RESUMO:
Objetivo:
Investigar a prevalência e os fatores associados ao uso de psicofármacos entre idosos.
Métodos:
O estudo, realizado em 2003, baseou-se no Inquérito de Saúde da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Participaram do estudo 1.635 idosos (60 anos ou mais) residentes nos municípios da RMBH, selecionados por meio de amostra probabilística complexa. Modelos de regressão logística foram utilizados para identificar os fatores associados ao uso de psicofármacos, considerando o nível de significância de 5,0%.
Resultados:
A prevalência de uso de psicofármacos foi de 13,4%, sendo 8,3% para uso de benzodiazepínicos e 5,0% para antidepressivos. Os fatores independentemente associados ao uso de psicofármacos foram sexo feminino (OR = 2,20; IC95% 1,49 - 3,27), relato de diagnóstico médico para depressão (OR = 6,42; IC95% 4,31 - 9,55), ter realizado 5 ou mais consultas médicas nos últimos 12 meses (OR = 2,15; IC95% 1,32 - 3,53) e afiliação a plano de privado saúde (OR = 2,69; IC95% 1,86 - 3,88).
Conclusão:
A prevalência observada foi semelhante ao verificado entre idosos brasileiros e o padrão de associações detectado foi consistente com o observado em populações idosas de países de maior renda, sendo o relato de diagnóstico médico para depressão o fator mais fortemente associado ao uso de psicofármacos.
Palavras-chave:
Psicotrópicos; Idoso; Uso de medicamentos; Farmacoepidemiologia; Inquéritos epidemiológicos; Saúde do Idoso
INTRODUÇÃO
Os psicofármacos são medicamentos que atuam diretamente sobre o sistema nervoso central, constituindo um importante recurso terapêutico no tratamento dos transtornos comportamentais e de humor11. Voyer P, Cohen D, Lauzon S, Collin J. Factors associated with psychotropic drug use among community-dwelling older persons: A review of empirical studies. BMC Nurs 2004; 3(1): 1-13.. O crescimento de sua prescrição e as controvérsias surgidas em relação à sua eficácia e tolerabilidade têm atraído a atenção de pesquisadores do campo da atenção à saúde22. Stephenson CP, Karanges E, McGregor IS. Trends in the utilization of psychotropic medications in Australia from 2000 to 2011. Aust N Z J Psychiatry 2013; 47(1): 74-87.,33. Paulose-Ram R, Safran MA, Jonas BS, Gu Q, Orwig D. Trends in psychotropic medication use among U.S. adults. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(5): 560-70..
Os idosos destacam-se como o grupo etário que mais utiliza psicofármacos, em razão da presença frequente de comorbidade psiquiátrica e da utilização desses medicamentos no alívio de condições somáticas44. Meng X, D'Arcy C, Tempier R. Trends in Psychotropic Use in Saskatchewan From 1983 to 2007. Can J Psychiatry 2013; 58(7): 426-31.,55. Alonso J, Angermeyer MC, Berneert S, Bruffaerts R, Brugha TS, Bryson H, et al. ESEMeD/MHEDEA 2000 investigators. Psychotropic drug utilization in Europe: results from the European Study of the Epidemiology of Mental Disorders (ESEMeD) project. Acta Psychiatr Scand Suppl 2004; 109(Suppl. 420): 55-64.. Entre idosos europeus, a prevalência do uso de psicofármacos variou entre 20,5 e 29,8%66. Carrasco-Garrido P, Jiménez-Garcia R, Astasio-Arbiza P, Ortega-Molina P, de Miguel G. Psychotropics use in the Spanish elderly: predictors and evolution between years 1993 and 2003. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(4): 449-57.,77. Linden M, Bär T, Helmchen H. Prevalence and appropriateness of psychotropic drugs use in old age: results from the Berlin Aging Study (BASE). Int Psychogeriatr 2004; 16(4): 461-80.,88. Linjakumpu T, Hartikainen S, Klaukka T, Koponen H, Kivelä SL, Isoaho R. Psychotropics among the home-dwelling elderly - increasing trends. Int J Geriatr Psychiatry 2002; 17(9): 874-83., valores superiores ao observado entre idosos norte-americanos (14,9 e 19,0%)33. Paulose-Ram R, Safran MA, Jonas BS, Gu Q, Orwig D. Trends in psychotropic medication use among U.S. adults. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(5): 560-70.,99. Aparasu RR, Mort JR, Brandt H. Psychotropic Prescription Use by Community-Dwelling Elderly in the United States. J Am Geriatr Soc 2003; 51(5): 671-7.. Na população idosa, as características mais frequentemente associadas ao uso de psicofármacos têm sido o sexo feminino, a autoavaliação negativa da saúde e a presença de sintomas depressivos66. Carrasco-Garrido P, Jiménez-Garcia R, Astasio-Arbiza P, Ortega-Molina P, de Miguel G. Psychotropics use in the Spanish elderly: predictors and evolution between years 1993 and 2003. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(4): 449-57.,99. Aparasu RR, Mort JR, Brandt H. Psychotropic Prescription Use by Community-Dwelling Elderly in the United States. J Am Geriatr Soc 2003; 51(5): 671-7.,1010. Dealberto MG, Seeman T, McAvay GJ, Berkman L. Factors related do current and subsequent psychotropic drug use in an elderly cohort. J Clin Epidemiol 1997; 50(3): 357-64..
