Fontes de obtenção de medicamentos para tratamento de hipertensão arterial no Brasil: análise da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013

Sotero Serrate Mengue Noemia Urruth Leão Tavares Karen Sarmento Costa Deborah Carvalho Malta Jarbas Barbosa da Silva JúniorSobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Analisar as diferenças sociodemográficas dos indivíduos adultos hipertensos, em relação às fontes de obtenção de medicamentos para tratar hipertensão arterial no Brasil.

Métodos:

Análise secundária dos dados oriundos da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013; os desfechos considerados nas análises foram representados pelas fontes de obtenção de medicamentos para tratar a hipertensão arterial.

Resultados:

Foram entrevistados 10.017 indivíduos. A grande maioria dos hipertensos em uso de medicamentos (74,0%) utiliza uma fonte única de obtenção de medicamentos 7,3% (IC95% 6,4 - 8,4) referiu obter todos os medicamentos por meio dos planos de saúde privados; 22,7% (IC95% 21,0 - 24,4) em farmácias do sistema público de saúde; 21,8% (IC95% 20,2 - 23,4) no Programa Farmácia Popular do Brasil; e 29,5% (IC95% 27,7 - 31,4) exclusivamente pelas farmácias comerciais. A obtenção no sistema público de saúde como fonte única diminuiu com o avanço da idade, apresentou-se menor nas pessoas de cor da pele branca, diminuiu fortemente com o aumento da escolaridade e evidenciou-se menor entre os residentes na região Norte do país; no Programa Farmácia Popular do Brasil, a fonte única de obtenção também foi menor para as pessoas com maior escolaridade. A obtenção nas farmácias comerciais esteve associada positivamente com um perfil do sexo masculino, de maior escolaridade, de idade mais elevada, tendo declarado cor da pele branca. A ocorrência de mais de uma fonte de obtenção mostrou-se associada positivamente ao aumento da idade e inversamente ao aumento da escolaridade.

Conclusões:

Os resultados possibilitaram identificar diferentes estratégias para obtenção de medicamentos usados no tratamento da hipertensão, de modo a explicar como são obtidos os medicamentos no país e qual o impacto das políticas públicas nesse setor.

Palavras-chave:
Doença crônica; Hipertensão; Acesso aos serviços de saúde; Uso de medicamentos; Serviços comunitários de farmácia; Inquéritos epidemiológicos.

INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) constituem problema global de saúde. Desta forma, têm merecido especial atenção com vistas à redução da incidência e aumento do seu controle, levando a Organização Mundial da Saúde (OMS) a lançar, em 2012, o desafio de redução da mortalidade por essas doenças em 25% até 202511. Alleyne G, Binagwaho A, Haines A, Jahan S, Nugent R, Rojhani A, et al. Embedding non-communicable diseases in the post-2015 development agenda. Lancet 2013; 381(9866): 566-74.. Entre as DCNT, a hipertensão é responsável pelo maior número de doentes22. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377(9781): 1949-61., com uma prevalência estimada no Brasil de 21,4% em adultos, correspondendo a cerca de 31,3 milhões de pessoas33. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2014..

A hipertensão é uma doença tratável e, quando adequadamente controlada, pode retardar ou até evitar o desenvolvimento de doença cardiovascular sintomática44. de Sousa MR, Feitosa GS, de Paola AAV, Schneider JC, Feitosa-Filho GS, Nicolau JC, et al. I Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Processos e Competências para a Formação em Cardiologia no Brasil. Arq Bras Cardiol 2011; 96(5): 4-24.. Dentre as estratégias voltadas ao seu controle, destaca-se o tratamento medicamentoso, o qual, quando adequadamente conduzido, possibilita o controle das doenças, redução da morbimortalidade e melhoria da qualidade de vida dos usuários55. Gontijo MF, Ribeiro AQ, Klein CH, Rozenfeld S, Acurcio FA. Uso de anti-hipertensivos e antidiabéticos por idosos: inquérito em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28(7): 1337-46..

No Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNT no Brasil, 2011-2022 foram definidas e priorizadas as ações e os investimentos necessários ao enfrentamento de tais doenças. Dentre os eixos prioritários do plano consta o cuidado integral aos pacientes, no qual se inclui a ampliação do acesso a medicamentos para tratamento das DCNT no país66. Malta DC, Silva Junior JB. O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil e a definição das metas globais para o enfrentamento dessas doenças até 2025: uma revisão. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22(1): 151-64..

No Brasil, um conjunto de diversas ações vem sendo desenvolvido com o propósito de assegurar à população do país o acesso a medicamentos, objetivo da Política Nacional de Medicamentos (PNM), de 1998, e da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), de 2004. Dentre as estratégias empreendidas, no sentido de efetivar as duas políticas públicas de medicamentos, encontram-se a descentralização da assistência farmacêutica e o acesso a um conjunto de medicamentos para doenças prioritárias, como as DCNT, na rede de atenção básica à saúde77. Oliveira LCF, Assis MMA, Barboni AR. Assistência farmacêutica no Sistema Único de Saúde: da Política Nacional de Medicamentos à atenção básica à saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(Suppl 3): 3561-7.. Com o objetivo de ampliar o acesso a medicamentos foi instituído, em 2004, em caráter complementar, o Programa Farmácia Popular do Brasil, o qual, a partir de 2011, incorporou uma nova ação denominada Saúde Não Tem Preço. Por meio dessa ação, medicamentos indicados para o tratamento da hipertensão e diabetes passaram a ser fornecidos gratuitamente à população, nas farmácias de unidades próprias do programa ou por meio de um convênio com redes de drogarias privadas88. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 184, de 3 de fevereiro de 2011. Dispõe sobre o Programa Farmácia Popular do Brasil. Brasília: Diário Oficial da União; 2011..

O conhecimento a respeito das fontes de obtenção de medicamentos de tratamento das DCNT consideradas prioritárias, como a hipertensão arterial, permite aferir em que medida os serviços públicos e privados de saúde estão sendo capazes de prover serviços de assistência farmacêutica aos pacientes portadores dessas doenças. Dessa forma, o presente estudo tem por objetivo analisar as características sociodemográficas dos indivíduos hipertensos (18 anos ou mais), em relação às fontes de obtenção de medicamentos utilizadas no tratamento da hipertensão arterial no Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de uma análise secundária dos dados oriundos da Pesquisa Nacional de Saúde 2013 (PNS 2013), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde. A população pesquisada compreendeu moradores de domicílios particulares do Brasil, exceto os localizados nos setores censitários especiais (quartéis, bases militares, alojamentos, acampamentos, embarcações, penitenciárias, colônias penais, presídios, cadeias, asilos, orfanatos, conventos e hospitais). A amostra da PNS 2013 compõe o Sistema Integrado de Pesquisas do IBGE, cuja abrangência corresponde aos setores censitários da Base Operacional Geográfica do Censo Demográfico 2010, exceto aqueles com número muito pequeno de domicílios e os setores censitários especiais supracitados33. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2014..

O plano amostral empregado foi o de amostragem por conglomerados em três estágios, com estratificação das unidades primárias de amostragem. Os setores censitários ou conjunto de setores formam as unidades primárias de amostragem (UPA); os domicílios representam as unidades de segundo estágio; e os moradores adultos definem as unidades de terceiro estágio. O tamanho da amostra foi definido considerando-se o nível de precisão desejado para as estimativas de alguns indicadores de interesse. A descrição completa do plano de amostragem do inquérito está disponível em publicação do IBGE33. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. 99. Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL, Souza Júnior PRB, et al. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Ciênc Saúde Coletiva 2014; 19(2): 333-42..

