Condições de saúde bucal e capacidade funcional em idosos: um estudo longitudinal de base populacional

Yan Nogueira Freitas Kenio Costa Lima Diviane Alves da Silva Sobre os autores

RESUMO:

Introdução:

O estudo das condições de saúde bucal em idosos, aliado à busca de uma associação com a sua capacidade funcional, representa um importante passo para auxiliar na compreensão dos fatores intervenientes no cuidado odontológico desses indivíduos.

Objetivo:

Esta nota metodológica descreveu as estratégias e os métodos adotados em um estudo longitudinal que busca a associação entre as condições de saúde bucal e a capacidade funcional em uma população de idosos do interior do Nordeste brasileiro.

Aspectos metodológicos:

A condição de saúde bucal dos idosos dessa coorte tem sido avaliada por meio de um exame epidemiológico intraoral que avalia o grau de ataque de cárie, a condição periodontal, o uso e necessidade de prótese e a presença de lesões. Além disso, coletam-se informações epidemiológicas a respeito da disfunção temporomandibular e xerostomia. A capacidade funcional é avaliada através do índice de Katz, e o estado cognitivo dos idosos é avaliado por meio do miniexame do estado mental.

Principais achados:

A primeira onda da coorte, realizada em 2010/11, avaliou 441 idosos no município de Macaíba (RN). Observou-se que o número de dentes cariados, perdidos e obturados (índice CPO-d) médio foi de 28,16 (± 5,82) e que o edentulismo esteve presente em 50,8% da amostra. Verificou-se também que 10,4% dos indivíduos da primeira onda eram dependentes em pelo menos umas das atividades de vida diária.

Futuras perspectivas da coorte:

A coleta de dados da segunda onda encontra-se em andamento, e espera-se que o grande número de informações coletadas e acompanhadas nessa coorte contribua para o planejamento de ações em saúde voltadas para essa parcela da população.

Palavras-chave:
Idoso; Idoso fragilizado; Saúde bucal; Saúde do idoso; Assistência odontológica para idosos; Estudos de coortes

INTRODUÇÃO

O estudo das condições de saúde bucal em idosos, aliado à busca de uma associação com a sua capacidade funcional, representa um importante passo para auxiliar na compreensão dos fatores intervenientes no cuidado odontológico desses indivíduos. Assim, entende-se que a avaliação longitudinal de idosos no que se refere às suas condições de saúde bucal e dependência funcional é de extrema importância, considerando-se que o acompanhamento desses indivíduos representa a melhor forma de explicar possíveis associações entre tais desfechos.

Nesse contexto, o estudo em questão propôs uma análise longitudinal das condições de saúde bucal e dependência de uma população de idosos, bem como das possíveis associações entre tais dimensões. Para tanto, foram utilizados como dados de linha base aqueles obtidos no estudo transversal realizado em 2010/2011, no município de Macaíba (RN). Trata-se, portanto, da primeira coorte de saúde bucal de idosos realizada no interior do Nordeste brasileiro.

MÉTODOS

Para esta coorte, utilizou-se uma amostra cujo arrolamento obedeceu a uma técnica de amostragem probabilística por conglomerados, que selecionou de forma aleatória uma parcela representativa da população idosa (60 anos ou mais) do município de Macaíba (RN). Esse se localiza na região metropolitana de Natal, a 21 km da capital. Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2010, a população total desse município era de 69.467 habitantes, dos quais 6.492 tinham 60 anos ou mais, 2.978 eram homens e 3.514, mulheres, o que corresponde a 9,3% de idosos residentes11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Resultados do Censo Demográfico 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?uf=rn (Acessado em: 15 de maio de 2011).
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.ph...
. O projeto relativo à linha base foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob o parecer 340/2009. Portanto, os dados relativos a essa linha base representam a primeira onda de observação deste estudo longitudinal.

Para tanto, ao se testar a hipótese de que indivíduos dependentes funcionalmente apresentam maior risco de comprometimento da saúde bucal, o cálculo do tamanho amostral, a partir de um erro beta de 20% e alfa de 5%, revelou que uma amostra de 194 indivíduos do baseline é capaz de fornecer Odds Ratio /razão de risco de 1,5.

