RESUMO:
Objetivo:
Investigar os fatores associados à realização de sete ou mais consultas pré-natal, no Brasil, no ano de 2013.
Métodos:
Realizou-se estudo transversal com base no banco de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. Testou-se a associação de variáveis exploratórias com a realização de consultas pré-natal por meio da análise de regressão multinomial simples e múltipla. Também foi analisada a distribuição espacial da realização de consultas pré-natal segundo os municípios brasileiros.
Resultados:
Verificou-se que 2,7% das gestantes não realizaram consulta pré-natal e 63,1% realizaram 7 ou mais consultas. A chance de realizar 7 ou mais consultas pré-natal foi maior entre as gestantes com 40 anos ou mais, com 12 anos ou mais de escolaridade, que viviam com um companheiro, que residiam nas regiões Sul e Sudeste, que tinham gestação tripla ou mais, com idade gestacional de 42 semanas ou mais e que tiveram filhos com peso normal ao nascer. Identificou-se expressiva desigualdade regional na prevalência de gestantes com sete ou mais consultas pré-natal.
Conclusão:
Apesar de o Brasil possuir um Sistema Único de Saúde que oferece assistência pré-natal universal, o uso desse serviço é desigual segundo características geográficas, demográficas e socioeconômicas das gestantes.
Palavras-chave:
Cuidado pré-natal; Sistemas de informação; Sistema Único de Saúde; Fatores de risco; Desigualdades em saúde; Brasil
INTRODUÇÃO
O acesso à atenção pré-natal está associado a melhores desfechos em saúde para gestantes e recém-nascidos. Esse cuidado é essencial para prevenir e/ou detectar precocemente patologias tanto maternas quanto fetais, promovendo o desenvolvimento saudável do bebê e reduzindo os riscos da gestante11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica da Mulher. Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. Rev Bras Saúde Mat Infant 2002; 2: 69-71. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292002000100011
https://doi.org/10.1590/S1519-3829200200... . Com o acompanhamento da gestação desde o primeiro trimestre, há maior possibilidade de se realizar exames laboratoriais e de se reduzir a morbimortalidade materno-infantil, refletindo em melhor crescimento intrauterino, em maior peso ao nascer, em menores ocorrências de prematuridade e de mortalidade neonatal, e, por parte da mãe, em menor índice de complicações durante a gestação e no momento do parto11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica da Mulher. Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. Rev Bras Saúde Mat Infant 2002; 2: 69-71. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292002000100011
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Estudos mostram que, quanto maior o número de consultas pré-natal, menores são as taxas de mortalidades neonatal22. Pereira PMH, Frias PG, Carvalho PI, Vidal SA, Figueiroa JN. Mortalidade neonatal hospitalar na coorte de nascidos vivos em maternidade-escola na Região Nordeste do Brasil, 2001-2003. Epidemiol Serv Saúde 2006; 15(4): 19-28. DOI: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742006000400003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974200600... e materna33. Bezerra EHM, Alencar Júnior CA, Feitosa RFG, Carvalho AAA. Mortalidade materna por hipertensão: índice e análise de suas características em uma maternidade-escola. Rev Bras Ginecol Obstet 2005; 27(9): 548-53. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032005000900008
https://doi.org/10.1590/S0100-7203200500... ,44. Chaim SRP, Oliveira SMJV, Kimura AF. Hipertensão arterial na gestação e condições neonatais ao nascimento. Acta Paul Enferm 2008; 21(1): 53-8., menores são as prevalências de prematuridade33. Bezerra EHM, Alencar Júnior CA, Feitosa RFG, Carvalho AAA. Mortalidade materna por hipertensão: índice e análise de suas características em uma maternidade-escola. Rev Bras Ginecol Obstet 2005; 27(9): 548-53. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032005000900008
https://doi.org/10.1590/S0100-7203200500... , de baixo peso ao nascer55. Kilsztajn S, Rossbach A, Carmo MSN, Sugahara GTL. Assistência pré-natal, baixo peso e prematuridade no Estado de São Paulo, 2000. Rev Saúde Pública 2003; 37(3): 303-10.,66. Gama SGN, Szwarcwald CL, Sabroza AR, Branco VC, Leal MC. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad Saúde Pública 2004; 20(Suppl. 1): S101-11. e de hipertensão no período gestacional33. Bezerra EHM, Alencar Júnior CA, Feitosa RFG, Carvalho AAA. Mortalidade materna por hipertensão: índice e análise de suas características em uma maternidade-escola. Rev Bras Ginecol Obstet 2005; 27(9): 548-53. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032005000900008