A organização e a coordenação do trabalho de campo foram realizadas sob a supervisão do IBGE. Todos os responsáveis pela coleta de dados, supervisores e coordenadores da PNS 2013 foram capacitados para esse trabalho. O questionário foi aplicado por entrevistadores do IBGE, munidos de computadores de mão para registro dos dados coletados. Inicialmente, os agentes de coleta apresentavam o objetivo do estudo; a seguir, identificava-se o informante que respondeu ao questionário domiciliar e a seguir o morador adulto que responderia ao questionário individual (morador do domicílio, escolhido mediante o programa de seleção aleatória).

As análises do presente artigo foram realizadas com a amostra de indivíduos ≥ 18 anos que referiram ter diagnóstico médico de hipertensão arterial e usar medicamentos no tratamento da hipertensão, nas duas últimas semanas anteriores à entrevista (n = 10.017). A esses, foi indagada a fonte de obtenção dos medicamentos, a partir das seguintes perguntas:

  1. 1. Algum dos medicamentos para hipertensão arterial foi coberto por plano de saúde?;

  2. 2. Algum dos medicamentos para hipertensão arterial foi obtido no Programa Farmácia Popular (PFP)?;

  3. 3. Algum dos medicamentos para hipertensão arterial foi obtido no sistema público de saúde?

Com possibilidade de resposta: Sim, todos ; Sim, alguns ; e Não, nenhum .

Consideraram-se os seguintes desfechos:

  1. 1. fonte exclusiva do Sistema Único de Saúde (SUS), quando o entrevistado respondeu "Sim, todos" os medicamentos obtidos no sistema público de saúde;

  2. 2. fonte exclusiva no Programa Farmácia Popular do Brasil, quando o entrevistado respondeu "Sim, todos" os medicamentos nesse Programa;

  3. 3. fonte exclusiva em farmácia comercial, quando o entrevistado declarou "não, nenhum" medicamento obtido para hipertensão nas opções apresentadas (plano de saúde, Programa Farmácia Popular do Brasil e sistema público); e fonte mista de obtenção, quando o entrevistado referiu "Sim, alguns" medicamentos obtidos em pelo menos uma das fontes investigadas.

Foram estimadas as prevalências de obtenção de medicamentos para tratamento medicamentoso da hipertensão arterial, segundo as seguintes variáveis: sexo (masculino/feminino); faixa etária, em anos (18 a 39/ 40 a 59/ 60 ou mais); escolaridade (sem instrução e fundamental incompleto; fundamental completo e médio incompleto; médio completo e superior incompleto; superior completo); e grande região geográfica de moradia (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul).

As análises foram realizadas por meio do pacote estatístico Stata Data Analysis and Statistical Software versão 13.0 (StataCorp LP, College Station, Texas, EUA) utilizando o conjunto de comandos svy apropriado para a análise de amostras complexas e garantindo a necessária ponderação, visando dar conta do desenho amostral (prevalências calculadas para a amostra expandida). Utilizou-se o modelo de regressão de Poisson na estimativa das razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas e intervalos de confiança de 95% (IC95%); na avaliação da significância estatística das diferenças entre os grupos, foi considerando o nível de significância de 5%.

A PNS 2013 foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), mediante Parecer nº 328.159, de 26 de junho de 2013. Os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participação na pesquisa, cujos preceitos éticos foram assegurados com o cumprimento da Resolução do CNS no 466, de 12 de dezembro de 2012.

RESULTADOS

A prevalência de diagnóstico referido de hipertensão arterial foi de 21,4% (IC95% 20,8 - 22,0); desses, 81,4% (IC95% 80,1 - 82,7) estavam em uso de medicamentos para seu tratamento, nas duas semanas anteriores à entrevista (dados não apresentados em tabela).