Estudos brasileiros de base populacional sobre a utilização de psicofármacos em geral (antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíticos e sedativos/hipnóticos) são pouco frequentes, e a quase totalidade deles foi realizada junto à população geral1111. Campanha AM, Siu ER, Milhorança IA, Viana MC, Wanga YP, Andrade LH. Use of psychotropic medications in São Paulo Metropolitan Area, Brazil: patterns of healthcare provision to general population. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2015; 24(11): 1207-14.,1212. Quintana MI, Andreoli SB, Moreira FG, Ribeiro WS, Feijó MM, Bressan RA, et al. Epidemiology of psychotropic drug use in rio de janeiro, brazil: gap in mental illness treatments. PLoS One 2014; 8(5): e62270.,1313. Rodrigues MAP, Facchini LA, Lima MS. Modificações nos padrões de consumo de psicofármacos em localidade do Sul do Brasil. Rev Saúde Pública 2006; 40(1): 107-14.,1414. Almeida LM, Coutinho ESF, Pepe VLE. Consumo de psicofármacos em uma Região Administrativa do Rio de Janeiro: a Ilha do Governador. Cad Saúde Pública 1994; 10(1): 5-16.,1515. Mari JJ, Almeida-Filho N, Coutinho ESF, Andreoli SB, Miranda CT, Streiner D. The epidemiology of psychotropic use in the City of São Paulo. Psychol Med 1993; 23(2): 467-74.. No Brasil, foram detectadas prevalências entre 5,2 e 10,2% e uma maior utilização desses medicamentos pelos idosos. Esses estudos identificaram ainda a consulta médica como um importante determinante para o uso do psicofármaco, bem como indícios de restrições ao seu acesso, a partir da baixa prevalência de uso verificada entre aqueles com transtornos psiquiátricos.
Ao nosso conhecimento, um único estudo brasileiro investigou o consumo de psicofármacos especificamente entre idosos, junto a 1.165 residentes do município de São Paulo. A prevalência de uso foi de 12,2%, com ligeiro predomínio dos antidepressivos (AD) sobre os benzodiazepínicos (BZD), como subgrupo químico mais utilizado. Associações positivas e independentes foram detectadas para o sexo feminino e uso de polifarmácia1616. Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(Esp): 38-43..
Estudos sobre utilização de medicamentos constituem um importante campo de investigação da Farmacoepidemiologia, e são úteis para a promoção do uso racional de medicamentos. Eles permitem conhecer o padrão de consumo de medicamentos em populações e avaliar se ele é condizente com suas necessidades de saúde, além de identificar situações de risco na utilização desse importante insumo da saúde e fundamentar as reflexões e ações relacionadas à prescrição, dispensação e uso dos medicamentos. Para a população idosa, os estudos de utilização de medicamentos ganham importância, por se tratar de um segmento populacional particularmente vulnerável a seus efeitos adversos. Entre idosos, o uso de psicofármacos tem sido associado a eventos adversos, tais como quedas com risco de fraturas, prejuízo cognitivo e delírio, além de hospitalizações psiquiátricas11. Voyer P, Cohen D, Lauzon S, Collin J. Factors associated with psychotropic drug use among community-dwelling older persons: A review of empirical studies. BMC Nurs 2004; 3(1): 1-13..
Frente ao exposto, o presente estudo foi desenvolvido com o objetivo de estimar a prevalência e identificar os fatores associados ao uso de psicofármacos entre idosos residentes em comunidade.
METODOLOGIA
ÁREA E POPULAÇÃO DE ESTUDO
O presente estudo, de base populacional e cunho transversal, foi realizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Minas Gerais. A RMBH (composta por 24 municípios) é a terceira mais populosa do Brasil, possui a terceira maior produção econômica, e apresenta tendências demográficas similares ao restante do país, com crescente e rápido envelhecimento da população1717. Lima-Costa MF. A saúde dos adultos na Região Metropolitana de Belo Horizonte: um estudo epidemiológico de base populacional. Fundação Oswaldo Cruz. Centro de Pesquisa René Rachou. Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento; Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte; NESPE/FIOCRUZ; 2004..