https://doi.org/10.1590/S0100-7203200500... ,44. Chaim SRP, Oliveira SMJV, Kimura AF. Hipertensão arterial na gestação e condições neonatais ao nascimento. Acta Paul Enferm 2008; 21(1): 53-8., e maiores são a cobertura de vacinação antitetânica77. Gomes RMT, César JA. Perfil epidemiológico de gestantes e qualidade do pré-natal em unidade básica de saúde em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Bras Med Fam Comunidade 2013; 8(27): 80-9. DOI: http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc8(27)241
https://doi.org/10.5712/rbmfc8(27)241... e a suplementação com sulfato ferroso77. Gomes RMT, César JA. Perfil epidemiológico de gestantes e qualidade do pré-natal em unidade básica de saúde em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Bras Med Fam Comunidade 2013; 8(27): 80-9. DOI: http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc8(27)241
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Diante de tais benefícios indicados pela literatura e com o intuito de melhorar o acesso, a cobertura e a qualidade da atenção pré-natal no Brasil, o Ministério da Saúde lançou, ainda no ano 2000, o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN). Entre outras orientações, o documento preconiza que as gestantes façam no mínimo seis consultas de acompanhamento pré-natal durante a gravidez: uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica da Mulher. Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. Rev Bras Saúde Mat Infant 2002; 2: 69-71. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292002000100011
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Estudos que analisaram os fatores associados à baixa realização de consultas pré-natal identificaram que esse desfecho negativo é mais comum entre mulheres com baixa escolaridade88. Melo EC, Oliveira RR, Nonaka RH, Mathias TAF. Fatores relacionados ao parto cesáreo, baixa cobertura de pré-natal e baixo peso ao nascer. REAS [Internet] 2013; 2(1): 47-59., gestantes adolescentes22. Pereira PMH, Frias PG, Carvalho PI, Vidal SA, Figueiroa JN. Mortalidade neonatal hospitalar na coorte de nascidos vivos em maternidade-escola na Região Nordeste do Brasil, 2001-2003. Epidemiol Serv Saúde 2006; 15(4): 19-28. DOI: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742006000400003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974200600... ,88. Melo EC, Oliveira RR, Nonaka RH, Mathias TAF. Fatores relacionados ao parto cesáreo, baixa cobertura de pré-natal e baixo peso ao nascer. REAS [Internet] 2013; 2(1): 47-59., com elevada paridade66. Gama SGN, Szwarcwald CL, Sabroza AR, Branco VC, Leal MC. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad Saúde Pública 2004; 20(Suppl. 1): S101-11.,88. Melo EC, Oliveira RR, Nonaka RH, Mathias TAF. Fatores relacionados ao parto cesáreo, baixa cobertura de pré-natal e baixo peso ao nascer. REAS [Internet] 2013; 2(1): 47-59. e que vivem sem companheiro66. Gama SGN, Szwarcwald CL, Sabroza AR, Branco VC, Leal MC. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad Saúde Pública 2004; 20(Suppl. 1): S101-11.. No entanto, no Brasil, os estudos publicados referem-se a dados municipais e/ou regionais22. Pereira PMH, Frias PG, Carvalho PI, Vidal SA, Figueiroa JN. Mortalidade neonatal hospitalar na coorte de nascidos vivos em maternidade-escola na Região Nordeste do Brasil, 2001-2003. Epidemiol Serv Saúde 2006; 15(4): 19-28. DOI: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742006000400003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974200600... ,66. Gama SGN, Szwarcwald CL, Sabroza AR, Branco VC, Leal MC. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad Saúde Pública 2004; 20(Suppl. 1): S101-11.,88. Melo EC, Oliveira RR, Nonaka RH, Mathias TAF. Fatores relacionados ao parto cesáreo, baixa cobertura de pré-natal e baixo peso ao nascer. REAS [Internet] 2013; 2(1): 47-59., sendo os nacionais essencialmente descritivos99. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Saúde Brasil 2011: uma análise da situação de saúde e a vigilância da saúde da mulher. Brasília: Ministério da Saúde; 2012..