A Tabela 1 apresenta a distribuição sociodemográfica dos indivíduos que referiram diagnóstico médico e uso de medicamentos para tratar a hipertensão arterial, no âmbito do país. Segundo se observa, grande parte das ocorrências constitui-se de mulheres (62,1%; IC95% 60,4 - 63,8), de pessoas com baixa escolaridade, ou seja, sem instrução ou com o curso fundamental incompleto (58,2%; IC95% 56,1 - 60,2) e de residentes na região Sudeste do país (48,8%IC95% 46,0 - 51,7).

Tabela 1:
Características sociodemográfias dos indivíduos com 18 anos ou mais que referiram diagnóstico e uso de medicamentos para tratar hipertensão arterial. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

A Figura 1 apresenta a distribuição das fontes de obtenção investigadas pela PNS, 2013. Do total de hipertensos em uso de medicamentos, apenas 7,3% (IC95% 6,4 - 8,4) referiu obter todos os medicamentos por intermédio dos planos de saúde privados. Aproximadamente metade dos indivíduos referiu obter todos os medicamentos por meio do SUS, pelas farmácias do sistema público de saúde (22,7%; IC95% 21,0 - 24,4) ou pelo Programa Farmácia Popular do Brasil (21,8%; IC95% 20,2 - 23,4).

Figura 1:
Fontes de obtenção de medicamentos para tratamento de hipertensão arterial por adultos (18 anos ou mais) que referiram diagnóstico médico e uso de medicamentos (n = 10.017). Pesquisa Nacional de Saúde. Brasil, 2013.

A Tabela 2 apresenta as prevalências de obtenção de medicamentos nas fontes avaliadas, segundo características sociodemográficas dos hipertensos. Observa-se que, do total de hipertensos em tratamento medicamentoso, a maioria (74,0%) referiu obter medicamentos para tratar a hipertensão a partir de uma fonte única de obtenção (farmácias do sistema público, Programa Farmácia Popular do Brasil ou farmácia comercial). Em relação ao sexo, foram encontradas diferenças significativas, ocorrendo maior prevalência de obtenção pelos homens, como fonte única, somente na farmácia comercial, sendo que nas demais fontes avaliadas essa diferença não se manteve. Nas farmácias do sistema público de saúde como fonte única de obtenção, os não brancos (25,6%; IC95% 23,3 - 28,0), os de menor escolaridade (27,7%; IC95% 25,3 - 30,2) e os residentes na região Nordeste (25,5%; IC95% 22,6 - 28,8) em relação aos residentes na região Norte apresentaram maior obtenção de todos os medicamentos por meio dessa fonte. O Programa Farmácia Popular do Brasil, como fonte única de obtenção de medicamentos para hipertensão, obteve percentuais mais elevados entre os indivíduos de 40 a 59 anos (24,1%; IC95% 21,6 - 26,7), quando comparados aos idosos e aos hipertensos residentes na região Sul do país (25,2%; IC95% 21,5 - 29,4) em relação aos residentes na região Nordeste (17,4%; IC95% 15,2 - 19,9). Em relação às farmácias comerciais, observou-se maior obtenção por indivíduos brancos (32,6%; IC95% 30,0 - 35,3), de maior escolaridade (36,7%; IC95% 33,2 - 40,4) e residentes na região Norte do país (36,1%; IC95% 31,3 - 41,2) em relação à região Sudeste e região Sul do país.

Tabela 2:
Prevalências das fontes de obtenção de medicamentos para tratar hipertensão arterial, por adultos com 18 anos ou mais, segundo características sociodemográfias (n = 10.017). Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

Quando analisada a obtenção de medicamentos por fontes combinadas (mista), foi observada maior obtenção por idosos (20,2%; IC95% 17,6 - 23,0), aproximadamente duas vezes maior do que nos mais jovens (10,3%; IC95% 8,0 - 13,3); nos menos escolarizados (sem instrução e com o curso fundamental incompleto): 20,6% (IC95% 18,8 - 22,4) em relação aos de maior instrução (médio completo ou superior completo); não foram observadas diferenças significativas entre as grandes regiões do país e no tocante à cor da pele dos indivíduos (Tabela 2).