Este estudo é parte do Inquérito de Saúde de Belo Horizonte, realizado em maio e junho de 2003, como parte da Pesquisa de Emprego e Desemprego da RMBH (PED/RMBH), desenvolvida pela Fundação João Pinheiro, órgão governamental do estado de Minas Gerais. A PED/RMBH é realizada mensalmente desde 1995, visando à investigação da estrutura e dinâmica do mercado de trabalho da região1717. Lima-Costa MF. A saúde dos adultos na Região Metropolitana de Belo Horizonte: um estudo epidemiológico de base populacional. Fundação Oswaldo Cruz. Centro de Pesquisa René Rachou. Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento; Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte; NESPE/FIOCRUZ; 2004.. O Inquérito de Saúde da RMBH teve como primeiro objetivo a realização de um diagnóstico das condições de saúde de adultos residentes na RMBH, com ênfase no segmento idoso. O diagnóstico de saúde contemplou os seguintes aspectos: condições de saúde, estilos de vida relacionados à saúde, acesso e uso de serviços de saúde e insumos de saúde (incluem-se aí os medicamentos), além da funcionalidade física1717. Lima-Costa MF. A saúde dos adultos na Região Metropolitana de Belo Horizonte: um estudo epidemiológico de base populacional. Fundação Oswaldo Cruz. Centro de Pesquisa René Rachou. Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento; Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte; NESPE/FIOCRUZ; 2004..
A população de estudo resultou de uma amostra por conglomerado em dois estágios, em que os setores censitários do IBGE foram utilizados como unidades primárias de seleção e o domicílio como unidade amostral. A amostra foi representativa da população residente nos municípios da RMBH. Todos os residentes no domicílio sorteado, com 20 ou mais anos de idade, foram selecionados para o Inquérito de Saúde, totalizando 13.701; destes, 1.777 eram idosos (60 anos ou mais de idade) e foram considerados elegíveis para o estudo.
VARIÁVEIS DE ESTUDO E COLETAS DE DADOS
A variável dependente foi o uso referido de psicofármacos nos 15 dias anteriores à realização da entrevista. Aos participantes foi indagado se utilizaram algum medicamento nesse período; àqueles que responderam positivamente, foi perguntado o nome e fabricante do medicamento, tendo sido feita a conferência das embalagens. Essas características serviram para a identificação do medicamento e posterior desdobramento em seus princípios ativos. Foram excluídos os medicamentos fitoterápicos. Com base no princípio ativo, o medicamento foi classificado de acordo com o Anatomical Therapeutic Chemical Index (ATC Index), desenvolvido pelo Word Health Organization Collaboration Center for Drugs Statistic Methodology (WHO/ATC, disponível em http:/www.ahocc.no/atcddd/indexbase/ - acessado em agosto de 2013).
Foram considerados psicofármacos os medicamentos classificados com os seguintes códigos ATC:
N05 (psicolépticos) - que englobam os antipsicóticos (N05A), ansiolíticos (N05B) e sedativos/hipnóticos (N05C);
N06 (psicoanalépticos) - incluindo os antidepressivos (N06A), as combinações de psicolépticos e psicoanalépticos (N06C), além dos antidemenciais (N06D);
clonazepam - classificado pela ATC como anticonvulsivante (N03A), foi também considerado como psicofármaco em razão de ele ser prescrito rotineiramente como ansiolítico no manejo de distúrbios de sono relacionados à ansiedade.
As variáveis explicativas reuniram características sociodemográficas, hábitos e comportamentos em saúde, condições de saúde e utilização de serviços de saúde.
As variáveis sociodemográficas foram: sexo, idade (60 - 69; 70 - 79; 80 ou mais), situação conjugal (casado/união estável; viúvo; solteiro/separado), escolaridade em anos (0 - 3; 4 - 7; 8 ou mais) e status de coabitação (morar sozinho ou não).
Tabagismo (nunca fumou; ex-fumante; fumante), binge drinking (relato de episódio de uso abusivo de álcool nos últimos 30 dias, dicotomizada) e prática regular de exercício físico (três vezes ou mais por semana, dicotomizada) foram utilizadas na mensuração de hábitos de vida e comportamento em saúde. O uso abusivo de bebida alcoólica (binge drinking) foi definido como a ingestão de cinco ou mais doses (para os homens) e de quatro ou mais doses (para as mulheres) em uma única ocasião, nos últimos 30 dias1818. National Institute on Alcohol and Alcoholism (NIAAA). Helping patients who drink too much: a clinician's guide. National Institute on Alcohol and Alcoholism, 2005. Disponível em: http://pubs.niaaa.nih.gov/publications/Practitioner/Clinicians Guide2005/guide.pd. (Acessado em 25 de março de 2015).
http://pubs.niaaa.nih.gov/publications/P... .
O bloco de descritores de condição de saúde compreendeu a autoavaliação da saúde (muito boa/boa; razoável; ruim/muito ruim), número de condições crônicas de saúde selecionadas (hipertensão arterial, diabetes, artrite/reumatismo, doença coronariana, câncer, acidente vascular encefálico - AVE), depressão e distúrbios de sono. Para todas as condições de saúde listadas e para a depressão foi considerado o relato de diagnóstico médico. A mensuração dos distúrbios de sono baseou-se no autorrelato de pelo menos um episódio nos últimos 30 dias. Depressão e distúrbios do sono foram considerados separadamente em razão de constituírem indicação para o uso de psicofármacos. As variáveis descritoras do uso de serviços de saúde foram número de consultas médicas (0 - 1; 2 - 4; 5 ou mais consultas) e histórico de internação hospitalar nos últimos 12 meses, além da cobertura por plano privado de saúde.
