Sobrevida de dez anos e fatores prognósticos para o câncer de mama na região Sudeste do Brasil

Vívian Assis Fayer Maximiliano Ribeiro Guerra Jane Rocha Duarte Cintra Maria Teresa Bustamante-Teixeira Sobre os autores

RESUMO:

Introdução:

O câncer de mama é um importante problema de saúde pública em diversas partes do mundo, apresentando relevante incidência e sendo considerado uma das principais causas de óbito por câncer no sexo feminino.

Objetivo:

Analisar a sobrevida de dez anos e os fatores prognósticos em mulheres com câncer de mama invasivo.

Métodos:

A coorte foi composta de 195 mulheres assistidas em centro de referência oncológica no município de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, com diagnóstico da doença em 2000 e 2001. Foram analisadas características sociodemográficas, tumorais e relacionadas à utilização do serviço de saúde e do tratamento. O método Kaplan-Meier foi utilizado para estimar as funções de sobrevida e o modelo de riscos proporcionais de Cox para avaliação dos fatores prognósticos.

Resultados:

A sobrevida de dez anos após o diagnóstico foi de 56,3%. Os principais fatores prognósticos independentes associados ao aumento do risco de óbito foram tamanho de tumor > 2,0 cm (razão de risco - HR = 1,9; intervalo de confiança - IC95% 1,0-3,2) e presença de linfonodos comprometidos (HR = 3,7; IC95% 2,1-5,9).

Conclusão:

Os achados reforçam a necessidade da adoção de medidas que assegurem o acesso da população-alvo às modalidades diagnósticas e terapêuticas preconizadas, contribuindo para que sejam alcançados diagnósticos mais precoces e maior tempo de sobrevida.

Palavras-chave:
Neoplasias da mama; Análise de sobrevida; Prognóstico; Indicador; Brasil; Epidemiologia

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é um dos principais problemas de saúde pública em diversas partes do mundo11. Siegel R, Naishadham D, Jemal A. Cancer statistics, 2012. CA Cancer J Clin 2012; 62(1): 10-29.. É considerado o câncer com maior incidência e prevalência no sexo feminino, tanto em países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento22. Bray F, Ren JS, Masuyer E, Ferlay J. Global estimates of cancer prevalence for 27 sites in the adult population in 2008. Int J Cancer 2013; 132(5): 1133-45..

Estimativas sugerem que metade do número dos novos casos e 60% das mortes causadas pelo agravo devem ocorrer nos países em desenvolvimento33. Jemal A, Bray F, Center MM, Ferlay J, Ward E, Forman D. Global cancer statistics. CA Cancer J Clin 2011; 61(2): 69-90.. Em países como Estados Unidos, Reino Unido, França e Austrália, houve declínio da mortalidade nas últimas duas décadas44. Jemal A, Center MM, DeSantis C, Ward EM. Global patterns of cancer and mortality rates and trends. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev 2010; 19(8): 1893-907., enquanto, na América Latina, observou-se aumento da mortalidade pela doença no mesmo período55. Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, Strasser-Weippl K, Chavarri-Guerra Y, St Louis J, et al. Planning cancer control in Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14(5): 391-436.. A sobrevida em países latino-americanos em geral encontra-se, em média, 20% abaixo daquela em países europeus e nos EUA55. Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, Strasser-Weippl K, Chavarri-Guerra Y, St Louis J, et al. Planning cancer control in Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14(5): 391-436.. No Brasil, seguindo a tendência mundial, tem sido constatado aumento da incidência e, nas regiões Sul e Sudeste, começou a ser notada a redução da mortalidade por câncer de mama66. Girianelli VR, Gamarra CJ, Azevedo e Silva G. Disparities in cervical and breast cancer mortality in Brazil. Rev Saúde Pública 2014; 48(3): 459-67..