Na Tabela 3 apresentam-se as razões de prevalência (RP) ajustadas em cada uma das fontes de obtenção analisadas. Após o ajuste, a obtenção no sistema público de saúde como fonte única diminuiu com a idade, apresentou-se menor nas pessoas autodeclaradas de cor da pele branca, diminuiu fortemente com o aumento da escolaridade e revelou-se menor nos residentes na região Norte, em comparação com as demais regiões, e maior na região Sudeste, quando comparada às demais regiões. A obtenção de todos os medicamentos por meio do Programa Farmácia Popular do Brasil foi menor entre as pessoas com maior escolaridade, no entanto as diferenças não foram tão expressivas quanto as observadas nos indivíduos que obtiveram todos os medicamentos no sistema público. Quando consideradas as variáveis idade, cor da pele e grande região de residência, não foram encontradas diferenças significativas. A obtenção nas farmácias comerciais esteve associada positivamente ao sexo (masculino), à maior escolaridade, maior idade e ter declarado cor da pele branca. A obtenção de medicamentos com utilização de mais de uma fonte de obtenção mostrou-se associada positivamente ao aumento da idade e negativamente ao aumento da escolaridade, sem apresentar diferenças por sexo, cor da pele e grande região de residência.

Tabela 3:
Razões de prevalência ajustadas das fontes de obtenção de medicamentos por adultos com 18 anos ou mais, para tratar hipertensão arterial, segundo características sociodemográfias (n = 10.017). Pesquisa Nacional de Saúde, 2013.

DISCUSSÃO

Esta análise indica, do ponto de vista populacional, o papel das diferentes fontes de obtenção de medicamentos utilizados no tratamento da hipertensão. A grande maioria dos pacientes utiliza uma fonte única de obtenção de medicamentos. Parcela expressiva dos custos do tratamento de doenças crônicas se deve ao uso de medicamentos1010. Bloom DE, Cafiero ET, Jané-Llopis E, Abrahams-Gessel S, Bloom LR, Fathima S, et al. The global economic burden of noncommunicable diseases. Geneva: World Economic Forum; 2011. Disponível em: Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Harvard_HE_GlobalEconomicBurdenNonCommunicableDiseases_2011.pdf (Acessado em 23 de junho de 2014).
http://www3.weforum.org/docs/WEF_Harvard...
1111. Kankeu HT, Saksena P, Xu K, Evans DB. The financial burden from non-communicable diseases in low- and middle-income countries: a literature review. Health Res Policy Syst 2013; 11: 31., assim, é relevante destacar que o SUS se evidenciou, no estudo, como um decisivo provedor de acesso a todos os medicamentos para hipertensão no país, seja por meio das farmácias do sistema público de saúde, seja por intermédio do Programa Farmácia Popular do Brasil.

Estudos anteriores1212. Bertoldi AD, Barros AJ, Wagner A, Ross-Degnan D, Hallal PC. Medicine access and utilization in a population covered by primary health care in Brazil. Health Policy 2008; 89(3): 295-302. 1313. Aziz MM, Calvo MC, Schneider IJC, Xavier AJ, d'Orsi E. Prevalência e fatores associados ao acesso a medicamentos pela população idosa em uma capital do sul do Brasil: um estudo de base populacional. Cad Saúde Pública 2011; 27(10): 1939-50. 1414. Boing AC, Bertoldi AD, Boing AF, Bastos JL, Peres KG. Acesso a medicamentos no setor público: análise de usuários do Sistema Único de Saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2013; 29(4): 691-701. tradicionalmente referiam como principais fontes de obtenção de medicamentos os serviços do sistema público de saúde e a compra com pagamento total do próprio bolso, sendo o sistema público a única fonte de obtenção gratuita de medicamentos. A presente análise demonstra o papel destacado do Programa Farmácia Popular do Brasil como alternativa de fornecimento de medicamentos para tratamento da hipertensão no país. Evidenciou ainda que se inicia, de modo incipiente, o fornecimento de medicamentos por intermédio dos planos de saúde. Essa modalidade de fornecimento ainda é pouco presente no Brasil e, em alguns casos, têm sido observados planos específicos para o fornecimento de medicamentos, semelhantes aos planos de saúde tradicionais e aos planos odontológicos. A aferição do fornecimento de medicamento por meio de planos de saúde deve ser interpretada com cautela, pois tal ocorrência pode ser expressão de convênios entre empregadores e fornecedores de medicamentos, farmácias comerciais de propriedade ou conveniadas com planos de saúde e planos de fidelização de clientes, oferecidos por redes de farmácias que, em alguns casos, fornecem descontos substanciais para medicamentos de uso contínuo.