ANÁLISES DE DADOS
A prevalência do uso de psicofármacos foi calculada por meio do quociente entre o número de participantes que referiram o uso desses fármacos e o número total de participantes do estudo. Para identificação dos medicamentos mais consumidos foram calculadas proporções, utilizando como denominador o total de psicofármacos utilizados. A comparação entre usuários e não usuários de psicofármacos em relação às covariáveis do estudo baseou-se no teste χ² de Pearson, considerando o fator de correção de Rao & Scott. Regressões logísticas (univariada e multivariada) foram utilizadas para investigar os fatores associados ao uso de psicofármacos. A adequação dos modelos baseou-se no teste de Hosmer-Lemeshow. O modelo multivariado incluiu todas as variáveis que, na análise univariada, apresentaram-se associadas ao evento ao nível de significância menor que 10%. Foram consideradas independentemente associadas ao evento as variáveis que, no modelo multivariado, apresentaram valor p < 0,05. Utilizou-se o programa estatístico Stata, versão 13.0, com o recurso para análise de dados coletados junto a amostras complexas (comando svy), que considera o delineamento amostral e os pesos amostrais dos indivíduos participantes. O Inquérito de Saúde de Belo Horizonte tem aprovação do Comitê de Ética da Fundação Oswaldo Cruz (parecer 011/2001). Os autores declaram não haver conflito de interesses.
RESULTADOS
Dos idosos elegíveis para o estudo (n = 1.777), 1.635 (92,0%) participaram do presente estudo; 142 idosos não foram incluídos na análise em razão da ausência de informações sobre o uso de medicamentos. As perdas foram semelhantes à população estudada, em relação àquelas características incluídas na investigação (dados não apresentados em tabela).
Nas Tabelas 1 e 2 estão descritas as características da população de estudo e os resultados das análises univariadas para associação entre as mesmas e o uso de psicofármacos em geral. Em sua maioria, os participantes eram do sexo feminino (59,0%), tinham entre 60 e 69 anos (56,3%) e eram casados ou viviam no regime de união estável (53,0%). A média de escolaridade era baixa (41,4% com escolaridade inferior a 4 anos) e apenas 12,6% da população de estudo morava sozinha. Em relação aos hábitos de vida, 12,8% dos participantes eram fumantes, 15,4% relataram binge drinking e aproximadamente um quinto deles (19,7%) praticavam exercício físico regularmente (3 ou mais vezes por semana) (Tabela 1).
Relativamente às condições de saúde e utilização de serviços de saúde: 12,7% definiram sua saúde como ruim ou muito ruim; 14,7% referiram diagnóstico médico de depressão; 15,2% relataram transtorno do sono nos 30 dias anteriores à realização da entrevista; e 69,4% receberam diagnóstico médico para pelo menos uma das doenças crônicas pesquisadas. Um pouco mais de 7 em 10 (71,3%) consultaram o médico 2 ou mais vezes e 14,6% foram hospitalizados pelo menos 1 vez nos últimos 12 meses. Um pouco menos da metade da população (45,5%) era coberta por plano de saúde privado (Tabela 2).
A prevalência estimada para o uso de psicofármacos foi igual a 13,4% (IC95% 11,6 - 15,2). Se considerarmos os subgrupos químicos, 8,3% (IC95% 6,9 - 9,8) utilizaram benzodiazepínicos; 5,0% (IC95% 3,8 - 6,1) fizeram uso de antidepressivos; 1,7% (IC95% 1,1 - 2,4) e 1,5% (IC95% 0,9 - 2,1) relataram o uso de, respectivamente, antidemenciais e antipsicóticos. O bromazepam (33,3%) e o diazepam (27,7%) responderam por mais da metade dos benzodiazepínicos utilizados, e a amitriptilina, por 38,5% dos antidepressivos consumidos.
No que se refere às características sociodemográficas e hábitos de vida, apresentaram-se significativamente associadas (p < 0,05) ao uso de psicofármacos na análise univariada o sexo, a situação conjugal e binge drinking; a escolaridade apresentou associação limítrofe (p = 0,051). Todos os descritores de condições de saúde e de utilização de serviços de saúde mostraram-se associados (p < 0,05) ao uso de psicofármacos (Tabelas 1 e 2).