Por meio da sobrevida, é possível avaliar os resultados dos avanços diagnósticos e terapêuticos na área oncológica, bem como analisar a eficiência global do controle do câncer pelo sistema de saúde77. Bustamante-Teixeira MT, Faerstein E, Latorre MR. Técnicas de análise de sobrevida. Cad Saúde Pública 2002; 18(3): 579-94.,88. De Angelis R, Sant M, Coleman MP, Francisci S, Baili P, Pierannunzio D, et al. Cancer survival in Europe 1999-2007 by country and age: results of EUROCARE-5 - a population-based study. Lancet Oncol 2014; 15(1): 23-34.. Nos últimos dez anos, a combinação das medidas de rastreamento populacional e dos avanços no tratamento da doença tem contribuído para a diminuição da mortalidade e a ampliação da sobrevida nos países desenvolvidos55. Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, Strasser-Weippl K, Chavarri-Guerra Y, St Louis J, et al. Planning cancer control in Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol 2013; 14(5): 391-436.. O diagnóstico precoce possibilita a detecção da doença em estádios iniciais, proporcionando melhores respostas terapêuticas, o que contribui para o aumento da sobrevida. Todavia, esse acréscimo relacionado ao rastreamento deve ser interpretado com cautela, uma vez que parte dele pode ser explicado pela antecipação do diagnóstico, que proporciona a observação da evolução da doença por mais tempo (lead-time bias), e pela identificação de um maior número de casos com prolongada fase pré-clínica detectável, os quais exibem consequentemente melhor prognóstico (length-time bias)77. Bustamante-Teixeira MT, Faerstein E, Latorre MR. Técnicas de análise de sobrevida. Cad Saúde Pública 2002; 18(3): 579-94.,88. De Angelis R, Sant M, Coleman MP, Francisci S, Baili P, Pierannunzio D, et al. Cancer survival in Europe 1999-2007 by country and age: results of EUROCARE-5 - a population-based study. Lancet Oncol 2014; 15(1): 23-34..

Diversos fatores têm sido investigados visando estabelecer critérios válidos para a avaliação objetiva do prognóstico das pacientes. Características tumorais, tais como acometimento de linfonodos regionais e tamanho do tumor, são apontadas como fortes indicadores de prognóstico em seguimentos de longo prazo99. Soerjomataram I, Louwman MW, Ribot JG, Roukema JA, Coebergh JW. An overview of prognostic factors for long-term survivors of breast cancer. Breast Cancer Res Treat 2008; 107(3): 309-30.. A literatura indica relação inversa entre tamanho do tumor e sobrevida, enquanto a presença de linfonodos comprometidos está associada à recorrência da doença na primeira década após o tratamento. Elevado número de linfonodos acometidos e acometimento do vértice axilar e de linfonodos mamários internos apontam para piores prognósticos99. Soerjomataram I, Louwman MW, Ribot JG, Roukema JA, Coebergh JW. An overview of prognostic factors for long-term survivors of breast cancer. Breast Cancer Res Treat 2008; 107(3): 309-30.,1010. Rakha EA, Ellis IO. Modern classification of breast cancer: should we stick with morphology or convert to molecular profile characteristics. Adv Anat Pathol 2011; 18(4): 255-67..

Além das características relativas à biologia tumoral, aspectos sociodemográficos e referentes ao cuidado de saúde também influenciam, direta ou indiretamente, a sobrevida pela doença88. De Angelis R, Sant M, Coleman MP, Francisci S, Baili P, Pierannunzio D, et al. Cancer survival in Europe 1999-2007 by country and age: results of EUROCARE-5 - a population-based study. Lancet Oncol 2014; 15(1): 23-34.,99. Soerjomataram I, Louwman MW, Ribot JG, Roukema JA, Coebergh JW. An overview of prognostic factors for long-term survivors of breast cancer. Breast Cancer Res Treat 2008; 107(3): 309-30.,1010. Rakha EA, Ellis IO. Modern classification of breast cancer: should we stick with morphology or convert to molecular profile characteristics. Adv Anat Pathol 2011; 18(4): 255-67..

Este estudo teve como objetivo avaliar a sobrevida de dez anos e os fatores prognósticos relativos ao câncer de mama em mulheres assistidas em um centro de referência em assistência oncológica da região Sudeste do Brasil.

MÉTODOS

A população do estudo foi constituída por coorte de base hospitalar, composta de mulheres com câncer invasivo da mama diagnosticado entre janeiro de 2000 e dezembro de 2001. As pacientes foram submetidas a tratamento cirúrgico e/ou terapêutica complementar (quimioterapia, radioterapia ou hormonoterapia) em serviço de oncologia do município de Juiz de Fora, cidade de médio porte da região Sudeste do Brasil.