Ampliar o conhecimento sobre a realização de consultas pré-natal num país marcado por desigualdades socioeconômicas e no acesso aos serviços de saúde - apesar de a assistência à gestante ser oferecida gratuitamente no âmbito de um sistema de saúde público e universal - é essencial para subsidiar políticas e ações de saúde na área. Nesse sentido, a presente pesquisa objetivou investigar os fatores associados à realização de consultas pré-natal no Brasil no ano de 2013.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo transversal com base nos microdados oriundos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Implantado pelo Ministério da Saúde em 1990 com o objetivo de reunir informações epidemiológicas referentes aos nascimentos ocorridos em todo o território nacional, o SINASC tem como base a Declaração de Nascido Vivo (DN), que abrange um extenso conjunto de dados sobre a mãe, o pré-natal, o parto e o recém-nascido1010. Jorge MHPM, Laurenti R, Gotlieb SLD. Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do SINASC. Ciên Saúde Colet 2007; 12(3): 643-54. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232007000300014
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A população do presente estudo foi composta por todos os nascidos vivos em 2013 no Brasil. Optou-se pelo ano de 2013 por ser o último período com dados completos disponíveis no sistema na ocasião da realização desta pesquisa. As informações foram obtidas no mês de outubro de 2015, com base nos microdados do SINASC disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SUS) e de domínio público. Inicialmente disponibilizados no formato DBC (database container), os dados foram expandidos para DBF (database file) e posteriormente convertidos para DTA (data).
O desfecho analisado foi o número de consultas pré-natal realizadas pelas gestantes, categorizado em quatro grupos pelo SINASC: “nenhuma consulta”, “1-3 consultas”, “4-6 consultas”, e “7 ou mais consultas”. As variáveis independentes foram: idade da mãe (“40 anos ou mais”, “30-39 anos”, “20-29 anos”, e “até 19 anos”); escolaridade em anos de estudo (“não alfabetizada”, 1-3 anos”, “4-7 anos”, “8-11 anos” e “12 anos ou mais”); vive com companheiro (“não”, “sim”); cor de pele/raça do recém-nascido (“amarela”, “indígena”, “preta”, “branca” e “parda”); região de residência (“Centro-Oeste”, “Norte”, “Sul”, “Nordeste” e “Sudeste”); tipo de gestação (“única”, “dupla” e “tripla e mais”); idade gestacional (“até 36 semanas”, “37-41 semanas”, “42 semanas ou mais”); e baixo peso ao nascer (“sim”, “não”).
Inicialmente, calculou-se a prevalência da variável de interesse com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) para a amostra total e também para cada categoria das variáveis exploratórias. Em seguida, realizou-se análise de regressão multinomial simples e múltipla para testar a associação dos fatores estudados com a realização de consultas pré-natal. Todas as variáveis que apresentaram valor p ≤ 0,20 na análise de regressão simples foram selecionadas para a entrada no modelo multivariado. A regressão múltipla seguiu o modelo passo a passo, e deu-se a entrada das variáveis de acordo com o valor p. Permaneceram no modelo de regressão múltipla aquelas variáveis que mantiveram o valor p ≤ 0,05. Em ambas as análises foram estimadas as razões de chances (odds ratio - OR) brutas e ajustadas, bem como os respectivos ICs. Adicionalmente, analisou-se a distribuição espacial da realização de consultas pré-natal no país. Os valores da variável desfecho foram obtidos para todos os municípios brasileiros e plotados em um mapa. A construção e a análise do banco de dados foram efetuadas nos programas TabWin32 (Ministério da Saúde, Brasil) e Stata 13.1 (Stata Corporation, College Station, Estados Unidos).