A fim de recrutar os idosos da amostra, quadras urbanas e vilas rurais foram previamente sorteadas a partir de determinados setores censitários. Dos 65 setores censitários do município de Macaíba, 52 foram elegíveis. Desses, 30 foram selecionados por representar uma quantidade ideal e operacionalmente viável, permitindo boa dispersão dos dados e evitando o surgimento de uma amostra enviesada que não representasse o conjunto da população.

RESULTADOS

O estudo base identificou 466 idosos elegíveis no município de Macaíba (RN), sendo arrolados 441 indivíduos para compor a amostra final (94,6% de taxa de resposta), dos quais 68,3% eram do sexo feminino. A média de idade foi de 71,7 (± 8,7) anos; a de escolaridade, 2,17 (± 2,74) anos de estudo; e a renda familiar mensal apresentou média de 2,0 (± 1,19) salários-mínimos. Em relação às variáveis de saúde bucal, o número de dentes cariados, perdidos e obturados (índice CPO-d) médio foi de 28,16 (± 5,82), com maior participação do componente perdido, uma vez que o edentulismo esteve presente em 50,8% da amostra22. Silva DA. Condições de saúde bucal e capacidade funcional em idosos [dissertação de mestrado]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Odontologia; 2011.. Tais dados se alinharam aos observados para a região Nordeste no SB Brasil 201033. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde/ Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Geral de Saúde Bucal. SB Brasil 2010: Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.. As variáveis dependentes e independentes do estudo base estão presentes no Quadro 1 e foram coletadas com base no questionário do SB Brasil 201033. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde/ Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Geral de Saúde Bucal. SB Brasil 2010: Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2011., com exceção da variável referente à capacidade funcional, obtida por meio do índice de Katz44. Duarte YA, Andrade CL, Lebrão ML. O Índex de Katz na avaliação da funcionalidade dos idosos. Rev Esc Enferm USP 2007; 41(2): 317-25..

Quadro 1:
Elenco de variáveis do estudo base (2010/2011) da coorte de condições de saúde bucal e capacidade funcional em idosos. Macaíba, RN, 2015.

Ao considerar os dados referentes à capacidade funcional, o estudo base revelou prevalência de 10,4% de indivíduos dependentes em pelo menos uma das atividades de vida diária, ao passo que, em um estudo de base populacional realizado em município de pequeno porte do Nordeste brasileiro, tal prevalência foi de 13,5%55. Mattos IE, Carmo CN, Santiago LM, Luz LL. Factors associated with functional incapacity in elders living in long stay institutions in Brazil: a cross-sectional study. BMC Geriatr 2014; 14: 47.. Porém, não foram identificadas quaisquer associações entre a capacidade funcional e as variáveis de saúde bucal observadas na linha base, o que demonstra que tais desfechos ocorrem em momentos distintos da vida do idoso, justificando, portanto, o acompanhamento dos indivíduos que apresentam essas características.

PERSPECTIVAS FUTURAS DA COORTE

Na segunda onda da coorte, iniciada em 2015, os indivíduos da primeira onda estão sendo novamente examinados e entrevistados. Porém, novos idosos estão sendo incluídos na amostra, representando os indivíduos que tinham menos de 60 anos na primeira onda e que agora se encontram na faixa etária de 60 a 65 anos. Essa nova onda foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN, sob o parecer 031704/2015.

Os procedimentos utilizados na coleta de dados consistem na aplicação de um questionário sociodemográfico e na avaliação da capacidade funcional do indivíduo. Além disso, vem sendo realizado um exame epidemiológico intraoral para a avaliação das condições de saúde bucal dos idosos. Para tanto, a fim de medir o grau de ataque de cárie, utiliza-se o índice CPOD; a condição periodontal é avaliada por meio do índice periodontal comunitário (CPI) e do índice de perda de inserção periodontal (PIP), considerando-se o indivíduo. O CPI foi adotado devido a sua simplicidade de aplicação e uniformidade internacional, mas seus achados devem ser interpretados com cautela, uma vez que tal índice apresenta limitações devido ao exame clínico parcial, que exclui sinais da doença periodontal prévia, bem como qualquer marcador de atividade ou suscetibilidade à doença66. Peres MA, Peres KG, Cascaes AM, Correa MB, Demarco FF, Hallal PC, et al. Validity of partial protocols to assess the prevalence of periodontal outcomes and associated sociodemographic and behavior factors in adolescents and young adults. J Periodontol 2012; 83(3): 369-78.,77. Kingman A, Albandar JM. Methodological aspects of epidemiological studies of periodontal diseases. Periodontol 2002; 29: 11-30..