A instituição de saúde na qual foi desenvolvida a pesquisa é uma das três Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) com serviços de radioterapia e hematologia1111. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria No. 140/14 de 27 de fevereiro de 2014. Redefine os critérios e parâmetros para organização, planejamento, monitoramento, controle e avaliação dos estabelecimentos de saúde habilitados na atenção especializada em oncologia e define as condições estruturais, de funcionamento e de recursos humanos para a habilitação destes estabelecimentos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Diário Oficial da União; 2014. do município, que fornecem atendimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao sistema privado de saúde para o município e regiões adjacentes. É considerada um importante centro de referência regional na assistência oncológica.

Mediante busca no Registro Hospitalar de Câncer (RHC) da instituição, realizou-se o recrutamento das pacientes incluídas neste estudo. Também foram avaliados os prontuários das participantes cadastradas no serviço ao final de 1999 e início de 2002, em função da possibilidade de a paciente ter procurado o serviço imediatamente antes ou depois do estabelecimento do diagnóstico.

Por meio de ficha padronizada, coletaram-se os dados por equipe treinada, supervisionada por médicos especialistas em Patologia e Oncologia. As informações coletadas foram revisadas pelos especialistas, visando melhorar a qualidade dos dados relativos aos laudos anatomopatológicos e ao estadiamento do tumor.

Para todas as pacientes incluídas no estudo, procurou-se obter o seguimento de dez anos (120 meses), que, inicialmente, foi realizado com retorno aos prontuários médicos, seguido de busca no banco do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) regional. O inter-relacionamento dos registros do banco de dados da pesquisa com o SIM ocorreu com base na técnica de relacionamento probabilístico de registros, considerando três campos homólogos presentes em ambas as bases de dados: nome, nome da mãe e data de nascimento, utilizando-se o software RecLink 3 (versão 3.1.6.3160)1212. Camargo Junior K, Coeli C. RecLink 3: nova versão do programa que implementa a técnica de associação probabilística de registros (probabilistic record linkage). Cad Saúde Coletiva 2006; 14(2): 399-404.. Para as pacientes que ainda permaneceram com seguimento incompleto, foram feitos contatos telefônicos por meio do RHC da instituição, com vistas a apenas adquirir informações sobre o estado vital. Posteriormente, efetuou-se consulta da situação cadastral no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Receita Federal para obtenção da informação do estado vital da paciente na condição de viva. A data da última situação cadastral regular (CPF ativo) identificada foi usada como data do último contato da paciente com vida, para as pacientes que permaneceram com seguimento incompleto.

Para a análise de sobrevida global, a data de liberação do laudo histopatológico foi considerada como o início da contagem do tempo de sobrevida, e os óbitos identificados até o final do seguimento foram tratados como falhas. Censuraram-se as mulheres que permaneceram vivas até o final do seguimento e aquelas com perda de seguimento.

Foram identificados 201 casos de câncer de mama em mulheres residentes na microrregião de saúde de Juiz de Fora no RHC da instituição. Foram excluídos três casos por ausência de laudo histopatológico e três em função de carcinoma in situ. Ao final, foram investigadas 195 mulheres, que representaram a população de estudo.

Ao término da coleta de dados nos prontuários médicos e nas tentativas de busca realizadas, restaram 51 casos com seguimento incompleto (26,1% da população de estudo), com mediana de seguimento de 84 meses (percentil 25 = 44 meses, e percentil 75 = 120 meses), os quais contribuíram em média com 3.777 pessoas/mês.

Foram verificadas as seguintes variáveis: idade ao diagnóstico (< 40, 40-49, 50-59, 60-69 e ≥ 70 anos); cor da pele (branca, não branca); tamanho do tumor (até 2,0 cm e > 2,0 cm); comprometimento de linfonodos; estadiamento (I, II, III e IV); receptor de estrogênio (RE), receptor de progesterona (RP) e HER2; natureza do serviço de saúde (pública ou privada); cobertura de plano privado de saúde; tempo entre diagnóstico e cirurgia (≤ 4 semanas, > 4 semanas); tipo de cirurgia (conservadora, radical); realização dos testes de marcadores tumorais e utilização de radioterapia, quimioterapia ou hormonoterapia.