A obtenção dos medicamentos utilizados no tratamento da hipertensão em mais de uma fonte de medicamentos foi referida, aproximadamente, por um quarto dos pacientes entrevistados, com uma associação positiva em relação à idade e ao nível de instrução dos indivíduos. Esse resultado pode se justificar pelas evidências observadas em tratamentos da hipertensão, os quais se tornam cada vez mais complexos, exigindo um número maior de medicamentos no tratamento da doença e na prevenção das complicações desse agravo, principalmente em indivíduos idosos1515. Luz TCB, Loyola Filho AI, Lima-Costa MF. Estudo de base populacional da subutilização de medicamentos por motivos financeiros entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25(7): 1578-86..

Quando analisadas as características sociodemográficas dos hipertensos em relação às fontes de obtenção, foi observada maior obtenção nas farmácias do sistema público de saúde, como fonte única de obtenção, entre os indivíduos de cor da pele não branca e de menor escolaridade. As farmácias comerciais representaram as fontes de obtenção dos indivíduos que se declararam brancos e com maior nível de instrução. Essa ocorrência evidenciou maior utilização, entre os segmentos menos favorecidos, das fontes de obtenção de medicamentos por meio do SUS. Tal resultado corrobora os resultados encontrados em estudo sobre os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), conduzida em 2008 no Brasil, quanto ao acesso à totalidade dos medicamentos prescritos por usuários do SUS1414. Boing AC, Bertoldi AD, Boing AF, Bastos JL, Peres KG. Acesso a medicamentos no setor público: análise de usuários do Sistema Único de Saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2013; 29(4): 691-701..

Em relação as regiões do país, a obtenção no sistema público foi maior na região sudeste, enquanto que a obtenção de todos os medicamentos na farmácia comercial foi maior nas regiões menos favorecidas, o que aponta para desigualdades no acesso a medicamentos entre as regiões no Brasil. Em relação às grandes regiões do país, a obtenção no sistema público foi maior na região Sudeste, enquanto a obtenção de todos os medicamentos na farmácia comercial foi maior nas regiões social e economicamente menos favorecidas, o que aponta para desigualdades no acesso a medicamentos entre as grandes regiões do Brasil. Tais diferenças podem advir de diferenças na organização dos serviços, que impacta na assistência farmacêutica na atenção básica a saúde prestada aos usuários do SUS, onde os medicamentos para tratar a hipertensão são ofertados nas diferentes regiões1616. Mendes LV, Campos MR, Chaves GC, Silva RM, Freitas PS, Costa KS, et al. Disponibilidade de medicamentos nas unidades básicas de saúde e fatores relacionados: uma abordagem transversal. Saúde debate 2014; 38(no.spe): 109-23.. Em estudos anteriores nos quais foi avaliado o acesso a medicamentos para tratar a hipertensão, em grandes regiões brasileiras, também foram apontadas tais diferenças regionais encontradas no presente estudo1717. Paniz VM, Fassa AG, Facchini LA, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, et al. Free access to hypertension and diabetes medicines among the elderly: a reality yet to be constructed. Cad Saúde Pública 2010; 26(6): 1163-74. 1818. Costa KS. Acesso e uso de medicamentos: inquéritos de saúde como estratégia de avaliação. [Tese de doutorado]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014..