RESULTADOS
Em 2013 foram registrados 2.904.027 nascimentos no Brasil. A idade média das gestantes foi de 26,0 anos (desvio padrão de 6,6 anos), sendo que 55,2% eram pardas e 73,4% tinham 8 anos ou mais de estudo. Quase duas em cada três (63,1%) gestantes realizaram sete ou mais consultas pré-natal. As maiores prevalências de realização de 7 ou mais consultas pré-natal foram observadas entre mulheres que residiam na Região Sul do país (74,7%), tinham entre 30 e 39 anos de idade (71,7%), apresentavam 12 anos ou mais de estudo (82,8%), viviam com um companheiro (67,9%), que tiveram filho com cor de pele/raça branca (75,9%), tinham gestação tripla e mais (65,4%), entre 37 e 41 semanas de gestação (66,9%), e filhos com peso normal ao nascer (64,7%) (Tabela 1).
Na análise bruta, todas as variáveis investigadas apresentaram-se estatisticamente associadas com a realização de consultas pré-natal (Tabela 2). Mulheres com 30-39 anos de idade apresentaram 1,31 vez mais chance de realizar 7 ou mais consultas pré-natal em relação a realizar nenhuma consulta quando comparadas às mulheres com 40 anos ou mais. As gestantes que viviam com companheiro, que possuíam maior escolaridade, que tinham 42 semanas ou mais de gestação e filhos com peso normal ao nascer demonstraram maiores chances de realizar sete ou mais consultas no tocante ao grupo de referência.
A Tabela 3 apresenta as variáveis que permaneceram associadas à realização de consultas pré-natal após a análise ajustada. Houve perda da associação entre a realização de sete ou mais consultas pré-natal e mulheres com 30-39 anos de idade. Ressalta-se que as mulheres com 12 anos ou mais de estudo apresentaram 9,82 vezes mais chances de fazer 7 ou mais consultas pré-natal em relação a não realizar nenhuma consulta, quando comparadas às mulheres não alfabetizadas. Mulheres que tiveram filhos classificados como cor/raça indígena e preta apresentaram menor chance de realizar sete ou mais consultas em relação à nenhuma consulta quando comparadas àquelas com filhos classificados como amarelos. Além disso, residentes nas regiões Sul e Sudeste também demonstraram maiores chances de realizar sete ou mais consultas quando comparadas às categorias de referência.
Quanto à análise espacial, verificaram-se profundas diferenças regionais na realização de consultas pré-natal. Na Região Norte, há maior proporção de municípios com baixa prevalência de realização de sete ou mais consultas e alta prevalência de zero a três consultas, enquanto no Sul e no Sudeste há maior proporção de municípios com elevados percentuais de sete ou mais consultas pré-natal (Figuras 1A e 1B).
Distribuição espacial dos municípios do Brasil segundo realização de (A) 0 a 3 consultas pré-natal e (B) 7 ou mais consultas pré-natal. Brasil, 2013.
DISCUSSÃO
Os resultados desta pesquisa evidenciaram que no Brasil, em 2013, a proporção de gestantes que realizou sete ou mais consultas pré-natal foi de 63,1%. Entre as variáveis associadas com maior realização de sete ou mais consultas pré-natal, destacaram-se a elevada escolaridade, viver com companheiro, residir nas regiões Sudeste e Sul, ter gestação ao menos tripla, apresentar idade gestacional de 42 semanas ou mais e ter filhos com peso normal ao nascer.