O teste do χ² e, quando necessário, o exato de Fisher foram utilizados para avaliar as diferenças existentes na distribuição das variáveis analisadas, e aquelas que apresentaram p ≤ 0,05 foram tidas como estatisticamente significantes.

Foi aplicado o método proposto por Kaplan-Meier para avaliar as probabilidades de sobrevida, e a comparação das funções de sobrevida em relação às variáveis foi realizada por meio do teste log-rank.

Para avaliação dos fatores prognósticos, aplicou-se o modelo de regressão para riscos proporcionais de Cox, computando-se a razão de risco (HR) e os correspondentes intervalos de confiança de 95% (IC95%). A seleção das variáveis deu-se por meio da significância obtida no modelo de Cox univariado, considerando-se, para tanto, o valor de p ≤ 0,2. As variáveis incluídas na análise múltipla foram removidas segundo o processo backward elimination. Permaneceram, no modelo múltiplo final, apenas aquelas que mantiveram p ≤ 0,05.

O teste de razão de verossimilhança foi empregado a fim de verificar a significância dos parâmetros dos modelos reduzidos, e o teste de diagnóstico de resíduos de Schoenfeld, para avaliar a proporcionalidade dos modelos de Cox.

A entrada e análise descritiva dos dados foram realizadas no programa Epi Info 2012 (Centers for Disease Control, Atlanta, EUA), e o programa Stata (StataCorp, Texas, EUA, versão 10.0) foi usado para a análise de sobrevida e dos fatores prognósticos. A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob parecer 151.219.

RESULTADOS

Na coorte analisada, a idade média ao diagnóstico foi 57,8 anos e a mediana 57 anos (percentis: 25 = 47 anos e 75 = 69 anos), com predomínio de mulheres brancas (79,7%). Em relação à distribuição das características tumorais na população de estudo, observou-se maior percentual de tumores com mais de 2 cm (65,1%); ausência de comprometimento linfonodal (55,4%); estadiamento II (52,6%); receptores positivos de estrógeno (74,7%) e progesterona (69,7%); e HER2 negativo (57,5%).

Dentre as características associadas à utilização dos serviços de saúde, 110 (56,4%) pacientes recorreram ao serviço público de saúde, e metade da população apresentava plano de saúde. Para 166 (86,0%) pacientes, o tempo decorrido entre o diagnóstico e a cirurgia foi ≤ 4 semanas e, para 98 (53,6%) , o tipo de cirurgia foi a conservadora. Como tratamento complementar, 61,5% fizeram uso de quimioterapia, 59,5% de hormonoterapia e 40,5% de radioterapia. O percentual de realização dos testes de marcadores tumorais foi de 76,0.

Ao final do estudo, constataram-se 76 óbitos. Quanto à população total, as pacientes que evoluíram a óbito exibiram percentuais significativamente maiores do tamanho de tumor > 2 cm (75,7%); linfonodos comprometidos (67,6%); estadiamento avançado (III e IV = 44,0%); assistência no serviço público (69,7%) e ausência de plano de saúde (60,0%). A Tabela 1 mostra a distribuição das características das pacientes e funções de sobrevida de dez anos não ajustada, segundo variáveis do estudo.

Tabela 1:
Distribuição das características de pacientes e funções de sobrevida de dez anos não ajustada, segundo variáveis do estudo.

A sobrevida em dez anos observada na população de estudo foi de 56,3% (IC95% ­48,3-63,5), sendo a maior verificada entre as pacientes que apresentavam características de melhor prognóstico, tais como tamanho de tumor ≤ 2 cm (68,2%; IC95% 54,7-79,2); ausência de comprometimento linfonodal (74,1%; IC95% 63,1-82,3) e estadiamentos I (75,1%; IC95% 57,1-86,3) e II (63,0%; IC95% 51,7-72,4).