Os resultados finais da análise multivariada das características sociodemográficas, hábitos de vida, indicadores das condições de saúde e descritores de utilização de serviços de saúde associados ao uso de psicofármacos estão apresentados na Tabela 3. A depressão foi a variável mais fortemente associada (OR = 6,13; IC95% 4,09 - 9,18) ao uso de psicofármacos, tendo sido a única condição de saúde a permanecer independentemente associada após o ajustamento pelas demais covariáveis. No que tange às características sociodemográficas, as chances de as mulheres utilizarem psicofármacos foi aproximadamente duas vezes aquela apresentada pelos homens (OR = 1,97; IC95% 1,22 - 3,17). Entre os descritores de utilização de serviços de saúde, permaneceram independente e positivamente associadas ao uso de psicofármacos o número de consultas médicas realizadas nos últimos 12 meses (restrita à categoria de 5 ou mais consultas, OR = 2,14; IC95% 1,29 - 3,57) e cobertura por plano de saúde (OR = 2,53; IC95% 1,65 - 3,89).
DISCUSSÃO
Ao nosso conhecimento, a presente investigação é um dos dois estudos brasileiros1616. Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(Esp): 38-43. de base populacional que investigaram a prevalência e os fatores associados ao uso de psicofármacos em geral, especificamente entre idosos. Os resultados identificaram o histórico de diagnóstico médico para depressão como o fator mais fortemente associado ao uso de psicofármacos. As demais características associadas ao evento foram: o sexo feminino, um maior número de consultas médicas nos últimos 12 meses; e cobertura por plano de saúde. Os benzodiazepínicos (em termos de grupo farmacológico) e o bromazepam (em termos de princípio ativo) figuraram como os psicofármacos de uso predominante.
Em nosso estudo, a prevalência do uso de psicofármacos foi de 13,8%, inferior àquelas verificadas entre idosos residentes em países de renda elevada33. Paulose-Ram R, Safran MA, Jonas BS, Gu Q, Orwig D. Trends in psychotropic medication use among U.S. adults. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(5): 560-70.,66. Carrasco-Garrido P, Jiménez-Garcia R, Astasio-Arbiza P, Ortega-Molina P, de Miguel G. Psychotropics use in the Spanish elderly: predictors and evolution between years 1993 and 2003. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(4): 449-57.,77. Linden M, Bär T, Helmchen H. Prevalence and appropriateness of psychotropic drugs use in old age: results from the Berlin Aging Study (BASE). Int Psychogeriatr 2004; 16(4): 461-80.,88. Linjakumpu T, Hartikainen S, Klaukka T, Koponen H, Kivelä SL, Isoaho R. Psychotropics among the home-dwelling elderly - increasing trends. Int J Geriatr Psychiatry 2002; 17(9): 874-83.,99. Aparasu RR, Mort JR, Brandt H. Psychotropic Prescription Use by Community-Dwelling Elderly in the United States. J Am Geriatr Soc 2003; 51(5): 671-7., e ligeiramente superior ao observado entre idosos brasileiros1616. Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(Esp): 38-43.. As diferenças de prevalências em estudos sobre uso de medicamentos podem originar-se de questões ligadas ao perfil de morbidade das populações estudadas e ao padrão de prescrição, que se modificam de acordo com o contexto e com a época em que os estudos foram realizados. Essas diferenças podem decorrer também de particularidades metodológicas dos estudos, como o período recordatório utilizado: períodos recordatórios mais longos podem gerar superestimativas da prevalência devido à inclusão de participantes que não estão mais em uso do medicamento. Assim, nas comparações da prevalência, nos detivemos a estudos o mais semelhante possível ao nosso, em termos da época de sua realização e/ou de aspectos metodológicos relacionados à população de estudo e definição de psicofármacos.
Os benzodiazepínicos foram os psicofármacos mais utilizados pelos idosos residentes na RMBH, diferentemente do observado entre aqueles residentes em outra metrópole brasileira, que utilizaram mais os antidepressivos1616. Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(Esp): 38-43., mas foram consistentes com os achados de alguns estudos internacionais mais recentes1919. Blumstein T, Benyamini Y, Chetrit A, Mizrahi EH, Lerner-Geva L. Prevalence and correlates of psychotropic medication use among older adults in Israel: Crosssectional and longitudinal findings from two cohorts a decade apart. Aging Ment Health 2012; 16(5): 636-47.,2020. Desplenter F, Caenen C, Meelberghs J, Hartikainen S, Sulkava R, Bell JS. Change in psychotropic drug use among community-dwelling people aged 75 years and older in Finland: repeated cross-sectional population studies. Int Psychogeriatr 2011; 23(8): 1278-84.. Benzodiazepínicos são psicofármacos que apresentam um risco aumentado de dependência e sua utilização crônica já foi detectada em estudos brasileiros2121. Alvarenga JM, Loyola Filho AI, Firmo JOA, Lima-Costa MF, Uchôa E. Prevalence and sociodemographic characteristics associated with benzodiazepines use among community dwelling older adults: The Bambuí Health and Aging Study (BHAS). Rev Bras Psiquiatr 2008; 30(1): 7-11., o que enseja preocupação.