Mulheres com idade mais avançada (40 anos ou mais) apresentaram maior chance de realizar sete ou mais consultas pré-natal. No entanto, os dados disponíveis na literatura são controversos. Enquanto pesquisas indicam maior adesão à assistência pré-natal entre mulheres acima de 40 anos de idade, por conta da maior prevalência de complicações maternas e fetais1111. Ziadeh SM. Maternal and perinatal outcome in nulliparous women aged 35 and older. Gynecol Obstet Invest 2002; 54(1): 6-10.,1212. Andrade PC, Linhares JJ, Martinelli S, Antonini M, Lippi UG, Baracat FF. Resultados perinatais em grávidas com mais de 35 anos: estudo controlado. Rev Bras Ginecol Obstet 2004; 26(9): 697-701. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032004000900004
https://doi.org/10.1590/S0100-7203200400... , com destaque para a pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, abortamentos, anomalias cromossômicas, mortalidade materna, mecônio intraparto, baixo peso ao nascer, restrição de crescimento fetal e macrossomia1111. Ziadeh SM. Maternal and perinatal outcome in nulliparous women aged 35 and older. Gynecol Obstet Invest 2002; 54(1): 6-10.,1212. Andrade PC, Linhares JJ, Martinelli S, Antonini M, Lippi UG, Baracat FF. Resultados perinatais em grávidas com mais de 35 anos: estudo controlado. Rev Bras Ginecol Obstet 2004; 26(9): 697-701. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032004000900004
https://doi.org/10.1590/S0100-7203200400... , outros estudos sugerem que gestantes em idade avançada tendem a realizar menos de sete consultas pré-natal por serem multíparas, engravidarem muito tempo após a última gestação e, ainda, justificam não realizar o pré-natal em virtude da existência de eventos prioritários1313. Cecatti JG, Faúndes A, Surita FGC, Aquino MMA. O impacto da idade materna avançada sobre os resultados da gravidez. Rev Bras Ginecol Obstet 1998; 20(7): 389-94. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72031998000700004
https://doi.org/10.1590/S0100-7203199800... .
O nível de escolaridade foi outro fator significativamente associado com a prática de sete ou mais consultas pré-natal. Joshi et al.1414. Joshi C, Torvaldsen S, Hodgson R, Hayen A. Factors associated with the use and quality of antenatal care in Nepal: a population-based study using the demographic and health survey data. BMC Pregnancy and Childbirth 2014; 14: 94. DOI: 10.1186/1471-2393-14-94
https://doi.org/10.1186/1471-2393-14-94... , em um estudo realizado no Nepal, verificaram que conforme aumentava a escolaridade das gestantes analisadas suas chances de receber quatro ou mais consultas pré-natal também cresciam, chegando a ser sete vezes maior quando comparados entre si os grupos extremos de escolaridade. Da mesma forma, na Colômbia, Osorio et al.1515. Osorio AM, Tovar LM, Rathmann K. Individual and local level factors and antenatal care use in Colombia: a multilevel analysis. Cad Saúde Pública 2014; 30(5): 1079-92. constataram que níveis mais altos de escolaridade (ensino superior) refletiram em maior acesso e prática de pelo menos quatro consultas pré-natal durante a gestação.
A condição socioeconômica do indivíduo influencia no seu acesso aos serviços de puericultura1616. Haidar FH, Oliveira UF, Nascimento LFC. Escolaridade materna: correlação com os indicadores obstétricos. Cad Saúde Pública 2001; 17(4): 1025-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2001000400037
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200100... . Mães com maior nível de escolaridade conseguem compreender melhor as informações e as ações que ocorrem ao seu redor e são mais capacitadas para buscarem, processarem e colocarem em prática o conhecimento a que têm acesso1616. Haidar FH, Oliveira UF, Nascimento LFC. Escolaridade materna: correlação com os indicadores obstétricos. Cad Saúde Pública 2001; 17(4): 1025-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2001000400037
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200100... ,1717. Shen C, Williamson JB. Maternal mortality, women's status, and economic dependency in less developed countries: a cross-national analysis. Soc Sci Med 1999; 49(2): 197-214.. O nível de escolaridade influencia a atitude da mulher perante as informações que lhes são passadas, e as mais escolarizadas apresentam maior autonomia, fazem mais perguntas e são mais propensas a serem ouvidas pelos profissionais de saúde1818. Caldwell JC. Education as a factor in mortality decline: an examination of Nigerian data. Population Studies 1979; 33(3): 395-413. DOI: 10.2307/2173888
https://doi.org/10.2307/2173888... . Além disso, as mulheres com maior escolaridade apresentam maior cuidado quanto aos sinais de complicações na gestação, compreendem melhor a necessidade do espaçamento entre os nascimentos e tendem a adotar hábitos alimentares saudáveis, visando evitar riscos para si e para o bebê1717. Shen C, Williamson JB. Maternal mortality, women's status, and economic dependency in less developed countries: a cross-national analysis. Soc Sci Med 1999; 49(2): 197-214..