Utilização do serviço de saúde privado (p = 0,01), presença de plano de saúde (p = 0,02) e cirurgia conservadora (p < 0,001) apresentaram as maiores sobrevidas. As pacientes que realizaram testes de marcadores tumorais exibiram maior sobrevida (p = 0,08). Não foi observada diferença significativa na sobrevida no tocante às características sociodemográficas, ao resultado dos marcadores tumorais (RE, RP e HER2), às modalidades de tratamento complementar e ao tempo entre diagnóstico e cirurgia.

A Tabela 2 demonstra o modelo múltiplo final com correspondentes de HR (não ajustadas e ajustadas). As curvas de sobrevida das variáveis estão ilustradas na Figura 1. Os linfonodos comprometidos e o tamanho do tumor mostraram-se como os principais fatores prognósticos independentes. O risco aumentado de óbito por câncer de mama foi de aproximadamente três vezes para a presença de comprometimento ganglionar axilar (HR=3,5; IC95% 2,1-5,9) e cerca de duas vezes para tumores maiores que 2,0 cm (HR=1,8; IC95% 1,0-3,2). Também foi apontado risco de óbito reduzido para as pacientes que possuíam plano de saúde (HR = 0,6; IC95% 0,4-0,9).

Tabela 2:
Razões de risco brutas e ajustadas das variáveis do modelo final multivariado.

Figura 1:
Curvas de sobrevida segundo as variáveis mantidas no modelo final.

As variáveis analisadas não violaram o princípio de proporcionalidade de riscos, e o resultado alcançado no teste de resíduos de Schoenfeld foi de p = 0,48. Portanto, tais valores não são estatisticamente significativos para nenhuma das variáveis inseridas no modelo múltiplo final.

DISCUSSÃO

Por meio do presente estudo, foi possível conhecer as principais características das mulheres com câncer de mama atendidas em um centro de referência oncológica de município de médio porte da região Sudeste do Brasil, sendo observada sobrevida global em dez anos de 56,3%. Além disso, foram verificados os principais fatores prognósticos associados: comprometimento de linfonodos, tamanho do tumor e possuir plano de saúde privado.

No Brasil, ainda existem poucos estudos que avaliam a sobrevida por câncer de mama em períodos superiores a cinco anos após o diagnóstico. Todavia, constatou-se que a estimativa obtida neste estudo é inferior ao valor encontrado na coorte de base hospitalar do município de Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul, que obteve sobrevida global de 78,7%1313. De Moraes AB, Zanini RR, Turchiello MS, Riboldi J, Medeiros LR. Estudo da sobrevida de pacientes com câncer de mama atendidas no hospital da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22(10): 2219-28.. O total encontrado também foi inferior ao alcançado na coorte de base hospitalar do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, que avaliou a sobrevida global de mulheres de acordo com o perfil imunoistoquímico triplo negativo, sem comprometimento linfonodal, sendo obtido valor de 61,6%, enquanto as demais mulheres do mesmo estudo apresentaram 70,1% ao final de dez anos de seguimento1414. Eisenberg AL, Pinto IV, Koifman S. Triple-negative breast cancer in Brazilian women without metastasis to axillary lymph nodes: ten-year survival and prognostic factors. Br J Med Medical Res 2013; 3(4): 880-96.. Já em análise de sobrevida específica de dez anos realizada em coorte hospitalar da cidade de Joinville, Santa Catarina, notou-se estimativa de 57,8%, bastante próxima à do presente estudo1515. Ayala AL. Sobrevida de mulheres com câncer de mama, de uma cidade no sul do Brasil. Rev Bras Enferm 2012; 65(4): 566-70..

Comportamento similar foi observado na análise da sobrevida relativa de dez anos (50,0%) por Abreu et al.1616. Abreu E, Koifman RJ, Fanqueiro AG, Land MG, Koifman S. Sobrevida de dez anos de câncer de mama feminino em coorte populacional em Goiânia (GO), Brasil, 1988-1990. Cad Saúde Coletiva 2012; 20(3): 305-13., em coorte de base populacional investigada entre 1988 e 1990, na cidade de Goiânia, Goiás.