Como já mencionado, o autorrelato de diagnóstico médico para depressão foi a única condição de saúde independentemente associada ao uso de psicofármacos; a associação com distúrbios de sono não permaneceu significativa após o múltiplo ajustamento. Esse resultado não surpreende, e é frequentemente mencionado na literatura, em diferentes cenários66. Carrasco-Garrido P, Jiménez-Garcia R, Astasio-Arbiza P, Ortega-Molina P, de Miguel G. Psychotropics use in the Spanish elderly: predictors and evolution between years 1993 and 2003. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(4): 449-57.,77. Linden M, Bär T, Helmchen H. Prevalence and appropriateness of psychotropic drugs use in old age: results from the Berlin Aging Study (BASE). Int Psychogeriatr 2004; 16(4): 461-80.,99. Aparasu RR, Mort JR, Brandt H. Psychotropic Prescription Use by Community-Dwelling Elderly in the United States. J Am Geriatr Soc 2003; 51(5): 671-7.,1010. Dealberto MG, Seeman T, McAvay GJ, Berkman L. Factors related do current and subsequent psychotropic drug use in an elderly cohort. J Clin Epidemiol 1997; 50(3): 357-64.,1616. Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(Esp): 38-43.. Depressão e distúrbios de sono são altamente correlacionados1010. Dealberto MG, Seeman T, McAvay GJ, Berkman L. Factors related do current and subsequent psychotropic drug use in an elderly cohort. J Clin Epidemiol 1997; 50(3): 357-64.. Uma parcela expressiva dos pacientes depressivos se queixa da deterioração não só da quantidade, mas também da qualidade do sono2222. Lucchesi LM, Pradella-Hallinan M, Lucchesi M, Moraes WAS. Sleep in psychiatric disorders. Rev Bras Psiquiatr 2005; 27(Supl I): 27-32.. Como já mencionado, os benzodiazepínicos e os antidepressivos foram os psicofármacos predominantemente utilizados por essa população. Os primeiros são classicamente usados no manejo dos distúrbios de sono e da ansiedade, ao passo que na abordagem de transtornos depressivos, admite-se a associação de antidepressivos (AD) e benzodiazepínicos (BZD), mas não a utilização dos últimos, isoladamente2323. Swartz M, Landerman R, George LK, Melville ML, Blazer D, Smith K. Benzodiazepine anti-anxiety agents: prevalence and correlates of use in a southern community. Am J Public Health 1991; 81(5): 592-6.. Talvez o uso combinado desses medicamentos na abordagem da depressão explique parcialmente os resultados distintos para depressão e distúrbios de sono. Nessa população, a depressão esteve associada tanto ao uso de antidepressivos quanto ao uso de benzodiazepínicos (resultados não mostrados).
Em vários estudos, o sexo feminino aparece recorrentemente associado a esse evento66. Carrasco-Garrido P, Jiménez-Garcia R, Astasio-Arbiza P, Ortega-Molina P, de Miguel G. Psychotropics use in the Spanish elderly: predictors and evolution between years 1993 and 2003. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(4): 449-57.,88. Linjakumpu T, Hartikainen S, Klaukka T, Koponen H, Kivelä SL, Isoaho R. Psychotropics among the home-dwelling elderly - increasing trends. Int J Geriatr Psychiatry 2002; 17(9): 874-83.,99. Aparasu RR, Mort JR, Brandt H. Psychotropic Prescription Use by Community-Dwelling Elderly in the United States. J Am Geriatr Soc 2003; 51(5): 671-7.,1010. Dealberto MG, Seeman T, McAvay GJ, Berkman L. Factors related do current and subsequent psychotropic drug use in an elderly cohort. J Clin Epidemiol 1997; 50(3): 357-64.,1616. Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(Esp): 38-43.. Uma tendência mais elevada das mulheres em manter vigilância sobre o próprio estado de saúde, reconhecer e relatar mais clara e facilmente sintomas físicos e psicológicos, além da maior fragilidade que lhe é atribuída socialmente, são explicações frequentemente apresentadas para essa associação66. Carrasco-Garrido P, Jiménez-Garcia R, Astasio-Arbiza P, Ortega-Molina P, de Miguel G. Psychotropics use in the Spanish elderly: predictors and evolution between years 1993 and 2003. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(4): 449-57.,99. Aparasu RR, Mort JR, Brandt H. Psychotropic Prescription Use by Community-Dwelling Elderly in the United States. J Am Geriatr Soc 2003; 51(5): 671-7.,1616. Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(Esp): 38-43.. Outras possíveis explicações seriam a maior propensão das mulheres em utilizar esses fármacos de maneira abusiva2424. Simoni-Wastila L; Yang HK. Psychoactive drug abuse in older adults. The Am J Geriatr Pharmacother 2006; 4(4): 380-94. e a maior predisposição dos médicos em prescrevê-los para elas11. Voyer P, Cohen D, Lauzon S, Collin J. Factors associated with psychotropic drug use among community-dwelling older persons: A review of empirical studies. BMC Nurs 2004; 3(1): 1-13.,99. Aparasu RR, Mort JR, Brandt H. Psychotropic Prescription Use by Community-Dwelling Elderly in the United States. J Am Geriatr Soc 2003; 51(5): 671-7.,1616. Noia AS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML, Lieber NSR. Fatores associados ao uso de psicotrópicos por idosos residentes no Município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(Esp): 38-43..
