM, Restitutti MC. Tendência dos acidentes de trânsito em Campinas, São Paulo, Brasil: importância crescente dos motociclistas. Cad Saúde Pública 2012; 28(1): 39-51. 3030. Gawryszewski VP, Coelho HMM, Scarpelini S, Zan R, Mello-Jorge MHP, Rodrigues EMS. Perfil dos atendimentos a acidentes de transporte terrestre por serviços de emergência em São Paulo, 2005. Rev Saúde Pública 2009; 43(2): 275-82.. Ressalta-se que a sobremortalidade masculina torna-se evidente quando da observação da maior letalidade nas internações de homens vítimas de agressões e lesões autoprovocadas. Tal aspecto é comprovado nos diversos estudos que apontam a maior ocorrência de lesões fatais entre homens, quer sejam vítimas de homicídios3131. Gawryszewski VP, Sanhueza A, Martinez-Piedra R, Escamilla JA, Souza MFM. Homicídios na região das Américas: magnitude, distribuição e tendências, 1999-2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(12): 3171-82. ou de lesões autoprovocadas2727. Minayo MCS, Pinto LW, Assis SG, Cavalcante FG, Mangas RMN. Tendência da mortalidade por suicídio na população brasileira e idosa, 1980-2006. Rev Saúde Pública 2012; 46(2): 300-9..

CONCLUSÃO

Este estudo contribui para o conhecimento da caracterização da morbidade hospitalar por causas externas nos serviços públicos de saúde do Brasil, oferecendo uma compreensão mais abrangente sobre esses agravos, ao complementar as informações sobre mortalidade já amplamente divulgadas3232. Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11(Suppl): 1163-78..

No entanto, é necessário esclarecer algumas limitações do SIH/SUS que podem influenciar nos resultados aqui apresentados. Diante da diversidade de serviços distribuídos no país, é provável que ocorram as seguintes situações:

  • baixo desempenho na fidedignidade dos dados clínicos, quando comparados aos registros hospitalares2525. Melione LPR, Mello-Jorge MHP. Gastos do Sistema Único de Saúde com internações por causas externas em São José dos Campos, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(8): 1814-24.;

  • sub-registro de internações por causas externas devido a distorções em relação à identificação das causas da lesão1010. Bittencourt AS, Camacho LAB, Leal MC. O Sistema de Informação Hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cad Saúde Pública 2006; 22(1): 19-30.. Com isso, a elevada proporção de internações com a variável raça/cor da pele não preenchida (~39%) e a existência de internações por causas externas de intenção indeterminada (~5%) ilustram alguns dos aspectos a serem melhorados para poder caracterizar de maneira mais confiável a população atendida e os procedimentos realizados.

Outro ponto que deve ser considerado é a cobertura do sistema, que é capaz de registrar cerca de 70 a 90% das internações hospitalares que ocorrem no Brasil, variando de acordo com a parcela usuária de planos de saúde nas diferentes Regiões do país3333. Porto SM, Uga MAD, Moreira RS. Uma análise da utilização de serviços de saúde por sistema de financiamento: Brasil 1998-2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(9): 3795-806. 3434. Silva ZP, Ribeiro MCSA, Barata RB, Almeida MF. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização dos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), 2003-2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(9): 3807-16.. Assim, sugere-se a realização de estudos que apresentem a taxa de internação por causas externas corrigida a partir da identificação da proporção de usuários de serviços e planos de saúde privados. Dessa forma, seria possível estimar o coeficiente de internação hospitalar para toda a população residente.

Por fim, apesar das limitações citadas, o SIH/SUS mantém forte potencial para análises epidemiológicas, constituindo ferramenta essencial para a definição de políticas e programas, a tomada de decisão e a avaliação dos resultados, pois permite identificar grupos prioritários para o desenvolvimento de estratégias específicas de prevenção e de assistência às causas externas. No entanto, é necessário investir em melhorias na qualidade dos dados, principalmente quanto à codificação da causa da internação. Deve-se, também, incentivar a análise e divulgação dos dados desse sistema, assim como estimular o desenvolvimento de novos estudos e monitoramento da morbidade hospitalar por causas externas.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma.
  • 3
    Artigo elaborado a partir da Tese de Doutorado de Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, defendida em 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2014
  • Aceito
    08 Maio 2015
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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