No estudo realizado por Allemani et al.1717. Allemani C, Minicozzi P, Berrino F, Bastiaannet E, Gavin A, Galceran J, et al. Predictions of survival up to 10 years after diagnosis for European women with breast cancer in 2000-2002. Int J Cancer 2013; 132(10): 2404-12., com base em dados dos registros de base populacional, a sobrevida relativa de dez anos em mulheres europeias com câncer de mama diagnosticado entre 2000 e 2002 apresentou valores acima de 70% na maioria das regiões do continente europeu. Esse percentual corrobora os resultados obtidos por Soerjomataram et al.99. Soerjomataram I, Louwman MW, Ribot JG, Roukema JA, Coebergh JW. An overview of prognostic factors for long-term survivors of breast cancer. Breast Cancer Res Treat 2008; 107(3): 309-30. em revisão sistemática, na qual se concluiu que a maioria dos países ocidentais desenvolvidos possui valores de sobrevida de dez anos em torno de 70,0%. Entretanto cabe ressaltar que os países do Leste Europeu (54,2%), Eslováquia (46,3%), República Tcheca (58,0%) e Eslovênia (59,3%) tiveram valores de sobrevida mais próximos aos encontrados neste estudo.

Cabe ressaltar que as diferenças averiguadas entre o resultado obtido na presente pesquisa e aqueles dos estudos mencionados devem sempre levar em consideração a população estudada, o período avaliado, os diferentes métodos empregados, especialmente os critérios de inclusão e exclusão da população, e os tipos de análise aplicados para o cálculo da sobrevida, que podem explicar parte das diferenças observadas, particularmente no que se refere aos estudos internacionais, que utilizaram dados de registros de câncer de base populacional e estimaram a sobrevida relativa77. Bustamante-Teixeira MT, Faerstein E, Latorre MR. Técnicas de análise de sobrevida. Cad Saúde Pública 2002; 18(3): 579-94..

O comprometimento de linfonodos e o tamanho de tumor foram os principais fatores prognósticos que se mantiveram fortemente associados ao aumento do risco de óbito na população da investigação. Tais achados estão de acordo com a literatura1818. Guerra MR, Mendonca GA, Bustamante-Teixeira MT, Cintra JR, Carvalho LM, Magalhaes LM. Sobrevida de cinco anos e fatores prognósticos em coorte de pacientes com câncer de mama assistidas em Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25(11): 2455-66.,1919. Mendonça GA, Silva AM, Caula WM. Características tumorais e sobrevida de cinco anos em pacientes com câncer de mama admitidas no Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20(5): 1232-9., sugerindo, como proposto por Rakha e Ellis1010. Rakha EA, Ellis IO. Modern classification of breast cancer: should we stick with morphology or convert to molecular profile characteristics. Adv Anat Pathol 2011; 18(4): 255-67., que mesmo em períodos longos de seguimento, como no caso de dez anos, esses fatores prognósticos mantêm seus efeitos.

O risco de óbito reduzido nas pacientes que possuíam plano de saúde privado pode ser justificado pelo alto percentual de mulheres que tiveram diagnóstico mais precoce da doença nesse grupo, apresentando características como estadiamento I (34,0%), ausência de metástase de linfonodos (65,6%) e tamanho de tumores ≤ 2 cm (45,3%). Nesse sentido, deve-se considerar que a variável “possuir plano de saúde” pode representar uma proxy do nível socioeconômico, sinalizando mais cuidado com a saúde em decorrência de melhores condições de renda e escolaridade, características que, em conjunto, contribuem para maior acesso ao diagnóstico precoce. O resultado vai ao encontro do que foi observado durante o estudo conduzido por Brito2020. Brito C. Avaliação do tratamento à paciente com câncer de cama nas unidades oncológicas do Sistema Único de Saúde no Estado do Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2004. 141p., que evidenciou maior risco de óbito por câncer de mama entre mulheres sem plano de saúde. Esse achado também reforça a importância do diagnóstico precoce e corrobora os achados da literatura, nos quais se afirma que é possível obter redução de 21,0 a 29,0% na mortalidade por câncer de mama entre mulheres que participam de rastreamento por 14 a 16 anos de seguimento2121. Nystrom L, Andersson I, Bjurstam N, Frisell J, Nordenskjold B, Rutqvist LE. Long-term effects of mammography screening: updated overview of the Swedish randomised trials. Lancet 2002; 359(9310): 909-19.,2222. Alexander FE, Anderson TJ, Brown HK, Forrest AP, Hepburn W, Kirkpatrick AE, et al. 14 years of follow-up from the Edinburgh randomised trial of breast-cancer screening. Lancet 1999; 353(9168): 1903-8..