O maior número de consultas médicas (cinco ou mais) e a afiliação a plano de saúde privado foram os fatores descritores da utilização de serviços de saúde independentemente associados ao uso de psicofármacos nessa população, corroborando a literatura66. Carrasco-Garrido P, Jiménez-Garcia R, Astasio-Arbiza P, Ortega-Molina P, de Miguel G. Psychotropics use in the Spanish elderly: predictors and evolution between years 1993 and 2003. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2007; 16(4): 449-57.,99. Aparasu RR, Mort JR, Brandt H. Psychotropic Prescription Use by Community-Dwelling Elderly in the United States. J Am Geriatr Soc 2003; 51(5): 671-7.. Tanto a consulta médica quanto a cobertura por plano de saúde são fatores que facilitam, direta ou indiretamente, o acesso a medicamentos, incluindo os psicofármacos. A explicação para a associação com a realização de consulta médica é intuitiva, e decorre do fato de a legislação sanitária brasileira condicionar a dispensação do psicofármaco à apresentação da prescrição médica, cuja obtenção a consulta médica oportuniza2525. Portaria SVS/MS n° 344, de 12 de maio de 1998. Brasília, DF: [s.n], 1998. Disponível em: http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/svs/12969-344.html (Acessado em 14 de fevereiro de 2014).
http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/... . Ainda de acordo com a essa mesma legislação, os psicofármacos estão entre as substâncias de controle especial e, em razão disso, seu quantitativo em cada prescrição deve cobrir um período de utilização máximo de 60 dias, o que aumentaria a necessidade de consultas médicas mais frequentes, especialmente entre seus usuários crônicos. Outra possível explicação relaciona-se à maior prevalência do uso de BZD entre idosos com depressão, em comparação ao uso de AD. A utilização isolada dos primeiros na abordagem dessa condição de saúde parece ser inadequada e, nesse caso, uma ausência de melhora do quadro motivaria novas consultas.
A influência da cobertura por plano de saúde no acesso e utilização de medicamentos tem sido objeto de interesse de alguns pesquisadores, seja pelo reembolso dos gastos com medicamentos, seja pela economia na realização da consulta médica. Isso já foi evidenciado em estudos internacionais: observou-se uma menor subutilização de medicamentos junto a diabéticos norte-americanos afiliados a planos de saúde que cobriam gastos com medicamentos2626. Piette JD, Wagner TH, Potter MB, Schillinger D. Health insurance status, cost-related medication underuse, and outcomes among diabetes patients in three systems of care. Med Care 2004; 42(2): 102-9.. Entre idosos norte-americanos afiliados a planos de saúde sem essa cobertura, a subutilização devido ao custo dos medicamentos esteve positivamente associada à menor renda, à maior fragilidade e a maiores gastos com medicamentos2727. Steinman MA, Sands LP, Covinsky KE. Self-restriction of medications due to cost in seniors without prescription coverage: a national survey. J Gen Intern Med 2001; 16(12): 793-9.. Na RMBH, a subutilização de medicamentos devido a motivos financeiros foi significativamente menor entre idosos com plano de saúde privado2828. Luz TC, Loyola Filho AI, Lima-Costa MF. Estudo de base populacional da subutilização de medicamentos por motivos financeiros entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25(7): 1578-86.. No Brasil, alguns planos de saúde cobrem, parcial ou totalmente, os gastos na aquisição de medicamentos, o que poderia explicar essa associação. Todavia, essa informação não estava disponível para os idosos investigados. Se entendermos a cobertura por plano de saúde como um marcador de nível socioeconômico mais elevado, esta associação pode derivar de uma maior capacidade de custeio dos medicamentos por parte dos idosos com plano de saúde, ao passo que os idosos sem plano de saúde dependeriam mais da assistência farmacêutica pública. Dados da PNAD-2008 mostraram que a obtenção do total de medicamentos prescritos junto ao SUS foi significativamente maior na população de mais baixa renda2929. Boing AC, Bertoldi AD, Boing AF, Bastos JL, Peres KG. Acesso a medicamentos no setor público: análise de usuários do Sistema Único de Saúde do Brasil. Cad Saúde Pública 2013; 29(4): 691-701.. Esses resultados apontam o potencial do sistema público de saúde como agente fomentador da equidade na assistência farmacêutica, e atestam a pertinência de políticas públicas com esse propósito, como o Programa de Farmácia Popular.