A associação entre morar com companheiro e apresentar maior prevalência de sete ou mais consultas pré-natal é semelhante aos achados de outros autores1919. Raleigh VS, Hussey D, Seccombe I, Hallt K. Ethnic and social inequalities in women's experience of maternity care in England: results of a national survey. J R Soc Med 2010; 103(5): 188-98. DOI: 10.1258/jrsm.2010.090460
https://doi.org/10.1258/jrsm.2010.090460... ,2020. Rowe RE, Magee H, Quigley MA, Heron P, Askham J, Brocklehurst P. Social and ethnic differences in attendance for antenatal care in England. Public Health 2008; 122(12): 1363-72. DOI: 10.1016/j.puhe.2008.05.011
https://doi.org/10.1016/j.puhe.2008.05.0... . A família, os amigos e o marido/companheiro parecem desempenhar importante papel durante a gestação, período que demanda muita estabilidade emocional2121. Coutinho DS, Baptista MN, Morais PR. Depressão pós-parto: prevalência e correlação com o suporte social. Infanto Rev Neuropsiquiatr Infanc e Adolesc 2002; 10(2): 63-71.,2222. Dessen MA, Braz MP. Rede social de apoio durante transições familiares decorrentes do nascimento de filhos. Psic Teor e Pesq 2000; 16(3): 221-31. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722000000300005
https://doi.org/10.1590/S0102-3772200000... . O companheiro representa o principal provedor do suporte social nos cuidados com a gestante e o bebê2323. Halim N, Bohara AK, Ruan X. Healthy mothers, healthy children: does maternal demand for antenatal care matter for child health in Nepal? Health Policy Plan 2011; 26(3): 242-56. DOI: 10.1093/heapol/czq040
https://doi.org/10.1093/heapol/czq040... , e sua presença, seu apoio e sua proteção durante a gestação proporcionam maiores controle do ambiente e autonomia por parte das gestantes. Além disso, contribuem para a manutenção da saúde mental, para o enfrentamento de momentos estressantes2121. Coutinho DS, Baptista MN, Morais PR. Depressão pós-parto: prevalência e correlação com o suporte social. Infanto Rev Neuropsiquiatr Infanc e Adolesc 2002; 10(2): 63-71.,2222. Dessen MA, Braz MP. Rede social de apoio durante transições familiares decorrentes do nascimento de filhos. Psic Teor e Pesq 2000; 16(3): 221-31. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722000000300005
https://doi.org/10.1590/S0102-3772200000... e, consequentemente, para maior adesão aos cuidados de pré-natal1919. Raleigh VS, Hussey D, Seccombe I, Hallt K. Ethnic and social inequalities in women's experience of maternity care in England: results of a national survey. J R Soc Med 2010; 103(5): 188-98. DOI: 10.1258/jrsm.2010.090460
https://doi.org/10.1258/jrsm.2010.090460... ,2020. Rowe RE, Magee H, Quigley MA, Heron P, Askham J, Brocklehurst P. Social and ethnic differences in attendance for antenatal care in England. Public Health 2008; 122(12): 1363-72. DOI: 10.1016/j.puhe.2008.05.011
https://doi.org/10.1016/j.puhe.2008.05.0... .
Mulheres com idade gestacional de 42 semanas ou mais demonstraram maiores chances de fazer 7 ou mais consultas pré-natal no tocante àquelas com até 36 semanas de gestação. Aragão et al.2424. Aragão VM, da Silva AA, de Aragão LF, Barbieri MA, Bettiol H, Coimbra LC, et al. Risk factors for preterm births in São Luís, Maranhão, Brazil. Cad Saúde Pública 2004; 20(1): 57-63. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2004000100019
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200400... , em estudo desenvolvido em São Luís, Maranhão, perceberam prevalência de partos prematuros (até 36 semanas de gestação) de 23,3% entre as mães que não tiveram acesso às consultas pré-natal, enquanto aquelas que realizaram 7 ou mais consultas apresentaram prevalência de apenas de 4% (p < 0,001). Bezerra et al.2525. Bezerra LC, Oliveira SMJV, Latorre MRDO. Prevalência e fatores associados à prematuridade entre gestantes submetidas à inibição de trabalho de parto prematuro. Rev Bras Saúde Mater Infant 2006; 6(2): 223-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292006000200010
https://doi.org/10.1590/S1519-3829200600... , em pesquisa realizada no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU/USP), constataram que fazer até três consultas pré-natal estava associado com a ocorrência de partos prematuros (OR 4,26), quando comparado com sete ou mais consultas. No entanto, vale ressaltar que mulheres com partos prematuros provavelmente realizam menos consultas pré-natal, o que pode superestimar a associação entre o número de consultas e a idade gestacional.