A faixa etária não apresentou associação com o tempo de sobrevida na análise não ajustada. Embora de efeito prognóstico ainda controverso na literatura1515. Ayala AL. Sobrevida de mulheres com câncer de mama, de uma cidade no sul do Brasil. Rev Bras Enferm 2012; 65(4): 566-70.,1818. Guerra MR, Mendonca GA, Bustamante-Teixeira MT, Cintra JR, Carvalho LM, Magalhaes LM. Sobrevida de cinco anos e fatores prognósticos em coorte de pacientes com câncer de mama assistidas em Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25(11): 2455-66., essa variável foi selecionada e mantida no modelo final no formato contínuo, por causa da sua relevância e pelo fato de propiciar melhor ajuste ao modelo, com risco de óbito de apenas 4% com o avançar da idade.

A sobrevida de dez anos nas mulheres não brancas (44,9%) foi inferior àquela encontrada nas brancas (57,7%), embora a variável cor da pele não tenha sido mantida no modelo final. Entre as mulheres não brancas, 32,4% apresentavam estadiamentos avançados da doença (III e IV), 83,7% foram atendidas exclusivamente no serviço público de saúde e 75,6% não tinham cobertura de plano de saúde privado. A variável “cor da pele” tem sido utilizada como forma de expressar o nível socioeconômico das mulheres acometidas pelo agravo e as desigualdades de acesso ao tratamento11. Siegel R, Naishadham D, Jemal A. Cancer statistics, 2012. CA Cancer J Clin 2012; 62(1): 10-29.,2323. Bhoo-Pathy N, Hartman M, Cheng-Har Y, Saxena N, Taib NA, Siew-Eng L, et al. Ethnic Differences in Survival after Breast Cancer in South East Asia. PLoS One 2012; 7(2): 1-6., o que reforça a necessidade de sua avaliação. Um fato que pode ter contribuído para justificar a perda de significância dessa variável após o ajuste é a intensa miscigenação étnica no Brasil, o que prejudica a padronização da classificação da cor da pele, assim como a interferência das variações de percepção individual dos profissionais dos serviços de saúde1616. Abreu E, Koifman RJ, Fanqueiro AG, Land MG, Koifman S. Sobrevida de dez anos de câncer de mama feminino em coorte populacional em Goiânia (GO), Brasil, 1988-1990. Cad Saúde Coletiva 2012; 20(3): 305-13.,1818. Guerra MR, Mendonca GA, Bustamante-Teixeira MT, Cintra JR, Carvalho LM, Magalhaes LM. Sobrevida de cinco anos e fatores prognósticos em coorte de pacientes com câncer de mama assistidas em Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25(11): 2455-66..

Mesmo que durante a análise multivariada o estadiamento tenha perdido a significância, essa variável demonstrou comportamento inversamente proporcional à sobrevida. Tal achado está de acordo com a literatura, sugerindo que estadiamentos mais avançados apresentam piores prognósticos para o câncer de mama1010. Rakha EA, Ellis IO. Modern classification of breast cancer: should we stick with morphology or convert to molecular profile characteristics. Adv Anat Pathol 2011; 18(4): 255-67.,1313. De Moraes AB, Zanini RR, Turchiello MS, Riboldi J, Medeiros LR. Estudo da sobrevida de pacientes com câncer de mama atendidas no hospital da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22(10): 2219-28..

Estudos demonstram que o uso de tratamentos complementares no tratamento do câncer de mama promove o aumento da sobrevida, podendo reduzir em até 57,0% a mortalidade a longo prazo2424. Early Breast Cancer Trialists' Collaborative Group. Effects of chemotherapy and hormonal therapy for early breast cancer on recurrence and 15-year survival: an overview of the randomised trials. Lancet 2005; 365(9472): 1687-717.,2525. Fisher B, Jeong JH, Bryant J, Anderson S, Dignam J, Fisher ER, et al. Treatment of lymph-node-negative, oestrogen-receptor-positive breast cancer: long-term findings from National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project randomised clinical trials. Lancet 2004; 364(9437): 858-68.,2626. Clarke M, Collins R, Darby S, Davies C, Elphinstone P, Evans E, et al. Effects of radiotherapy and of differences in the extent of surgery for early breast cancer on local recurrence and 15-year survival: an overview of the randomised trials. Lancet 2005; 366(9503): 2087-106.. No presente estudo, as modalidades de tratamento complementares avaliadas (quimioterapia, hormonoterapia e radioterapia) não tiveram associação com a sobrevida pela doença, o que pode estar relacionado, pelo menos em parte, à dificuldade de avaliação mais detida da terapêutica instituída, a qual é influenciada por tipo e dosagem utilizados, período de uso e concomitância de tratamentos.