Um possível limite do presente estudo é a mensuração da depressão com base no autorrelato de diagnóstico médico, o que pode ter afetado a precisão da estimativa desta condição de saúde na população estudada. Entretanto, em função de dificuldades logísticas, o autorrelato de diagnóstico médico e escalas de rastreamento dos transtornos depressivos validadas como o GDS ou GHQ-123030. Costa E, Barreto SM, Uchoa E, Firmo JOA, Lima-Costa MF, Prince M. Is the GDS-30 better than the GHO-12 for screening depression in elderly people in the community? The Bambuí Health Aging Study (BHAS). Int Psychogeriatr 2006; 18(3): 493-503. são classicamente utilizados nos estudos epidemiológicos. No Brasil, o autorrelato de diagnóstico de depressão tem sido utilizado em inquéritos de saúde de abrangência nacional3131. Lima-Costa MF, Matos DL, Camargos VP, Macinko J. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998, 2003, 2008). Cien Saúde Colet 2011; 16(9): 3689-96. e local2929. Boing AC, Bertoldi AD, Boing AF, Bastos JL, Peres KG. Acesso a medicamentos no setor público: análise de usuários do Sistema Único de Saúde do Brasil. Cad Saúde Pública 2013; 29(4): 691-701.. Outra limitação é consequente à ausência de dados sobre a especialidade clínica de quem prescreveu o medicamento, o que, associado à ausência de dados relativos ao medicamento (posologia e tempo de uso), prejudica a avaliação sobre adequação do uso.
No tocante às limitações, cabe mencionar ainda o delineamento transversal do estudo e o fato de os dados analisados terem sido coletados em 2003. No primeiro caso, o estabelecimento do caráter causal às associações detectadas é inviabilizado. No segundo caso, é possível que o padrão de consumo atual seja distinto. No entanto, vale ressaltar a semelhança entre nossos resultados e os de estudos internacionais mais recentes1919. Blumstein T, Benyamini Y, Chetrit A, Mizrahi EH, Lerner-Geva L. Prevalence and correlates of psychotropic medication use among older adults in Israel: Crosssectional and longitudinal findings from two cohorts a decade apart. Aging Ment Health 2012; 16(5): 636-47.,2020. Desplenter F, Caenen C, Meelberghs J, Hartikainen S, Sulkava R, Bell JS. Change in psychotropic drug use among community-dwelling people aged 75 years and older in Finland: repeated cross-sectional population studies. Int Psychogeriatr 2011; 23(8): 1278-84., bem como o fato de dois dos psicofármacos mais utilizados (amitriptilina e diazepam) figurarem na relação de medicamentos que integram a assistência farmacêutica básica, direcionada aos agravos considerados prioritários na atenção básica à saúde3232. Brasil. Ministério da Saúde. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - RENAME. 9ª Edição, Brasília, 2015. Disponível em http://www.saude.pr.gov.br/zrquivos/File/ODAF/RENAME2014ed2015.pdf (Acessado em 25 de janeiro de 2015).
http://www.saude.pr.gov.br/zrquivos/File... .
Por outro lado, a força do presente estudo reside, fundamentalmente, nos cuidados metodológicos relativos ao processo amostral e à coleta de dados. Em relação à amostra, a sua representatividade (garantida pelo desenho amostral) e a elevada taxa de resposta (92%) permitem a inferência dos resultados para a população-alvo. Ainda nesse aspecto, cabe destacar o tamanho da população de estudo, que confere robustez aos resultados obtidos.
No tocante à coleta de dados sobre o uso de psicofármacos, a aplicação do questionário no domicílio do entrevistado, em conjunto com a verificação das embalagens dos medicamentos, garante maior precisão quanto à efetiva utilização do medicamento referido, o que constitui uma vantagem em relação aos estudos farmacoepidemiológicos baseados em registros de prescrições ou vendas. Além disso, a janela de tempo utilizada (15 dias) minimiza a ocorrência de problemas de memória. Foram tomados ainda todos os cuidados metodológicos necessários à produção de dados com qualidade nesse tipo de estudo, como o adequado treinamento dos coletores e utilização de instrumento de coleta padronizado.
CONCLUSÃO
Os fatores associados ao uso de psicofármacos na população estudada estão em consonância com o observado em outras populações idosas, no Brasil e em países de maior renda. A associação positiva com o sexo feminino sugere a necessidade dos profissionais de saúde de investigar cuidadosamente a presença de sintomas psíquicos entre seus pacientes do sexo masculino, dada a menor propensão dos homens a relatá-los no encontro paciente-profissional. Tal postura minimizaria o risco de que idosos com distúrbios psiquiátricos deixem de acessar a terapêutica farmacológica apropriada. A associação positiva com a cobertura por plano de saúde reforça a importância da assistência farmacêutica do sistema público de saúde no acesso ao medicamento, especialmente do segmento populacional menos favorecido socioeconomicamente. Frente à escassa produção científica brasileira sobre o tema (uso de psicofármacos entre idosos), espera-se que o presente trabalho estimule novas (e necessárias) investigações a respeito.
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- Fonte de financiamento: Secretaria de Vigilância à Saúde (SVS/MS)
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2017
Histórico
- Recebido
29 Set 2015 - Aceito
31 Maio 2016