Para a realização da segunda onda, observou-se a necessidade de coletar um número maior de variáveis relacionadas à saúde bucal, à capacidade funcional e ao estado cognitivo desses idosos. Portanto, foram adicionados ao instrumento do estudo base informações a respeito dos pares de dentes em oclusão88. Tsakos G, Marcenes W, Sheiham A. The relationship between clinical dental status and oral impacts in an elderly population. Oral Health Prev Dent 2004; 2(3): 211-20., o questionário simplificado de triagem da disfunção temporomandibular (QST/DTM99. Paiva AM. Construção e validação de questionário simplificado para triagem de pacientes com disfunção temporomandibular QST/DTM [tese de doutorado]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde; 2013.) e o questionário sobre xerostomia para a detecção da hipossalivação1010. Nunes RS, Pinheiro NC, Maia ML, Holanda VC, Lima KC. Validação fatorial de questionário para detecção de hipossalivação em idosos institucionalizados. Rev Ciência Plural 2015; 1(Supl 1): 67.. Observou-se também a necessidade de avaliar a capacidade funcional de realização das atividades instrumentais de vida diária (AIVD)1111. Paixão Junior CM, Reichenheim ME. Uma revisão sobre instrumentos de avaliação do estado funcional do idoso. Cad Saúde Pública 2005; 21(1): 7-19.. A avaliação do estado cognitivo também foi adicionada ao instrumento de coleta por meio do miniexame do estado mental (Minimental), pois tal variável representa um importante fator de risco para o declínio da capacidade funcional1212. Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(2): 127-41..

Diante do grande número de varáveis de saúde bucal que serão coletadas por este estudo, diversas associações podem ser realizadas partindo-se do mesmo banco de dados. Portanto, espera-se que esta coorte seja responsável pelo surgimento de várias linhas de pesquisa que, juntas, possam contribuir ainda mais para a compreensão dos fatores intervenientes na atenção à saúde desses indivíduos. Porém, faz-se necessária a investigação de outras populações idosas, uma vez que os idosos ora investigados apresentam características sociodemográficas bastante homogêneas, o que limita a inferência de tais dados para populações inseridas em outro contexto social.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Resultados do Censo Demográfico 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?uf=rn (Acessado em: 15 de maio de 2011).
    » http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?uf=rn
  • 2
    Silva DA. Condições de saúde bucal e capacidade funcional em idosos [dissertação de mestrado]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Odontologia; 2011.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde/ Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Geral de Saúde Bucal. SB Brasil 2010: Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
  • 4
    Duarte YA, Andrade CL, Lebrão ML. O Índex de Katz na avaliação da funcionalidade dos idosos. Rev Esc Enferm USP 2007; 41(2): 317-25.
  • 5
    Mattos IE, Carmo CN, Santiago LM, Luz LL. Factors associated with functional incapacity in elders living in long stay institutions in Brazil: a cross-sectional study. BMC Geriatr 2014; 14: 47.
  • 6
    Peres MA, Peres KG, Cascaes AM, Correa MB, Demarco FF, Hallal PC, et al. Validity of partial protocols to assess the prevalence of periodontal outcomes and associated sociodemographic and behavior factors in adolescents and young adults. J Periodontol 2012; 83(3): 369-78.
  • 7
    Kingman A, Albandar JM. Methodological aspects of epidemiological studies of periodontal diseases. Periodontol 2002; 29: 11-30.
  • 8
    Tsakos G, Marcenes W, Sheiham A. The relationship between clinical dental status and oral impacts in an elderly population. Oral Health Prev Dent 2004; 2(3): 211-20.
  • 9
    Paiva AM. Construção e validação de questionário simplificado para triagem de pacientes com disfunção temporomandibular QST/DTM [tese de doutorado]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde; 2013.
  • 10
    Nunes RS, Pinheiro NC, Maia ML, Holanda VC, Lima KC. Validação fatorial de questionário para detecção de hipossalivação em idosos institucionalizados. Rev Ciência Plural 2015; 1(Supl 1): 67.
  • 11
    Paixão Junior CM, Reichenheim ME. Uma revisão sobre instrumentos de avaliação do estado funcional do idoso. Cad Saúde Pública 2005; 21(1): 7-19.
  • 12
    Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(2): 127-41.

  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2015
  • Aceito
    28 Jun 2016
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br