Ter filhos com peso normal ao nascer esteve associado com a prática de sete ou mais consultas. Pesquisa realizada em Campinas, São Paulo, com base nos dados de 14.444 declarações de nascidos vivos verificou que mulheres que realizaram menos de sete consultas pré-natal tiveram maiores chances de ter filhos com baixo peso ao nascer, tanto entre mulheres com parto prematuro quanto entre aquelas com idade gestacional maior ou igual a 37 semanas2626. Carniel EF, Zanolli ML, Antônio MARGM, Morcillo AM. Determinantes do baixo peso ao nascer a partir das Declarações de Nascidos Vivos. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(1): 169-79. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000100016
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200800... . Semelhantemente, estudo desenvolvido no Estado de São Paulo observou risco relativo de 2,0 para baixo peso entre mulheres que fizeram 0-3 consultas pré-natal e de 1,4 para aquelas que fizeram 4-6 consultas, na comparação com as mulheres que realizaram 7 ou mais consultas55. Kilsztajn S, Rossbach A, Carmo MSN, Sugahara GTL. Assistência pré-natal, baixo peso e prematuridade no Estado de São Paulo, 2000. Rev Saúde Pública 2003; 37(3): 303-10..
A prática de sete ou mais consultas pré-natal demonstrou-se significativamente associada com gestação dupla, tripla e mais. Em gestações gemelares, a mortalidade perinatal tende a ser maior que numa gestação única e aumenta conforme o número de fetos. Além disso, prematuridade, retardo do crescimento fetal, ocorrência de malformações fetais e incidência de doenças, como, por exemplo, a pré-eclampsia, tornam-se mais frequentes. Quanto à mãe, entre as diversas complicações, o desenvolvimento de síndromes hipertensivas, anemia e hemorragias aparecem como as mais comuns2727. Gérardin P, Boumahni B, Choker G, Carbonnier M, Gabrièle M, Heisert M, et al. Twin pregnancies in Southern Reunion Island: a three-year cross-sectional study of risk factors and complications. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris) 2006; 35(8 Pt 1): 804-12.. Dessa forma, a realização de um pré-natal adequado pode prevenir e/ou minimizar os problemas oriundos de gestações gemelares, levando à maior prática de consultas pré-natal, como observado no presente estudo.
Residir nas regiões Sul e Sudeste esteve estatisticamente associado com a prática de sete ou mais consultas pré-natal. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde o ano 2000, após a implementação, por parte do Ministério da Saúde, da normativa que definiu como pré-natal adequado a realização de seis ou mais consultas, a prevalência de realização de 7 ou mais consultas pré-natal vem aumentando, passando de 43,7%, no ano 2000, para 54,5% em 2006, e 61,1% em 20102828. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Estudos e Pesquisas: informação demográfica e socioeconômica número 32. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2013.. A prevalência encontrada nesta pesquisa (63,1%) corrobora a evolução supracitada, no entanto ressaltam-se as expressivas desigualdades inter-regionais no Brasil, verificadas no presente estudo quanto à realização das consultas pré-natal. Enquanto as regiões Sul e Sudeste tiveram 74,7 e 73,0%, respectivamente, de gestantes com 7 ou mais consultas pré-natal, nas regiões Norte e Nordeste essas proporções foram de 42,3 e 51,2%, respectivamente.