Os testes que possibilitam a avaliação da biologia do tumor têm sido amplamente utilizados na assistência oncológica, tanto para estimar o comportamento tumoral quanto para orientar a terapêutica sistêmica a ser usada1010. Rakha EA, Ellis IO. Modern classification of breast cancer: should we stick with morphology or convert to molecular profile characteristics. Adv Anat Pathol 2011; 18(4): 255-67.,2727. Cintra JR, Teixeira MT, Diniz RW, Goncalves Junior H, Florentino TM, Freitas GF, et al. Perfil imuno-histoquímico e variáveis clinicopatológicas no câncer de mama. Rev Assoc Med Bras 2012; 58(2): 178-87.. Nessa população, a realização dos testes de marcadores tumorais esteve ausente em apenas 8,2% das usuárias do serviço privado, enquanto no serviço público o percentual foi de 36,4%. Salienta-se ainda que a presença dos marcadores esteve relacionada à melhor sobrevida (59,3%; IC95% 50,0-67,4), quando comparada a sua ausência. Esse achado sugere que a não realização desses testes pode estar vinculada à dificuldade de acesso aos métodos de diagnóstico e tratamento, expressando diferencial no nível socioeconômico das mulheres acometidas pelo agravo.

Este trabalho ressalta a relevância das informações disponíveis nos serviços de saúde que prestam assistência aos pacientes com câncer no país, tornando possível a caracterização do perfil de seus usuários e a realização de estimativas de sobrevida. Mesmo considerando as limitações da utilização de dados secundários retrospectivos, essas informações são extremamente úteis para a adoção de medidas voltadas para a prevenção e o controle da doença por parte dos gestores de saúde, para as avaliações da qualidade do cuidado prestado e da acessibilidade ao sistema de saúde, assim como para as avaliações dos avanços diagnósticos e terapêuticos.

CONCLUSÃO

Os achados desta pesquisa permitem estimar a sobrevida de longo prazo para o câncer de mama, dado ainda pouco explorado no Brasil, bem como reforçam a importância do diagnóstico precoce pelo rastreamento realizado por meio de mamografia, que pode contribuir para evitar a ocorrência de metástases ganglionares e diagnósticos em estádios mais avançados. Outro fato essencial é a garantia do acesso ao exame de imunoistoquímica, que apresenta grande relevância nas decisões clínicas contemporâneas, fazendo com que sejam adotadas indicações terapêuticas mais precisas e efetivas.

A combinação entre ações de detecção precoce e o aprimoramento de medidas terapêuticas tem sido apontada como a principal responsável pela melhora da sobrevida e, consequentemente, pela redução da mortalidade por câncer de mama em países desenvolvidos44. Jemal A, Center MM, DeSantis C, Ward EM. Global patterns of cancer and mortality rates and trends. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev 2010; 19(8): 1893-907.,99. Soerjomataram I, Louwman MW, Ribot JG, Roukema JA, Coebergh JW. An overview of prognostic factors for long-term survivors of breast cancer. Breast Cancer Res Treat 2008; 107(3): 309-30.. No caso do Brasil, é imprescindível que sejam adotadas medidas que assegurem a todas as mulheres o acesso às melhores modalidades diagnósticas e terapêuticas disponíveis.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à professora doutora Rosalina Jorge Koifman as valiosas sugestões. Além disso, Maria Teresa Bustamante-Teixeira agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PQ 307087/2015-8) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (PPM-00204-13; APQ 03630-12).

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  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2015
  • Aceito
    31 Maio 2016
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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