Em sentido amplo, as desigualdades regionais podem ser analisadas pela ótica de Hart quando tratava, em 1971, da lei dos recursos inversos. Em um país com as dimensões territoriais do Brasil, as populações mais necessidades concentram-se, em termos quantitativos, nas regiões economicamente mais desfavorecidas, razão pela qual estas contam com serviços de saúde e serviços públicos menos organizados e com menor capacidade de prestar atenção qualificada à população1919. Hart JT. The inverse care law. Lancet 1971; 1(7696): 405-12..

Ao analisar a obtenção de todos os medicamentos, por intermédio do Programa Farmácia Popular do Brasil, observa-se maior obtenção nos indivíduos na faixa de 30 a 49 anos e naqueles que não possuem curso superior completo, sem diferenças regionais significativas. Não há pesquisas a respeito da utilização desse programa com abrangência nacional. Contudo, os resultados encontrados apontam um aumento na sua utilização, quando comparado com inquérito populacional no qual foi avaliado, em 20082020. Costa KS, Francisco PMSB, Barros MBA. Conhecimento e utilização do Programa Farmácia Popular do Brasil: estudo de base populacional no município de Campinas-SP. Epidemiol Serv Saúde 2014; 23(3): 397-408., o conhecimento sobre o Programa Farmácia Popular do Brasil em Campinas, São Paulo. Esse aumento do uso pode ser explicado, em parte, pela ampliação do programa em 2011, com a introdução da gratuidade de um elenco de medicamentos para tratar a hipertensão, por meio da rede própria e conveniada, justificando as diferenças das estimativas encontradas88. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 184, de 3 de fevereiro de 2011. Dispõe sobre o Programa Farmácia Popular do Brasil. Brasília: Diário Oficial da União; 2011..

A PNS 2013, pela sua natureza de levantamento geral sobre as questões de saúde, apresenta algumas limitações do ponto de vista da avaliação específica no tocante ao uso de medicamentos. O principal limite consiste na falta de identificação dos medicamentos utilizados pelos indivíduos entrevistados. Tal identificação permitiria um quadro mais claro, no tocante ao território do país, das ocorrências relacionadas ao tratamento da hipertensão.

CONCLUSÕES

A grande maioria dos hipertensos em uso de medicamentos utiliza uma fonte única de obtenção dos medicamentos, com aproximadamente a metade do fornecimento de medicamentos por meio do SUS (seja pelas farmácias do sistema público de saúde ou pelo Programa Farmácia Popular do Brasil), um terço exclusivamente pelas farmácias comerciais e pequena participação dos planos de saúde privados. A obtenção utilizando mais de uma fonte de obtenção mostrou-se associada positivamente ao aumento da idade e inversamente ao aumento da escolaridade.

Cabe destacar que o tratamento da hipertensão vem se tornando mais complexo, seja pelo fato de requerer o uso de mais de um medicamento para o tratamento, seja devido ao aumento das oportunidades de obtenção desses medicamentos. Diante disso, em que pesem as limitações inerentes à natureza intrínseca da modalidade de investigação, o presente estudo apresenta contribuições à identificação da trajetória dos pacientes hipertensos, no processo de obtenção de medicamentos para o tratamento da doença, e mostram o papel importante do SUS como provedor do acesso ao tratamento medicamentoso da hipertensão no país. Tais evidências apontam para o impacto das políticas públicas nesse setor desenvolvidas nos últimos anos e, portanto, na melhoria das condições de enfrentamento das condições de saúde da população demandatária.

REFERÊNCIAS

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  • Fonte de financiamento: Ministério da Saúde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2015
  • Aceito
    31 Ago 2015
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