Estudos feitos em diferentes países comprovam a ocorrência inadequada da assistência pré-natal em regiões menos favorecidas2929. Heaman MI, Green CG, Newburn-Cook CV, Elliott LJ, Helewa ME. Social inequalities in use of prenatal care in Manitoba. J Obstet Gynaecol Can 2007; 29(10): 806-16.,3030. Paruzzolo S, Mehra R, Kes A, Ashbaugh C. Targeting poverty and gender inequality to improve maternal health. Washington, D.C.: International Center for Research on Women; 2010.. Heaman et al.2929. Heaman MI, Green CG, Newburn-Cook CV, Elliott LJ, Helewa ME. Social inequalities in use of prenatal care in Manitoba. J Obstet Gynaecol Can 2007; 29(10): 806-16., em pesquisa desenvolvida em Manitoba, Canadá, verificaram taxas de inadequação do pré-natal variando entre 1,1 e 21,5%, e as maiores concentrações de taxas de inadequação do pré-natal foram observadas nas áreas menos favorecidas. Ao mesmo tempo, um estudo mundial constatou que o número de consultas pré-natal diminuiu conforme a redução do quintil de renda em todas as regiões analisadas (Ásia Oriental e Pacífico, Europa e Ásia Central, América Latina e Caribe, Oriente Médio e norte da África, sul da Ásia e na África subsaariana). No sul da Ásia, por exemplo, viu-se que apenas 27% das mulheres mais pobres fizeram pelo menos uma consulta pré-natal, em oposição a 82% das gestantes mais ricas3030. Paruzzolo S, Mehra R, Kes A, Ashbaugh C. Targeting poverty and gender inequality to improve maternal health. Washington, D.C.: International Center for Research on Women; 2010..
Por se tratar de um estudo transversal, esta pesquisa apresenta algumas limitações, como a impossibilidade de estabelecer relações causais e/ou temporais. Além disso, as informações obtidas por meio de dados secundários sempre requerem cautela. A sua qualidade pode ser prejudicada pela subnotificação e pela falta de padronização e/ou erro na coleta de dados, bem como pode variar segundo as regiões do país e características demográficas das pessoas, criando ou reforçando artificialmente diferenças entre grupos. Entretanto, o SINASC é uma ferramenta fundamental para conhecer o perfil epidemiológico, planejar e avaliar as ações de saúde da mãe e do bebê - sua qualidade vem sendo muito aprimorada e configura-se como um sistema de informação confiável1010. Jorge MHPM, Laurenti R, Gotlieb SLD. Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do SINASC. Ciên Saúde Colet 2007; 12(3): 643-54. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232007000300014
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200700... .
Salienta-se, ainda, que o presente estudo analisou apenas a quantidade de consultas pré-natal. Estudos que também incorporem em sua análise a qualidade da assistência oferecida são essenciais para oferecer um quadro mais amplo sobre a assistência pré-natal no país.
CONCLUSÃO
Os resultados do presente estudo mostram que, apesar de o Brasil possuir um sistema único de saúde que fornece assistência pré-natal universal, o uso desse serviço é desigual segundo características demográficas, socioeconômicas e geográficas. Entre elas destaca-se a menor prevalência de consultas pré-natal entre gestantes com menor escolaridade, que não vivem com companheiro e que residem nas Regiões Norte e Nordeste.
Nesse contexto, deve ser compromisso ético do Sistema Único de Saúde (SUS) promover ações que procurem eliminar essas iniquidades, sobretudo por meio do fortalecimento das ações da atenção básica. Destaca-se a relevância de garantir a captação precoce das gestantes para sua inclusão nos protocolos de gestação de alto ou baixo risco no SUS, de viabilizar os deslocamentos das gestantes para as consultas de pré-natal e de garantir o vínculo entre as gestantes e as equipes de saúde com o adequado acolhimento de todas as necessidades que surjam na gestação.
COLABORADORES
J. C. Anjos foi responsável pelo planejamento do estudo, pela construção do banco de dados, pela análise dos dados e pela redação do manuscrito. A. F. Boing planejou o estudo, contribuiu para a redação do artigo e conduziu a revisão crítica do texto.
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- Fonte de financiamento: nenhuma
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2016
Histórico
- Recebido
29 Out 2015 - Aceito
31 Maio 2016